Ministério Público Do Trabalho e outros x Uber Do Brasil Tecnologia Ltda.
ID: 259054728
Tribunal: TRT21
Órgão: Primeira Turma de Julgamento
Classe: RECURSO ORDINáRIO - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0000976-30.2024.5.21.0010
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Passivo:
Advogados:
DOUGLAS RIBEIRO CASTRO
OAB/PB XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO PRIMEIRA TURMA DE JULGAMENTO Relator: BENTO HERCULANO DUARTE NETO 0000976-30.2024.5.21.0010 : WALLENGUEBERG DEN…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO PRIMEIRA TURMA DE JULGAMENTO Relator: BENTO HERCULANO DUARTE NETO 0000976-30.2024.5.21.0010 : WALLENGUEBERG DENNER FERNANDES : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. Acórdão Recurso Ordinário em Procedimento Sumaríssimo n. 0000976-30.2024.5.21.0010 Desembargador Relator: Bento Herculano Duarte Neto Recorrente: Wallengueberg Denner Fernandes Advogado: Douglas Ribeiro Castro Recorrido: Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Advogado: Rafael Alfredi de Matos Custos legis: Ministério Público do Trabalho Origem: 10ª Vara do Trabalho de Natal/RN EMENTA DIREITO DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. MOTORISTA DE UBER. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 3º DA CLT. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL E DO C. TST. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso ordinário em que o reclamante busca a reforma da sentença que julgou improcedente os pleitos autorais, não reconhecendo o vínculo de emprego. II. Questões em discussão 2. Em discussão (i) se estão presentes os requisitos para a configuração do vínculo empregatício entre o reclamante e a reclamada, com o consequente pagamento das verbas rescisórias; (ii) a condenação ao pagamento de danos morais em razão da dispensa arbitrária e falta de cobertura previdenciária; (iii) a análise das seguintes questões, suscitadas em contrarrazões: (iii.1) da competência da Justiça do Trabalho; (iii.2) do pedido de decretação da prescrição quinquenal; (iii.3) da alegação de que a petição inicial encontra-se inepta; e (iii.4) da afirmação de que o recurso ordinário carece de dialeticidade. III. Razões de decidir 3. O recurso do reclamante traz ampla discussão a respeito das matérias em que sucumbiu. Tanto é assim que em nada restou prejudicada a formulação das contrarrazões, tendo a reclamada combatido os argumentos recursais. 4. A definição da competência material decorre da análise da causa de pedir e do pedido. Discute-se, nos presentes autos, a existência de vínculo empregatício. 5. O artigo 7º, XXIX, da CF, institui os prazos prescricionais para ações trabalhistas. 6. O reclamante, em sua petição inicial (ID 5a9efcc), apresentou todas as informações capazes de oferecer à reclamada argumentos para defender-se. Tanto que os argumentos da parte ré foram capazes de convencer o Juízo de primeiro grau sobre a improcedência da pretensão autoral. 7. Restou caracterizada a ausência de subordinação jurídica entre o reclamante, motorista, e a empresa reclamada Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Desse modo, ausentes os requisitos necessários à configuração da relação de emprego, à luz do disposto nos artigos 2º e 3º da CLT, deve-se manter o não reconhecimento do vínculo empregatício pretendido pelo autor. Precedentes deste Tribunal e do C. TST. 8. Com relação ao pedido de indenização por danos morais, a análise resta prejudicada, tendo em vista o não reconhecimento do vínculo empregatício pleiteado. IV. Dispositivo e tese 9. Recurso ordinário conhecido, preliminares não acolhidas e mérito desprovido. 9.1. Nos termos do artigo 3º da CLT, para que seja configurada a relação empregatícia, faz-se necessária a coexistência dos seguintes elementos: prestação pessoal de serviços, onerosidade, habitualidade e subordinação. Ausente, portanto, um desses requisitos, deve ser julgada improcedente a ação que pretende o reconhecimento da relação de emprego. ____________ Dispositivos relevantes citados: CLT, arts. 2º, 3º, 765, 791-A. CPC, art. 487; CF, arts. 7º, 114. Jurisprudência relevante citada: TRT21, 1ª Turma; RORSum 0000796-83.2022.5.21.0042; Relator: José Barbosa Filho; Data do Julgamento:29/08/2023; 1ª Turma; Recurso Ordinário n. 0000251-27.2022.5.21.0005; Relator: Ricardo Luís Espíndola Borges; Data do Julgamento: 04/10/2022; DEJT: 06/10/2022; Processo: 0000021-34.2023.5.21.0042; Data de assinatura: 02-10-2023; Órgão Julgador: Gabinete do Desembargador Carlos Newton Pinto - Segunda Turma de Julgamento; Relator(a): CARLOS NEWTON DE SOUZA PINTO; 1ª Turma; Recurso Ordinário n. 0000333-37.2022.5.21.0012; Relatora: Auxiliadora Rodrigues; Data do Julgamento: 07/03/2023; DEJT: 10/03/2023; TST, AIRR: 00003313520205100015, Relator: Alexandre Luiz Ramos, Data de Julgamento: 14/12/2022, 4ª Turma, Data de Publicação: 19/12/2022; AIRR-10575-88.2019.5.03.0003, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 11/09/2020; RR-1000123-89.2017.5.02.0038, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 07/02/2020. 1. RELATÓRIO Trata-se de recurso ordinário interposto por Wallengueberg Denner Fernandes, em face de sentença proferida pelo juízo da 10ª Vara do Trabalho de Natal/RN (ID f553b2a), que julgou improcedente a postulação, condenando "a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos advogados das partes contrárias, no percentual de 10% sobre o valor da causa", impondo condição de suspensividade. Em razões recursais (ID bdc4b9c), o recorrente requereu "a acolhida do presente recurso ordinário para que a decisão recorrida seja reformada, com a correspondente confirmação da procedência de todos os pleitos efetuados na exordial, inclusive danos morais, visando ao reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa UBER e, consequentemente, a devida anotação na carteira de trabalho, contemplando o pagamento de todas as verbas explicitadas na exordial e indenização por danos morais". Postulou, ainda, na eventualidade de o recurso não ser provido, "a manutenção da concessão dos benefícios da justiça gratuita, com a isenção do recorrente quanto ao pagamento das custas, bem como a dispensa do ônus dos honorários advocatícios, tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da CLT, conforme estabelecido na ADI 5.766". Argumentou que "A CLT preceitua que a relação jurídica de emprego (artigos 2º e 3º), é a que tem por objeto a prestação, onerosa e subordinada, de trabalho não-eventual por parte de pessoa física, com caráter intuitu personae"; que a pessoalidade está demonstrada, "vez que, a recorrida confirmou a necessidade do cadastro perante a plataforma, bem como, o fato do mesmo ser intransferível"; que a prestação do serviço é intuito personae, portanto; que "a onerosidade é latente, pois é a recorrida quem fixa o preço da corrida e retém parte do percentual"; "que a caracterização do trabalho do motorista como sendo intermitente deve-se à alternância de períodos de prestação de serviço e de inatividade" à luz do parágrafo 3º, do artigo 443, da CLT"; que havia subordinação, tendo em vista que "os serviços prestados pelo reclamante eram controlados por programação, comando ou algoritmo, nova faceta da organização do trabalho contemporâneo"; e que havia um poder disciplinar por parte da empresa recorrida. A recorrida apresentou contrarrazões (ID 29a4ad5), por meio das quais defendeu, preliminarmente: a) o não conhecimento do recurso por suposta falta de dialeticidade; b) a extinção do processo, sem resolução do mérito (art. 330, I, c/c o art. 337, IV, § 5º, do CPC), decorrente da suposta inépcia da petição inicial, que busca o reconhecimento do vínculo empregatício, a partir de julho de 2017, mas não informa o dia do mês; e c) a devolução dos autos à primeira instância para que seja declarada a prescrição quinquenal dos créditos do reclamante, anteriores a 29/10/2019. No mérito, postulou a manutenção da sentença recorrida, quanto à ausência de vínculo empregatício e inexistência de danos morais; e, por entender tratar-se de matéria de ordem pública, defendeu a decretação da incompetência material da Justiça do Trabalho para apreciar a demanda. O Ministério Público do Trabalho manifestou-se "pelo conhecimento e provimento do Recurso Ordinário, reformando-se a sentença para reconhecer a existência de vínculo de emprego entre as partes" (ID 12daba3). É o relatório. 2. VOTO 2.1. Admissibilidade. O recorrente tomou ciência da sentença em 29/01/2025, consoante se observa na aba "Expedientes" do PJe, e interpôs o recurso ordinário em 10/02/2025, tempestivamente, portanto. Representação regular (ID ead9617). Depósito recursal inexigível e custas processuais dispensadas. Nas contrarrazões ao recurso ordinário, a recorrida pugnou pelo não conhecimento do recurso, uma vez que, ao seu ver, "a parte recorrente não apresentou nenhum fundamento lógico, fático ou jurídico que justificasse a sua pretensão de reforma da decisão". O recurso, desse modo, não tinha dialeticidade. Não lhe assiste razão. A alegação de inobservância do princípio da dialeticidade foi formulada de forma genérica. Não há indicação sobre quais questões especificamente o recurso interposto deixou de atacar quanto aos fundamentos da sentença. Na verdade, o recurso do reclamante traz ampla discussão a respeito das matérias em que sucumbiu. Tanto é assim que em nada restou prejudicada a formulação das contrarrazões, tendo a reclamada combatido os argumentos recursais. Logo, não se detecta que o recurso interposto pelo reclamante violou o princípio da dialeticidade (inteligência da Súmula n. 422, III, do C. TST). Sendo assim, rejeita-se a preliminar de não conhecimento do recurso. Conheço do recurso ordinário. 2.2. Preliminares. 2.2.1. Da preliminar de incompetência material. A reclamada, em sede de contrarrazões, renovou a preliminar de incompetência material da Justiça do Trabalho, sob o argumento de que a relação jurídica entre as partes é de natureza comercial. Examina-se. A definição da competência material decorre da análise da causa de pedir e do pedido. Assim, considerando que, nos presentes autos, se discute a existência de vínculo empregatício, bem como que compete à Justiça do Trabalho a apreciação das demandas relativas às relações de trabalho (art. 114, I, da Constituição Federal), impõe-se reconhecer a competência desta Justiça Especializada. Importante destacar que a decisão mencionada na Reclamação Constitucional n. 59.795/MG foi proferida de forma monocrática pelo Relator, não tendo o E. STF, até o momento, sedimentado entendimento definitivo e vinculante sobre a questão. Ademais, no tocante às decisões proferidas em sede de Conflito de Competência pelo C. STJ, mencionadas no apelo, observa-se que, em nenhuma das ações, se discutia a existência ou não de relação de emprego, mas sim tratavam de questões decorrentes da relação contratual havida entre as partes, cujos pedidos se referiam à reativação de conta de usuário e à responsabilidade por suposto inadimplemento contratual, motivo pelo qual tais decisões não se aplicam à situação em exame. Pelo exposto, rejeita-se a preliminar. 2.2.2. Da preliminar de inépcia da petição inicial. Nas contrarrazões ao recurso ordinário, a recorrida pugnou, preliminarmente, pela extinção do processo, sem resolução do mérito (art. 330, I, c/c o art. 337, IV, § 5º, do CPC), decorrente da suposta inépcia da petição inicial. Argumentou que o reclamante busca, na presente ação, o reconhecimento do vínculo de emprego, a partir de julho de 2017, mas deixara de informar o dia do mês em que o liame empregatício ter-se-ia iniciado. Examina-se. A sentença recorrida, ao apreciar a matéria, pontuou que: "Considerando a primazia da simplicidade e celeridade no processo do trabalho, a petição inicial apresentar uma breve exposição dos fatos que fundamentem as pretensões, conforme vaticina o art. 840, §1º, da CLT. No caso, há na petição inicial fatos adequados e claros de forma a subsidiar o que foi demandado pela parte autora quanto ao pedido, mormente a indicação do mês de início de labor, em observância ao referido dispositivo celetista, não havendo qualquer prejuízo à defesa. Rejeito." O artigo 330, § 1º, do Código de Processo Civil, que trata das hipóteses de inépcia da petição inicial, dispõe que: "Art. 330. (...) § 1º Considera-se inepta a petição inicial quando: I - lhe faltar pedido ou causa de pedir; II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV - contiver pedidos incompatíveis entre si." Já o artigo 840, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, alterado pela Lei n. 13.467/2017, ao tratar dos requisitos da petição inicial, exige que ela contenha "[...] a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante". No caso em tela, verifica-se que o reclamante, em sua petição inicial (ID 5a9efcc), apresentou todas as informações capazes de oferecer à reclamada argumentos para defender-se. Tanto que os argumentos da parte ré foram capazes de convencer o Juízo de primeiro grau sobre a improcedência da pretensão autoral. Assim, não há defeito a justificar a extinção do feito sem resolução do mérito, pois os fatos foram narrados de forma inteligível, não havendo prejuízo à ampla defesa e ao contraditório, tendo, portanto, o recorrente cumprido satisfatoriamente os requisitos previstos no § 1º do artigo 840 da Consolidação das Leis do Trabalho. Dessa forma, deixa-se de acolher a preliminar. 2.3. Da prejudicial de mérito. Prescrição quinquenal. A recorrente, por meio das contrarrazões ao recurso ordinário, postulou, em sede de preliminar, a devolução dos autos à primeira instância para "seja reconhecida a prescrição quinquenal, com resolução de mérito, das pretensões que envolvam supostos direitos anteriores a 29/10/2019". Tendo em vista o ajuizamento da presente ação trabalhista em 29/10/2024, o pleito formulado pela reclamada e o que dispõe o art. 7º, XXIX, da Constituição Federal, estão prescritas as parcelas anteriores a 29/10/2019. Assim, acolho a prejudicial e pronuncio a prescrição quinquenal das parcelas anteriores a 29/10/2019, julgando extinto o processo com resolução de mérito quanto às referidas parcelas, na forma do art. 487, II, do CPC, observando que esse pronunciamento pode restar prejudicado em caso de não reconhecimento do vínculo empregatício. 2.4. Mérito. Em razões recursais, o reclamante requereu "a acolhida do presente recurso ordinário para que a decisão recorrida seja reformada, com a correspondente confirmação da procedência de todos os pleitos efetuados na exordial, inclusive danos morais, visando ao reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa UBER e, consequentemente, a devida anotação na carteira de trabalho, contemplando o pagamento de todas as verbas explicitadas na exordial e indenização por danos morais". Postulou, ainda, na eventualidade de o recurso não ser provido, "a manutenção da concessão dos benefícios da justiça gratuita, com a isenção do recorrente quanto ao pagamento das custas, bem como a dispensa do ônus dos honorários advocatícios, tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da CLT, conforme estabelecido na ADI 5.766". Argumentou que "A CLT preceitua que a relação jurídica de emprego (artigos 2º e 3º), é a que tem por objeto a prestação, onerosa e subordinada, de trabalho não-eventual por parte de pessoa física, com caráter intuitu personae"; que a pessoalidade está demonstrada, "vez que, a recorrida confirmou a necessidade do cadastro perante a plataforma, bem como, o fato do mesmo ser intransferível"; que a prestação do serviço é intuito personae, portanto; que "a onerosidade é latente, pois é a recorrida quem fixa o preço da corrida e retém parte do percentual"; "que a caracterização do trabalho do motorista como sendo intermitente deve-se à alternância de períodos de prestação de serviço e de inatividade" à luz do parágrafo 3º, do artigo 443, da CLT"; que havia subordinação, tendo em vista que "os serviços prestados pelo reclamante eram controlados por programação, comando ou algoritmo, nova faceta da organização do trabalho contemporâneo"; e que havia um poder disciplinar por parte da empresa recorrida. Quanto à ausência de vínculo, assim fundamentou o Juízo de origem: "VÍNCULO DE EMPREGO VERBAS CONTRATUAIS E RESCISÓRIAS DECORRENTES Na petição inicial, a parte autora afirma que começou a trabalhar para a reclamada em junho de 2017, na função de motorista, quando se cadastrou na plataforma digital (aplicativo Uber). Afirma que realiza jornada de trabalho de acordo com a demanda ofertada pela reclamada em horários variáveis, de segunda a sábado. Segue narrando que na relação contratual com a reclamada estão presentes todos os requisitos para configuração da relação de emprego, razão pela qual pleiteia seja reconhecido o vínculo de emprego pelo período alegado, na modalidade intermitente, com a devida anotação em sua CTPS, e consequente condenação da reclamada ao pagamento de haveres contratuais e rescisórios decorrentes da relação empregatícia. Em defesa, a parte reclamada nega a existência de vínculo de emprego, uma vez que ausentes os requisitos para tanto. Nesse sentido, diz que 'Uma vez ativo na plataforma, caberia ao Reclamante escolher livremente onde e quando realizaria a sua atividade, sem qualquer forma de ingerência ou imposição da Uber. Assim, poderia ficar online quando quisesse e apenas neste momento é que receberia solicitações de viagens realizadas por usuários próximos a ele'. À análise. Os elementos fático-jurídicos que caracterizam a relação de emprego encontram previsão nos artigos 2º e 3° da CLT, sendo: A) pessoalidade, B) não eventualidade, C) a subordinação D) a onerosidade e, E) não assunção dos riscos da atividade econômica pelo obreiro. A ausência de qualquer um deles afasta a natureza empregatícia do liame, cabendo, em regra, ao reclamante o ônus da prova, por ser fato constitutivo de seu direito e à reclamada os fatos impeditivos do direito do postulante (art. 818 da CLT). No caso concreto, as partes delimitaram como fatos incontroversos em audiência de instrução (ID a63ffbd) os seguintes pontos: De modo a delimitar o ônus probatório e a matéria fática controvertida, as partes informam igualmente os pontos não controvertidos no presente feito: 1- Ficava a critério do motorista o início e término do horário de utilização da plataforma; 2- O motorista poderia alterar a rota definida pelo aplicativo em comum acordo com o passageiro, o que pode ou não gerar alteração de valor; 3- Não havia exigência quanto ao número mínimo de viagens diárias; 4- Ficava a critério do motorista a participação ou não em promoções; 5- O motorista apenas fez o cadastro por meio do aplicativo, não sendo realizado nenhum processo seletivo; 6- É critério do motorista utilizar outras plataformas; 7- O motorista decide os dias de folga e nos dias de folga, não era necessário justificar a ausência na plataforma; 8- Poderia receber o valor da viagem diretamente do passageiro, quando pago em dinheiro; 9- O motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro; 10- a reclamada não garante remuneração mínima ao final do dia/mês; 11- A reclamada aceita que dois ou mais parceiros utilizem o mesmo veículo; 12- Não é obrigatório o fornecimento de água e bala, ficando a critério do motorista. - destaquei. Do acima transcrito, conclui-se que a reclamada não detinha ingerência na forma e no quantitativo de horas que o reclamante ofertava os seus serviços junto à plataforma Uber, tampouco estabelecia uma jornada mínima, de dias ou horas, a ser cumprida pelo motorista. Nesse particular, destacam-se os pontos '1' e '7' acima transcritos, suficientes em sua interpretação para evidenciar que o autor prestava os serviços como melhor lhe conviesse, com autonomia para decidir sua jornada ou mesmo para não ir trabalhar, dispensando prévia comunicação ou mesmo pedido de anuência à reclamada, afastando, por consequência, a subordinação, ainda que estrutural, do contexto laborativo discutido nos autos. Referido contexto é reforçado pela prova emprestada nos autos (processo n. 0100776-82.2017.5.01.0026 - fl. 595 dos autos), uma vez que a testemunha Vitor de Lalor Rodrigues da Silva ali inquirido afirma que 'que é possível ao motorista ficar dias sem se conectar, inclusive longos períodos (6 meses/1 ano) sem precisar avisar ninguém; que o cancelamento de viagem pelo motorista não gera punição; que pode ocorrer de um motorista cancelar a viagem durante seu desenvolvimento', o que vai ao encontro do testificado por Walter Tadeu Martins Filho nos autos do processo n. 0010200-28.2022.5.03.0021 (acolhido como prova emprestada - fl. 600 dos autos) de que 'que o motorista tem liberdade para definir dias e horários em que estará online'. Para além, o testigo acima demonstra também ausência do quesito não eventualidade. A política remuneratória também merece destaque, na medida em que demonstra que os riscos da própria atividade são, ao menos em parte, assumidos pelo motorista cadastrado, razão porque se conclui que a alteridade patronal, necessária à caracterização do liame empregatício, não se faz presente. Nesse particular destacam-se os itens '4' e '10' acima transcritos. Destaque-se, por oportuno, que as conclusões acima encontram respaldo em diversos julgados desta Justiça Especializada: (...) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PARTE RECLAMADA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. MOTORISTA DE APLICATIVO . TRABALHADOR AUTÔNOMO. AUSÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO . I. A relação de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a editar, não pode o julgador aplicar o padrão da relação de emprego para todos os casos. O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo). O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo , assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. II . As inovações tecnológicas estão transformando todas e cada parte de nossas vidas. A tecnologia não pede licença, mas sim, desculpa. A capacidade de trocar de forma rápida e barata grandes quantidades de dados e informações permitiu o surgimento da economia digital e do trabalho pelas plataformas digitais. Tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento, os consumidores adotaram essa transformação, pois serviços e bens são entregues de maneiras mais baratas e convenientes. Assim, as empresas se adaptaram para atender essa demanda do mercado consumidor. III . O trabalho pela plataforma tecnológica - e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de transporte para os usuários-clientes, sem qualquer exigência de trabalho mínimo, de número mínimo de viagens por período, de faturamento mínimo. IV. Reconhecida a transcendência jurídica da matéria. V . Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento' (RR-0001036-15.2023.5.07.0014, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 24/01/2025). VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE MOTORISTA E PLATAFORMA TECNOLÓGICA OU APLICATIVO CAPTADOR DE CLIENTES ('UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA') - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA - PROVIMENTO. 1. Em relação às novas formas de trabalho e à incorporação de tecnologias digitais no trato das relações interpessoais - que estão provocando uma transformação profunda no Direito do Trabalho, mas carentes ainda de regulamentação legislativa específica - deve o Estado-Juiz, atento a essas mudanças, distinguir os novos formatos de trabalho daqueles em que se está diante de uma típica fraude à relação de emprego, de modo a não frear o desenvolvimento socioeconômico do país no afã de aplicar regras protetivas do direito laboral a toda e qualquer forma de trabalho. 2. Nesse contexto, analisando, à luz dos arts. 2º e 3º da CLT, a relação existente entre a Uber do Brasil Tecnologia LTDA. e os motoristas que se utilizam desse aplicativo para obterem clientes dos seus serviços de transporte, tem-se que: a) quanto à habitualidade, inexiste a obrigação de uma frequência predeterminada ou mínima de labor pelo motorista para o uso do aplicativo, estando a cargo do profissional definir os dias e a constância em que irá trabalhar; b) quanto à subordinação jurídica, a par da ampla autonomia do motorista em escolher os dias, horários e forma de labor, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Reclamada ou sanções decorrentes de suas escolhas, a necessidade de observância de cláusulas contratuais (valores a serem cobrados, código de conduta, instruções de comportamento, avaliação do motorista pelos clientes), com as correspondentes sanções no caso de descumprimento (para que se preserve a confiabilidade e a manutenção do aplicativo no mercado concorrencial), não significa que haja ingerência no modo de trabalho prestado pelo motorista, reforçando a convicção quanto ao trabalho autônomo a inclusão da categoria de motorista de aplicativo independente, como o motorista da 'Uber do Brasil Tecnologia Ltda.', no rol de atividades permitidas para inscrição como Microempreendedor Individual - MEI, nos termos da Resolução 148/2019 do Comitê Gestor do Simples Nacional; c) quanto à remuneração, o caráter autônomo da prestação de serviços se caracteriza por arcar, o motorista, com os custos da prestação do serviço (manutenção do carro, combustível, IPVA), caber a ele a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos ocorridos, dentre outros (ainda que a empresa provedora da plataforma possa a vir a ser responsabilizada solidariamente em alguns casos), além de os percentuais fixados pela U. B. T. L., de cota parte do motorista, serem superiores ao que este Tribunal vem admitindo como suficientes a caracterizar a relação de parceria entre os envolvidos, como no caso de plataformas semelhantes. 3. Já quanto à alegada subordinação estrutural, não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos a fim de reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que atuam em novas formas de trabalho, emergentes da dinâmica do mercado concorrencial atual e, principalmente, de desenvolvimentos tecnológicos, nas situações em que não se constata nenhuma fraude, como é o caso das empresas provedoras de aplicativos de tecnologia, que têm como finalidade conectar quem necessita da condução com o motorista credenciado, sendo o serviço prestado de motorista, em si, competência do profissional e apenas uma consequência inerente ao que propõe o dispositivo. 4. Assim sendo, merece reforma o acórdão regional, para afastar o reconhecimento da relação empregatícia entre o Motorista e a Empresa provedora do aplicativo. 5. Por consequência lógica, como não havia nenhuma obrigação da Uber de pagar verbas rescisórias e anotar a CTPS do Reclamante, excluo a indenização por danos morais decorrentes do não cumprimento das referidas obrigações. Recurso de revista provido, no tema' (RR-0000577-58.2023.5.17.0006, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 19/12/2024). 1.RECURSO DO RECLAMANTE MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER. AUTONOMIA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. VÍNCULO EMPREGATÍCIO NÃO CONFIGURADO. Constatada a ausência dos requisitos legais da relação de emprego, notadamente a subordinação jurídica e a pessoalidade, inviabiliza-se o reconhecimento do vínculo empregatício alegado pela parte reclamante, mantendo-se a decisão de primeiro grau que julgou totalmente improcedentes os pedidos formulados na presente reclamação trabalhista. Precedentes do C. TST. Precedentes desta Eg. 1ª Turma: RORSum 0000133-05.2023.5.21.0009 ROT 0000340-19.2023.5.21.0004; RORSum 0000279-55.2023.5.21.0006 e RORSum 0000570-04.2022.5.21.0002. (TRT da 21ª Região; Processo: 0000467-63.2023.5.21.0001; Data de assinatura: 06-08-2024; Órgão Julgador: Gabinete da Desembargadora Auxiliadora Rodrigues - Primeira Turma de Julgamento; Relator(a): MARIA AUXILIADORA BARROS DE MEDEIROS RODRIGUES) VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA DE APLICATIVO. ELEMENTOS CARACTERIZADORES. O vínculo empregatício pressupõe o serviço prestado por pessoa física, com onerosidade, pessoalidade, não eventualidade e subordinação, nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT. No caso, embora a prestação de serviços ocorra com pessoalidade, ficou demonstrado que não havia qualquer ingerência da reclamada quanto ao horário em que o serviço seria ofertado, tampouco quanto a jornada diária a ser laborada, ficando tais escolhas a critério do motorista, que decidia em que região e em que horário iria trabalhar, segundo sua conveniência. A remuneração auferida pelo trabalhador era correspondente ao esforço empreendido, sem que a reclamada interferisse nas escolhas do trabalhador, que definia o quanto iria trabalhar e, por consequência, quanto iria auferir. Portanto, o incremento econômico da atividade empresarial, embora fosse uma consequência da prestação de serviços pelo trabalhador, não era conduzida pela reclamada. Além disso, o reclamante não tinha nenhuma obrigação de prestar serviços a 99 Tecnologia, poderia inclusive, se cadastrar perante outra plataforma de transporte, como a Uber, por exemplo, podendo optar qual a lhe parecia mais benéfica, sem sofrer qualquer punição por isso. Ademais, a remuneração auferida pelo trabalhador, entre 75% e 80% do valor pago pelo usuário, revela-se superior ao que os empregadores pagam aos seus empregados, evidenciando uma vantagem remuneratória não condizente com a relação empregatícia. Ante a ausência dos elementos essenciais ao reconhecimento da relação empregatícia, não há como se reconhecer a sua ocorrência.Recurso ordinário conhecido e não provido. (TRT da 21ª Região; Processo: 0000537-14.2022.5.21.0002; Data de assinatura: 16-03-2023; Órgão Julgador: OJ de Análise de Recurso - Segunda Turma de Julgamento; Relator(a): EDUARDO SERRANO DA ROCHA) Portanto, observa-se que o reclamante, na qualidade de motorista cadastrado na ré, utilizou-se do aporte de clientes junto à plataforma Uber para desenvolver seus serviços, de modo a potencializar seu volume de viagens e ganhos no aplicativo demandado, sem que tal conjuntura laborativa evidenciasse vinculação à rota de entrega, jornada de trabalho impositiva ou ganho remuneratório prévia e fixamente estabelecido, o que desconstitui a tese de vínculo empregatício. Diante da tal conjuntura, julgo improcedente a pretensão de vínculo empregatício da parte autora com a reclamada e, por consequência de pagamento de haveres contratuais e rescisórios postulados, inclusive depósitos de FGTS, restando prejudicada a análise do demais pedidos correlatos. Prejudicada igualmente a prejudicial de mérito de prescrição." Analisa-se. Trata-se, em síntese, da análise do reconhecimento de vínculo empregatício dos chamados "motoristas de aplicativo", no caso, da empresa Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Efetivamente, a matéria em análise é de amplo conhecimento deste Tribunal - ambas as turmas já tiveram a oportunidade de se manifestar a respeito, a saber: RELAÇÃO DE EMPREGO - CLT, ART. 2º E 3º - MOTORISTA/ENTREGADOR DA UBER - REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS - Nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT, o reconhecimento da relação de emprego depende do preenchimento cumulativo dos requisitos de pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade. In casu, o acervo probatório evidenciou que a relação entre as partes não possuía subordinação, pessoalidade, nem pode ser considerada não eventual, requisitos imprescindíveis para o reconhecimento do vínculo de emprego. Assim, deve ser reformada a sentença para julgar improcedentes os pedidos formulados na reclamação trabalhista. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - CLT, ART. 791-A - SUCUMBÊNCIA DO TRABALHADOR - BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA - ADI 5766 - INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO § 4º - SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE - Diante da inconstitucionalidade parcial do § 4º do art. 791-A da CLT, especificamente quanto à expressão "desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa", declarada pelo c. STF na ADI 5766, é devida a condenação do beneficiário da justiça gratuita em honorários advocatícios sucumbenciais, devendo a obrigação permanecer sob condição suspensiva de exigibilidade até prova, pelo credor, de que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos, observado o prazo de dois anos contados do trânsito em julgado deste acórdão. Recurso conhecido e provido. (TRT 21 - 1ª Turma; RORSum 0000796-83.2022.5.21.0042; Relator: José Barbosa Filho; Data do Julgamento:29/08/2023) 1. MOTORISTA QUE ATUA POR INTERMÉDIO DE APLICATIVOS. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 3o DA CLT. EFEITOS.Não caracterizados os elementos descritos no art. 3º da CLT, não há como se reconhecer a existência de vínculo empregatício entre as partes. Sentença reformada. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. INDEFERIMENTO. São indevidos, nesta Justiça especializada, os honorários advocatícios contratuais, estranhos àqueles reconhecidos por esta Justiça Trabalhista como honorários sucumbenciais, considerando que o advogado particular na Justiça do Trabalho é mera liberalidade da parte, face o princípio do jus postulandi, competindo a esta, portanto, arcar com a verba honorária contratual correspondente.3. Recurso conhecido e desprovido. (TRT da 21ª Região; Processo: 0000021-34.2023.5.21.0042; Data de assinatura: 02-10-2023; Órgão Julgador: Gabinete do Desembargador Carlos Newton Pinto - Segunda Turma de Julgamento; Relator(a): CARLOS NEWTON DE SOUZA PINTO) Entregador. Aplicativo Ifood. Vínculo empregatício não configurado. Considerando os contornos fáticos apresentados nas declarações do autor e na prova dos autos, delineando a autonomia dele na prestação dos serviços, a opção de aceitar ou rejeitar as entregas que lhe são direcionadas, bem como a possibilidade de permanecer desconectado do aplicativo de entregas conforme o seu interesse, além do uso de veículo próprio para o desempenho de seu mister, verifica-se inexistir, na espécie, contrato de trabalho nos termos da CLT. Mantida a sentença que rechaçou o vínculo empregatício. Recurso ordinário conhecido e não provido. (TRT 21 - 1ª Turma; Recurso Ordinário n. 0000251-27.2022.5.21.0005; Relator: Ricardo Luís Espíndola Borges; Data do Julgamento: 04/10/2022; DEJT: 06/10/2022) RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. ENTREGADOR DE APLICATIVO IFOOD. VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM A EMPRESA INTERMEDIÁRIA. OPERADORA LOGÍSTICA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS CARACTERIZADORES. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. A parte recorrente não conseguiu desconstituir as provas constantes nos autos, que deixam claro que não havia relação empregatícia, mas mera prestação de serviços autônomos de entregador de aplicativo IFOOD, que tomou a iniciativa de fazer entregas pela plataforma digital, com utilização de veículo próprio, sem subordinação jurídica com a reclamada principal, operadora logística, devendo ser mantida a sentença que não reconheceu o vínculo de emprego perseguido. Há precedentes, de ambas as Turmas deste egrégio Regional, envolvendo as mesmas funções e reclamadas (ROT nº 0000515-57.2021.5.21.0012, DEJT 25.08.2022; e ROT nº 0000522-52.2021.5.21.0011, DEJT 28.06.2022). Recurso ordinário conhecido e não provido. (TRT 21 - 1ª Turma; Recurso Ordinário n. 0000333-37.2022.5.21.0012; Relatora: Auxiliadora Rodrigues; Data do Julgamento: 07/03/2023; DEJT: 10/03/2023) A análise do presente feito cinge-se em averiguar a existência dos requisitos previstos na legislação para o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes. Nos termos do artigo 3º da CLT, para que seja configurada a relação empregatícia, faz-se necessária a coexistência dos seguintes elementos: prestação pessoal de serviços, onerosidade, habitualidade e subordinação. Ausente, portanto, um desses requisitos, deve ser julgada improcedente a ação que pretende o reconhecimento da relação de emprego. Em matéria de reconhecimento de vínculo de emprego, quando negada a prestação de serviços, incumbe à parte autora o ônus de demonstrar os elementos caracterizadores da relação de emprego, fatos constitutivos do seu direito. A contrario sensu, admitida a prestação de serviço, mas negada a relação jurídica de emprego, inverte-se o ônus, que passa a ser da parte ré, a teor dos artigos 818 da CLT e 373, II, do CPC. Há de se registrar que a relação de emprego se configura sempre que estiverem reunidos os pressupostos dos artigos 2º e 3º da CLT - independente do nome jurídico dado ao ajuste e até contrariamente à intenção inicial das partes, o vínculo de emprego surge sempre que uma pessoa, de forma pessoal e subordinada, presta serviço de natureza não eventual a outrem, que assume os riscos da atividade econômica. Desta forma, o que tem relevância na espécie é a realidade do contrato e não a forma adotada para perfectibilizá-lo, atendendo aos preceitos do princípio da primazia da realidade, que norteia o Direito do Trabalho. A base deste princípio se encontra em fatos reais, importando tão somente a existência de prestação do labor em caráter pessoal, contínuo e mediante subordinação econômica, com a intenção de atingir os objetivos empresariais. De todos os elementos dos autos, se observa a ausência do elemento da subordinação, no molde albergado na legislação trabalhista. Alçada pela doutrina pátria como o elemento qualificador por excelência da relação de emprego, a subordinação se caracteriza pela sujeição do empregado ao poder diretivo empresarial, o qual determina o modo da prestação de serviços. O reclamante, como motorista, agia com independência, prestando serviços de forma liberal para diversos clientes passageiros, por intermédio da plataforma tecnológica fornecida pela empresa reclamada, não estando submetido a horário ou mesmo a exclusividade. Também inexistia a obrigatoriedade de prestação de contas, relatórios de atividades executadas ou coisas semelhantes que traduzam a existência da subordinação. Em verdade, foi caracterizada autonomia do reclamante em definir sua rotina de trabalho, a forma de prestação dos serviços, quais clientes aceitar, sendo possível até mesmo a prestação de serviços por intermédio de sistemas concorrentes. A subordinação necessária para o reconhecimento de vínculo empregatício refere-se à subordinação jurídica - não à subordinação econômica, técnica, social, pessoal, tecnológica, algorítmica ou qualquer outra. Cabe pontuar que a subordinação jurídica é refletida na intensidade, repetição e continuidade de ordens do tomador em direção ao prestador de serviços. Não se pode deixar de registrar que, mesmo nas relações de trabalho autônomo, há um mínimo de obediência às diretrizes traçadas pelo tomador de serviços, pois é um pressuposto da organização de atividades econômicas. Desse modo, a presença de requisitos mínimos para garantir a qualidade dos serviços e o incentivo à prestação de serviços em determinados horários, bem como a avaliação do atendimento por meio dos clientes, não faz caracterizar a subordinação. Destaca-se que a Resolução n. 148 da CGSN incluiu a ocupação de motorista de aplicativo independente no anexo XI da Resolução n. 140 da CGSN, entre aquelas que podem ser exercidas pelo MEI. Em verdade, partilha-se do entendimento de que, diante da ampla relevância social da categoria, deveriam ser implantadas regulamentações para garantir condições de vida e de trabalho mais dignas para a categoria dos profissionais que prestam seus serviços pelo intermédio de sistemas informatizados, sujeitos a alterações de algoritmos e a diversos riscos do negócio, em especial com o recente e infeliz crescimento da informalidade. Todavia, o que não se pode é descaracterizar o instituto jurídico do contrato de trabalho para abarcar situações que são relações de serviço autônomo - a integridade da ordem jurídica e do direito do trabalho é o maior garantidor dos direitos sociais. Segue-se, aqui, na linha do posicionamento expresso pelas seguintes decisões do C. TST: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. RELAÇÃO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO. TRABALHADOR AUTÔNOMO. MOTORISTA ENTREGADOR DE APLICATIVO. IFOOD. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO. I. Discute-se a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista entregador profissional que desenvolve suas atividades com utilização do aplicativo de tecnologia "Ifood" com o seu criador IFOOD.COM AGENCIA DE RESTAURANTES ONLINE S.A. e o operador logístico LOG CITY EXPRESS LTDA. II. Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista (arts. 2º, 3º, e 6º, da CLT), sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconhece-se a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT). III. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve a sentença em que se reconheceu a condição de trabalhador autônomo do Reclamante. No particular, na instância ordinária, houve o reconhecimento de que o Reclamante ostentava ampla autonomia na prestação de serviços, sendo dele o ônus da atividade econômica. Registrou-se, no acórdão recorrido, que as provas e os fatos constantes dos autos comprovaram a ausência de subordinação do trabalhador para com as Reclamadas. Tais premissas são insuscetíveis de revisão ou alteração nessa instância extraordinária, conforme entendimento consagrado na Súmula nº 126 do TST. IV. A relação de emprego definida pela CLT tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego. O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo). O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista entregador de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. O STF já declarou constitucional tal enquadramento jurídico de trabalho autônomo (ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, DJE nº 123, de 18/05/2020), a evidenciar a possibilidade de que nem todo o trabalho pessoal e oneroso deve ser regido pela CLT. V. O trabalho pela plataforma tecnológica - e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-motorista pode dispor livremente quando se disponibilizará seu serviço de transporte/entrega para os usuários-clientes, sem qualquer exigência de trabalho mínimo, de número mínimo de entregas por período, de faturamento mínimo, sem qualquer fiscalização ou punição por esta decisão do motorista, como constou das premissas fáticas incorporadas pelo acórdão Regional. VI. Sob esse enfoque, fixa-se o seguinte entendimento: o trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de oferta de motoristas entregadores-usuários e demanda de clientes-usuários, não se dá para a plataforma e não atende aos elementos configuradores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, inexistindo, por isso, relação de emprego entre o motorista entregador profissional e a desenvolvedora e gestora logística do aplicativo. VII. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. (TST - AIRR: 00003313520205100015, Relator: Alexandre Luiz Ramos, Data de Julgamento: 14/12/2022, 4ª Turma, Data de Publicação: 19/12/2022) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. RELAÇÃO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO. TRABALHADOR AUTÔNOMO. MOTORISTA. APLICATIVO. UBER. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO. I. Discute-se a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista profissional que desenvolve suas atividades com utilização do aplicativo de tecnologia "Uber" e a sua criadora, U. B. T. L. II. Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista (arts. 2º, 3º, e 6º, da CLT) , sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconhece-se a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT). III. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve, pelos próprios fundamentos, a sentença em que se reconheceu a condição de trabalhador autônomo do Reclamante . No particular, houve reconhecimento na instância ordinária de que o Reclamante ostentava ampla autonomia na prestação de serviços, sendo dele o ônus da atividade econômica. Registrou-se, ainda, a ausência de subordinação do trabalhador para com a Reclamada, visto que "o autor não estava sujeito ao poder diretivo, fiscalizador e punitivo da ré". Tais premissas são insusceptíveis de revisão ou alteração nessa instância extraordinária, conforme entendimento consagrado na Súmula nº 126 do TST. IV. A relação de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego. O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo) . O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. O STF já declarou constitucional tal enquadramento jurídico de trabalho autônomo (ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, DJE nº 123, de 18/05/2020), a evidenciar a possibilidade de que nem todo o trabalho pessoal e oneroso deve ser regido pela CLT. V. O trabalho pela plataforma tecnológica - e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de transporte para os usuários-clientes, sem qualquer exigência de trabalho mínimo, de número mínimo de viagens por período, de faturamento mínimo, sem qualquer fiscalização ou punição por esta decisão do motorista, como constou das premissas fáticas incorporadas pelo acórdão Regional, ao manter a sentença de primeiro grau por seus próprios fundamentos, em procedimento sumaríssimo. VI. Sob esse enfoque, fixa-se o seguinte entendimento: o trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de oferta de motoristas-usuários e demanda de clientes-usuários, não se dá para a plataforma e não atende aos elementos configuradores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, inexistindo, por isso, relação de emprego entre o motorista profissional e a desenvolvedora do aplicativo, o que não acarreta violação do disposto no art. 1º, III e IV, da Constituição Federal . VII . Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento (AIRR-10575-88.2019.5.03.0003, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 11/09/2020) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. Em razão de provável caracterização de ofensa ao art. 3º, da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Destaque-se, de início, que o reexame do caso não demanda o revolvimento de fatos e provas dos autos, isso porque a transcrição do depoimento pessoal do autor no acórdão recorrido contempla elemento fático hábil ao reconhecimento da confissão quanto à autonomia na prestação de serviços. Com efeito, o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar " off line" , sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia. Tal auto-determinação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo. Não bastasse a confissão do reclamante quanto à autonomia para o desempenho de suas atividades, é fato incontroverso nos autos que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. Dentre os termos e condições relacionados aos referidos serviços, está a reserva ao motorista do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário , conforme consignado pelo e. TRT. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido (RR-1000123-89.2017.5.02.0038, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 07/02/2020) Com relação ao pedido de indenização por danos morais, a análise resta prejudicada, tendo em vista o não reconhecimento do vínculo empregatício pleiteado. Do mesmo modo, afastado o citado vínculo, não há prescrição a ser decretada. Diante de todo o exposto, mantém-se a improcedência dos pleitos contidos na exordial. 3. CONCLUSÃO Ante o exposto, conheço do recurso ordinário do obreiro, rejeito as preliminares suscitadas e, no mérito, nego-lhe provimento. Não havendo o reconhecimento do vínculo, resta prejudicada a prejudicial de mérito suscitada em contrarrazões. Custas dispensadas. É como voto. Acórdão Isto posto, em Sessão Ordinária de Julgamento realizada nesta data, sob a Presidência da Excelentíssima Senhora Desembargadora Maria Auxiliadora Barros de Medeiros Rodrigues, com a presença dos Excelentíssimos Senhores Desembargadores Ricardo Luís Espíndola Borges, Bento Herculano Duarte Neto (Relator), do Excelentíssimo Senhor Juiz Convocado Manoel Medeiros Soares de Sousa e do(a) Representante da Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª Região, Dra. Maria Edlene Lins Felizardo, ACORDAM os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Federais e o Juiz Convocado da Primeira Turma de Julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da Vigésima Primeira Região, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário. Por unanimidade, rejeitar as preliminares suscitadas. Mérito: por maioria, negar provimento ao recurso ordinário. Não havendo o reconhecimento do vínculo, resta prejudicada a prejudicial de mérito suscitada em contrarrazões; vencido o Juiz Convocado Manoel Medeiros Soares de Sousa que dava provimento ao recurso ordinário por considerar presentes os elementos formadores do vínculo empregatício. Custas dispensadas. Obs.: Ausente, justificadamente, o Excelentíssimo Senhor Desembargador Eridson João Fernandes Medeiros, por se encontrar em gozo de férias regulamentares. Convocado o Excelentíssimo Senhor Juiz Manoel Medeiros Soares de Sousa (RA 007/2025). Sustentação oral pelo advogado da UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., DR. FELIPE MAIA CORREIA. Juntada de voto divergente pelo Juiz Convocado Manoel Medeiros Soares de Sousa. Natal/RN, 15 de abril de 2025. BENTO HERCULANO DUARTE NETO Desembargador Relator Voto do(a) Des(a). MANOEL MEDEIROS SOARES DE SOUSA / Gabinete do Desembargador Eridson João Fernandes Medeiros JUSTIFICATIVA DE VOTO VENCIDO Trata-se de recurso ordinário interposto por Wallengueberg Denner Fernandes, em face de sentença proferida pelo juízo da 10ª Vara do Trabalho de Natal/RN (ID f553b2a), que julgou improcedente a postulação, condenando "a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos advogados das partes contrárias, no percentual de 10% sobre o valor da causa", impondo condição de suspensividade. Em que pese o entendimento do d. Desembargador Relator, dele divirjo, entendendo pela reforma da sentença, porquanto vislumbro presentes os elementos caracterizadores do vínculo empregatício, em especial a subordinação digital. Considerando que a prestação de serviços foi, de toda sorte, admitida pela reclamada, sobre ela recai o ônus de comprovar a alegada autonomia da relação de trabalho. Na verdade, os fatos não estão firmemente controversos e são de domínio público as circunstâncias específicas às quais se submetem o autor e reclamada dentro da relação jurídica estabelecida. Com efeito. A relação de emprego resta configurada quando presentes os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, quais sejam: subordinação, continuidade ou não eventualidade, riscos da atividade econômica pelo empregador (alteridade), pessoalidade e onerosidade. No caso, encontram-se presentes todos os requisitos caracterizadores do vínculo empregatício. Destaco inicialmente que, ao contrário do que tenta fazer crer a empresa reclamada, seu fim social é a prestação de serviços de transporte de passageiros/entregas, e não a mera conexão digital entre prestador e tomador dentro de uma economia dita compartilhada. Isso ocorre porque as regras que regulam a relação, especialmente o termo de uso, permitem à reclamada um domínio absoluto sobre o modo e a forma de se prestar o serviço, pelo motorista, para o tomador (passageiro), além da definição do valor a ser cobrado por cada tarefa executada, em um enquadramento inequívoco do fato ao conceito de subordinação. No caso, subordinação digital. Se o objeto social da empresa fosse tão somente a conexão digital entre o prestador do serviço de transporte e o tomador de serviço, a ela não caberia adentrar e regular tão incisivamente a relação entre eles e o modo de se prestar o serviço. O domínio, repito, é todo da reclamada, a quem cabe ditar as regras. E dominado é o prestador de serviço. Se há uma relação de domínio, o autor é o subordinado. Os próprios "TERMOS E CONDIÇÕES GERAIS DOS SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO DIGITAL" evidenciam a atividade principal da empresa como transporte de passageiros, ainda que sob a roupagem das novas tecnologias. Parece lógico que, se o transporte de passageiros fosse realmente realizado a cargo exclusivo do motorista, o pagamento das corridas seria feito diretamente àquele, sem intermediação da empresa nem tarifação por ela. E ao encargo do motorista ficaria o dever de pagar apenas pelo uso do aplicativo. Isso, contudo, não é o que ocorre no caso. A empresa reclamada inquestionavelmente presta serviço de transporte de passageiros aos clientes do aplicativo, recebe pagamento deles e realiza um repasse ao motorista, o qual é denominado ''parceiro". É bem verdade que realiza sua atividade com amparo na tecnologia, viabilizada por software por ela desenvolvido, mas não está no fomento da tecnologia a sua atividade principal. A tecnologia é tão só o meio para facilitar a realização do transporte de passageiros e dar cumprimento ao seu fim social. Prova maior é que o usuário do aplicativo não é cliente do motorista, mas, sim, da empresa reclamada. O serviço de transporte não é ofertado pelo motorista, mas pela empresa. Consequência lógica é que o usuário do transporte é cliente da empresa, e não do motorista. E este, por sua vez, não é cliente da empresa de transporte, mas verdadeiro trabalhador dela. Acrescento ainda que as reclamações e questionamentos travados pelos usuários do transporte são dirigidos diretamente à empresa, com canal próprio para tanto - que providencia as adequações necessárias, inclusive descredenciamento do trabalhador -, não sendo endereçadas especificamente ao motorista. Na verdade, este fica sujeito a eventual poder punitivo que sabidamente a reclamada detém sobre eles, a exemplo da suspensão ou mesmo, dependendo da falta, o cancelamento do acesso do motorista à plataforma. Uma justa causa digital. E sem suportar ela qualquer penalidade pelo ato, se indevido. De fato, o trabalho prestado pelo motorista é compreensivelmente monitorado pela empresa reclamada, já que, como todo e bom capitalista, precisa assegurar a excelência do serviço à sua clientela, como em toda e boa relação pessoal e profissional diretamente do chão da fábrica. Não só se monitora a prestação de serviços, mas também a sua exposição às orientações da empresa, ainda que através de inteligência artificial. O sistema interage com o motorista para adverti-lo sobre as deficiências e atitudes adversas identificadas, algumas, inclusive, na avaliação da reclamada, passíveis de punição, sendo a pena máxima o descadastramento - uma espécie de dispensa com justa causa -, como é notório e de domínio público. Aqui fica evidente o requisito da subordinação, exigido nas relações de emprego e antagônica à propalada autonomia defendida na defesa. Uma subordinação ambientada nos bits e bytes, em sistemas informacionais complexos viabilizados por um alto nível de automação das rotinas de trabalho, inclusive em nível de aprendizado profundo de máquina (deep learning) - autoaprendizado de máquina, muitas vezes não auditáveis -, chegando a um patamar extremamente requintado com o desenvolvimento dos sistemas digitais, quer na área de hardware (nanotecnologia e processadores octa-core, com oito núcleos, 16 threads e clock se aproximando de 5GHz, sem overclock), quer na de software (inteligência artificial - IA). Tudo resumido em uma subordinação digital. É certo. Mas tão - ou, quiçá, mais - efetiva do que a presencial. Não é só o que dizem os autos. Os depoimentos utilizados como prova emprestada pela defesa (anexos do Id. 66374eb) revelam que havia um código interno imposto na atitude que espera daqueles com quem mantém relação, consolidando, inequivocamente, uma ascendência típica das relações jurídicas com forte traço de subordinação. Pior, em nível de verdadeira sujeição. Exemplo disso era o descadastramento em caso de inatividade do aplicativo ou por avaliação dos usuários. Tal cenário representa uma verdadeira apropriação do trabalho alheio na consecução dos regulares, legais, lícitos e constitucionais fins capitalistas da empresa. O que muda e pode maquiar uma relação de emprego é tão somente o modo como se apropria desse trabalho, representando elemento histórico novo na relação de trabalho. O avanço tecnológico chegou e vem ganhando cada vez mais espaço nas relações de trabalho. O formato tradicional de emprego, em que o trabalhador se apresenta diariamente no mesmo horário, bate o ponto, cumpre sua jornada naquele mesmo local, registra o fim de sua jornada e vai embora, não mais se adequa a muitos segmentos. As novas tecnologias do processamento de informações, sobretudo por meio da criação de diversos aplicativos digitais, exemplo dos aplicativos de motoristas e entrega de alimentos, não mais necessitam da presença física do trabalhador em determinado local e por hora certa. O trabalhador, nessa nova era, nem mesmo conhece seu empregador. Não sabe seu nome e nunca o viu. Pode parecer estranho, mas é assim que caminham as novas relações do comércio e, por conseguinte, do trabalho. E é o avanço tecnológico que permite isso. Permite economizar tempo na prestação dos serviços e dinheiro nos gastos/custeios tradicionais com o trabalhador (energia e espaço físico). Mas não autorizam, de outra banda, a exclusão desses mesmos trabalhadores do sistema jurídico protetivo das relações de trabalho. Convém elucidar que o fato de o trabalho do reclamante ser controlado à distância, por meios informatizados, não retira o caráter da relação de emprego, consoante estabelece o comando contido no art. 6º, da CLT, verbis: "Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio". Em apoio à tese ora exposta, trago à colação recente decisão do c. TST, que firma entendimento segundo o qual a relação jurídica em casos tais é de emprego. O acórdão da 3ª Turma, exarado nos autos do recurso de revista tombado sob o número 100353-02.2017.5.01.0066, da lavra do eminente Ministro Maurício Godinho Delgado, vem em momento oportuno para definição jurisprudencial do tema. Segue abaixo excertos do magnífico - e de fôlego - trabalho que Sua Excelência concebeu: EMENTA: RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE "OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada - Uber do Brasil Tecnologia Ltda. - configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet, propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica no sistema capitalista. Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado - neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se, dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a Súmula 126 do TST. Nesse exame, sem negligenciar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado - regido pela Constituição da República (art. 7º) e pela CLT, portanto -, desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da República de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto empregador/tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego, considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova - definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT). No caso dos autos, a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas - e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo - e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital. Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade, o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho - ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica, em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva, tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural, mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima, que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas - são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada. Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial, já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório. Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-3ª Turma; RR 100353-02.2017.5.01.0066; Relator Ministro Maurício Godinho Delgado; Publicado em 11/04/2022). Ainda, ressalto que a fixação do preço do serviço era feita pelo reclamado, o que também afasta a tese de autonomia do motorista. Os termos de uso da empresa demonstram que havia sistema de recompensas aos motoristas. Provada a onerosidade da relação. A continuidade e pessoalidade, por sua vez, são reveladas pelo período em que o reclamante está atuando como motorista, sem se fazer substituir, desde 04/06/2021. Ainda que não tenha existido dias determinados ou jornada pré-fixada, tal fato, no entanto, não pode ser condição para a relação de emprego, sobretudo nos tempos atuais, em que a fixação do trabalhador a horário ou jornada pré-determinados está sendo substituída pelo trabalho remoto, até porque pode-se cumprir jornada bem superior à limitação legal, dado o interesse do trabalhador em assegurar um mínimo financeiro para garantir um mínimo existencial. Por fim, registro que a exclusividade não é requisito ao reconhecimento da relação de emprego. O que se exige é compatibilidade de horário, o que, no caso, é absolutamente aplicável. De tudo exposto, resta plenamente comprovado que o reclamado, embora se apresente como uma empresa de tecnologia, tem como objetivo final e principal o transporte de passageiros, haja vista que seu lucro não advém do pagamento pela utilização da plataforma, mas, sim, pelos serviços efetivamente prestados pelos motoristas. Não há como aceitar qualquer argumento no sentido de que o motorista assume os riscos da atividade, na medida em que escolhe as corridas que irá realizar, o período laborado, e que tem ciência prévia dos termos e condições do trabalho. Assumir o risco da atividade econômica está atrelado ao auferimento total dos resultados, responsabilidade e em benefício da empresa, o que não ocorre com os motoristas. O risco da atividade sempre foi da empresa reclamada. E a relação de emprego entre ela e o autor está cabalmente provada e inequivocamente consolidada, diante de tudo que já foi exposto. Destarte, não acato a preliminar de incompetência material, e divirjo, no mérito, do voto do Exmo. Desembargador Relator, de modo a reconhecer a relação de emprego, nos moldes especificados no recurso ordinário, dando-lhe provimento para determinar a anotação da CTPS no período de julho/2017 até 14/04/2025, com o pagamento de um salário-mínimo mensal, além de férias, 13ºs salários e reflexos, mais recolhimento de FGTS por todo o período contratual. Manoel Medeiros Soares de Sousa Juiz Convocado NATAL/RN, 22 de abril de 2025. TASIA CRISTINA MATIAS DE MACEDO Diretor de Secretaria
Intimado(s) / Citado(s)
- UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.
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