Processo nº 5821467-92.2024.8.09.0051
ID: 309255767
Tribunal: TJGO
Órgão: 8ª Câmara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5821467-92.2024.8.09.0051
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSEVALDO AUGUSTO CASSIANO
OAB/DF XXXXXX
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ANDERSON SILVA ARAUJO
OAB/DF XXXXXX
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LEONARDO VIEIRA DA SILVA
OAB/DF XXXXXX
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Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CULPA EXCLUSIVA DO PROMITENTE VENDEDOR. RESTITUIÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. MULTA CONTRATUA…
Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CULPA EXCLUSIVA DO PROMITENTE VENDEDOR. RESTITUIÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. MULTA CONTRATUAL. TAXA DE FRUIÇÃO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.I. CASO EM EXAME1. Dupla apelação cível interposta contra sentença proferida em ação de rescisão contratual cumulada com restituição de valores e indenização por perdas e danos, decorrente de inadimplemento contratual relacionado à promessa de compra e venda de fração ideal de unidade imobiliária em regime de multipropriedade. A sentença reconheceu a culpa exclusiva da vendedora e determinou a restituição integral dos valores pagos, com aplicação de cláusula penal e compensação da taxa de fruição.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há quatro questões em discussão: (i) saber se houve inadimplemento contratual da promitente vendedora em razão da ausência de outorga da escritura definitiva e irregularidades cartorárias na incorporação imobiliária; (ii) saber se é devida a devolução integral dos valores pagos, incluindo comissão de corretagem, com incidência de multa contratual; (iii) saber se é possível a cobrança da taxa de fruição diante da utilização do imóvel pelo comprador; e (iv) saber se os honorários advocatícios fixados devem ser majorados.III. RAZÕES DE DECIDIR3. Verificado o inadimplemento contratual essencial da incorporadora, que não regularizou a incorporação nem outorgou a escritura definitiva, impossibilitando a transmissão da propriedade, nos termos dos arts. 1.225, I, e 1.227 do CC/2002.4. A ausência de registro da incorporação compromete a finalidade do contrato e enseja sua resolução judicial por culpa exclusiva da vendedora, nos termos do art. 475 do CC/2002.5. A fruição do imóvel, embora existente, não descaracteriza o inadimplemento da vendedora, pois não suprime a obrigação principal de transmissão da propriedade.6. A restituição integral dos valores pagos, inclusive da comissão de corretagem, é devida em razão da culpa exclusiva da vendedora, conforme entendimento do STJ e aplicação da Súmula 543.7. A prescrição trienal invocada não se aplica, pois o prazo prescricional tem início após a resolução do contrato, conforme jurisprudência do STJ.8. A cláusula penal moratória pode ser invertida em favor do consumidor, conforme orientação do Tema 971/STJ.9. A taxa de fruição, embora não prevista expressamente no contrato, é legítima e exigível, devendo ser calculada proporcionalmente aos períodos anuais de uso efetivo da unidade.10. Os juros moratórios incidem a partir da citação, conforme jurisprudência consolidada e inaplicabilidade do Tema 1002/STJ.11. Os honorários advocatícios devem ser majorados para 20% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC/2015, diante da complexidade e da atuação do patrono.IV. DISPOSITIVO E TESE12. Recurso da 1ª apelante conhecido e desprovido. Recurso da 2ª apelante conhecido e parcialmente provido.Tese de julgamento:"1. O inadimplemento da obrigação de outorga de escritura definitiva e de regularização cartorária do imóvel autoriza a rescisão do contrato por culpa exclusiva do promitente vendedor.""2. Na hipótese de resolução contratual por inadimplemento do vendedor, é devida a restituição integral dos valores pagos pelo comprador, incluindo a comissão de corretagem.""3. A taxa de fruição é exigível proporcionalmente ao período de efetiva disponibilidade do imóvel em regime de multipropriedade.""4. É cabível a inversão da cláusula penal moratória em favor do consumidor quando o inadimplemento for do fornecedor.""5. Os juros moratórios incidem a partir da citação na hipótese de rescisão contratual por culpa do promitente vendedor.""6. Os honorários advocatícios sucumbenciais podem ser majorados até o limite de 20% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC/2015."Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 1.225, I; 1.227; 413; 475; 884; CPC, arts. 85, §2º; CDC, arts. 2º, 3º, §2º, e 6º, VIII.Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 543; STJ, Tema 938; STJ, Tema 971; STJ, AgInt no AREsp 2.159.012/RJ, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 03/11/2022; STJ, AgInt no REsp 2047767/SP, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 13/06/2023; TJGO, AC 5027878-61.2021.8.09.0029, Rel. Des. Anderson Máximo de Holanda, DJe 22/04/2024.
Poder Judiciário Tribunal de Justiça do Estado de Goiás Gabinete da Desembargadora Juliana Pereira Diniz Prudente DUPLA APELAÇÃO CÍVEL Nº 5821467-92.2024.8.09.0051 COMARCA DE GOIÂNIA1ª APELANTE/RÉ : LAGOA QUENTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA2º APELANTE/AUTOR: DANIEL LUCAS DE SOUZA1º APELADA/AUTOR : DANIEL LUCAS DE SOUZA2ª APELADA/RÉ : LAGOA QUENTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDARELATORA : DESEMBARGADORA JULIANA PEREIRA DINIZ PRUDENTE VOTO Presentes os pressupostos de admissibilidade dos recursos, deles conheço. Conforme relatado, tratam-se de dois recursos de apelação cível interpostos contra a sentença prolatada pelo Juízo da 31ª Vara Cível da Comarca de Goiânia, nos autos da ação de rescisão contratual c/c cobrança e indenização por perdas e danos, ajuizada por Daniel Lucas De Souza, em desfavor de Lagoa Quente Empreendimentos Imobiliários LTDA. Percorridos os trâmites processuais, sobreveio a sentença, na qual o magistrado a quo decidiu nos seguintes termos (mov. 35): (…) Sobre a competência, o foro do domicílio do consumidor prevalece em relação à clausula contratual de eleição, na forma do que dispõe o art. 101 , inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. Sendo assim, como o autor é domiciliado nesta urbe e optou por ajuizar a ação nesta comarca, não há que se falar em declinação de competência com base em cláusula de eleição de foro.Afasto, portanto, a preliminar de incompetência do juízo suscitada em contestação. Insurge a parte requerida quanto a ocorrência de prescrição da pretensão do autor em razão do decurso do prazo de 10 (dez) anos desde a assinatura do contrato de compra e venda, contudo, não merece prosperar a alegação, tendo em vista que o prazo prescricional iniciar-se-á a partir do inadimplemento do contrato, que se deu em 11/2020 e não da data de sua celebração 05/2014. Deste modo, rejeito a prejudicial de mérito.Não merecem respaldo os argumentos apresentados pela requerida sobre o litisconsórcio ativo necessário, pela necessidade de comparecimento de seu cônjuge.Conforme exsurge da inteligência do artigo 73, caput, do Código de Processo Civil, a exigência de consentimento conjugal somente evidencia-se quando formulada pretensão que envolve direitos reais, os quais, como é cediço, constam no rol taxativo previsto no artigo 1.225 do Código Civil.No caso em testilha, a relação controvertida, ao contrário do que alega o requerido, não é de direito real, mas puramente pessoal, uma vez que não versa sobre a propriedade do imóvel em si, e sim relação de cuinho eminentemente obrigacional.Ademais disso, não consta no contrato particular a cônjuge do autor como promitente compradora.Estando acendrado o feito no que tange às condições da ação e aos pressupostos de desenvolvimento válido e regular, tendo sido percorrida de forma completa a fase postulatória e facultada a instrutória, passo ao deslinde do mérito.Inicialmente, cumpre ressaltar a relação de consumo entre as partes, já que o autor caracteriza-se como pessoa física que adquiriu o imóvel descrito na inicial como destinatário final (artigo 2º da Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor), enquanto a requerida é típica fornecedora, nos termos do artigo 3º, parágrafo2º, do mesmo diploma legal.No caso, apesar da tese defensiva de que o autor adquiriu o imóvel objeto do contrato anexado a exordial como forma de investimento, não há provas de que ele é um investidor habitual ou atuante no mercado de imóveis, tratando-se, assim, de consumidor hipossuficiente frente a uma empresa fornecedora de produtos.No caso dos autos, as partes celebraram em 05/2014 contrato de compra e venda de fração ideal de unidade imobiliária – 12– do empreendimento Jardins da Lagoa Condo-Resort, Bangalô 78, om área privativa de 79m2 , área comum de 0,97m2 , com direito de utilização de 04 (quatro) semanas anuais, com garagem, sala de estar/TV, cozinha, área de serviço, circulação, quarto, banheiro social e suíte com banheiro, situado na Rua 04, Quadra 204-R, Lote01-R, Setor Lagoa Quente de Caldas Novas, em Caldas Novas-GO, pelo valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).São fatos incontroversos, porque narrados na inicial e admitidos pela requerida (artigo 374, II e III, CPC): a negociação do imóvel entre as partes, o pagamento total do débito, e a ausência de outorga da escritura pública definitiva até o momento.Restaram como controvertidos: a culpa da ré diante da ausência da outorga da escritura pública definitiva, em razão da pendência de regularização e necessidade de registro da incorporação do condomínio e se referida omissão leva à rescisão contratual ou se trata de mera irregularidade sanável, bem como eventual valor a ser restituído ao autor. A cláusula oitava, item III, assim dispõe:As unidades imobiliárias foram entregues em setembro de 2020, o prazo limite para que a escritura pública de compra e venda tivesse sido outorgada em favor do Autor era até NOVEMBRO/2020. O Cartório de registro de imóveis certificou o seguinte:Portanto, a regularização do empreendimento é obrigação legal imposta à ré, não lhe cabendo a escusa, sobretudo em se cuidando de empresa dedicada a tal ramo de negócio.Conclui-se que o autor cumpriu a obrigação no que tange ao pagamento do preço, tendo sido emitido recibo de quitação dos valores exigidos, fazendo jus à outorga de escritura para transmissão de propriedade da fração ideal no prazo contratado.O art. 475 do Código Civil dispõe que: A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". E a Súmula 543 do STJ prevê que "Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. Assim, reconhecida a culpa exclusiva da promitente vendedora, ora ré, na resolução do contrato objeto da lide, de rigor a rescisão contratual e a condenação da ré à restituição integral dos valores desembolsados pela autora. Ressalta-se que a comissão de corretagem também deve ser ressarcida ao autor, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça não se aplica a prescrição trienal quando a pretensão de restituição da comissão se fundamenta na rescisão contratual, como quis defender o réu, vejamos: (…)Quanto ao pedido de fixação de multa pelo inadimplemento contratual, tem-se que, nos termos da jurisprudência, é possível a inversão da cláusula penal moratória em favor do consumidor, no caso de inadimplemento do promitente vendedor, consubstanciado no seu inadimplemento contratual.Nesse sentido, veja-se: (...).Considerando que o valor fixado a título de cláusula penal não vincula o juízo que pode no caso concreto estimar o efetivo prejuízo, nos termos do art. 413 do Código Civil, fixo a contida na cláusula quinta, item II, do contrato em 10 % do valor pago.Reconhecido desse modo o direito à resolução do contrato, surge daí uma nova relação jurídica, a relação jurídica de liquidação, por meio da qual se exercem pretensões restituitórias e indenizatórias com a finalidade de recompor o patrimônio dos contratantes ao estado que anteriormente se encontrava. Assim, determino a compensação do valor a ser liquidado à titulo de taxa de fruição pelo tempo que a autora ficou na posse do imóvel, com a quantia devida pelo réu, visando evitar o enriquecimento sem causa.Por todo o exposto, nos termos do artigo 487, I, do CPC, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, para declarar rescindido o contrato objeto da presente demanda por culpa exclusiva da requerida e condená-la a restituir ao autor o valor integral por ele pago, corrigido monetariamente pelo INPC, a partir de cada desembolso, e juros moratórios, à base de um por cento (1%) ao mês, a partir da citação, além da multa contratual de 10% sobre o valor pago, devidamente atualizado, conforme cláusula quinta a, item II, do contrato, descontada a quantia devida ao réu, referente à taxa de fruição, a ser apurada na fase de liquidação.A correção monetária e os juros de mora terão incidência nos termos do Código Civil, com a observância das alterações efetivadas pela Lei n° 14.905/2024, da seguinte forma: i) até o dia 27/08/2024 (dia anterior à entrada em vigor da Lei n° 14.905/2024), a correção monetária deverá observar o INPC, sendo o valor acrescido de juros de mora de 1,0% ao mês, conforme a orientação da jurisprudência então dominante; ii) a partir do dia 28/08/2024 (início da vigência da Lei n° 14.905/2024), o índice a ser utilizado será: a) a taxa SELIC, deduzido o IPCA-IBGE, enquanto incidir apenas juros de mora; b) a taxa SELIC, quando incidir conjuntamente correção monetária e juros de mora.Condeno, ainda, a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre a condenação, nos termos do artigo 85, §2º, do CPCPublique-se. Registre-se. Intimem-se. Opostos embargos de declaração por ambos os litigantes, estes foram rejeitados (mov. 40). De início, consigno que o pleito de atribuição de efeito suspensivo ao recurso não merece conhecimento, porquanto deveria ter sido aviado por meio de petição em apartado, com requerimento específico, nos termos do art. 1.012, §§3º e 4º, do CPC. Ademais, resta prejudicado em razão do presente julgamento. Superada tal questão, passo à apreciação do mérito recursal. Em suas razões recursais, a ré/1ª apelante, busca a reforma da sentença para que sejam reconhecidos: a) a inexistência de inadimplemento da vendedora; b) o uso do imóvel pelo autor como causa de aceitação tácita; c) a prescrição da pretensão de restituição da corretagem (Tema 938/STJ); d) a ilegalidade da multa contratual revertida ao comprador; e) a incidência de juros moratórios apenas após o trânsito em julgado (Tema 1002/STJ); e f) a possibilidade de retenção de 25% dos valores pagos. Já o autor/2º apelante, pretende a reforma da sentença nos seguintes pontos: a) declaração de rescisão do contrato por inadimplemento da apelada; b) devolução integral dos valores pagos, sem qualquer dedução; c) condenação da apelada às penalidades contratuais, mediante inversão da cláusula penal; d) subsidiariamente, a limitação proporcional da fruição ao período anual de uso permitido; e) condenação da apelada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em percentual não inferior a 20% do valor da causa. Pois bem. Extrai-se dos autos que as partes firmaram contrato de promessa de compra e venda em maio de 2014. A entrega do imóvel, que estava prevista para dezembro de 2016 (cláusula 7ª, I e II), somente ocorreu em setembro de 2020 (mov. 01, arq. 06), ou seja, muito além do prazo contratual estabelecido, inclusive do período de tolerância de 180 dias, usualmente admitido em contratos dessa natureza. Depreende-se, ainda, que o contrato em questão previa o prazo de 30 dias após a conclusão das obras e a concessão do "habite-se" para que a vendedora notificasse o comprador a fim de que, também no prazo de 30 dias, cumprisse com as diligências necessárias à outorga da escritura definitiva e ao recebimento das chaves (cláusula 7ª, III). Ocorre que, até a data do ajuizamento da presente demanda, no ano de 2024, a escritura pública de compra e venda ainda não havia sido formalizada, em razão da ausência de registro da incorporação imobiliária e da instituição do condomínio junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente, obrigação que competia exclusivamente à incorporadora. Diante do exposto, a magistrada de primeiro grau reconheceu a culpa exclusiva da ré pela rescisão do contrato, diante da ausência de outorga da escritura definitiva e da irregularidade cartorária da incorporação imobiliária, declarando rescindido o contrato firmado entre as partes. Condenou, ainda, a ré à restituição integral dos valores pagos pelo autor, incluída a comissão de corretagem, com aplicação de cláusula penal de 10% e compensação da taxa de fruição, além da fixação de juros moratórios a partir da citação. Diante do conjunto fático delineado, passo à apreciação conjunta dos recursos, iniciando pela análise do alegado inadimplemento contratual, à luz das obrigações assumidas pela incorporadora ré e das consequências jurídicas decorrentes de seu descumprimento. Pois bem. Examinando o contrato firmado entre as partes, verifica-se que este previa expressamente em sua cláusula 7ª, I e II (mov. 01 arq. 05):Conforme demonstrado no feito, a ré/1ª apelante não entregou o empreendimento no prazo previsto, tampouco promoveu as diligências necessárias para regularizar o imóvel, o que impediu que o autor promovesse a outorga da escritura definitiva do imóvel. Embora a ré/1ª apelante tente atribuir a culpa da rescisão ao autor, é forçoso reconhecer que a inércia da incorporadora quanto a regularização do empreendimento configura inadimplemento substancial do contrato, a justificar sua resolução com fundamento no art. 475 do Código Civil, in verbis: Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. Conforme vislumbrado, a ré/apelante não cumpriu com a principal obrigação contratual assumida, qual seja, a de proporcionar a transferência plena da propriedade do bem ao adquirente, por meio da outorga da escritura definitiva, o que inviabiliza a concretização do negócio jurídico firmado. Isso porque, a formalização da escritura pública não representa mero aspecto formal do contrato, mas condição essencial para a constituição da propriedade, conforme preceituam os artigos 1.225, inciso I, e 1.227 do Código Civil, in verbis: Art. 1.225. São direitos reais: I - a propriedade; Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código. Vale registrar que, o fato de o autor encontrar-se na posse do imóvel e dele poder usufruir não supre a necessidade da escritura pública, que é requisito indispensável à aquisição da propriedade nos termos dos artigos supracitados. A fruição, por si só, não afasta o inadimplemento, tampouco torna legítima a permanência do promitente comprador em situação de insegurança jurídica quanto ao domínio do bem. Nesse contexto, imperioso se faz salientar que, a ausência de registro no Cartório de Imóveis impede a constituição do direito de propriedade, tornando a posse meramente precária e insuficiente para caracterizar o cumprimento contratual. Portanto, o inadimplemento da incorporadora quanto à obrigação de promover o registro da incorporação e instituir o condomínio compromete a finalidade do contrato e desequilibra as obrigações pactuadas, autorizando sua resolução judicial pela parte prejudicada. Nesse cenário, mostra-se correta a sentença que reconheceu o inadimplemento essencial da incorporadora e decretou, por consequência, a resolução do contrato por culpa da parte ré/1ª apelante. Corroborando essa ilação: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINARES REJEITADAS. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C.C . INDENIZAÇÃO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PREÇO INTEGRALMENTE QUITADO. OUTORGA DA ESCRITURA . INVIABILIDADE. CULPA EXCLUSIVA DO VENDEDOR. OCORRÊNCIA. RESCISÃO DO CONTRATO . POSSIBILIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO . 1 - Não há que se falar em deserção se o apelante for beneficiário da justiça gratuita. 2 - Rejeita-se a preliminar de intempestividade se comprovado que o recurso foi interposto no prazo legal. 3 - O pagamento do preço do imóvel obriga o promitente vendedor a outorgar a escritura ao comprador, no prazo ajustado, ou, não havendo previsão no contrato, em prazo razoavelmente aceitável. 4 - Comprovado que a outorga da escritura ficou inviabilizada por culpa exclusiva do vendedor, que não regularizou a situação cartorária do imóvel, admite-se a resolução do contrato, nos termos do artigo 475 do Código Civil . 5 - O simples descumprimento contratual, consistente na impossibilidade da outorga da escritura, não enseja indenização por danos morais. Precedentes. 6 - Para se deferir indenização por danos materiais, é indispensável a demonstração objetiva do prejuízo, com base em provas seguras e concretas, não bastando mera expectativa e/ou dano hipotético (art. 402 do CC) . (TJ-MG - AC: 10000191621713001 MG, Relator.: Marcos Lincoln, Data de Julgamento: 19/02/2020, Câmaras Cíveis / 11ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 20/02/2020). Frise-se, ainda, que o fato de o autor ter usufruído do imóvel não implica, por si só, aceitação tácita das irregularidades contratuais ou do inadimplemento da ré. Tal circunstância não pode ser interpretada como renúncia a direitos contratualmente assegurados, tampouco como convalidação da mora injustificada da incorporadora. Ao contrário, trata-se de exercício provisório da posse, na expectativa legítima de que as obrigações assumidas seriam cumpridas, não podendo, portanto, ser utilizado como argumento para afastar a configuração do inadimplemento essencial ou para obstar a resolução contratual. Superada essa premissa, verifica-se, ainda, que a ré/1ª apelante impugna a devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem, apontando previsão contratual, ciência do apelado e pagamento direto ao corretor, além de prescrição trienal da pretensão, nos termos do Tema 938/STJ. Todavia, nesse cenário, em que a vendedora deu causa à rescisão, ressoa consubstanciado que o promitente comprador não pode sofrer prejuízo em razão de inadimplência que não deu causa, não se afigurando legítima, portanto, a retenção de qualquer dos valores pagos, devendo ser devolvidos a totalidade destes, inclusive comissão de corretagem, com a devida correção monetária. A questão encontra-se pacificada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça: (…). De acordo com a jurisprudência do STJ, “no caso de rescisão contratual por culpa da construtora, o comprador deve ser restituído da comissão de corretagem” (AgInt no REsp n. 1.863.961/RJ, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/6/2021, DJe 30/6/2021), o que foi observado pela Corte local. Caso de aplicação da Súmula n. 83/STJ. 8. Divergência jurisprudencial não demonstrada, ante a incidência das Súmulas n. 7, 83 e 211 do STJ e 282 e 356 do STF. 9. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, Quarta Turma, AgInt no AREsp n. 2.159.012/RJ, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe de 03.11.2022); (…). Em se tratando de rescisão de promessa de compra e venda por culpa do vendedor, deve ser restituída a integralidade dos valores pagos pelo comprador, inclusive comissão de corretagem. Incidência da Súmula nº 568 do STJ. (…). (STJ, Terceira Turma, AgInt no AREsp. nº 1.987.447/RJ, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe de 10.08.2022); A colenda Corte da Cidadania sedimentou tese no sentido de ser válida a cláusula contratual que transfere ao promitente comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do respectivo valor comissionado (Inteligência do REsp n° 1.599.511/SP, julgado sob o rito dos recursos repetitivos (Tema n° 938/STJ). Contudo, a referida Corte fez o distinguishing a respeito da inaplicabilidade do Recurso Repetitivo de Tema n° 938 (REsp n° 1.599.511/SP) aos casos em que a pretensão de restituição da comissão de corretagem decorre da rescisão do contrato por culpa da vendedora, como in casu, porquanto tais verbas integram as perdas e danos devidas ao comprador, restabelecendo o status quo ante. Quanto a tese de prescrição trienal, verifica-se que novamente razão não lhe assiste, uma vez que, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui entendimento sedimentado de que, em demandas que buscam a restituição de valores pagos a título de comissão de corretagem em que a causa de pedir é a rescisão do contrato por inadimplemento do vendedor, o prazo prescricional da pretensão da restituição de valores tem início após a resolução, sendo inaplicável o prazo prescricional trienal. Nesse sentido é a orientação sufragada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. CULPA DO VENDEDOR. RESTITUIÇÃO INTEGRAL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE DO TEMA 938 DO STJ. PRESCRIÇÃO DECENAL. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. COMPATIBILIDADE DE PEDIDOS. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Resolvido o contrato de promessa de compra e venda de imóvel por inadimplemento do vendedor, é cabível a restituição das partes ao status quo ante, com a devolução integral dos valores pagos pelo comprador, o que inclui a comissão de corretagem. Incidência da Súmula 83 do STJ. 2. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está sedimentada no sentido de que, em demandas objetivando a restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem em que a causa de pedir é a rescisão do contrato por inadimplemento do vendedor, o prazo prescricional da pretensão da restituição de valores tem início após a resolução, sendo inaplicável o prazo prescricional trienal" ( AgInt no AREsp 1.864.106/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe de 14/12/2021). 3. Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, quando a causa de pedir o reembolso das despesas de intermediação imobiliária é o atraso na entrega das chaves, aplica-se a prescrição decenal do art. 205 do CC/2002, e não a prescrição trienal do art. 206, § 3º, IV, do CC/2002. Precedentes. Súmula 83/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 2047767 SP 2023/0011249-9, Relator: RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 05/06/2023, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/06/2023). No mesmo sentido, a jurisprudência do TJGO, senão vejamos: EMENTA. DUPLO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS C/C DEVOLUÇÃO DE QUANTIAS PAGAS E DANOS MORAIS. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. APLICAÇÃO DO CDC. LEGITIMIDADE PASSIVA ADMINISTRADORA. PRESCRIÇÃO TRIENAL TEMA 938 STJ INAPLICÁVEL. INEFICÁCIA DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. SÚMULA N.º 543 DO STJ. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. RESTITUIÇÃO INTEGRAL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDENTE DESDE A DATA DO EFETIVO DESEMBOLSO. DANO MORAL. 1. Omissis.2. omissis. 3. A jurisprudência do STJ está sedimentada no sentido de que em demandas nas quais se objetiva a restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem em que a causa de pedir é a rescisão do contrato por inadimplemento do vendedor, o prazo prescricional da pretensão da restituição de valores tem início após a resolução da avença, de sorte que é inaplicável o prazo prescricional trienal, estabelecido no Tema 938/STJ. 4. A consumidora optou por resolver a disputa perante a jurisdição estatal, o que implica uma renúncia implícita à arbitragem e na ineficácia da cláusula compromissória estabelecida, conforme previsto na Súmula 45 do TJGO. 5. É possível a rescisão de contrato particular de compra e venda de imóvel por culpa ou iniciativa de qualquer dos contratantes, de sorte que deve ocorrer o retorno ao status quo ante, mediante a devolução das parcelas pagas pelo consumidor, aplicando-se o teor da Súmula 543 do STJ. 6. Nos termos da súmula 543 do STJ, na hipótese de resolução do contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao CDC por culpa exclusiva do vendedor/construtor, a restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador/consumidor deve ocorrer de forma imediata e integral, incluindo os valores correspondentes à comissão de corretagem, sendo inaplicável a tese firmada no Tema 938 do STJ. 7. Omissis. 8. Omissis. 9. Omissis. 10. Ante o não provimento do duplo recurso de apelação cível, bem como a preexistente condenação dos apelantes em honorários, torna-se impositiva a majoração da sucumbência a cargo destes. PRIMEIRO E SEGUNDO RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5027878-61.2021.8.09.0029, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA, 10ª Câmara Cível, julgado em 22/04/2024, DJe de 22/04/2024). Com essas razões, afasta-se também a alegação de prescrição da pretensão de restituição dos valores pagos a título de corretagem erigida pela 1ª apelante. Dessa forma, hígido o comando judicial que determinou a devolução do numerário desembolsado a título de comissão de corretagem ao comprador, ora apelado. Quanto a inversão da cláusula moratória, rememoro que o C. Superior Tribunal de Justiça, por meio dos REsp n. 1.614.721/DF e 1.631.485/DF (Tema 971), orienta ser possível a referida inversão (moratória ou compensatória) quando a previsão de multa direciona-se, exclusivamente, em benefício da promitente vendedora do imóvel. Confira-se: No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial. Examinando a proposta de compra e venda firmada entre as partes, verifica-se que esta previa expressamente (mov. 20 arq. 04): Nesse passo, reconhecida a culpa exclusiva da ré/1ª apelante pela rescisão contratual, decorrente da ausência de regularização do empreendimento e da não outorga da escritura definitiva, é cabível — e deve ser mantida — a aplicação da cláusula penal compensatória de 10% sobre os valores pagos pelo comprador/2º apelante, nos termos do art. 413 do Código Civil e da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, especialmente o Tema 971/STJ. Contudo, não há fundamento jurídico para estender essa penalidade à multa adicional de 10% prevista contratualmente a título de “custos administrativos, publicidade, comissões de vendas e encargos”, conforme requerido pelo autor/2º apelante. Tal penalidade possui natureza estritamente operacional e está vinculada a despesas internas do fornecedor, típicas de sua atividade empresarial, que não recaem sobre o consumidor e tampouco decorrem do inadimplemento contratual. A cláusula penal, para ser válida em favor do consumidor, deve estar funcionalmente vinculada ao prejuízo sofrido em razão do descumprimento da obrigação principal, o que não se verifica em relação à parcela ora discutida. Permitir sua aplicação em favor do autor implicaria em atribuir-lhe um ganho dissociado de qualquer dano efetivo, violando o caráter reparatório da cláusula penal e incorrendo em enriquecimento sem causa, expressamente vedado pelo art. 884 do Código Civil. No presente caso, a fixação da multa em 10% sobre os valores pagos já se mostra adequada, proporcional e suficiente à recomposição dos danos sofridos pelo comprador, inclusive considerando que o valor da condenação será atualizado e acrescido de juros legais. Portanto, a penalidade contratual deve ser limitada à multa de 10% originalmente prevista para o inadimplemento contratual, sendo indevida a aplicação da multa adicional relativa a despesas administrativas e operacionais, por ausência de relação direta com o prejuízo do consumidor e por incompatibilidade com a função da cláusula penal no sistema jurídico vigente. Corroborando essa ilação, segue o aresto a seguir: APELAÇAO CÍVEL – AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL - Contrato de compromisso de compra e venda - Descumprimento do prazo de entrega, mesmo após prazo suplementar de 180 dias - Legitimidade da rescisão, que se deu por culpa da ré – Sentença que determinou a resolução da avença com restituição dos valores pagos e aplicação de multa penal invertida. Insurgência apenas quanto à inversão da cláusula penal – Possibilidade. Tema 971, do Superior Tribunal de Justiça. Devida a inversão da multa apenas no tocante à prefixação de perdas e danos (10% sobre o valor das parcelas pagas) . Apelo parcialmente provido. (TJ-SP - Apelação Cível: 1000413-23.2021.8 .26.0531 Santa Adélia, Relator.: Almeida Sampaio, Data de Julgamento: 11/01/2023, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/01/2023) No que se refere à taxa de fruição, ainda que a parte autora/2ª apelante tenha alegado que a cláusula 5ª, inciso III, do contrato firmado entre as partes conteria previsão acerca de sua cobrança, verifica-se, por meio de leitura atenta do referido dispositivo, que tal previsão é inexistente (mov. 01 arq. 05). Ressalte-se, ademais, que não há qualquer menção à taxa de fruição ou à taxa de ocupação na proposta de compra e venda (mov. 20 arq. 04). Todavia, ainda que inexista previsão expressa no contrato, a cobrança da taxa de fruição é legítima e exigível, diante do efetivo uso e gozo do imóvel pelo autor durante o período de vigência contratual. Ora, a fruição do bem gerou vantagem econômica concreta ao autor, motivo pelo qual não se pode admitir que tal benefício ocorra sem a correspondente contraprestação. Ademais, com a rescisão contratual, especialmente quando motivada por iniciativa da ré, configura-se o retorno das partes ao status quo ante, o que implica a restituição recíproca das prestações. Nesse cenário, a manutenção da vantagem auferida pelo autor, sem o devido pagamento, configuraria hipótese de enriquecimento sem causa, expressamente vedado pelo artigo 884 do Código Civil. Assim, a cobrança da taxa de fruição, ainda que não prevista expressamente no contrato, encontra respaldo jurídico na equidade, nos princípios da boa-fé e da vedação ao enriquecimento sem causa, devendo ser reconhecida como exigível, sobretudo diante da comprovação de sua efetiva utilização nesse interregno. Deve-se atentar, entretanto, que se trata de um imóvel em regime de multipropriedade, no qual os diversos proprietários do bem, de forma alternada, são titulares de uma fração de tempo, com a faculdade exclusiva de uso e gozo do imóvel em sua totalidade. Assim, a taxa de fruição é devida pelo tempo efetivamente disponibilizado ao comprador (autor), de acordo com o cronograma de uso compartilhado. Posto isso, em atenção ao cronograma acostado pela ré/1ª apelante (mov. 20 arq. 10), será cabível a condenação do autor/2ºapelante a indenizar a ré/apelante pela taxa de fruição estipulada em 0,5% calculada proporcionalmente aos períodos anuais de disponibilização para uso da unidade imobiliária ao concessionário comprador. Em caso similar, seguem as jurisprudências a seguir: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINAR DE INOVAÇÃO RECURSAL - NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL - CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - MULTIPROPRIEDADE - ATRASO NA ENTREGA DO EMPREENDIMENTO - DESFAZIMENTO DO NEGÓCIO POR CULPA EXCLUSIVA DO VENDEDOR - TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA INCIDENTES SOBRE O VALOR A SER RESTITUÍDO AOS COMPRADORES - DATA DA CITAÇÃO - TAXA DE FRUIÇÃO - PAGAMENTO PROPORCIONAL DEVIDO - DELIMITAÇÃO AO PERÍODO DE DISPONIBILIZAÇÃO DO IMÓVEL - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - INTUITO PROTELATÓRIO - NÃO CONFIGURAÇÃO - REVOGAÇÃO DA MULTA. - Somente pode ser devolvida a esta instância revisora matéria já debatida em primeiro grau, vedada a inovação em sede de recurso - Em caso de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel por culpa da promitente vendedora, os juros de mora cabíveis sobre o valor a ser restituído aos promissários compradores incidem desde a citação - Apesar de incontroverso o atraso na conclusão do empreendimento, entre a data respectiva da entrega e o ajuizamento da ação decorreu lapso temporal considerável, durante o qual o imóvel esteve disponível para utilização multicompradores. Assim, fará jus a Ré/Apelante ao recebimento da taxa de fruição de forma proporcional ao tempo em que o empreendimento ficou à disposição dos Autores/Apelados, sobretudo diante da comprovação de efetiva utilização nesse interregno - A multa prevista no art. 1 .026, § 2º, do CPC não merece aplicação quando não evidenciados o dolo da parte em procrastinar o feito ou o abuso de direito de ação a ensejar a referida penalidade. (TJ-MG - Apelação Cível: 5003146-36.2021.8 .13.0342, Relator.: Des.(a) Habib Felippe Jabour, Data de Julgamento: 05/03/2024, 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 06/03/2024) [...] O contrato de multipropriedade assegura a cada cotitular a utilização exclusiva do bem durante certo período do ano. Incontroversa a utilização do bem pelos adquirentes, a retenção de valor pela fruição se mostra pertinente, mas o período deve ser delimitado observando-se a particularidade do regime de multipropriedade que confere aos adquirentes a possibilidade de fruição por poucos dias ao ano. [...]". (TJMG - Apelação Cível 1.0000.22.188571-8/001, Relator (a): Des.(a) Manoel dos Reis Morais , 20a CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/11/2022, publicação da súmula em 24/11/2022). Portanto, assiste razão parcial à parte autora/2ª apelante em sua pretensão, motivo pelo qual determino a reforma da sentença, para que seja descontado do valor a ser restituído a ela o montante correspondente à taxa de fruição, estipulada em 0,5% e calculada proporcionalmente aos períodos anuais de disponibilização para uso da unidade imobiliária ao concessionário comprador. O valor exato deverá ser apurado em fase de liquidação de sentença, nos termos da fundamentação deste voto. Diante de todo o exposto, evidenciada a inadimplência da ré/1ª apelada, é patente o descabimento do pedido de retenção de 25% dos valores pagos, por ela formulado. Acerca da incidência de juros de mora, registra-se que na hipótese de rescisão contratual por culpa da promitente vendedora, como no caso em debate, os juros de mora incidem a partir da citação, não sendo aplicável o Tema Repetitivo 1002 do STJ. A propósito: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 543/STJ. APLICAÇÃO DO TEMA 971/STJ. JUROS DE MORA A CONTAR DA CITAÇÃO. PRECEDENTES. PREQUESTIONAMENTO. AUSENTE. SÚMULA 211/STJ. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SÚMULAS 5 E 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO. AUSENTE.[…] Conforme a jurisprudência desta Corte, em caso de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel por culpa da promitente-vendedora, os juros de mora sobre o valor a ser restituído incidem a partir da citação. Precedentes. 6. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 7. Agravo interno não provido. (AgInt nos EDcl no REsp n. 2.046.807/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/5/2023, DJe de 10/5/2023.) Portanto, mantenho a sentença neste ponto. Finalmente, insurgiu-se o autor/2º apelante contra o percentual e o parâmetro de fixação dos honorários sucumbenciais, os quais, segundo ele, devem ser fixados sobre o valor da causa e majorados para 20%. Acerca do tema, o parágrafo 2º do art. 85 do CPC disciplina que: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. (…)§ 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:I - o grau de zelo do profissional;II - o lugar de prestação do serviço;III - a natureza e a importância da causa;IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Logo, conclui-se que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser fixados, em regra, com observância dos percentuais e da ordem de gradação da base de cálculo estabelecida pelo art. 85, § 2º, do CPC/2015, nos seguintes termos: (1) com base no valor da condenação; (2) não havendo condenação ou não sendo possível se valer da condenação, com base no proveito econômico obtido pelo vencedor; ou (3) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa. Nesse sentido, tenho que honorários advocatícios deverão ser fixados com base no valor da condenação, conforme decidido pelo juiz primevo, todavia, entendo ser justo majorar os honorários sucumbenciais para 20% (vinte por cento) quantia apta a remunerar de forma condigna o labor desempenhado pelo patrono da parte autora. Ante o exposto, conheço da 1ª Apelação Cível e lhe nego provimento. Lado outro, conheço da 2ª Apelação Cível, e lhe dou parcial provimento para, em reforma à sentença vergastada: a) determinar o desconto do valor a ser restituído ao autor, do montante correspondente à taxa de fruição, estipulada em 0,5% calculada proporcionalmente ao período anual em que a unidade imobiliária esteve disponível para uso do concessionário comprador, valor este a ser apurado em fase de liquidação de sentença. b) majorar a verba honorária sucumbencial para 20% sobre o valor da condenação. Por fim, considerando a fixação dos honorários sucumbenciais em 20% sobre o valor da condenação, descabida a sua majoração em sede recursal, porquanto fixados no patamar máximo, nos termos do art. 85, §11 do Código de Processo Civil. É como voto. Documento datado e assinado digitalmente. Desembargadora JULIANA PEREIRA DINIZ PRUDENTERelatora DUPLA APELAÇÃO CÍVEL Nº 5821467-92.2024.8.09.0051 COMARCA DE GOIÂNIA1ª APELANTE/RÉ : LAGOA QUENTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA2º APELANTE/AUTOR: DANIEL LUCAS DE SOUZA1º APELADA/AUTOR : DANIEL LUCAS DE SOUZA2ª APELADA/RÉ : LAGOA QUENTE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDARELATORA : DESEMBARGADORA JULIANA PEREIRA DINIZ PRUDENTE Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CULPA EXCLUSIVA DO PROMITENTE VENDEDOR. RESTITUIÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. MULTA CONTRATUAL. TAXA DE FRUIÇÃO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.I. CASO EM EXAME1. Dupla apelação cível interposta contra sentença proferida em ação de rescisão contratual cumulada com restituição de valores e indenização por perdas e danos, decorrente de inadimplemento contratual relacionado à promessa de compra e venda de fração ideal de unidade imobiliária em regime de multipropriedade. A sentença reconheceu a culpa exclusiva da vendedora e determinou a restituição integral dos valores pagos, com aplicação de cláusula penal e compensação da taxa de fruição.II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO2. Há quatro questões em discussão: (i) saber se houve inadimplemento contratual da promitente vendedora em razão da ausência de outorga da escritura definitiva e irregularidades cartorárias na incorporação imobiliária; (ii) saber se é devida a devolução integral dos valores pagos, incluindo comissão de corretagem, com incidência de multa contratual; (iii) saber se é possível a cobrança da taxa de fruição diante da utilização do imóvel pelo comprador; e (iv) saber se os honorários advocatícios fixados devem ser majorados.III. RAZÕES DE DECIDIR3. Verificado o inadimplemento contratual essencial da incorporadora, que não regularizou a incorporação nem outorgou a escritura definitiva, impossibilitando a transmissão da propriedade, nos termos dos arts. 1.225, I, e 1.227 do CC/2002.4. A ausência de registro da incorporação compromete a finalidade do contrato e enseja sua resolução judicial por culpa exclusiva da vendedora, nos termos do art. 475 do CC/2002.5. A fruição do imóvel, embora existente, não descaracteriza o inadimplemento da vendedora, pois não suprime a obrigação principal de transmissão da propriedade.6. A restituição integral dos valores pagos, inclusive da comissão de corretagem, é devida em razão da culpa exclusiva da vendedora, conforme entendimento do STJ e aplicação da Súmula 543.7. A prescrição trienal invocada não se aplica, pois o prazo prescricional tem início após a resolução do contrato, conforme jurisprudência do STJ.8. A cláusula penal moratória pode ser invertida em favor do consumidor, conforme orientação do Tema 971/STJ.9. A taxa de fruição, embora não prevista expressamente no contrato, é legítima e exigível, devendo ser calculada proporcionalmente aos períodos anuais de uso efetivo da unidade.10. Os juros moratórios incidem a partir da citação, conforme jurisprudência consolidada e inaplicabilidade do Tema 1002/STJ.11. Os honorários advocatícios devem ser majorados para 20% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC/2015, diante da complexidade e da atuação do patrono.IV. DISPOSITIVO E TESE12. Recurso da 1ª apelante conhecido e desprovido. Recurso da 2ª apelante conhecido e parcialmente provido.Tese de julgamento:"1. O inadimplemento da obrigação de outorga de escritura definitiva e de regularização cartorária do imóvel autoriza a rescisão do contrato por culpa exclusiva do promitente vendedor.""2. Na hipótese de resolução contratual por inadimplemento do vendedor, é devida a restituição integral dos valores pagos pelo comprador, incluindo a comissão de corretagem.""3. A taxa de fruição é exigível proporcionalmente ao período de efetiva disponibilidade do imóvel em regime de multipropriedade.""4. É cabível a inversão da cláusula penal moratória em favor do consumidor quando o inadimplemento for do fornecedor.""5. Os juros moratórios incidem a partir da citação na hipótese de rescisão contratual por culpa do promitente vendedor.""6. Os honorários advocatícios sucumbenciais podem ser majorados até o limite de 20% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º, do CPC/2015."Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CC, arts. 1.225, I; 1.227; 413; 475; 884; CPC, arts. 85, §2º; CDC, arts. 2º, 3º, §2º, e 6º, VIII.Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 543; STJ, Tema 938; STJ, Tema 971; STJ, AgInt no AREsp 2.159.012/RJ, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, DJe 03/11/2022; STJ, AgInt no REsp 2047767/SP, Rel. Min. Raul Araújo, DJe 13/06/2023; TJGO, AC 5027878-61.2021.8.09.0029, Rel. Des. Anderson Máximo de Holanda, DJe 22/04/2024. ACÓRDÃO VISTOS, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as mencionadas em linhas volvidas. ACORDA o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, em sessão pelos integrantes da Segunda Turma Julgadora da Oitava Câmara Cível, por unanimidade, em conhecer dos recursos, negar provimento ao primeiro, e dar parcial provimento ao segundo, nos termos do voto da relatora. PRESIDIU a sessão a Desembargadora Juliana Pereira Diniz Prudente. PRESENTE o(a) ilustre Procurador(a) de Justiça. Documento datado e assinado digitalmente. Desembargadora JULIANA PEREIRA DINIZ PRUDENTERelatora
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