Processo nº 5001207-41.2023.4.02.5111
ID: 328662720
Tribunal: TRF2
Órgão: 5ª Turma Recursal do Rio de Janeiro
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 5001207-41.2023.4.02.5111
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SIMONE VELLOSO RODRIGUES
OAB/RJ XXXXXX
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RECURSO CÍVEL Nº 5001207-41.2023.4.02.5111/RJ
RECORRENTE
: MARIA DE LURDES DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: SIMONE VELLOSO RODRIGUES (OAB RJ214090)
DESPACHO/DECISÃO
decisão monocrática
PREVIDENCIÁR…
RECURSO CÍVEL Nº 5001207-41.2023.4.02.5111/RJ
RECORRENTE
: MARIA DE LURDES DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: SIMONE VELLOSO RODRIGUES (OAB RJ214090)
DESPACHO/DECISÃO
decisão monocrática
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. ÓBITO APÓS A MP 871/2019. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL.
1. SE O SEGURADO FALECE SEM FORMALIZAÇÃO DO VÍNCULO, É DA COMPANHEIRA O ÔNUS DE ALEGAR E COMPROVAR, PERANTE O INSS, SUA QUALIDADE DE DEPENDENTE, MANTIDA ATÉ A DATA DO ÓBITO, MEDIANTE PROVAS QUE, ALÉM DE DEMONSTRAREM A MERA PLAUSIBILIDADE DA ALEGADA UNIÃO ESTÁVEL, RESULTEM EM JUÍZO DE CERTEZA.
2. PARA ÓBITOS ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DA MP 871/2019, A PROVA MATERIAL NÃO É IMPRESCINDÍVEL. A AUSÊNCIA DE PROVAS DOCUMENTAIS DA MANUTENÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO ÓBITO DO SEGURADO AUTORIZA MAIOR RIGOR NA AFERIÇÃO DA SOLIDEZ DOS DEPOIMENTOS, MAS NÃO AUTORIZA O INDEFERIMENTO DA PROVA TESTEMUNHAL. A SÚMULA 63/TNU NÃO IMPÕE O RECONHECIMENTO DA ALEGADA UNIÃO ESTÁVEL (E SUA CONTINUIDADE ATÉ A DATA DO ÓBITO) COM BASE EM QUALQUER PROVA TESTEMUNHAL. CADA DEPOIMENTO DEVE SER VALORADO CONFORME O GRAU DE CONHECIMENTO DEMONSTRADO PELA TESTEMUNHA A RESPEITO DOS FATOS; SOMENTE DEPOIMENTOS DETALHADOS E CONSISTENTES CONTRIBUEM PARA A FORMAÇÃO DO IMPRESCINDÍVEL JUÍZO DE CERTEZA.
3. A MP 871, PUBLICADA EM 18/01/2019 (E POSTERIORMENTE CONVERTIDA NA LEI 13.846/2019), ALTEROU A REDAÇÃO DOS §§ 5º E 6º DO ART. 16 DA LEI 8.213/1991 PARA EXIGIR PROVA MATERIAL CONTEMPORÂNEA DA UNIÃO ESTÁVEL, SEM LIMITAÇÃO TEMPORAL. NÃO SÃO REGRAS PROCESSUAIS APLICÁVEIS DE IMEDIATO (SE FOSSEM, INCORRERIAM EM INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL, POR VIOLAÇÃO DO ART. 62, § 1º, I, B, DA CRFB/1988); TRATA-SE DE ELEMENTO SUBSTANCIAL PARA QUE A UNIÃO ESTÁVEL POSSA PRODUZIR EFEITOS JURÍDICOS NA ESFERA PREVIDENCIÁRIA, NÃO APLICÁVEL AOS ÓBITOS ANTERIORES A 18/01/2019.
4. A CONVERSÃO DA MP 871 NA LEI 13.846/2019, PUBLICADA E VIGENTE EM 18/06/2019, AGRAVOU A TARIFAÇÃO DA PROVA PARA EXIGIR QUE A PROVA MATERIAL DA UNIÃO ESTÁVEL SEJA DO PERÍODO DE 24 MESES IMEDIATAMENTE ANTERIORES AO ÓBITO.
ESTA 5ª TURMA VEM DECIDINDO NO SENTIDO DA LEGITIMIDADE DESSAS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS, POIS NÃO HÁ QUALQUER DISPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL QUE IMPEÇA QUE A LEI IMPONHA MAIOR RIGOR EM RELAÇÃO ÀS PROVAS DA UNIÃO ESTÁVEL. BEM ASSIM, ESSAS INOVAÇÕES PARECEM COMPATÍVEIS COM A MODERNIDADE E COM A FACILIDADE DE DOCUMENTAR OS FATOS. A QUESTÃO É QUE A LEI ENTROU EM VIGOR NA DATA DA SUA PUBLICAÇÃO, SEM
VACACIO
.
A CONSTITUIÇÃO NÃO PREVÊ QUALQUER REGRA OU PRINCÍPIO DE ANTERIORIDADE DA LEI PREVIDENCIÁRIA SOBRE OS BENEFÍCIOS (EMBORA O FAÇA EM RELAÇÃO ÀS CONTRIBUIÇÕES). A QUESTÃO É SABER SE ESSA RUPTURA NORMATIVA ABRUPTA É ADMISSÍVEL PELOS PRINCÍPIOS MAIS GERAIS DA CONSTITUIÇÃO. DEVE-SE DESTACAR QUE A INOVAÇÃO NORMATIVA PASSOU A IMPOR QUE O DEPENDENTE COLHESSE DOCUMENTOS AO LONGO DA VIDA, A FIM DE REALIZAR UMA FUTURA COMPROVAÇÃO DESSA DEPENDÊNCIA PERANTE A PREVIDÊNCIA. A MODIFICAÇÃO REPENTINA CAUSA SURPRESA À CLIENTELA PREVIDENCIÁRIA E, POR CONSEGUINTE, TRATA DE MODO MAIS GRAVOSO E DESIGUAL AQUELAS PESSOAS QUE, POR DESDITA, FORAM COLHIDAS PELO SINISTRO PREVIDENCIÁRIO NOS DIAS SEGUINTES À LEI, COM REDUZIDÍSSIMA POSSIBILIDADE DE TER CONHECIMENTO REAL DE SUAS INOVAÇÕES E DE BUSCAR PRODUZIR ESSA DOCUMENTAÇÃO ANTES DO ÓBITO - O QUE FERE O PRINCÍPIO DA IGUALDADE (ART. 5º, I, DA CRFB/1988). HÁ, IGUALMENTE, VULNERAÇÃO À NOÇÃO DE SEGURANÇA JURÍDICA, GARANTIDA PELO ESTADO DE DIREITO E PELA CLÁUSULA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL EM SENTIDO MATERIAL (ART. 5°, LIV, DA CRFB/1988). O ESTADO NÃO DEVE CAUSAR SURPRESA AO CIDADÃO QUE COLOQUE EM RISCO A SUA SUBSISTÊNCIA. A NECESSIDADE DE O PODER PÚBLICO MODIFICAR AS REGRAS DA PREVIDÊNCIA E DE BUSCAR MELHOR EQUILÍBRIO DAS CONTAS NÃO PODE SE DAR À CUSTA, NA PRÁTICA, DA REPENTINA SUPRESSÃO DA PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE UM GRUPO DE PESSOAS, SEM PRAZO PARA ADAPTAÇÃO. IMPUNHA-SE QUE A MODIFICAÇÃO LEGISLATIVA - UMA INOVAÇÃO INÉDITA NO SISTEMA - FOSSE ACOMPANHADA DE PERÍODO RAZOÁVEL DE TEMPO, A FIM DE QUE FOSSE FACTÍVEL OU PRESUMIDAMENTE FACTÍVEL A DIFUSÃO DA CORRESPONDENTE INFORMAÇÃO SOBRE A NECESSIDADE DE ARRECADAÇÃO DE DOCUMENTOS. OBVIAMENTE, A NINGUÉM É DADO DESCONHECER A LEI (LINDB, ART. 3º). NO ENTANTO, EM CONDIÇÕES NORMAIS, A LEI DEVE SER PRECEDIDA DE UMA VACÂNCIA, DURANTE A QUAL A POPULAÇÃO TENDE A TOMAR CONHECIMENTO DO SEU TEOR E DOS SEUS POTENCIAIS EFEITOS. O ART. 1º DA LINDB FIXA QUE A VACÂNCIA, SALVO DISPOSIÇÃO DIVERSA, É DE 45 DIAS. OBVIAMENTE QUE O LEGISLADOR PODE DISPOR DE MODO DIFERENTE, SE AS CIRCUNSTÂNCIAS ASSIM INDICAREM. NO ENTANTO, O LEGISLADOR NÃO PODE FAZER TUDO E A VACÂNCIA ZERO PARA A LEI 13.846/2019 NÃO SE MOSTRA MINIMAMENTE JUSTIFICADA OU INDICADA. PELO CONTRÁRIO, VULNERA GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E TENDE A SUPRIMIR DIREITOS DE PESSOAS QUE, POR UMA INFELICIDADE PARTICULAR ESPECÍFICA, TIVERAM OS RISCOS PREVIDENCIÁRIOS CONCRETIZADOS NO PERÍODO SEGUINTE AO DA VIGÊNCIA DA LEI.
A 5ª TURMA CONCLUI, PORTANTO, PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA CLÁUSULA DE VIGÊNCIA IMEDIATA DA LEI 13.846/2019, DE MODO QUE DEVE SER OBSERVADA A
VACATIO LEGIS
DE 45 DIAS. LOGO, A TARIFAÇÃO AGRAVADA É APLICÁVEL APENAS AOS ÓBITOS OCORRIDOS DESDE 02/08/2019. PRECEDENTE: RECURSO 5000191-45.2020.4.02.5115/RJ, J. EM 10/05/2021 (RELATOR JUIZ JOÃO MARCELO OLIVEIRA ROCHA).
5. O ÓBITO DO SEGURADO É POSTERIOR A 18/01/2019, DE MODO A SE APLICAR O REGRAMENTO INTRODUZIDO PELA MP 871/2019.
A PROVA DOCUMENTAL APRESENTADA NÃO É SUFICIENTE PARA EVIDENCIAR A UNIÃO ESTÁVEL NOS 24 MESES ANTERIORES AO ÓBITO, POIS A QUESTÃO DO DIVÓRCIO E A FALTA DE COMPROVANTES DE ENDEREÇO EXCLUSIVAMENTE EM NOME DO FALECIDO APÓS O ALEGADO REINÍCIO DA RELAÇÃO ENFRAQUECEM AS ALEGAÇÕES DA PARTE AUTORA.
AS TESTEMUNHAS, APESAR DO PARENTESCO COM O FALECIDO, POUCO SABIAM DA VIDA FAMILIAR DELE. OS DEPOIMENTOS FORAM UNÍSSONOS QUANTO AO FATO DE QUE A AUTORA ACOMPANHOU O FALECIDO DURANTE OS TRATAMENTOS MÉDICOS E INTERNAÇÕES, PORÉM NÃO FICOU CLARO QUANDO FORAM AS INTERNAÇÕES E A AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL NESSE SENTIDO NÃO PODE SER IGNORADA. O QUE PARECE É QUE O FALECIDO RETORNOU AO LAR APÓS O AGRAVAMENTO DO SEU ESTADO DE SAÚDE OU APÓS O ACIDENTE DE MOTO, MAS NÃO HÁ INÍCIO DE PROVA MATERIAL QUE CORROBORE TAL FATO.
6. RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA PROVIDO EM PARTE, PARA EXTINGUIR O PROCESSO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
1. UNIÃO ESTÁVEL, O PROBLEMA DA SUFICIÊNCIA DA PROVA TESTEMUNHAL (SÚMULA 63/TNU) E A EXIGÊNCIA DE PROVA MATERIAL CONTEMPORÂNEA, DESDE O FINAL DE 01/2019, COMO ELEMENTO ESSENCIAL PARA QUE A UNIÃO PRODUZA EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS
1.1. O segurado tem, em vida, a oportunidade de (i) formalizar escritura pública ou mesmo instrumento particular declaratório de união estável ou (ii) informar o CPF da companheira na declaração de imposto de renda. Se o segurado falece sem formalizar o vínculo, é da companheira o ônus de alegar e comprovar, perante o INSS, sua qualidade de dependente, mantida até a data do óbito. A união estável é, por definição, pública e notória, e a vida em comum deixa vestígios da relação de coabitação, afeto e dependência: mensagens e fotografias em redes sociais, contrato de aluguel, conta conjunta, declaração de visitação prestada por hospital, contas que comprovam a coabitação etc. Imprescindível é que o conjunto probatório produzido vá além da demonstração da plausibilidade da alegada união estável e resulte em juízo de certeza.
1.2. A regra do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/1991 limita-se a exigir início de prova material para a comprovação de tempo de serviço. Para a comprovação da união estável, até o advento da MP 871/2019 (convertida na Lei 13.846/2019), a Lei 8.213/1991 não exigia prova material, consoante orientação jurisprudencial consagrada pela Súmula 63/TNU:
"A comprovação de união estável para efeito de concessão de pensão por morte prescinde de início de prova material."
No STJ, essa compreensão sempre foi seguida, seja na época em que a matéria era da competência das 5ª e 6ª Turmas (REsp 603.533, j. em 28/09/2005, 5ª Turma; REsp 326.717, j. em 29/10/2002, REsp 543.423, j. em 23/08/2005, e 182.420, j. em 29/04/1999, 6ª Turma), seja depois que a matéria passou a ser da competência das 1ª e 2ª Turmas (AREsp 891.154, j. em 14/02/2017, 1ª Turma; AgInt no AREsp 1.339.625, j. em 05/09/2019, mas com base em caso anterior a 2019, 2ª Turma).
A ausência de provas documentais da manutenção da união estável no período imediatamente anterior ao óbito do segurado não autorizava o indeferimento do requerimento de prova oral; quando muito, poderia influir na formação de convicção dos magistrados, impondo maior rigor na aferição da solidez dos depoimentos.
Por outro lado, a jurisprudência do STJ e a Súmula 63/TNU não impõem o reconhecimento da alegada união estável (e sua continuidade até a data do óbito) com base em qualquer prova testemunhal. Cada depoimento deve ser valorado conforme o grau de conhecimento demonstrado pela testemunha a respeito dos fatos; somente depoimentos detalhados e consistentes contribuem para a formação do imprescindível juízo de certeza.
1.3. A MP 871, publicada em 18/01/2019 (e posteriormente convertida na Lei 13.846/2019), atribuiu a seguinte redação aos §§ 5º e 6º do art. 16 da Lei 8.213/1991, para exigir prova material contemporânea da união estável, sem limitação temporal:
§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento."
§ 6º Na hipótese da alínea
c
do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado.
Há magistrados que consideram essas novas normas como regras de direito processual, imediatamente aplicáveis aos processos ajuizados a partir de 18/01/2019. Esse entendimento, com a devida vênia, é rejeitado por esta 5ª Turma Recursal do Rio de Janeiro.
Caso se tratasse de regra de direito processual, haveria inconstitucionalidade formal, por violação do art. 62, § 1º, I, b, da Constituição da República, porque introduzida no ordenamento mediante medida provisória. Consoante entendimento do STF, o vício formal da medida provisória contamina a lei decorrente de sua conversão (ADI 3.090 MC, ADI 3.330). A ADI 6.096 discute a constitucionalidade dos §§ 5º e 6º do art. 16 da Lei 8.213/1991. O parecer oferecido pela PGR é no sentido de que esses dispositivos (bem como a nova redação atribuída ao § 3º do art. 55)
"estão inseridos no contexto dos procedimentos administrativos relacionados à concessão de benefícios previdenciários e possuem natureza de direito administrativo e previdenciário. Portanto, não causam interferência no direito das provas regulado pelo Código Civil e pelo Código de Processo Civil, de maneira que não se verifica inconstitucionalidade formal das normas."
Na mesma linha, o juiz Luiz Clemente Pereira Filho considera que
"a questão da aptidão probatória - o que prova e o que não prova determinado fato - é de direito material"
e o juiz João Marcelo Oliveira Rocha ponderou que não se trata propriamente de matéria processual civil,
"já que se cuida de critério de apuração do direito em sede administrativa."
A existência de prova material contemporânea passa a integrar a substância do ato (semelhantemente ao que dispõem os arts. 108 e 109 do Código Civil/2002); não é questão de saber se o fato pode ser provado por outros meios, e sim de que, sem a prova exigida por lei, não produz efeitos jurídicos na esfera previdenciária.
Em consequência disto, a prova material não é imprescindível nos requerimentos de pensão por morte fundados em alegação de união estável quando os óbitos forem anteriores a 18/01/2019.
1.4. Para os óbitos posteriores a 18/01/2019, incide a regra do § 5º, tornando exigível a apresentação de alguma prova material, sem limitação temporal.
A conversão da MP 871 na Lei 13.846/2019, publicada e vigente em 18/06/2019, agravou a tarifação da prova para exigir que a prova material da união estável seja do período de 24 meses imediatamente anteriores ao óbito. Sobre essa questão, o juiz João Marcelo Oliveira Rocha votou no recurso 5000191-45.2020.4.02.5115/RJ, julgado em 10/05/2021, no sentido de que:
(i) Esta 5ª Turma vem decidindo no sentido da legitimidade dessas inovações legislativas, pois não há qualquer disposição constitucional que impeça que a lei imponha maior rigor em relação às provas da união estável. Bem assim, essas inovações parecem compatíveis com a modernidade e com a facilidade de documentar os fatos. a questão é que a lei entrou em vigor na data da sua publicação, sem
vacacio
.
(ii) A Constituição não prevê qualquer regra ou princípio de anterioridade da lei previdenciária sobre os benefícios (embora o faça em relação às contribuições). A questão é saber se essa ruptura normativa abrupta é admissível pelos princípios mais gerais da Constituição. Deve-se destacar que a inovação normativa passou a impor que o dependente colhesse documentos ao longo da vida, a fim de realizar uma futura comprovação dessa dependência perante a Previdência. A modificação repentina causa surpresa à clientela previdenciária e, por conseguinte, trata de modo mais gravoso e desigual aquelas pessoas que, por desdita, foram colhidas pelo sinistro previdenciário nos dias seguintes à Lei, com reduzidíssima possibilidade de ter conhecimento real de suas inovações e de buscar produzir essa documentação antes do óbito – o que fere o princípio da igualdade (art. 5º, I, da CRFB/1988). Há, igualmente, vulneração à noção de segurança jurídica, garantida pelo estado de direito e pela cláusula do devido processo legal em sentido material (art. 5°, LIV, da CRFB/1988). O Estado não deve causar surpresa ao cidadão que coloque em risco a sua subsistência. A necessidade de o Poder Público modificar as regras da Previdência e de buscar melhor equilíbrio das contas não pode se dar à custa, na prática, da repentina supressão da proteção previdenciária de um grupo de pessoas, sem prazo para adaptação. Impunha-se que a modificação legislativa - uma inovação inédita no sistema – fosse acompanhada de período razoável de tempo, a fim de que fosse factível ou presumidamente factível a difusão da correspondente informação sobre a necessidade de arrecadação de documentos. Obviamente, a ninguém é dado desconhecer a Lei (LINDB, art. 3º). No entanto, em condições normais, a Lei deve ser precedida de uma vacância, durante a qual a população tende a tomar conhecimento do seu teor e dos seus potenciais efeitos. O art. 1º da LINDB fixa que a vacância, salvo disposição diversa, é de 45 dias. Obviamente que o legislador pode dispor de modo diferente, se as circunstâncias assim indicarem. No entanto, o legislador não pode fazer tudo e a vacância zero para a Lei 13.846/2019 não se mostra minimamente justificada ou indicada. Pelo contrário, vulnera garantias constitucionais e tende a suprimir direitos de pessoas que, por uma infelicidade particular específica, tiveram os riscos previdenciários concretizados no período seguinte ao da vigência da Lei.
A 5ª Turma conclui, portanto, pela inconstitucionalidade da cláusula de vigência imediata da Lei 13.846/2019, de modo que deve ser observada a
vacatio legis
de 45 dias. Logo, a tarifação agravada é aplicável apenas aos óbitos ocorridos desde 02/08/2019. Precedente: recurso 5000191-45.2020.4.02.5115/RJ, j. em 10/05/2021 (Relator Juiz JOÃO MARCELO OLIVEIRA ROCHA).
1.5. A título de consideração (não submetida ao colegiado no julgamento de algum caso concreto), mesmo para os óbitos ocorridos a partir de 02/08/2019, o Juízo pode, fundamentadamente, abrir espaço para as exceções previstas a título de "força maior" para a não apresentação de prova material.
Por fim, a mesma lógica acima referida é aplicável à alteração do § 3º do art. 76 da Lei 8.213/1991 (que, no caso de cônjuges ou companheiros separados, só considera dependentes aqueles que recebam pensão alimentícia instituída por ordem judicial).
2.1. Cuida-se de recurso contra sentença que julgou improcedente o pedido (
evento 49, SENT1
):
Decido.
Para a configuração do direito à pensão por morte devem ser preenchidos três requisitos: (1) a morte (comprovada ou judicialmente presumida) do potencial instituidor da pensão; (2) a manutenção da qualidade de segurado por parte deste último, por ocasião de seu óbito; e (3) o enquadramento do beneficiário da pensão na condição de dependente (comprovado ou legalmente presumido) do potencial instituidor da pensão pretendida, por ocasião do evento morte deste.
No caso concreto, a qualidade de segurado do instituidor é incontroversa, pois ele estava em gozo de aposentadoria ao falecer, como se observa no despacho de indeferimento (Evento 18, PROCADM3, p. 35). O óbito também está documentado devidamente (Evento 1, CERTOBT8).
A controvérsia concentra-se no enquadramento da autora como dependente, uma vez que, embora tenha sido casada com o Sr. João, divorciou-se dele em 2020. Com efeito, a averbação na certidão de casamento indica que o a sentença do divórcio foi proferida em 30/01/2020, transitando em julgado em 04/02/2020 e sendo averbada em 03/06/2020 (Evento 1, CERTCAS9).
A sentença do divórcio foi proferida, então, menos de dois anos antes do falecimento do Sr. João.
Ainda assim, a causa de pedir afirma que o "
de cujus e sua companheira tiveram 5 filhos, se separam e reataram o casamento bem antes da averbação do divórcio, sendo que a autora quando compareceu no cartório já estava pronto a certidão de casamento averbada com o divórcio em 03/06/2020, como o documento já estava pronto não poderia fazer mais nada, continuou sua vida com o seu marido em união estável até o óbito
".
No entanto, a instrução não convence no sentido de que houve união estável após o divórcio. É importante notar que, diante da formalização do divórcio menos de dois anos antes do falecimento, o
standard
probatório a ser aplicado na valoração dos elementos de prova é mais exigente, considerando que, segundo regras de experiência, não é habitual que um casal que se divorcia volte a constituir família, ainda mais em prazo tão curto.
Dito isso, noto que o endereço residencial que consta da certidão de óbito (Rua Benedito Ferreira Jordão, n. 1, Monsuaba, Angra dos Reis) é distinto daquele no qual a autora alega que morava com o Sr. João até seu falecimento (Rua Benedito Ricardo da Guia, n. 8, servidão, Monsuaba, Angra dos Reis).
O declarante foi um dos cinco filhos do casal, o Sr. Romário.
A autora, em seu depoimento e na causa de pedir, alega que o Sr. Romário se enganou, que estava muito nervoso e que acabou por declarar seu próprio endereço. A alegação não convence, até mesmo porque o depoimento da autora afirma que o Sr. João efetivamente chegou a morar com o filho, Sr. Romário.
Além disso, a prova oral mostra que o Sr. João chegou a ter outro relacionamento no contexto do divórcio e que esse relacionamento aparentemente não se limitou a uma mera aventura amorosa, a julgar pelo fato de que estiveram presentes ao seu enterro um filho e uma filha dessa outra mulher, como constou do depoimento da autora.
A prova documental é pouco substanciosa. O documento da SAAE (Evento 18, PROCADM3, Página 5 e ss) indica como proprietário do imóvel da Rua Benedito Ricardo da Guia, n. 8, servidão, Monsuaba, Angra dos Reis o Sr. João e, como moradora, a autora. Sequer indica ambos como moradores. A declaração da ESF Monsuaba, datada de 13/07/2022 (Evento 1, DECL14, Página 1), indica que a última consulta do Sr. João no bairro foi em 03/2020, ou seja, no contexto da formalização do divórcio.
Os depoimentos das testemunhas foram vagos e por vezes pareceram deliberadamente evasivos. Esquivaram-se de responder aproximadamente quanto tempo durou a separação entre o Sr. João e a autora. De resto, foram contraditórios inclusive quanto a quem sustentava a casa. Uma das testemunhas, a Sra. Maria Elena, chegou a afirmar convictamente que quem sustentava a casa durante a separação eram os filhos da autora, não o Sr. João. Portanto, não há sequer demonstração inequívoca da dependência econômica.
Em síntese, considerando o divórcio formalizado em 2020, entendo não haver suficientes elementos de prova para formar convencimento no sentido de que o Sr. João voltou a constituir família com a autora antes de seu falecimento em 01/2022.
DISPOSITIVO
Diante do exposto,
JULGO IMPROCEDENTE
o pedido de concessão do benefício de pensão por morte.
2.2. A parte autora em recurso alega que: (i) ela e o falecido se divorciaram em 2020 e, ainda que tenha sido averbada em 03/06/2020, eles reataram e conviveram em união estável até a data do óbito; (ii) há prova documental da coabitação; (iii) o endereço indicado na certidão de óbito pertente ao filho em comum, que por nervosismo, indicou o endereço errado; (iv) a sentença foi contrária aos elementos de prova nos autos; (v) embora a união estável tenha durado menos de dois anos, eles conviveram por muito tempo antes disso, enquanto casados.
2.3. Intimado, o INSS não apresentou contrarrazões.
2.4. O óbito do segurado é posterior a 18/01/2019 (
evento 1, CERTOBT8
- 06/01/2022), de modo a se aplicar o regramento introduzido pela MP 871/2019.
3.1. A parte autora alega que o residiu com falecido no endereço à Rua Benedito Ricardo da Guia, 8, servidão, Monsuaba, Angra dos Reis/RJ. Ela apresenta o histórico das faturas de água, de 12/2019 a 12/2022, em nome dela, como moradora, e do falecido, como proprietário (
evento 18, PROCADM3
, fls. 04/07). E, somente em seu nome, a fatura de energia, emitida em 11/2022, e um histórico de faturas de 05/2021 a 12/2022 (fls. 08/11). Não há comprovante de endereço exclusivamente em nome do falecido nos autos.
Na certidão de casamento (
evento 1, CERTCAS9
), realizado em 23/11/1991, foi averbado, em 03/06/2020, o divórcio consensual declarado por sentença, proferida em 30/01/2020, nos autos do processo 0000740-46.2020.8.19.0003, que foi distribuído em 27/01/2020, conforme consulta processual pública no site do TJRJ.
São cinco os filhos em comum (
evento 1, COMP15
), sendo o mais novo nascido em 10/2001. Na certidão de óbito é mencionado que o falecido deixou seis filhos maiores e não há informação nos autos sobre esse sexto filho.
Na certidão de óbito é declarado, pelo filho em comum ROMÁRIO, que o falecido era divorciado e que residia na Rua Benedito Ferreira Jordão, 1, Monsuaba, Angra dos Reis/RJ. Há declaração do filho dizendo que forneceu o seu endereço, quando o correto é aquele à Rua Benedito Ricardo da Guia, 8 (
evento 1, DECL12
), que é acompanhada por declaração de residência emitida por Associação de Moradores, segundo a qual ROMÁRIO residiu no endereço de 05/2021 a 04/2022 (
evento 1, DECL13
).
É apresentada uma fotografia (
evento 1, FOTO16
), porém, sem data.
Há declarações de união estável feitas pelos irmãos do falecido, ANTONIO TELMO (
evento 18, PROCADM1
, fl. 13), MARIA ELENA (
evento 18, PROCADM2
, fls. 01), VALOIR DE OLIVEIRA (fl. 05), nas quais afirmam que o falecido e a parte autora foram casados de 1991 até 2019 e que, em 02/2020, se divorciaram, mas em 04/2020 reataram e conviveram em união estável até o óbito, todas datadas após o óbito. O que pode indicar que a união estável iniciou a menos de dois anos antes do óbito, mas contradiz com o depoimento dos irmãos que testemunharam.
Há declaração do posto de saúde ESF Monsuaba de que há cadastro em nome do falecido, sendo a sua primeira consulta em 05/01/2006 e a última em 17/03/2020, constando do cadastro dele o endereço Rua Benedito Ricardo da Guia, 8. Mas ela não evidencia que o falecido residiu naquele endereço até seu falecimento, pelo contrário, indica que ele residiu ali até 03/2020.
A prova documental apresentada não é suficiente para evidenciar a união estável nos 24 meses anteriores ao óbito, pois a questão do divórcio e a falta de comprovantes de endereço exclusivamente em nome do falecido após o alegado reinício da relação enfraquecem as alegações da parte autora.
3.2. Em seu depoimento pessoal, a parte autora disse: que a cada da Rua Benedito Ricardo da Guia, 8, foi comprada pelo falecido quando já eram casados, que ele a escolheu e ela não deu opinião; que todos os filhos eram maiores quando se mudaram para a casa, menos o caçula; que só o caçula chegou a morar nesse endereço e este reside com ela até então; que se separaram em 01/2020 e voltaram; que o falecido saiu de casa e o divórcio foi porque ele arrumou outra pessoa; que ele saiu de casa antes de 2020 e não chegou a ficar um ano fora; que ele resolveu voltar para a casa e ela o aceitou; que ele retornou em 01/2020; que o falecido tinha um problema de coração entre outras doenças, sem saber explicar com detalhes; que ele sofreu um acidente de moto perto de casa, o que agravou sua saúde; que 3 meses antes do óbito a saúde dele piorou; que nessa época já estava morando com ela; que o acidente foi bem antes do óbito, sem saber precisar a data, mas que foi depois da pandemia; que o endereço na certidão de óbito é do filho Romário; que o falecido ficou internado por 7 dias antes do óbito, mas não lembrou o nome do hospital; que o falecido residiu por um tempo com o filho Romário, mas não se deram bem; que durante a separação o falecido morou no bairro Japuíba; que no sepultamento compareceram os filhos da mulher com quem o falecido se relacionou durante a separação, pois gostavam muito dele.
A primeira testemunha, irmão do falecido, disse que ele morava na Rua Benedito Ricardo da Guia, 8, junto com a falecida e o filho Welton; que houve a separação, mas depois o falecido retornou para ajudá-la a cuidar do filho Welton e também por que se gostavam; que reataram no início de 2020; que não se lembra se isso foi antes ou depois da pandemia; que não se recorda direito dos fatos pois morava em outro lugar; que não sabe onde e por quanto tempo o irmão falecido foi morar quando se divorciou; que ele voltou para ajudar a cuidar do filho Jessé, que estava doente; que o falecido sustentava a casa durante a separação, por meio de cesta básica, de compras; que ajudava a parte autora a levar o falecido para tratamento no hospital; que ele foi internado no HGJ e depois transferido para a Unimed; que não conheceu outra esposa do falecido; que não sabe se o falecido morou com o filho Romário; que sabe que o Romário morava na Banqueta.
A segunda testemunha, irmã do falecido, disse que ele residia na Rua Benedito Ricardo da Guia, 8, com a parte autora; que no final de janeiro eles reataram; que ela acha que foi no ano de 2020; que não se recorda com detalhes porque trabalhava como caseira em Portogalo; que não sabe quanto tempo ficaram separados; que sabe que eles voltaram porque ele passou por um processo de doença e a parte autora não podia se sustentar; durante o período da separação, quem sustentava a casa eram os filhos e a parte autora passou a receber auxílio do governo (bolsa família); que não conviveu muito com eles; que não conheceu a pessoa com quem o falecido se relacionou durante a separação; que teve mais contato com o irmão falecido quando ele adoeceu, pois ela e seu marido ajudaram levando-o ao hospital de carro; que nunca entrou na casa do irmão falecido, embora morasse na mesma rua; que o falecido sofreu um acidente no caminho para casa; que, após o acidente de moto, o falecido foi internado e a parte autora estava com ele.
Nos depoimentos não é possível identificar por quanto tempo durou a separação que precedeu ao divórcio, bem como não foi consistente para concluir que o início da união estável se deu logo após o divórcio, cuja ação e sentença foram no mês de 01/2020.
A própria parte autora não oferece detalhes que permitem sanar as dúvidas.
As testemunhas, apesar do parentesco com o falecido, pouco sabiam da vida familiar dele.
Os depoimentos foram uníssonos quanto ao fato de que a autora acompanhou o falecido durante os tratamentos médicos e internações, porém não ficou claro quando foram as internações e a ausência de início de prova material nesse sentido não pode ser ignorada.
O que parece é que o falecido retornou ao lar após o agravamento do seu estado de saúde ou após o acidente de moto, mas não há início de prova material que corrobore tal fato.
4. A ausência de prova material, como exigido pela MP 871/2019, é fator que, por si só, já impediria a procedência do pedido. Somado a isso, a prova oral não foi, de forma alguma, favorável para concluir pela existência da união estável.
Contudo, a solução há de ser não a improcedência do pedido, e sim a extinção do processo sem exame do mérito, conforme a inteligência da tese do Tema 629 do STJ (“
a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa
”), que foi firmada em hipótese análoga (tarifação da prova para comprovação de tempo de serviço/contribuição).
5. Decido
DAR PROVIMENTO EM PARTE
ao recurso interposto pela parte autora para extinguir o processo sem apreciação do mérito; a parte autora só poderá repropor a demanda desde que, em novo requerimento administrativo, apresente prova material, assim considerada alguma prova que não tenha sido juntada ao presente processo judicial.
Sem custas. Sem honorários, ante o êxito recursal. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e remetam-se os autos ao JEF de origem.
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