Jefferson Yuri De Nigris Vieira x Uber Do Brasil Tecnologia Ltda.
ID: 337172916
Data de Disponibilização:
29/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUIZ AFRANIO ARAUJO
OAB/RS XXXXXX
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GABRIELA MARCELINO
OAB/RS XXXXXX
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SUSELE PRATES DE PRATES
OAB/RS XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO 7ª TURMA Relator: EVANDRO PEREIRA VALADÃO LOPES RR 0020790-19.2022.5.04.0027 RECORRENTE: JEFFERSON YURI DE NIGRIS VIEIRA RECO…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO 7ª TURMA Relator: EVANDRO PEREIRA VALADÃO LOPES RR 0020790-19.2022.5.04.0027 RECORRENTE: JEFFERSON YURI DE NIGRIS VIEIRA RECORRIDO: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. PROCESSO Nº TST-RR - 0020790-19.2022.5.04.0027 RECORRENTE: JEFFERSON YURI DE NIGRIS VIEIRA ADVOGADA: Dra. SUSELE PRATES DE PRATES ADVOGADA: Dra. GABRIELA MARCELINO RECORRIDO: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. ADVOGADO: Dr. LUIZ AFRANIO ARAUJO GMEV/CFA D E C I S Ã O Trata-se de recurso de revista interposto pela parte reclamante em face de acórdão regional publicado na vigência da Lei nº 13.467/2017. Apresentadas contrarrazões. Os autos não foram remetidos à Procuradoria-Geral do Trabalho, porquanto ausentes as circunstâncias previstas no art. 95 do Regimento Interno do TST. Atendidos os pressupostos extrínsecos, passo ao exame dos requisitos intrínsecos de admissibilidade do recurso de revista. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO. TRABALHO REALIZADO POR MEIO DE PLATAFORMA DIGITAL (“UBER”). A parte reclamante, nas razões do recurso de revista, alega que “no contrato social da recorrida resta claro a prestação de serviço e a intermediação do serviço, ou seja, r esta caracterizado a contratação de mão de obra, de modo que configura a reclamada como empregadora, e o Recorrente como subordinado a cumprir com a prestação de serviço imposta pela reclamada. Inegável, assim, o caráter personalíssimo da relação jurídica em questão” (fls. 970). Defende que “especificamente com respeito à subordinação jurídica , inquestionável que o recorrente era submetido a ordens da reclamada, sobremodo no que tange à forma de exercer seu labor, pois tinha que respeitar as dezenas de regras rígidas de conduta da empresa” (fls. 970). Argumenta que “o Recorrente era submetido de forma ininterrupta ao controle via algoritmo da reclamada , definitivamente com o propósito, máxime, de sujeitar aquele à aplicação de severas sanções disciplinares, para atender imposições unilaterais da reclamada” (fls. 970). Assere que “o Recorrente prestava serviço a favor da Recorrida e era remunerado por esta, e se caso houve negativa de prestação e/ou não obedecesse às regras da plataforma, poderia sofrer sanção, in casu, foi descadastrado , logo, evidenciada uma típica relação de vínculo trabalhista entre as partes” (fls. 971). Anota que “entende o recorrente que foram preenchidos todos os requisitos do art. 3° da CLT” (fls. 971/972). Aponta violação dos artigos 2º e 3º da CLT. Transcreve arestos para comprovação de divergência jurisprudencial. Consta do acórdão regional, no tema: VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA DE APLICATIVO O juízo não reconheceu a configuração de vínculo de emprego entre as partes com base nos seguintes fundamentos (ID. 08aadbb): 1. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA DE APLICATIVO Aduz o reclamante que prestou serviços à reclamada a partir de agosto de 2021. Afirma que trabalhava doze horas por dia, com 2 folgas a cada 15 dias, e que foi dispensado por justa causa, em 24/06/2022, pelo motivo de "ter efetuado muitos cancelamentos de corridas". Narra que passou por "rigoroso cadastro", fornecendo dados e documentos pessoais, dados bancários e certidão de antecedentes criminais, aderindo aos "termos e condições" da reclamada. Destaca que a reclamada determina quais clientes serão atendidos e recebe o pagamento pelas corridas. Sustenta que a relação jurídica havida continha os requisitos do vínculo de emprego, sendo "detentora do controle de toda a atividade". Postula o reconhecimento do vínculo de emprego, com extinção do contrato de trabalho sem justa causa. Na defesa, a reclamada afirma que o motorista parceiro presta serviços aos usuários transportados, uma vez que a UBER não é uma empresa de transporte, mas se constitui em plataforma eletrônica para intermediação dos serviços. Explica que a adesão do motorista à UBER não se desenvolve por procedimento de contratação, mas sim por meio de processo cadastral "online" realizado pelo próprio interessado, pessoa física ou jurídica, inexistindo qualquer entrevista, seleção ou avaliação prévia. Sustenta que o motorista parceiro tem ampla liberdade de escolher quando, por quanto tempo e de que forma os serviços serão prestados aos usuários do aplicativo. Afirma que o fato de o uso do aplicativo estar a critério do próprio motorista, quando melhor lhe aprouver, "rompe inexoravelmente com a noção de subordinação estrutural" (p. 99). Destaca que o motorista possui autonomia para aceitar ou não viagens, desde que não o faça de forma abusiva, afetando o funcionamento da plataforma, os usuários transportados e os demais motoristas parceiros. Analiso. De acordo com os artigos 2º e 3º da CLT, para que seja considerada relação de emprego são necessários os requisitos da pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação. A pessoalidade decorre do fato de o contrato de trabalho ser, para o empregado, intuito personae, ou seja, a impossibilidade de ser substituído por outras pessoas na prestação dos serviços ao empregador. A pessoalidade decorre da infungibilidade da prestação laboral. Sendo objeto do contrato de trabalho o ato de trabalhar, sempre haverá uma vinculação com a pessoa do prestador do trabalho, de onde decorre a conceituação de empregado como pessoa física do art. 3º da CLT. A pessoalidade estabelece uma fidúcia geral, presente em todo o contrato de trabalho, e uma fidúcia especial, que varia conforme o grau de pessoalidade do empregado. A onerosidade, por sua vez, constitui elemento necessário à caracterização da relação de emprego, tendo em vista que, sendo a atividade produtiva, deverá ela ser contraprestada. Prestação de trabalho gratuita, como em casos de instituições filantrópicas, não pode ser considerada como relação de emprego. Porém, sendo o trabalho do empregado em favor de atividade econômica, está implícita a busca do salário. A relação de emprego é comutativa e sinalagmática, na medida em que à obrigação principal do empregado de prestar serviços se contrapõe a obrigação do empregador de pagar os salários. A não eventualidade, a seu turno, decorre da inserção do empregado no empreendimento econômico nuclear da empresa. Ela pode ser vista sob dois aspectos: o aspecto subjetivo e o aspecto objetivo. Sob o aspecto subjetivo, a continuidade é vista como a expectativa das partes na continuação da relação, ou seja, na expectativa do empregador de que poderá continuar contando com a força de trabalho do empregado, e do empregado, de que permanecerá recebendo salários. Sob o aspecto objetivo, é vista como a existência de um posto de trabalho na empresa, de modo que, na ausência do empregado, outro terá de vir para ocupar o seu lugar ou realizar o seu trabalho. Já a subordinação constitui o elemento mais importante para caracterizar a relação de emprego, servindo para distinguir o contrato de trabalho de todos os outros tipos de contrato em que há prestação de serviços. Fala-se na chamada subordinação jurídica ou hierárquica, abandonando-se as ideias de dependência econômica, técnica ou social, utilizadas no passado. A subordinação pode ser apreendida sob dois aspectos: o aspecto subjetivo e o aspecto objetivo. Sob o aspecto subjetivo, considera-se subordinação o poder do empregador de dar ordens ao empregado, de dirigi-lo, de fiscalizá-lo ou de puni-lo, ao que corresponde à consciência do empregado de que deve obedecer a essas ordens. A chamada subordinação objetiva, a qual se entrelaça à não eventualidade, é aquela verificada pela inserção da atividade do empregado nas finalidades da empresa, ou seja, para a consecução da atividade-fim do empregador. Em relação às novas modalidades de prestação de serviço, ainda é necessário que se façam algumas digressões, uma vez que estas não se inserem, em integralidade, nos conceitos tradicionais atinentes ao contrato de emprego, ainda que tais elementos contem com alguma maleabilidade em sua própria compreensão. O trabalho prestado via solicitação por aplicativos vem se tornando cada vez mais presente na vida da população mundial. Não há como escapar da instalação de novas tecnologias em todas as áreas de convivência, e não há motivo para que diferente seja quanto aos meios de produção - até mesmo porque assim se faz a história do Direito do Trabalho e do modo de produção capitalista, desde o início, ambos em constante evolução. No Brasil, se entende o Direito do Trabalho a partir da abolição do sistema de escravatura, pois desde então começa a se formar quantitativo de pessoas livres, aptas a oferecer a mão de obra em troca do recebimento de contraprestação, ao menos em parte pecuniária. Sobre o tema, discorre Maurício Godinho Delgado: "Em país de formação colonial, de economia essencialmente agrícola, com um sistema econômico construído em torno da relação escravista de trabalho - como o Brasil até fins do século XIX -, não cabe pesquisar a existência desse novo ramo jurídico enquanto não consolidadas as premissas mínimas para a afirmação socioeconômica da categoria básica do ramo justrabalhista, a relação de emprego. Se a existência do trabalho livre (juridicamente livre) é pressuposto histórico-material para o surgimento do trabalho subordinado (e, consequentemente, da relação empregatícia), não há que se falar em ramo jurídico normatizador da relação de emprego sem que o próprio pressuposto dessa relação seja estruturalmente permitido na sociedade enfocada. Desse modo, apenas a cotar da extinção da escravatura (1888) é que se pode iniciar uma pesquisa consistente sobre a formação histórica do Direito do Trabalho no Brasil. (Curso de direito do trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores -Mauricio Godinho Delgado. - 18. ed.- São Paulo: LTr, 2019. p. 126)." Após fases de manifestação inicial, institucionalização, crise e flexibilização do Direito do Trabalho, são vistas contínuas mudanças na legislação trabalhista, pois como em todos os outros ramos do Direito, cabe à ciência jurídica buscar respostas às questões sociais que se fazem presentes na sociedade. Não se pode cogitar, afinal de contas, de edição de lei para regulamentar apenas potencial problematização, que nem sequer existe. Nessa linha veio o Supremo Tribunal Federal a analisar a legalidade das relações homoafetivas, por exemplo, as quais evidentemente existem desde sempre, mas que por preconceitos sociais, não se ofereciam à análise jurídica quanto à própria existência e efeitos. Outro exemplo é a terceirização, a qual acabou por ser examinada sob a luz da súmula 331 do TST por longos anos, até que viesse a regulamentação legal do instituto, quando já largamente utilizado e incrustado na sociedade. No Direito do Trabalho, em questões que envolvam a análise de existência do vínculo de emprego, a questão central está na presença ou não de subordinação, pois este se faz o principal elemento da relação empregatícia. Neste particular, sabe-se que a subordinação é vista, através dos tempos, sob as óticas de subordinação clássica, objetiva, estrutural e, mais recentemente, de subordinação algorítimica, a qual consiste "naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0 " do." (TST-RR100353-02.2017.5.01.0066, 3ª Turma, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, julgado em 6/4/2022). Nesse ponto, é necessário retomar a ideia acerca do papel da tecnologia na vida moderna para deixar claro que se trata de fenômeno extensivo à sociedade em todos os seus aspectos. Em palestra proferida na Escola Judicial deste Tribunal sobre processo estrutural laboral (https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/527660), o min. Alberto Bastos Balazeiro fez menção ao momento de transição atualmente vigente, ao citar as novas dimensões de sociedade em rede (Castells) e ao capitalismo de vigilância (Shoshana Zuboff, autora de The Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of Power [A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder], Public Affairs, 2019). Em conferência organizada no ano de 2005, Manuel Castells ensinou (chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/http://labds.eci.ufmg. br:8080/bitstream/123456789/62/1/CASTELLS%3B%20CARDOSO.%20Sociedade%20em%20rede.pdf): "O nosso mundo está em processo de transformação estrutural desde há duas décadas. É um processo multidimensional, mas está associado à emergência de um novo paradigma tecnológico, baseado nas tecnologias de comunicação e informação, que começaram a tomar forma nos anos 60 e que se difundiram de forma desigual por todo o mundo. Nós sabemos que a tecnologia não determina a sociedade: é a sociedade. A sociedade é que dá forma à tecnologia de acordo com as necessidades, valores e interesses das pessoas que utilizam as tecnologias. Além disso, as tecnologias de comunicação e informação são particularmente sensíveis aos efeitos dos usos sociais da própria tecnologia. A história da Internet fornece-nos amplas evidências de que os utilizadores, particularmente os primeiros milhares, foram, em grande medida, os produtores dessa tecnologia. (...) A sociedade em rede, em termos simples, é uma estrutura social baseada em redes operadas por tecnologias de comunicação e informação fundamentadas na microeletrônica e em redes digitais de computadores que geram, processam e distribuem informação a partir de conhecimento acumulado nos nós dessas redes. (...) Estas redes são quem contrata e despede trabalhadores a uma escala global. Seguem a instabilidade global do mercado de trabalho em todo o lado, a necessidade de flexibilidade do emprego, mobilidade do trabalho e constante requalificação da respectiva força. A noção de uma carreira profissional estável, previsível, entrou em erosão, na medida em que as relações entre capital e trabalho foram individualizadas e as relações contratuais do segundo escapam à negociação coletiva." Assim, é certo dizer que a sociedade está sendo rearranjada, em seus termos (no mínimo) práticos, nas linhas da evolução tecnológica, o que também inclui as relações de trabalho, de modo geral. Portanto, também é correta a afirmação de que a tecnologia se imiscui em outras facetas da prestação de serviços, além da caracterização do vínculo de emprego. Sobre o tema, Cathy O''Neil, Ph.D em matemática pela Universidade de Harvard e pós-doutora pelo MIT, sustenta: "Trabalhadores de grandes corporações dos Estados Unidos recentemente criaram um novo verbo, clopening, ou fechabrir, em português. É quando um funcionário trabalha até tarde da noite para fechar a loja ou café e então volta algumas horas depois, antes do amanhecer, para reabri-lo. Fazer o mesmo funcionário fechar e reabrir, ou fechabrir, costuma fazer sentido para empresa do ponto de vista logístico. Mas isso leva a trabalhadores privados de sono e com horários malucos. Horários extremamente irregulares estão se tornando cada vez mais comuns, e afetam especialmente trabalhadores com baixos salários em empresas como Starbucks, McDonald''s e Walmart. Falta de avisos agravam o problema. Muitos funcionários descobrem apenas um ou dois dias antes que terão de trabalhar num turno noturno de quarta-feira ou tomar conta do horário de pico na sexta. (...) Esses horários irregulares são produto da economia de dados (...). Agora, continuamos a jornada até o trabalho, onde ADMs [algoritmos de destruição em massa] focadas em eficiência tratam os trabalhadores como engrenagens de uma máquina. O fechabrir é apenas um produto dessa tendência, que deve crescer conforme a vigilância e estende para o local de trabalho, dando mais forragem à economia de dados." (Algoritmos de destruição em massa: como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia. Trad. Rafael Abraham. 1 ed. Santo André, SP: Editora Rua do Sabão, 2020. Pp. 191-192). Assim, percebe-se com facilidade que questões atreladas à tecnologia impactam diversos pontos dos contratos de trabalho, ou mesmo da prestação de serviços em geral, e não apenas em questionamentos acerca da existência do vínculo de emprego. Não por outro motivo, foram inseridos no diploma celetista artigos acerca da prestação de trabalho remota, com a utilização de tecnologias da informação (75-A a 75-F). Nesse contexto também se insere a Lei 14.297/22, que dispõe acerca de medidas de proteção asseguradas ao entregador que presta serviço por intermédio de empresa de aplicativo de entrega durante a vigência da emergência em saúde pública decorrente da covid-19. Há diversos artigos que versam sobre obrigações da referida empresa perante os entregadores, mas o artigo 10 é expresso ao afirmar que "os benefícios e as conceituações previstos nesta Lei não servirão de base para caracterização da natureza jurídica da relação entre os entregadores e as empresas de aplicativo de entrega". Há projetos de lei em trâmite sobre aspectos de transporte por meio de aplicativos, como por exemplo os de n. 1471/22, 2330/22 e 1615/22, os quais versam sobre os valores mínimos a serem alcançados aos motoristas, indenizações, contribuições à Previdência Social e equipamentos de proteção individual, sem previsão, no entanto, de caracterização de vínculo de emprego. A Lei 13.640/18 passou a regulamentar o transporte remunerado individual de passageiros, mas diz respeito apenas à regularização da atividade, reconhecendo a legalidade dessa, mas sem adentrar em questões trabalhistas. Até aqui, em síntese, a problematização acerca dos impactos das tecnologias na sociedade e nos contratos de trabalho é exposta em poucas linhas, se comparada à imensidão do desafio posto para solução dos problemas advindos da implementação de novas formas de se pensar e de se praticar a prestação de serviços. Logo, ainda que fosse desejável a concessão de uma "resposta pronta", fácil, clara e simples às inúmeras perguntas que surgem do trabalho prestado por meio de aplicativos, não parece haver tal solução até o presente momento. Nesse panorama, a meu ver, não basta a simples conjectura, ou partir de presunção em hipótese, sobre a existência ou não do vínculo de emprego dos motoristas com as plataformas de aplicativo. Cada caso deve ser analisado em minúcia, para a averiguação acerca da presença dos elementos atualmente exigidos para a caracterização do vínculo de emprego. No mesmo sentido é o entendimento de Sergio Pinto Martins, ao expor que "a realidade dos fatos de cada caso irá demonstrar se o motorista é ou não empregado do Uber. Não é possível estabelecer um padrão que irá se aplicar a todos os casos, como se fosse uma fórmula matemática" (MARTINS, Sergio Pinto. Motorista do Uber e relação de emprego. Repertório IOB de Jurisprudência: Trabalhista e Previdenciário, São Paulo, v. 2, n. 07, p. 247-245, abr. 2018). No caso concreto, verifico que o reclamante acosta aos autos mensagens trocadas no aplicativo da reclamada, às pp. 21-23, as quais exibem as seguintes mensagens enviadas pela reclamada: "Sua conta foi desativada por infringir os Termos de Uso da plataforma, incluindo Código da Comunidade Uber devido ao abuso do recurso de cancelamento de viagens mesmo após o envio de mensagens e comunicações informativas. O abuso do recurso de cancelamento por segurança impacta negativamente a experiência de toda a comunidade no aplicativo em principalmente, os demais motoristas parceiros, que poderiam ter recebido as mesmas ofertas de mensagens canceladas. Agradecemos sua compreensão." "Olá, Jefferson. Você teve um alto índice de cancelamentos de viagens nos últimos dias e, por isso, sua conta foi temporariamente suspensa, mas ela será reativada após 48 horas. Cancelamentos fazem parte do dia a dia e é esperado que eles aconteçam, mas quando chegam a níveis altos eles prejudicam a experiência dos usuários. Sempre que não estiver disponível para atender pedidos, coloque o app em modo offline, isso evita a desativação temporária e até mesmo permanente da parceria na plataforma." O autor acosta aos autos ainda os "ganhos semanais" (pp. 24-28) conforme corridas realizadas nas semanas de trabalho. Observo grande variação nos dias e horas trabalhados, o que contradiz a tese da petição inicial, quanto ao labor por 12 horas diárias - em especial considerando, conforme extraio do depoimento da testemunha Victor Adloff Cardoso Pinto, que relatou o período máximo de trabalho diário em 12 horas, ao item 9 do depoimento, na ata de pp. 859-862. Chamo a atenção para o documento à p. 28, o qual indica que o reclamante deixou de trabalhar por três semanas consecutivas. A reclamada apresenta o relatório de viagens do reclamante, às pp. 414-320, e dos valores por ele auferidos (pp. 321-340), os quais não são alvos da manifestação apresentada pelo reclamante às pp. 795-809. Na oportunidade, o autor tece novamente considerações acerca da relação existente entre a reclamada e o motorista, em tese, sem adentrar em aspectos específicos da relação entre a reclamada e o próprio autor (ou, ao menos, sem referência aos documentos acostados), reiterando a tese da petição inicial, em síntese. Em contrapartida, em audiência (ata de pp. 859-862), o reclamante confessa que poderia ligar e desligar o aplicativo, com utilização "normal" deste após período de afastamento, sem arcar com qualquer espécie de punição (itens 11, 12 e 19). Declara, ainda, a opção quanto à participação em promoções e quanto ao aceite das viagens (itens 20-24). Em relação à pessoalidade, sinalo que o caráter intuitu dos contratos de emprego não é exclusivo desta modalidade personae de prestação de serviços. Se há a contratação de serviços de profissional específico, ainda que autônomo, este não pode se fazer substituir por outra pessoa, sem autorização do contratante. O estagiário não pode enviar colega de faculdade em seu lugar, para a realização do estágio, sem a aquiescência da entidade concedente. Mesmo raciocínio compreende a impossibilidade de contratação de empregados subordinados ao motorista, ainda que mais de uma pessoa possa conduzir o mesmo veículo (item 3 do depoimento da testemunha Victor) - o que, em meu sentir, se faz antes como regra de organização do que indício de existência de vínculo de emprego entre motorista e plataforma. Assim, entendo que o requisito da pessoalidade não socorre às partes, quanto ao reconhecimento ou à exclusão da possibilidade de existência de vínculo de emprego. A onerosidade também não é fator distintivo, no aspecto, na medida que em qualquer trabalho prestado, à exceção de trabalho voluntário ou assemelhado, existe a contraprestação pelo serviço executado. Vale ressaltar, no particular, que a mera expectativa do trabalhador, de contraprestação pecuniária pelo trabalho ofertado, é suficiente para a verificação da onerosidade. O fato de o prestador de serviços não participar da fixação do preço a ser cobrado não o exclui de (pelo menos) ter alguma ingerência no referido valor, ante a possibilidade de concessão de descontos aos passageiros (itens 4, 11 e 12 do depoimento da testemunha). Aliado ao conceito de onerosidade está a definição de alteridade, o que pode trazer alguma luz para entendimento do requisito em questão. Expõe Homero Batista, sobre o tema: "Em resumo, para haver contrato de trabalho, não basta a contraprestação em dinheiro: é preciso que também haja a assunção de riscos e das oscilações por parte do empregador para que se possa falar verdadeiramente em relação de emprego (...) os riscos normalmente são ligados a uma atividade econômica, mas nem todo empregador é exercente de atividade econômica, assim entendida a produção ou a circulação de bens e serviços. Diversos empregadores são órgãos da administração pública direta ou indireta, outros são entidades de benemerência, clubes recreativos ou simplesmente famílias que nem ao menos exercem atividade produtiva, de tal forma que a expressão ''riscos da atividade econômica'' deveria ser simplesmente substituída por riscos ou por dificuldades financeiras enfrentadas pelo empregador. Dessarte, o desemprego do chefe de família ou a retenção de verbas da União ou dos Estados para os Municípios não servem de escusa para sonegação do pagamento dos salários aos empregados da família ou aos empregados da municipalidade, por exemplo. Portanto, a onerosidade tem mão dupla, evocando simultaneamente o caráter sinalagmático do contrato de trabalho - prestação de trabalho e contraprestação em dinheiro ou em bens e dinheiro - e o caráter de assunção dos riscos apenas por um lado da relação. Se ambos os lados concorrerem para os riscos e para os prejuízos, perde-se a noção de contrato de trabalho." (Direito do Trabalho Aplicado: teoria geral do direito do trabalho e do direito sindical. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. Pp. 99-100). No caso dos motoristas de aplicativo, é incontroverso que " o motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro" (item 22 do depoimento do reclamante), e que a forma de divisão dos lucros auferidas com as corridas se aproxima da realização de um contrato de parceria, aos moldes, por exemplo, do efetuado com base na Lei 12.592/12. Nesse sentido são os julgados do TST que vem enquadrando o liame estabelecido entre motorista e aplicativo como uma espécie de contrato de parceria, uma vez que no rateio de valores o trabalhador recebe percentual superior ao usualmente praticado nas relações de emprego: "AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Conforme já exposto na decisão agravada, os elementos constantes dos autos revelam a inexistência do vínculo empregatício, tendo em vista a autonomia no desempenho das atividades do autor, a descaracterizar a subordinação. Isso porque é fato indubitável que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. E, relativamente aos termos e condições relacionados aos referidos serviços, esta Corte, ao julgar processos envolvendo motoristas de aplicativo, ressaltou que o motorista percebe uma reserva do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Ante a improcedência do recurso, aplica-se à parte agravante a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Agravo não provido, com imposição de multa." (Ag-AIRR-1001160-73.2018.5.02.0473, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 20/08/2021). Pondero, todavia, que o autônomo possui liberdade para proceder a ajustes em relação ao preço cobrado, e que essa liberdade - pelo menos em tais moldes - não se faz presente na prestação de serviços via aplicativo. Nas palavras de Vólia Bomfim, Autônomo é o trabalhador que explora seu ofício ou profissão com habitualidade, por conta e risco próprio. A palavra habitualidade tem o conceito temporal, ou seja, atividade que é exercida com repetição. O exercício da atividade é habitual em relação ao trabalhador (que tem constância e repetição no seu labor) e não em relação a cada tomador, como é o caso do empregado, cuja necessidade de mão de obra para o empregador é permanente. Normalmente executa seus serviços para diversos tomadores (clientela variada), sem exclusividade, com independência no ajuste, nas tratativas, no preço, no prazo e na execução do contrato. Corre o risco do negócio e não tem vínculo de emprego. O taxista, por exemplo, se caracteriza em um autônomo, pois assume os riscos de seu negócio e não tem nenhuma garantia de que vai conseguir clientela (passageiros) suficiente para cobrir os gastos com a diária e custos de manutenção. (Direito do Trabalho: de acordo com a reforma trabalhista. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense; Método, 2021. Pp. 284-285). (Grifei) Como se vê, quanto à onerosidade, também não se encontra solução certa para a questão meritória, na medida em que se por um lado o motorista arca com os riscos do negócio, em linhas gerais, por outro lado o profissional não desfruta de plena liberdade, podendo precificar o trabalho prestado como bem entender. Quanto ao requisito subordinação/autonomia, é sabido que ao motorista é possível desligar o aplicativo sem sofrer desligamento da plataforma, pelo menos de modo automático, conforme item 15 do depoimento do sr. Paulo. No caso concreto, a reclamada informou que o autor "se habilitou na plataforma em 04/12/2016 e realizou a primeira viagem apenas em 06/03/2017 e, após, permaneceu alguns períodos sem acessar a plataforma, citando-se apenas a título de exemplo: 01 a 07/08/2017, 21 a 28/04/2018, 29/10 a 08/11/2019" (p. 463), o que não foi impugnado pelo autor à dentre outros manifestação de pp. 1414-1426. Para a denominação de trabalho eventual, Maurício Godinho seleciona os seguintes aspectos (op. cit, p. 345): "a) descontinuidade da prestação do trabalho, entendida como a não permanência em uma organização com ânimo definitivo; b) não fixação jurídica a uma única fonte de trabalho, com pluralidade variável de tomadores de serviços; c) curta duração do trabalho prestado; d) natureza do trabalho tende a ser concernente a evento certo, determinado e episódico no tocante à regular dinâmica do empreendimento tomador dos serviços; e) em consequência, a natureza do trabalho prestado tenderá a não corresponder, também, ao padrão dos fins normais do empreendimento." Sendo certo que o reclamante poderia utilizar de outros aplicativos concorrentes (itens 2 e 9 do depoimento do reclamante), e que não havia determinação para horário ou frequência de trabalho, entendo que o trabalho prestado pelo motorista pode ser eventual ou não, a depender de como ele se desenvolve. Conforme verificado, o autor apenas iniciou a prestação de serviços após meses do cadastro inicial (e não há indícios de qualquer comando da reclamada para tanto), e em diversas semanas optou por não prestar serviços. Noto pela conduta do reclamante que estão presentes os itens "a" e "b"; quanto ao item "c", este se encontra ao livre alvedrio do autor; quanto aos itens "d" e "e", espelham tendências, mas não se amoldam à realidade do trabalho do reclamante; noutro giro, são atributos que podem ser relacionados à atividade econômica desenvolvida pela reclamada. Quanto à subordinação, obtempero que a impossibilidade de ao reclamante não ser possível a escolha do passageiro, por si só, não indica a submissão aos comandos do empregador. Em grande parte das atividades de prestação de serviços, não há necessariamente grande discussão acerca da aceitação ou não de clientes: o táxi para quando potencial cliente faz sinal para tanto em qualquer rua, por exemplo. Além disso, beira o preciosismo se dizer que os clientes "não são do autor, são da reclamada": via de regra, o transporte de passageiros se dá por pequeno período e se trata de atividade de alta rotatividade, de modo que dificilmente se pode cogitar de "carteira de clientes", como tenta fazer crer o autor, ainda que tal fato não seja impossível. Por exemplo: se resido nesta capital e desejo me deslocar a um local qualquer dentro da cidade, posso me utilizar de ônibus de qualquer das companhias disponíveis que realize o trajeto desejado (CARRIS, STS), lotação, táxi, transporte por aplicativo, bicicleta, caminhada, carro particular, carona ou patinete, em rol exemplificativo, conforme as necessidades que se apresentem para tanto e diante do meu desejo particular. Caso eu resolva me deslocar a cada dia de um modo, não me torno ou deixo de ser cliente dos demais meios de transporte. Em outras palavras, não parece ser hipótese de fidelização de clientela, pela natureza da própria atividade: se o reclamante optasse por realizar o transporte de clientes por conta própria, poderia formar uma espécie de carteira de clientes, o que não o impediria de aceitar corridas aleatórias de desconhecidos; a diferença é que não se utilizaria da plataforma de aplicativo disponibilizada pela reclamada. Em relação aos dados armazenados pela reclamada, relativos às corridas realizadas pelo autor, entendo que o fato não se amolda, com precisão, ao conceito de teletrabalho positivado na CLT. Ainda que seja possível o controle do empregador quanto às atividades do empregado, por meio telemáticos de comando, a posse dos dados, por si só, não indica a presença de subordinação (ao menos, não considerado o conceito tradicional de subordinação). Isso porque a utilização desses dados, à exceção de situações específicas - e relativas à segurança de motorista e passageiro, como no caso da gravação do áudio da corrida -, não fez surgir o poder disciplinar do suposto empregador. Ainda, é plenamente possível ao reclamante desligar a plataforma - e fazer escolhas quanto ao trabalho realizado, como o aceite de promoções, mas como bem-dito pela reclamada - mas não lhe é dado abusar do direito, como ocorre em qualquer relação jurídica, pois tal fato pode, inclusive, gerar a responsabilidade civil do agente do ato (art. 187 do CC). Portanto, o rompimento da relação jurídica, por parte da reclamada, não decorre do poder disciplinar ínsito ao contrato de emprego, mas antes de simples direito que é dado a qualquer pessoa, física ou jurídica, dentro do ordenamento, de proceder ao rompimento de relação jurídica até então existente. Também não identifico, na hipótese, o vínculo de emprego na modalidade intermitente, pois não há convocação do autor, propriamente dita, para a prestação de serviços, com período disponível para a recusa do reclamante. Diante de todos os apontamentos até aqui apresentados, não é demais reiterar a espinhosa tarefa de análise acerca da existência de relação de emprego, em realidade na qual não mais se encaixam os conceitos jurídicos existentes. Pedro Paulo Manus assim discorre, sobre o tema: "A Lei nº 13.467/2017, chamada de Reforma Trabalhista, perdeu uma grande oportunidade de abarcar na legislação trabalhista as novas formas de prestação de serviços através das plataformas digitais. As inovações nesta área correm a passos largos, motivadas, por um lado, pela ampla recepção da sociedade às facilidades que tais aplicativos trazem ao nosso dia a dia e, por outro, ao desemprego galopante que assola o país. Entretanto, o conceito de subordinação tratado pela doutrina e pela jurisprudência trabalhista, e que é um requisito essencial para a configuração ou não da relação de emprego, não mais se submete aos padrões de prestação de serviços vislumbrados atualmente, sendo necessário um novo padrão. A parassubordinação, vigente no Direito italiano, é um meio caminho para que seja satisfeita esta zona cinzenta, inserida entre o empregado subordinado e o autônomo, mas não é aplicada no Brasil. Outrossim, é premente que tais formas de prestação de serviços sejam reconhecidas, como meio de trazer segurança jurídica à sociedade e, principalmente, garantir direitos trabalhistas e previdenciários mínimos a estes prestadores de serviços." (Rev. TST, São Paulo, vol. 85, no 4, out /dez 2019). Assim, entendo que não estão presentes os requisitos do vínculo de emprego, nos moldes do art. 3º da CLT, mormente porque o reclamante não sofria a subordinação típica dos contratos de trabalho e porque assumia os riscos do negócio. Pelo exposto, julgo improcedente a demanda. O autor recorre alegando o preenchimento dos requisitos caracterizadores da relação de emprego, pois prestava serviço de maneira habitual, cumprindo horário de serviço estipulado, sob dependência e ordens e mediante pagamento de salário, devendo ser reconhecido o vínculo pleiteado. Ressalta que o contrato de trabalho é um contrato-realidade, o que significa que seus efeitos são extraídos da forma pela qual se realiza a prestação de serviços, indicando decisões favoráveis à sua argumentação. Analiso. A reclamatória foi ajuizada em decorrência de trabalho prestado pelo reclamante como motorista do aplicativo Uber no período de agosto/2021 a 24/06/2022 (ID. 15ad038 - fl.. 04 do PDF). Para a caracterização da relação de emprego prevista nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, é necessário que a prestação de serviços, pela pessoa física, revista-se dos requisitos da pessoalidade, não eventualidade, subordinação, onerosidade e alteridade. Observo que o reclamante confessou em seu depoimento pessoal que: "na época estava vinculado também ao aplicativo 99", "que era possível desligar o aplicativo"; "que normalmente ligava somente o aplicativo da Uber"; "que só ligava a 99 quando a Uber não tinha chamadas"; "que era o depoente quem decidia os dias de ativar e desativar o aplicativo"; "que não precisava apresentar justificativa para estar offline"; "que não há valor mínimo garantido pela Uber"; "que acredita que não houvesse exigência de número mínimo de viagens diárias"; "que chegou a desativar o aplicativo por uma semana, quando estava em viagem, em uma oportunidade, e voltou a utilizar o aplicativo normalmente"; "que pode optar por não participar das promoções ofertadas pelo aplicativo"; "que o motorista arca com todas as despesas do veículo, inclusive do seguro"; "que pode aceitar ou não a viagem"; "que quando utilizava o aplicativo da reclamada, não se reportava a ninguém especificamente" (ID. 1223d44). O relato do reclamante revela a inexistência de subordinação jurídica, pois evidenciada a sua autonomia, decidindo quanto à própria prestação do serviço ou ao horário a cumprir, tendo liberdade, inclusive, para optar pela utilização de aplicativo de plataforma diversa. Desse modo, não há falar no reconhecimento do vínculo de emprego pretendido. Nesse sentido, diversas decisões deste Regional: (...) Da mesma forma, os seguintes julgados do TST: "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 - RITO SUMARÍSSIMO - TRABALHO PRESTADO POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS - INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA O trabalho desempenhado por meio de plataformas digitais não cumpre os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT, não havendo vínculo de emprego entre os trabalhadores e a respectiva plataforma. Julgados de Turmas desta Eg. Corte Superior. Agravo de Instrumento a que se nega provimento" (AIRR-0016922-35.2023.5.16.0004, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 24/01/2025). (...) 3. MOTORISTA DE APLICATIVO . TRABALHADOR AUTÔNOMO. AUSÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. I. Hipótese em que a Corte Regional reconheceu a existência de vínculo de emprego entre o Reclamante e a Reclamada, empresa de plataforma tecnológica de transporte de gestão de oferta de motoristas entregadores-usuários e demanda de clientes-usuários. II. Há transcendência jurídica quando se constata a existência de controvérsia sobre questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista. III. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto no ATO SEGJUD.GP Nº 202/2019 do TST. B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PARTE RECLAMADA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. MOTORISTA DE APLICATIVO . TRABALHADOR AUTÔNOMO. AUSÊNCIA DE VÍNCULO DE EMPREGO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO . I. A relação de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a editar, não pode o julgador aplicar o padrão da relação de emprego para todos os casos. O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo). O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo , assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. II . As inovações tecnológicas estão transformando todas e cada parte de nossas vidas. A tecnologia não pede licença, mas sim, desculpa. A capacidade de trocar de forma rápida e barata grandes quantidades de dados e informações permitiu o surgimento da economia digital e do trabalho pelas plataformas digitais. Tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento, os consumidores adotaram essa transformação, pois serviços e bens são entregues de maneiras mais baratas e convenientes. Assim, as empresas se adaptaram para atender essa demanda do mercado consumidor. III . O trabalho pela plataforma tecnológica - e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de transporte para os usuários-clientes, sem qualquer exigência de trabalho mínimo, de número mínimo de viagens por período, de faturamento mínimo. IV. Reconhecida a transcendência jurídica da matéria. V . Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-0001036-15.2023.5.07.0014, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 24/01/2025). "A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA - VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE MOTORISTA E PLATAFORMA TECNOLÓGICA OU APLICATIVO CAPTADOR DE CLIENTES (UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.) - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA - PROVIMENTO . 1. Avulta a transcendência jurídica da causa (CLT, art. 896-A, § 1º, IV), na medida em que o pleito de reconhecimento do vínculo de emprego envolvendo os recentes modelos de contratação firmados entre motoristas de aplicativo e empresas provedoras de plataformas de tecnologia por eles utilizadas ainda é nova no âmbito desta Corte, demandando a interpretação da legislação trabalhista em torno da questão. 2. Diante da transcendência jurídica da causa e da possível violação do art. 1º, IV, da CF, dá-se provimento ao agravo de instrumento da Reclamada, para determinar o processamento de seu recurso de revista. Agravo de instrumento provido. B) RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. I) INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - RELAÇÃO ESTABELECIDA ENTRE MOTORISTA E A PLATAFORMA TECNOLÓGICA OU APLICATIVO CAPTADOR DE CLIENTES - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA - NÃO CONHECIMENTO. 1. O pedido e a causa de pedir, in casu , denotam pretensão declaratória quanto à existência de relação de emprego entre motorista e plataforma digital . Logo, é esta Justiça Especializada competente para analisar se, no caso concreto, existem, ou não, os elementos caracterizadores da relação empregatícia, nos termos dos arts. 2º e 3° da CLT. 2. Dessa feita, por se tratar de questão jurídica nova, reconheço a transcendência jurídica da matéria, nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT. 3. Contudo, a decisão regional segue em total consonância com o entendimento firmado por esta 4ª Turma, razão pela qual não conheço do recurso de revista, no tópico, apesar de reconhecida a transcendência jurídica da causa. Recurso de revista não conhecido, no aspecto. II) VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE MOTORISTA E PLATAFORMA TECNOLÓGICA OU APLICATIVO CAPTADOR DE CLIENTES ("UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA") - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA - PROVIMENTO. 1. Em relação às novas formas de trabalho e à incorporação de tecnologias digitais no trato das relações interpessoais - que estão provocando uma transformação profunda no Direito do Trabalho, mas carentes ainda de regulamentação legislativa específica - deve o Estado-Juiz, atento a essas mudanças, distinguir os novos formatos de trabalho daqueles em que se está diante de uma típica fraude à relação de emprego, de modo a não frear o desenvolvimento socioeconômico do país no afã de aplicar regras protetivas do direito laboral a toda e qualquer forma de trabalho. 2. Nesse contexto, analisando, à luz dos arts. 2º e 3º da CLT, a relação existente entre a Uber do Brasil Tecnologia LTDA . e os motoristas que se utilizam desse aplicativo para obterem clientes dos seus serviços de transporte, tem-se que: a) quanto à habitualidade, inexiste a obrigação de uma frequência predeterminada ou mínima de labor pelo motorista para o uso do aplicativo, estando a cargo do profissional definir os dias e a constância em que irá trabalhar; b) quanto à subordinação jurídica, a par da ampla autonomia do motorista em escolher os dias, horários e forma de labor, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Reclamada ou sanções decorrentes de suas escolhas, a necessidade de observância de cláusulas contratuais (valores a serem cobrados, código de conduta, instruções de comportamento, avaliação do motorista pelos clientes), com as correspondentes sanções no caso de descumprimento (para que se preserve a confiabilidade e a manutenção do aplicativo no mercado concorrencial), não significa que haja ingerência no modo de trabalho prestado pelo motorista, reforçando a convicção quanto ao trabalho autônomo a inclusão da categoria de motorista de aplicativo independente, como o motorista da " Uber do Brasil Tecnologia Ltda .", no rol de atividades permitidas para inscrição como Microempreendedor Individual - MEI, nos termos da Resolução 148/2019 do Comitê Gestor do Simples Nacional; c) quanto à remuneração, o caráter autônomo da prestação de serviços se caracteriza por arcar, o motorista, com os custos da prestação do serviço (manutenção do carro, combustível, IPVA), caber a ele a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos ocorridos, dentre outros (ainda que a empresa provedora da plataforma possa a vir a ser responsabilizada solidariamente em alguns casos), além de os percentuais fixados pela Uber do Brasil Tecnologia Ltda., de cota parte do motorista, serem superiores ao que este Tribunal vem admitindo como suficientes a caracterizar a relação de parceria entre os envolvidos, como no caso de plataformas semelhantes. 3. Já quanto à alegada subordinação estrutural, não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos a fim de reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que atuam em novas formas de trabalho, emergentes da dinâmica do mercado concorrencial atual e, principalmente, de desenvolvimentos tecnológicos, nas situações em que não se constata nenhuma fraude, como é o caso das empresas provedoras de aplicativos de tecnologia, que têm como finalidade conectar quem necessita da condução com o motorista credenciado, sendo o serviço prestado de motorista, em si, competência do profissional e apenas uma consequência inerente ao que propõe o dispositivo. 4. Assim sendo, merece reforma o acórdão regional, para afastar o reconhecimento da relação empregatícia entre o Motorista e a Empresa provedora do aplicativo. 5. Por consequência lógica, como não havia nenhuma obrigação da Uber de pagar verbas rescisórias e anotar a CTPS do Reclamante, excluo a indenização por danos morais decorrentes do não cumprimento das referidas obrigações. Recurso de revista provido, no tema" (RR-0000577-58.2023.5.17.0006, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 19/12/2024). Diante da improcedência da ação, não há falar em condenação da reclamada ao pagamento de honorários sucumbenciais. Frente ao expendido, nego provimento ao recurso ordinário do autor (fls. 948/962, grifos nossos). Inicialmente, registro que o recurso de revista atende os requisitos formais previstos no art. 896, § 1º-A, I, II e III, da CLT. Nos termos do art. 896-A da CLT, no recurso de revista, cabe a esta Corte Superior examinar, previamente, se a causa oferece transcendência sob o prisma de quatro vetores taxativos (econômico, político, social e jurídico), que se desdobram em um rol de indicadores meramente exemplificativo, referidos nos incisos I a IV do dispositivo em apreço. No caso, o tema devolvido a esta Corte Superior, “reconhecimento do vínculo de emprego - trabalho realizado por meio de plataforma digital” versa sobre a pretensão de reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista que presta serviços mediante aplicativo de transportes (qual seja, “UBER”) e a empresa provedora da plataforma digital. A questão devolvida a esta Corte Superior oferece transcendência jurídica, haja vista que este vetor da transcendência estará presente nas situações em que a síntese normativo material devolvida a esta Corte versar sobre a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista, ou, ainda, sobre questões antigas, ainda não definitivamente solucionadas pela manifestação jurisprudencial. Não obstante, constata-se que não é possível alçar o recurso de revista ao conhecimento. No caso vertente, o Tribunal Regional com base no conjunto probatório dos autos, especialmente no próprio depoimento pessoal da parte reclamante, concluiu pela ausência de requisito para caracterização da relação de emprego, qual seja, a subordinação jurídica, concluindo pela prestação de trabalho autônomo. Fundamentou que “o reclamante confessou em seu depoimento pessoal que: ‘na época estava vinculado também ao aplicativo 99’, ‘que era possível desligar o aplicativo’; ‘que normalmente ligava somente o aplicativo da Uber’; ‘que só ligava a 99 quando a Uber não tinha chamadas’; ‘que era o depoente quem decidia os dias de ativar e desativar o aplicativo’; ‘que não precisava apresentar justificativa para estar offline’; "que não há valor mínimo garantido pela Uber"; "que acredita que não houvesse exigência de número mínimo de viagens diárias"; "que chegou a desativar o aplicativo por uma semana, quando estava em viagem, em uma oportunidade, e voltou a utilizar o aplicativo normalmente"; "que pode optar por não participar das promoções ofertadas pelo aplicativo"; "que o motorista arca com todas as despesas do veículo, inclusive do seguro"; "que pode aceitar ou não a viagem"; "que quando utilizava o aplicativo da reclamada, não se reportava a ninguém especificamente’”. Concluiu que “o relato do reclamante revela a inexistência de subordinação jurídica, pois evidenciada a sua autonomia, decidindo quanto à própria prestação do serviço ou ao horário a cumprir, tendo liberdade, inclusive, para optar pela utilização de aplicativo de plataforma diversa”, e que “desse modo, não há falar no reconhecimento do vínculo de emprego pretendido”. A mencionar ainda que alteração de premissas fáticas registradas no acórdão regional esbarra no óbice da Súmula nº 126 do TST. Desse modo, consignado pelo Tribunal Regional a ausência de requisito para caracterização do vínculo de emprego, na forma dos artigos 2º e 3º da CLT, não há como reformar o acórdão recorrido, mantendo-se incólumes os artigos apontados por violados (arts. 2º e 3º da CLT). Em acréscimo, sobre o tema, a Sétima Turma já teve a oportunidade de analisar caso semelhante, em que se julgou pelo não provimento do agravo de instrumento da parte reclamante, com manutenção do acórdão regional em que não se reconheceu o vínculo de emprego entre motorista que utiliza plataforma digital de transporte de pessoas e a empresa criadora e administradora do aplicativo: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/17. VÍNCULO EMPREGATÍCIO COM A UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. CONFIGURAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA . 1. Cinge-se a controvérsia em se determinar a existência, ou não, de vínculo de emprego entre motorista que utiliza plataforma digital de transporte de pessoas e a empresa criadora e administradora do aplicativo (UBER). 2. A causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza social e jurídica, na forma do art. 896-A, §1º, IV, da CLT. É questão nova e socialmente relevante, decorrente da utilização das tecnologias contemporâneas. 3. O atual ambiente de trabalho difere bastante daquele que propiciou o surgimento das normas trabalhistas, idealizadas para pacificar as questões jurídicas decorrentes de sociedades agrária e fabril por meio de contratos por tempo indeterminado, com prestação presencial e processo produtivo centralizado numa só empresa organizadora da atividade e controladora da mão de obra. Naquele tempo, a proteção à dependência do trabalhador em relação ao organizador da atividade empresarial decorria do fato de não possuir acesso, ingerência ou controle dos meios produtivos, daí resultando a sua fragilidade na relação jurídica e a necessidade de proteção compensatória por meio de direitos mínimos e instrumentos garantidores de reivindicação coletiva. O emprego da palavra "dependência" no artigo 3º da CLT, de 1943, é claro nesse sentido. A essa dependência econômica, resultante da impossibilidade de controle obreiro da produção, adere complementarmente a subordinação jurídica ao poder de direção revelado no art. 2º, da qual resulta a aderência contratual do empregado às condições de trabalho às quais se submete. Assim, a subordinação clássica, histórica ou administrativa a que se refere a CLT no art. 3º é a dependência econômica derivada da impossibilidade obreira de controle dos meios produtivos. A subordinação a que alude o art. 2º é a subordinação executiva, que confere maior ou menor autonomia ao trabalhador conforme a atividade desenvolvida ou as características da prestação de serviços. 4. Com o passar do tempo, os estudos abandonaram a ideia da fragilidade fundada na dependência econômica pela impossibilidade de controle da produção, para centrar a proteção trabalhista unicamente na subordinação, que de subjetiva a centrada na pessoa do trabalhador, adquiriu caráter objetivo voltado à prestação de serviços. Uma vertente dessa teoria desenvolveu a ideia da proteção fundada na dinâmica do processo produtivo (subordinação estrutural), cuja característica mais visível é presumir a existência da relação de emprego. 5. Vieram a Terceira e Quarta Revoluções Industriais ou Tecnológicas, alterando gradativamente o processo produtivo. Hoje, o trabalho é comumente realizado num ambiente descentralizado, automatizado, informatizado, globalizado e cada vez mais flexível, trazendo para o ambiente empresarial novos modelos de negócios e, consequentemente, novas formas e modos de prestação de serviços e de relacionamento. Em tal contexto, conceitos que balizam a relação de emprego demandam uma necessária releitura, à luz das novas perspectivas de direção laboral, controle da atividade econômica ou meios produtivos e caracterização do tipo de vínculo de trabalho. 6. Com os avanços tecnológicos, nasce na década de 90, já na era do conhecimento e do pleno domínio da informática, da rede e dos aplicativos móveis, a "economia compartilhada", compreendida como um novo modelo econômico organizado baseado no consumo colaborativo e em atividades que permitem que bens e serviços sejam compartilhados mediante troca de dados pela rede, principalmente on line , em tempo real. A criação de Smartphones , a disponibilização de redes móveis de internet, wi-fi público em diversos locais e pacotes de dados acessíveis são aliados na expansão dessa nova tendência que vem reorganizando o mercado. Nesse cenário, surgem as plataformas digitais, que revelam uma nova forma de prestação de serviços, organizada por meio de aplicativos que conectam o usuário à empresa prestadora, que pode, à distância e de forma automática, prestar o serviço ou se servir de um intermediário para, na ponta, fisicamente executar o trabalho que constitui o objeto da atividade proposta pela empresa de aplicativo. A título meramente exemplificativo são empresas como Netlix, Rappi, Loggi, Enjoei, OLX, Peguei Bode, Desapego, Mercado Livre, Breshop, Uber Eats, IFOOD, Exponenciais, Google Maps e Wase, Airbn, Pethub, Um 99, Buser, GetNinjas, Wikipédia, Amazon Mechanical Turk (MTurk) e Blablacar, expoentes a partir desse perfil de mercado. 7. Nos deparamos então com um fenômeno mundial, que faz parte de novo modelo de negócios, do qual resulta uma nova organização do trabalho decorrente de inovações tecnológicas ainda não abarcada por muitas legislações, inclusive a brasileira, que provoca uma ruptura nos padrões até então estabelecidos no mercado. São as denominadas " tecnologias disruptivas " ou "inovações disruptivas", próprias de revoluções industriais, no caso, a quarta. A disrupção do mercado em si, do inglês " disrupt " (interromper, desmoronar ou interrupção do curso normal de um processo), não necessariamente é causada pela nova tecnologia, mas sim pelo modo como ela é aplicada. É nesse cenário que nasce a empresa ora recorrente (UBER), com sede nos EUA e braços espalhados pelo mundo, que fornece, mediante um aplicativo para smartphones , a contratação de serviço de motorista. Trata-se, na verdade, de uma TNC ( Transportation Network Company ), ou seja, uma companhia que, por meio de uma plataforma digital on line, conecta passageiros a motoristas ditos "parceiros", que utilizam seus automóveis particulares para o transporte contratado. Por meio do aplicativo da UBER, essa conexão "passageiro-motorista" ocorre de forma rápida e segura, quer quanto ao valor do pagamento da corrida, quer no tocante à qualidade e à confiabilidade da viagem. No entanto, como já referido, essa inovação disruptiva afeta as estruturas sociais e econômicas existentes. Ao difundir o seu modelo de negócios no Brasil, a UBER, inevitavelmente, alterou o status quo do mercado de transporte privado individual urbano, acarretando consequências à modalidade pública do transporte de passageiros. Estamos falando dos táxis espalhados pelo País, com os quais diretamente concorre. Só que em vez do taxista procurar o cliente, o cliente procura pelo aplicativo da UBER um motorista. Essa nova modalidade de prestação de serviços de transporte privado individual urbano introduzido pela UBER no Brasil, mediante uma "economia compartilhada" ( shared economy ), resultou no alavancamento de uma massa considerável de trabalhadores até então parcial ou totalmente ociosos. Em consequência (aí o que nos interessa), a UBER fez surgir um acalorado debate no meio jurídico sobre questões como: a) A UBER é uma empresa de tecnologia ou de transporte? b) os motoristas da UBER necessitam de proteção jurídica diferenciada? c ) A relação da UBER com seus empreendedores individuais denominados de "parceiros" caracteriza subordinação clássica? e d ) como os automóveis utilizados no transporte são dos próprios motoristas "parceiros", que podem estar logados ou não ao sistema da UBER conforme a sua conveniência, eles são empregados ou autônomos? 8. Nos autos do processo TST- RRAg-849-82.2019.5.07.0002 , oriundo da eg. Terceira Turma, da qual o Ministro é egresso, manifestou-se naquela oportunidade o entendimento (cf. publicação no DEJT em 17/11/21) de que a Uber efetivamente organiza atividade de transporte por meio de plataforma digital e oferece o serviço público de transporte por meio de motoristas cadastrados em seu aplicativo. A Uber não fabrica tecnologia e aplicativo não é atividade. A atividade dessa empresa é, exclusivamente, propiciar o transporte, cujo aplicativo tecnológico de que se serve é o meio de conexão entre ela, o motorista "parceiro" e o usuário para efetivá-lo. É, enfim, uma transportadora que utiliza veículos de motoristas contratados para realizar o transporte de passageiros. Considerar a UBER (que no país de onde se origina é classificada como empresa de transporte por aplicativo e que inicialmente se autodenominava UBERTAXI) como empresa de tecnologia ou de aplicativo, uma vez que não produz nenhum dos dois, corresponderia a fazer do quadrado redondo e isentá-la de qualquer responsabilidade no trânsito quanto à sua efetiva atividade, o transporte que organiza e oferece, e para o qual o motorista é apenas o longa manus ou prestador contratado. Se fosse apenas uma plataforma digital não estipularia preço de corridas; não receberia valores e os repassaria aos motoristas; não classificaria o tipo de transporte fornecido e o preço correspondente; não estabeleceria padrões; não receberia reclamações sobre os motoristas e não os pontuaria. Enfim, como empresa de aplicativo e não como empresa de transporte que é, estaria atuando no mercado em desvio de finalidade. 9. Não se olvida que o fenômeno "Uberização" compreende novo modelo de inserção no mercado de trabalho e que deve ser incentivado não apenas porque é inovador, mas também porque permite concorrer com outros modelos de prestação de serviço de transporte para a mesma finalidade. No Brasil, quiçá mundialmente, o cenário de alto e crescente índice de desemprego e exclusão em decorrência do avanço da tecnologia, da automação e da incapacidade de geração de novas oportunidades no mesmo ritmo atinge todos os níveis de instrução da força de trabalho e, portanto, de privação e precariedade econômica. Tal se potencializou com a recente pandemia do COVID 19, pelo que, além de outros fatores como alternativa flexível para gerar renda extra; necessidade de renda para ajudar na sobrevivência ou custear os estudos; espera pela realocação no mercado em emprego formal; não exigência de qualificação técnica ou formação acadêmica mínima, a migração de uma considerável camada da sociedade para essa nova modalidade de trabalho tornou-se uma realidade. Contudo, não passa despercebido que essa nova forma de prestação de serviços é caracterizada pela precariedade de condições de trabalho dos motoristas cadastrados. Dentre outras intempéries, marcadas por jornadas extenuantes, remuneração incerta e submissão direta do próprio prestador aos riscos do trânsito. Doenças e acidentes do trabalho são capazes de eliminar toda a pontuação obtida na classificação do motorista perante o usuário e perante a distribuição do serviço feita automaticamente pelo algoritmo. A falta de regulamentação específica para o setor e, portanto, a inércia do Poder Público, se por um lado propicia aos motoristas que sequer precisam conhecer os trajetos, porque guiados pelo Waze, maior possibilidade de inclusão sem os custos e as limitações numéricas das autonomias municipais dos taxis, por outro propicia às empresas do ramo estratosféricos ganhos pelo retorno lucrativo com o mínimo de investimento e o vilipêndio de direitos básicos oriundos da exploração do trabalho. Dois polos da relação jurídica, em balanças desiguais. Isso porque a baixa remuneração impõe aos motoristas parceiros, sem alternativa, diante do contexto já retratado, o cumprimento de jornadas excessivas de trabalho, a fim de assegurar-lhes ao menos ganhos mínimos para garantir a própria subsistência e/ou de sua família, aniquilando assim o lazer e a convivência social e familiar, em menoscabo inclusive às normas de saúde e segurança do trabalho, além da cobrança ostensiva por produtividade e cumprimento de tarefas no menor tempo possível, que de modo insofismável lhes gera danos físicos e psicológicos. 10. Impende salientar que recentemente foi editada a Lei 14.297/22, publicada em 6/1/22, cuja mens legislatoris não foi colocar pá de cal na cizânia acerca do vínculo empregatício entre as plataformas digitais e seus prestadores de serviço, mas tão somente assegurar medidas de proteção especificamente ao trabalhador (entregador) que presta serviço de retirada e entrega de produtos e serviços contratados por meio da plataforma eletrônica de aplicativo de entrega, durante a vigência, no território nacional, da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus responsável pela covid-19, donde se destaca o art. 10 da referida lei, in verbis: " Art. 10. Os benefícios e as conceituações previstos nesta Lei não servirão de base para caracterização da natureza jurídica da relação entre os entregadores e as empresas de aplicativo de entrega .". Da análise da lei fica clara a fragilidade dos entregadores por afastamento do trabalho por doenças, o risco de acidentes no trânsito, a dependência do trabalhador à inserção e à manutenção no aplicativo e a necessidade de proteção para além do coronavírus. Comparativamente, os motoristas de plataformas digitais, ao menos em relação a esses itens, necessitariam, por aplicação analógica, de igual proteção. 11. Tem-se por outro lado que o conceito de subordinação é novamente colocado em confronto com a atual realidade das relações de trabalho, assim como ocorreu no desenvolvimento das teorias subjetiva, objetiva e estrutural. Surge assim a chamada "subordinação jurídica algorítmica". Os algoritmos atuariam como verdadeiros "supervisores", de forma que os requisitos que caracterizam o vínculo empregatício não mais comportariam a análise da forma tradicional. Mas é lógico que subordinação algorítmica é licença poética. O trabalhador não estabelece relações de trabalho com fórmulas matemáticas ou mecanismos empresariais utilizados na prestação do trabalho e sim com pessoas físicas ou jurídicas detentoras dos meios produtivos e que podem ou não se servir de algoritmos no controle da prestação de serviços. Atenta a esse aspecto, em adequação às novas conformações do mercado, há mais de 10 (dez) anos a CLT estabelece, no parágrafo único do art. 6º, com redação dada pela Lei 12.551/11, que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Assim, o fato do trabalhador não ter horário de trabalho consta da CLT em relação ao teletrabalhador empregado, exatamente quando remunerado por produção. 12. O mundo dá voltas e a história termina se repetindo, com outros contornos. E nessa repetição verifica-se que estamos diante de situação que nos traz de volta ao nascedouro do Direito do Trabalho, ou seja, da razão de ser da proteção trabalhista: a impossibilidade do trabalhador ter acesso ou controle dos meios produtivos. Em outras palavras, frente à UBER, estamos diante da dependência econômica clássica que remete aos primórdios do Direito do Trabalho e que propiciou o seu nascedouro. O trabalhador da UBER não controla os meios de produção porque não tem nenhuma ingerência sobre a dinâmica da atividade, a formação própria de clientela, o preço da corrida, a forma de prestação do trabalho, o percentual do repasse, a classificação do seu automóvel em relação ao preço a ser cobrado, o próprio credenciamento ou descredenciamento na plataforma digital. Diferentemente dos taxis, em que o vínculo é estabelecido com os passageiros, o vínculo tanto dos passageiros, como dos motoristas credenciados, é com a UBER. Os motoristas "logados" atendem aos chamados endereçados pelos passageiros à UBER. E diferentemente das cooperativas dos antigos táxis especiais, os preços das corridas eram previamente acertados em assembleia dos associados e as cooperativas não controlavam os trajetos e nem recebiam parte do lucro e sim contribuição fixa. Nessa toada, o argumento empresarial contestatório é desimportante, porque para a UBER pouco importa que o motorista tenha "autonomia" para estar logado e deslogado ou recusar corridas. As corridas recusadas são de interesse da própria UBER, delas economicamente participantes por dizerem respeito, evidentemente, a trajetos não compensatórios em horários de muita demanda. E quanto ao fato de ter autonomia para se logar ou deslogar do sistema, isso não traz para a UBER qualquer impacto (e por isso não é procedimento vedado) diante do número de motoristas na praça e do fato de que o próprio motorista sofre do próprio remédio, a partir do momento em que fora do sistema não pontua. 13. Sobreleva notar, ademais, que, de acordo com os arts. 818, I e II, da CLT e 373, I e II, do CPC, incumbe ao autor o ônus da prova quanto a fato constitutivo de seu direito e à empresa quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Para a hipótese de prova dividida, o Juízo não decide sob o enfoque de melhor prova, uma vez que ambas se equivalem, impondo-lhe julgar contra aquela parte a quem a lei atribui o encargo probatório. 14. Soma-se a isso o fato de que jurisprudência e doutrina modernas se alinham no sentido de que a mera prestação de serviços gera presunção relativa de vínculo empregatício. Desse modo, quando o empregador admite a prestação de serviços, negando, contudo, o vínculo empregatício, atrai para si o ônus da prova de que aquela ostenta natureza jurídica diversa da trabalhista, fato impeditivo do direito vindicado. Precedentes. 15. Cabe também citar outros países como Inglaterra (case n. 2202550/2015), Suíça, França, dentre outros e cidades como Nova York e Seatle, que também vêm reconhecendo vínculo empregatício entre os motoristas ditos parceiros da Uber enquadrando-os como empregados. A regência trabalhista das plataformas digitais já deveria ter sido objeto de apreciação pelo Parlamento. A ele cabe decidir, auscultando a sociedade como um todo, pela melhor opção para a regulação dos motoristas de aplicativos, ou seja, decretando o vínculo total de emprego ou a concessão apenas parcial de direitos, na condição de trabalhadores economicamente dependentes, mas semiautônomos. Na falta de regulação pelo Congresso, cabe ao Poder Judiciário decidir a questão de fato, de acordo com a situação jurídica apresentada e ela, como apresentada, remete, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT, ao reconhecimento do vínculo empregatício, tal como vem sendo decidido no direito comparado. 16. Feitas tais considerações, passa-se ao exame da controvérsia propriamente dita. No caso em concreto, diante da fundamentação posta no v. acórdão recorrido, não há como reformá-lo. Ora, a Corte Regional, com lastro na prova testemunhal, concluiu de forma peremptória que não houve o preenchimento de dois dos requisitos necessários para a configuração do liame empregatício, notadamente a subordinação e a pessoalidade. Assim, deu provimento ao recurso ordinário da empresa para afastar o vínculo empregatício reconhecido pela r. sentença. Logo, para se chegar a entendimento em sentido contrário seria necessário o reexame do acervo probatório dos autos. Logo, aplicável na espécie a Súmula 126/TST, o que torna inviável o processamento do recurso de revista por eventual afronta aos arts. 2º e 3º da CLT, bem como por divergência jurisprudencial e, portanto, eventual acolhimento da pretensão recursal. Ademais, a matéria foi dirimida com base na prova carreada aos autos, não havendo que se falar também em eventual afronta aos arts. 373, I, do CPC e 818 da CLT, que disciplinam o critério de repartição do ônus da prova, diretriz que se pauta o julgador apenas na ausência de elementos probantes juntados aos autos em questão para solucionar a controvérsia. Destaque-se ainda quanto ao art. 7º da CR que referido preceito constitucional é composto de 34 (trinta e quatro) incisos e 1 (um) parágrafo único e o autor não indicou expressamente qual deles supõe violados, ônus processual a seu encargo, consoante se depreende dos termos da Súmula 221/TST. Uma vez mantido o v. acórdão recorrido, pelo qual se afastou o reconhecimento de vínculo empregatício entre o autor e a Uber, por fim, há que ser ratificada a improcedência do pedido de condenação da empresa ao pagamento de horas extras, bem como a condenação do autor em honorários advocatícios sucumbenciais, em favor da Uber. Agravo de instrumento conhecido e desprovido" (AIRR-11183-11.2020.5.15.0135, 7ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 01/12/2023). Com efeito, a jurisprudência desta Corte Superior vem firmando posição no sentido de não ser possível reconhecer o vínculo de emprego em casos similares ao dos autos, envolvendo motoristas de aplicativo, pois não preenchidos os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT; nesse sentido: DIREITO DO TRABALHO. AGRAVO. RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO. MOTORISTA DE APLICATIVO. VÍNCULO DE EMPREGO COM EMPRESA QUE OFERECE FERRAMENTA TECNOLÓGICA PARA CAPTAÇÃO DE USUÁRIO-CLIENTE. UBER. NÃO CARACTERIZAÇÃO. CONTROVÉRSIA FÁTICA. SÚMULA Nº 126 DO TST.1. 1. Agravo contra decisão monocrática do Relator que negou provimento ao recurso de revista interposto pelo autor.2. Trata-se de controvérsia acerca do enquadramento jurídico da relação de trabalho estabelecida entre o motorista e a empresa que oferece tecnologia para o transporte de pessoas/produtos mediante interface entre o prestador do serviço e o usuário/cliente.3. Na hipótese, a Corte de origem registrou que “o motorista cadastrado no aplicativo é um trabalhador autônomo, mas a reclamada não é a tomadora final do serviço prestado. O fato de a empresa gerenciar os resultados de seus parceiros, ter ciência da localização deles e aplicar-lhes sanções em caso de descumprimento de regras não me permite concluir pela existência de vínculo empregatício. Com efeito, a relação de parceria também possui direitos e obrigações para ambas as partes, sem que isto implique subordinação.” 4. Os fatos retratados no acórdão regional evidenciam que a relação jurídica existente entre a empresa de aplicativo e o autor não era de emprego, na forma disciplinada nos arts. 2º e 3º da CLT, notadamente ante a ausência de subordinação jurídica.5. Nesse contexto, o exame da tese recursal em sentido contrário esbarra no óbice da Súmula nº 126 do TST, pois demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é vedado nesta fase recursal de natureza extraordinária.6. Não se desconhece a notória necessidade de proteção jurídica aos motoristas de aplicativo, porém, tal desiderato protetivo deve ser alcançado via legislativa, nada justificando trazê-los ao abrigo de uma relação de emprego que não foi pactuada, almejada e muito menos concretizada durante o desenvolvimento cotidiano da atividade.7. Confirma-se, pois, a decisão singular que negou seguimento ao recurso de revista.Agravo a que se nega provimento" (RRAg-0010280-92.2022.5.03.0020, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 03/06/2025). AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE - VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE MOTORISTA E PLATAFORMA TECNOLÓGICA OU APLICATIVO CAPTADOR DE CLIENTES (99 TECNOLOGIA LTDA.) – IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA – TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA – DESPROVIMENTO . 1. Avulta a transcendência jurídica da causa (CLT, art. 896-A, § 1º, IV), na medida em que o pleito de reconhecimento do vínculo de emprego envolvendo os recentes modelos de contratação firmados entre motoristas de aplicativo e empresas provedoras de plataformas de tecnologia por eles utilizadas ainda é nova no âmbito desta Corte, demandando a interpretação da legislação trabalhista em torno da questão. 2. Em relação às novas formas de trabalho e à incorporação de tecnologias digitais no trato das relações interpessoais – que estão provocando uma transformação profunda no Direito do Trabalho, mas carentes ainda de regulamentação legislativa específica – deve o Estado-Juiz, atento a essas mudanças, distinguir os novos formatos de trabalho daqueles em que se está diante de uma típica fraude à relação de emprego, de modo a não frear o desenvolvimento socioeconômico do país no afã de aplicar regras protetivas do direito laboral a toda e qualquer forma de trabalho. 3. Nesse contexto, analisando, à luz dos arts. 2º e 3º da CLT, a relação existente entre a “99 Tecnologia Ltda.” e os motoristas que se utilizam desse aplicativo para obterem clientes dos seus serviços de transporte, tem-se que: a) quanto à habitualidade, inexiste a obrigação de uma frequência predeterminada ou mínima de labor pelo motorista para o uso do aplicativo, estando a cargo do profissional definir os dias e a constância em que irá trabalhar; b) quanto à subordinação jurídica, a par da ampla autonomia do motorista em escolher os dias, horários e forma de labor, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Reclamada ou sanções decorrentes de suas escolhas, a necessidade de observância de cláusulas contratuais (valores a serem cobrados, código de conduta, instruções de comportamento, avaliação do motorista pelos clientes), com as correspondentes sanções no caso de descumprimento (para que se preserve a confiabilidade e a manutenção do aplicativo no mercado concorrencial), não significa que haja ingerência no modo de trabalho prestado pelo motorista, reforçando a convicção quanto ao trabalho autônomo a inclusão da categoria de motorista de aplicativo independente, como o motorista da “99 Tecnologia Ltda.”, no rol de atividades permitidas para inscrição como Microempreendedor Individual - MEI, nos termos da Resolução 148/2019 do Comitê Gestor do Simples Nacional; c) quanto à remuneração, o caráter autônomo da prestação de serviços se caracteriza por arcar, o motorista, com os custos da prestação do serviço (manutenção do carro, combustível, IPVA), caber a ele a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos ocorridos, dentre outros (ainda que a empresa provedora da plataforma possa a vir a ser responsabilizada solidariamente em alguns casos), além de os percentuais fixados pela “99 Tecnologia Ltda.”, de cota parte do motorista, serem superiores ao que este Tribunal vem admitindo como suficientes a caracterizar a relação de parceria entre os envolvidos, como no caso de plataformas semelhantes (ex: Uber). 4. Já quanto à alegada subordinação estrutural, não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos a fim de reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que atuam em novas formas de trabalho, emergentes da dinâmica do mercado concorrencial atual e, principalmente, de desenvolvimentos tecnológicos, nas situações em que não se constata nenhuma fraude, como é o caso das empresas provedoras de aplicativos de tecnologia, que têm como finalidade conectar quem necessita da condução com o motorista credenciado, sendo o serviço prestado de motorista, em si, competência do profissional e apenas uma consequência inerente ao que propõe o dispositivo. 5. Assim sendo, não merece reforma o acórdão regional que não reconheceu o vínculo de emprego pleiteado na presente reclamação, ao fundamento de ausência de subordinação jurídica entre o Motorista e a Empresa provedora do aplicativo. Agravo de instrumento desprovido " (AIRR-0000716-90.2024.5.13.0004, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 11/04/2025). AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA. Conforme já exposto na decisão agravada, os elementos constantes dos autos revelam a inexistência do vínculo empregatício, tendo em vista a autonomia no desempenho das atividades do autor, a descaracterizar a subordinação. Isso porque é fato indubitável que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. E, relativamente aos termos e condições relacionados aos referidos serviços, esta Corte, ao julgar processos envolvendo motoristas de aplicativo, ressaltou que o motorista percebe uma reserva do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Agravo não provido" (RRAg-1001341-61.2022.5.02.0044, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 28/10/2024). GDCJCP/ lb AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. RECURSO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. MOTORISTA DE APLICATIVO. UTILIZAÇÃO DE PLATAFORMA DIGITAL. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Considerando tratar-se a discussão de matéria nova, para a qual ainda não há no âmbito deste Tribunal Superior jurisprudência reiterada e pacificada, acerca do reconhecimento de vínculo de emprego com empresa detentora de plataforma digital, reconhece-se a transcendência jurídica da causa, nos termos do artigo 896-A, § 1º, IV, da CLT. 2. MOTORISTA DE APLICATIVO. UTILIZAÇÃO DE PLATAFORMA DIGITAL. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. NÃO PROVIMENTO. Trata-se de pretensão de reconhecimento de vínculo de emprego entre o reclamante motorista e a reclamada Uber provedora de plataforma digital. Como é cediço, para que se possa reconhecer a existência de vínculo de emprego, é necessário que na relação jurídica mantida entre as partes estejam presentes os elementos configurados do pretendido liame, na forma estabelecida pelos artigos 2° e 3° da CLT. Desse modo, somente há falar em relação de emprego quando devidamente comprovada a não eventualidade dos serviços prestados, a pessoalidade do trabalhador contratado, a subordinação jurídica e a onerosidade. Ausente um desses requisitos, não há falar em vínculo de emprego, e sim em relação de trabalho por meio de atividade em sentido estrito. Importante realçar que o fato de o tomador dos serviços fixar diretrizes e aferir resultados na prestação dos serviços não induz à conclusão de que estaria presente a subordinação jurídica. Isso porque todo trabalhador se submete, de alguma forma, à dinâmica empresarial de quem contrata seus serviços, em razão de ser ela (a empresa) a beneficiária final dos serviços prestados pelo trabalhador. Sendo assim, pode ela perfeitamente supervisionar e determinar a forma de execução das atividades, não cabendo para a espécie o reconhecimento de vínculo decorrente da chamada "subordinação estrutural". Precedentes. No que diz respeito à subordinação jurídica, para que haja a sua configuração, é necessário que estejam presentes na relação todos os elementos que compõem o poder hierárquico do empregador, quais sejam: os poderes diretivo, fiscalizatório, regulamentar e disciplinar, como bem ressaltou o eminente Ministro Alexandre Luiz Ramos no seu voto, no julgamento do RR-10088-46.2015.5.18.0002, de sua relatoria na Quarta Turma. Desse modo, inexistindo a convergência concreta de todos esses elementos, não há falar em subordinação jurídica e, por conseguinte, em relação de emprego. Na hipótese , a questão foi dirimida mediante análise do conjunto probatório, evidenciando a inexistência de controle ou supervisão por parte da reclamada, concluindo o Tribunal Regional pela não configuração da subordinação jurídica, apta a caracterizar o vínculo de emprego. Ficou expresso que o autor tinha autonomia para trabalhar, sem ter que se reportar diretamente a superiores hierárquicos, podendo escolher os dias em que trabalharia menos e os momentos destinados ao descanso. Acrescentou ainda que o percentual pago ao motorista, em torno de 80% do valor pago pelo passageiro, denota o caráter de parceria da relação, e não de subordinação. Desse modo, tem-se que o Tribunal Regional ao afastar a pretensão de reconhecimento de vínculo de emprego, por não ficar demonstrada a subordinação jurídica, deu a exata subsunção dos fatos à norma contida nos artigos 2º e 3º da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento (AIRR-0001185-73.2023.5.13.0004, 8ª Turma, Relator Desembargador Convocado Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, DEJT 10/12/2024). Dessa forma, restam incólumes os artigos tidos por violados. Ante o exposto, não conheço do recurso de revista. CONCLUSÃO Diante do exposto, e nos termos dos arts. 932, III, IV e V, do CPC de 2015 e 896, § 14, da CLT e 251, I, II e III, do Regimento Interno desta Corte Superior, reconheço a transcendência jurídica do tema “pretensão de reconhecimento do vínculo de emprego - trabalho realizado por meio de plataforma digital (UBER)” e não conheço do recurso de revista. Publique-se. BrasÃlia, 28 de julho de 2025. EVANDRO VALADÃO Ministro Relator
Intimado(s) / Citado(s)
- UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.
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