Processo nº 1031223-28.2024.8.11.0002
ID: 336170534
Tribunal: TJMT
Órgão: Primeira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1031223-28.2024.8.11.0002
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
HIVERSON LUIZ GOMES DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1031223-28.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes de Trânsito, Desobediência] Relator: Des(a). M…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1031223-28.2024.8.11.0002 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes de Trânsito, Desobediência] Relator: Des(a). MARCOS MACHADO Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). WESLEY SANCHEZ LACERDA] Parte(s): [LADY DIANA DA SILVA - CPF: 015.156.951-74 (APELANTE), HIVERSON LUIZ GOMES DA SILVA - CPF: 028.436.261-10 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), JORGE BISPO DE MORAES - CPF: 953.894.741-04 (TERCEIRO INTERESSADO), RODOLFO JOSE SOUZA SANTANA - CPF: 803.007.311-91 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). WESLEY SANCHEZ LACERDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. Ementa: Direito penal e processual penal. Apelação criminal. Negativa de prestação jurisdicional. Teses analisadas pelo Juízo singular. Rejeitada. Embriaguez ao volante. Desobediência. Provas suficientes para condenações. Desclassificações impertinentes. Direção perigosa. Inviabilidade. Art. 34 da LCP derrogado pelo código de trânsito brasileiro. Atipicidade da conduta. Recurso provido parcialmente. I. Caso em exame Apelação criminal interposta contra sentença que condenou a apelante por embriaguez ao volante, direção perigosa e desobediência e, em concurso material, a 6 (seis) meses e 15 (quinze) dias de detenção, 15 (quinze) dias de prisão simples e 20 (vinte) dias-multa, em regime aberto, substituídas por uma pena restritiva de direitos, bem como suspendeu a habilitação para dirigir veículo automotor por 2 (dois) meses, visando a nulidade parcial da sentença e absolvição. II. Questão em discussão Há três questões: 1) negativa de prestação jurisdicional; 2) provas insuficientes paras condenações; 3) desclassificação das condutas imputadas para infrações administrativas. III. Razões de decidir 1. Não se pode confundir ausência de prestação jurisdicional com inconformismo com a fundamentação jurídica adotada pelo magistrado na sentença condenatória. Com efeito, da análise da decisão recorrida, denota-se que o magistrado de primeiro grau fundamentou adequadamente seu entendimento, em consonância com o princípio do livre convencimento motivado [...]” 2. “[...] é desnecessário que o magistrado afaste pormenorizadamente todas as alegações das partes, desde que, ao adotar determinada tese, esta venha a rejeitar, mesmo que implicitamente, as outras sustentadas pela defesa ou pela acusação”. 3. “A desobediência à ordem legal de parada, emanada por agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330 do Código Penal Brasileiro”, não sendo caso de “incidência da regra contida no art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro” 4. A Lei nº 12.760/2012 passou a admitir a prova testemunhal para comprovação da embriaguez, motivo pelo qual se afigura possível a constatação da alteração da capacidade psicomotora da apelante por esse meio de prova, notadamente quando há recusa ao teste de alcoolemia. 5. As declarações harmônicas dos agentes policiais, tanto na Delegacia de Polícia, quanto em Juízo, e o Auto de Constatação de Embriaguez, somados, demonstram a condução do veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada. 6. “Presentes as elementares do tipo penal previsto no art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro, não se mostra possível a desclassificação da conduta para a infração administrativa prevista no art. 165, do citado diploma legal”. 7. O STF, em sede de recurso extraordinário, firmou entendimento de que “o Código de Trânsito Brasileiro revogou não somente os art. 32 e art. 34 da Lei das Contravenções Penais, como quaisquer outros dispositivos que tipifiquem condutas de trânsito no âmbito criminal, e absorveu, em parte, as disposições anteriores [...] Dessarte, não há como imputar ao agravante a prática de contravenção já revogada” 8. O c. STJ consolidou essa posição no sentido de que “o art. 34 da Lei de Contravenções Penais foi derrogado pelo disposto no art. 311 do Código de Trânsito Brasileiro, "tendo em vista que Código de Trânsito Brasileiro regulou inteiramente a matéria referente à condução de veículo automotor nas vias terrestres do território nacional, não mais havendo espaço para aplicação de qualquer outra sanção penal além das previstas no aludido Código” a atrair a absolvição por atipicidade da conduta (CPP, art. 386, III). IV. Dispositivo e tese Recurso provido parcialmente para absolver a apelante da contravenção penal de direção perigosa. Teses de julgamento: 1. As teses suscitadas pela Defesa foram analisadas pelo juiz da causa, afigurando-se fundamentado o ato decisório. 2. A desobediência à ordem legal de parada, emanada por agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330 do Código Penal Brasileiro. 3. Presentes as elementares do tipo penal previsto no art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro, não se mostra possível a desclassificação da conduta para a infração administrativa prevista no art. 165, do citado diploma legal. 4. A contravenção penal de direção perigosa, prevista no art. 34 da LCP, foi derrogada pelo CTB, tornando a conduta atípica, o que implica na absolvição do acusado dessa imputação. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV; CPP, arts. 386, III, 593, I; CP, art. 330; CTB, art. 306, §1º, II; LCP, art. 34. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp 1.799.594/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 25.06.2019; STJ, RHC 51.528/PE, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 13.11.2014; STJ, REsp 1.633.335/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 28.11.2016; STF, ARE 635.241/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 01.08.2012; TJMT, AP 1005992-26.2020.8.11.0006, Rel. Des. Rondon Bassil Dower Filho, j. 04.08.2023; TJDFT, AP 0708377-90.2023.8.07.0017, Rel. Des. Jesuíno Rissato, j. 19.02.2025. R E L A T Ó R I O PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO Nº 1031223-28.2024.8.11.0002 - COMARCA DE VÁRZEA GRANDE APELANTE(S): LADY DIANA DA SILVA APELADOS(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL R E L A T Ó R I O Apelação criminal interposta por LADY DIANA DA SILVA contra sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Várzea Grande, nos autos de ação penal (PJe nº 1031223-28.2024.8.11.0002), que a condenou por embriaguez ao volante, direção perigosa e desobediência e, em concurso material, a 6 (seis) meses e 15 (quinze) dias de detenção, 15 (quinze) dias de prisão simples e 20 (vinte) dias-multa, em regime aberto, substituídas por uma pena restritiva de direitos, bem como suspendeu a habilitação para dirigir veículo automotor por 2 (dois) meses - art. 306, §1.º, II, do CTB; art. 330, c/c art. 69, ambos do CP; art. 34, caput, da LCP - (ID 294805407). A apelante suscita nulidade parcial da sentença por “negativa de prestação jurisdicional”. No mérito, sustenta que: 1) as provas seriam insuficientes para condenação; 2) “não compreendeu que a ordem de parada era dirigida a si, parando espontaneamente ao perceber o segundo sinal da viatura”; 3) “não colocou terceiros em risco concreto”. Requer provimento para que seja “anulada parcialmente” a sentença e absolvida dos crimes. Subsidiariamente, desclassificação das condutas imputadas para infrações administrativas, porém sem fundamentação correlata (ID 294805415). A 9ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL DE VÁRZEA GRANDE pugna pelo desprovimento do apelo (ID 294805419). A i. 10ª Procuradoria de Justiça Criminal opina pelo desprovimento do recurso, em parecer assim sintetizado: “Síntese ministerial: Recurso de Apelação Criminal – Art. 34 do Decreto Lei nº 3.688/41 (direção perigosa), Art. 330 do Código Penal (desobediência) e Art. 306, §1º, inciso II, da Lei nº 9.503/1997 (embriaguez ao volante) – Irresignações defensivas: – Pretendida a absolvição por insuficiência probatória dos delitos imputados à apelante – Improcedência – Autoria e materialidade dos delitos suficientemente comprovadas – Depoimentos policial harmônico com as demais provas, apto a embasar o édito condenatório – Enunciado Orientativo nº 8 da TCCR do TJ/MT – 3. Pedidos subsidiários: 3.1 Desclassificação da conduta prevista no artigo 306 do CTB para a infração administrativa do art. 165-A do CTB; 3.2 Desclassificação da conduta prevista no artigo 330 do CP para a infração administrativa do art. 195 do CTB; 3.3. Desclassificação da conduta prevista no artigo 34 do Decreto Lei nº 3.688/41 para infração administrativa do artigo 186 do CTB – Impossibilidade – Comprovadas a autoria e materialidade dos delitos, e sendo autônomas as esferas penal e administrativa, é incabível a desclassificação das condutas da apelante para infrações de trânsito diante da gravidade concreta dos fatos e da adequação típica penal reconhecida nos autos – Parecer pelo conhecimento e desprovimento do recurso.” (Amarildo César Fachone, procurador de Justiça - ID 297554350). É o relatório. V O T O R E L A T O R V O T O (PRELIMINAR - NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO (RELATOR) Egrégia Câmara: O apelante argui nulidade parcial da sentença sob assertiva de que não foram analisadas as hipóteses de “invalidade formal do auto de constatação de embriaguez [...]; ausência de dolo na desobediência [...]; atipicidade penal da conduta de direção, por se tratar de erro de fato e ausência de perigo concreto”. O Juízo singular, em embargos de declaração, proferiu a seguinte decisão: “1) Quanto a legalidade formal do auto de constatação de embriaguez. A defesa alega que no depoimento em Juízo do PM Jorge, ele afirma que estava somente com o Sargento Rodolfo durante a abordagem, o que levou a defesa arguir vício no auto de constatação, aduzindo que foi lavrado por policial que não estava presente na abordagem, pois consta assinatura da PM Sheila Gomes Cardoso Teruya (id. 193040976, fls. 2-3). No entanto, extraindo o depoimento em Juízo do referido Policial Militar (id. 189004283), ele afirma que foi solicitado apoio, pois não estavam com o equipamento para realização de teste de etilômetro, tanto é que o mesmo afirma que não iriam realizar a abordagem da embargante, no início eles só iriam informa-la que estava na contra mão, no entanto, a embargante não obedeceu à ordem de parada imediata, então, efetuaram a abordagem. Ou seja, a guarnição não estava com o equipamento que realiza o teste de etilômetro, pois estavam trafegando na via e não em blitz para essa finalidade, portanto, o PM Jorge afirmou que foi solicitado apoio para ser lavado o equipamento até a Delegacia, sendo que a recusa da embargante já foi dentro da Delegacia, portanto, lá foi lavrado o auto de constatação, onde é possível confirmar que estavam presentes o 2.º Sargento Rodolfo José Souza Santana, que assinou como testemunha (id. 167922245, fl. 1) e o 2.º Sargento Jorge Bispo de Moraes, que realizou a abordagem (id. 167922245, fl. 2), no entanto, quem lavrou o referido documento foi a Soldado Sheila Gomes Cardoso Teruya (RG/PM: 259110), lotada no 25.º Batalhão da Polícia Militar, que estava na presença dos outros dois Policiais na Delegacia. Então, a afirmação do PM Jorge de que durante a abordagem só estava ele e o PM Rodolfo é verdadeira sim, pois a Soldado PM Sheila compareceu posteriormente à Delegacia e lavrar o auto de constatação na presença dos Policiais Militares que fizeram a abordagem. Assim, não há nenhum vício e nenhuma irregularidade no auto de constatação, pois o referido documento é idôneo, bem como não há omissão a ser reconhecida em sede de embargos de declaração. 2) Quanto a omissão sobre a ausência de dolo no crime de desobediência. Verifico que o art. 330, do Código Penal não se exige dolo específico, tão somente o dolo genérico que consiste na livre vontade de desobedecer à ordem de funcionário público, ou seja, essa tese da necessidade de se verificar o motivo da desobediência não deve prosperar. A defesa alega que a embargante não entendeu que a ordem de parada era pra ela e por isso prosseguiu, no entanto, pelas palavras do Policial inquirido em Juízo, a guarnição precisou empreender diligências a mais para fazer com que a embargante parasse o veículo. Ademais, a embargante estava conduzindo veículo automotor de forma imprudente, na contramão da via, podendo causar acidente. Ora, se ela estava trafegando de forma irregular, o que fundamenta achar que a ordem de parada não era para si? O motivo apresentado pela defesa não justifica em nada o ato de desobediência. 3) Quanto a omissão em relação a desclassificação da contravenção penal de direção perigosa para infração administrativa, consta fundamentação na sentença condenatória, onde o conjunto probatório é firme o suficiente para impor a condenação à embargante. Foi comprovada a autoria e a materialidade, sendo que as infrações administrativas de trânsito não anulam a tipicidade penal da conduta praticada pela embargante, ante a independência das instâncias penal e administrativa, conforme entendimento julgado no N.U 0002374-55.2019.8.11.0029, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PEDRO SAKAMOTO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 06/10/2021, Publicado no DJE 08/10/2021. Ademais, a alegação de que a embargante percorreu distância inferior a 150 metros, sem velocidade excessiva não exime a caracterização da contravenção de direção perigosa, bem como é contraditória a narrativa do PM Jorge em Juízo, que corrobora com as demais provas colhidas nos autos [...] 4) Quanto a contradição interna sobre a embriaguez, alegando vício no auto de constatação. Conforme fundamentado no item 1 desta decisão, não vislumbro vício ou irregularidade no auto de constatação (id. 167922245), sendo este documento idôneo para comprovar o estado de embriaguez da embargante, já que se recusou, mesmo porque é seu direito, de realizar o teste de etilômetro. Assim, não há omissão ou contradição a ser sanado em sede de embargos de declaração. Por isso, mantenho incólume a sentença condenatória (id. 192967821), por estar escorreita neste ínterim.” (Abel Balbino Guimarães, juiz de Direito – ID 294805412). Vejamos. O Juízo singular entendeu que “não há nenhum vício e nenhuma irregularidade no auto de constatação, pois o referido documento é idôneo” por ter sido elaborado por policiais responsáveis pela diligência. Quanto à ausência de dolo da desobediência, fundamentou que “o art. 330, do Código Penal não se exige dolo específico, tão somente o dolo genérico que consiste na livre vontade de desobedecer à ordem de funcionário público”. Por fim, concluiu que “foi comprovada a autoria e a materialidade, sendo que as infrações administrativas de trânsito não anulam a tipicidade penal da conduta praticada pela embargante, ante a independência das instâncias penal e administrativa”. Observa-se que as teses suscitadas pela Defesa foram analisadas pelo juiz da causa, afigurando-se fundamentado o ato decisório. Como bem observado pela i. PGJ, “não se pode confundir ausência de prestação jurisdicional com inconformismo com a fundamentação jurídica adotada pelo magistrado na sentença condenatória. Com efeito, da análise da decisão recorrida, denota-se que o magistrado de primeiro grau fundamentou adequadamente seu entendimento, em consonância com o princípio do livre convencimento motivado [...]” (Amarildo César Fachone, procurador de Justiça – ID 297554350). Outrossim, “é desnecessário que o magistrado afaste pormenorizadamente todas as alegações das partes, desde que, ao adotar determinada tese, esta venha a rejeitar, mesmo que implicitamente, as outras sustentadas pela defesa ou pela acusação” (AP nº 156270/2015 - Des. Luiz Ferreira da Silva – Terceira Câmara Criminal – 9.3.2016) Nessa vertente, destaca-se julgado do e. TJMG: “Verificado nos autos que o MM. Juiz a quo adotou entendimento absolutamente incompatível com as teses apresentadas nas alegações finais, não há que se falar na decretação de nulidade da sentença por ausência de apreciação de teses defensivas, devendo eventual insatisfação com a valoração feita em primeira instância ensejar, no máximo, a sua reforma, quando da análise do mérito.” (AP nº 10024190773861001, Relator: Des. Eduardo Machado – 3.3.2021) Com essas considerações, REJEITA-SE a preliminar. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. MARCOS MACHADO Egrégia Câmara: O recurso é cabível (CPP, art. 593, I), manejado por quem tem interesse (CPP, art. 577) e não se verifica hipótese de extinção de punibilidade (CP, art. 107). Consta da denúncia que: “[...] no dia 12 de junho de 2022, por volta das 16h20min, na Avenida Belo Horizonte (em frente ao Mercado Belo Horizonte), Bairro Centro Leste, bem como em outras vias públicas, nesta cidade e Comarca de Primavera do Leste-MT, o denunciado ROGERIO ALVES DIAS, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, conduziu veículo automotor, da marca Jeep, modelo Renegade, placa RAM-5F89, com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool [...] Ressai do feito que, no mesmo contexto fático descrito acima, ROGERIO ALVES DIAS perturbou o sossego alheio abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos. Conforme consta das investigações, no mesmo contexto fático dos crimes alhures referidos, ROGERIO ALVES DIAS trafegou em velocidade incompatível com a segurança em vias públicas onde havia grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano. É dos autos também que ROGERIO ALVES DIAS, nas circunstâncias de tempo e lugar acima descritas, desobedeceu a ordem legal de parada[1] de funcionários públicos (policiais militares) [...] DIANTE DO EXPOSTO, o MINISTÉRIO PÚBLICO, através do Promotor de Justiça subscritor, denuncia a Vossa Excelência a pessoa de WELVIS EUGENIO MARTINS, pela prática da infração penal prevista no artigo 306, caput e § 1º, inciso II, e artigo 311, ambos do Decreto-Lei 9.503/1.997 (Código de Trânsito Brasileiro); artigo 330 do Código Penal e artigo 42, inciso III, do Decreto-Lei nº 3.688/41.” (Carlos Eduardo Pacianotto, promotor de Justiça – ID 245311686) O Juízo singular reconheceu a responsabilidade penal da apelante nos seguintes termos: “A materialidade dos crimes está comprovada pelo Auto de prisão em flagrante delito, boletim de ocorrência, termo de depoimentos, auto de constatação e relatório da Autoridade Policial. De forma que a existência dos crimes restou fartamente comprovada. [...] diante de todo o exposto, é possível concluir que a ré praticou a contravenção penal de direção perigosa (Decreto Lei n.º 3.688/41, art. 34), pois estava na contramão de uma via de sentido único. Apesar de a mesma afirmar que só entrou na contramão para abastecer o veículo, mesmo que fosse por curto período de tempo, colocou em perigo a segurança alheia. Ademais, desobedeceu a ordem de parada dos Policiais Militares (CP, art. 330), cuja testemunha afirmou que perseguiu o veículo pela via, até que enfim parou e atendeu a ordem, descendo do veículo. Neste momento o Policial Militar efetuou a abordagem e verificou os sinais de embriaguez (CTB, art. 306, §1.º, II) lavrados no auto de constatação, tais como sonolência, olhos vermelhos, soluços, desordem nas vestes, hálito alcóolico, agressividade, arrogância, exaltação, ironia, falante, fala alterada, dificuldade no equilíbrio e desorientada quanto à data e horário (id. 170748192, fl. 15), tendo a ré se recusado a realizar o teste de etilômetro. Desta forma, não acolho os requerimentos da i. Defesa quanto á absolvição e quanto às teses de desclassificação dos delitos para infrações administrativas, descritas no art. 165-A, art. 195 e art. 186, todos do CTB, pois é irrelevante a existência de infração de trânsito com semelhante tipificação penal. O conjunto probatório é firme o suficiente para impor a condenação à ré. Foi comprovada a autoria e a materialidade, sendo que as infrações administrativas de trânsito não anulam a tipicidade penal da conduta praticada pela ré, ante a independência das instâncias penal e administrativa, conforme entende o TJMT: [...] Deixo de acolher ainda o requerimento da defesa de desentranhamento das alegações finais apresentadas pelo MP, aduzindo preclusão, pois entendo que a apresentação extemporânea dos memoriais finais pelo Ministério Público caracteriza mera irregularidade do feito e não nulidade ou prejuízo à defesa. Quanto às circunstâncias legais genéricas, nos termos do art. 64, I, do CP, deixo de reconhecer em desfavor da ré a agravante pela reincidência (CP, art. 61, I), pois a condenação com trânsito em julgado já transcorreu período superior à 05 (cinco) anos (autos n.º 1173-06.2012.8.11.0051). CONCLUSÃO Ante o exposto, julgo procedente o pedido contido na denúncia e por consequência condeno a ré Lady Diana da Silva, qualificada nos autos, por infringir o art. 34, do Decreto Lei n.º 3.688/41, art. 330, do Código Penal e art. 306, §1.º, II, da Lei n.º 9.503/97” (Abel Balbino Guimarães, juiz de Direito - ID 294805407). Pois bem. A materialidade delitiva da embriaguez ao volante está consubstanciada no Auto de Constatação de Sinais de Alteração da Capacidade Psicomotora (fls. 19) e Termo de recursa (fls. 20), os quais não sofreram qualquer impugnação. Na fase policial, colheram-se os depoimentos de Jorge Bispo de Moraes, policial militar (fls. 15), Rodolfo José Souza Santana, policial militar (fls. 21), e procedeu-se o interrogatório de LADY DIANA DA SILVA, apelante (fls. 25). Em Juízo, foram ouvidos o agente policial Jorge Bispo de Moraes e a testemunha Marcos Antônio Brandão e interrogada a apelante (Ata da Audiência – ID 294805399). Dito isso, vejamos as imputações separadamente. Da desobediência: Extrai-se que, em 20 de abril de 2024, por volta das 11h40, na rua Albino Mendes de Campos, bairro Cristo Rei, em Várzea Grande/MT, os policiais militares Rodolfo José Souza Santana e Jorge Bispo de Moraes, em patrulhamento de rotina, visualizaram o veículo automotor “HB20”, cor branca, placas “RAS-5G1”, conduzido por LADY DIANA DA SILVA [apelante] na contramão da direção, motivo pelo qual emitiram ordem de parada, por sinais sonoros e iluminação de “giroflex” da viatura; a apelante não obedeceu a ordem e continuou a conduzir o veículo; passou “por um semáforo, seguiram pela via de sentido único do Cristo Rei”; “fugiu por cerca de 500 metros, alegando que não achava que era com ela”, até a realização da abordagem. O c. STJ possui diretriz jurisprudencial no sentido de que “a desobediência à ordem legal de parada, emanada por agentes públicos em contexto de policiamento ostensivo, para a prevenção e repressão de crimes, constitui conduta penalmente típica, prevista no art. 330 do Código Penal Brasileiro”, não sendo caso de “incidência da regra contida no art. 195 do Código de Trânsito Brasileiro” (Tema Repetitivo nº 1060; AgRg no REsp 1.799.594/PR, Rel.: Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma – j. 25.6.2019). No caso, as declarações convergentes dos agentes policiais [Rodolfo José Souza Santana e Jorge Bispo de Moraes] são suficientes para demonstrar o descumprimento à ordem de parada de veículo pela apelante. Com efeito, “os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal” (TJMT, Enunciado nº 8). Em situação semelhante, este e. Tribunal decidiu: “Descabida a absolvição por atipicidade da conduta quando constatado nos autos que o agente avistou a viatura da polícia militar e não acatou a ordem de parada emanada pelos agentes públicos em exercício de policiamento ostensivo; tal conduta não se amolda à infração administrativa descrita no art. 195 do CTB.” (AP nº 1005437-95.2020.8.11.0042 - Relator: Des. Gilberto Giraldelli - Terceira Câmara Criminal - j. 2.7.2024; AP nº 0015768-50.2018.8.11.0002 - Relator: Des. Paulo da Cunha – Primeira Câmara Criminal - 15.12.2021) Sendo assim, a condenação por desobediência (CP, art. 330) deve ser mantida. Da embriaguez ao volante: Verifica-se que, no momento da abordagem, os agentes policiais constataram que a apelante apresentava sinais evidentes embriaguez e ofertaram a realização do teste do etilômetro, sendo negado pela apelante. Do Termo de Constatação Etílica, elaborado pelos policiais militares responsáveis pela apreensão [Rodolfo José Souza Santana e Jorge Bispo de Moraes], bem como pela agente Sheila Gomes Cardoso Teruya, consta que a apelante possuía sinais evidentes de embriaguez, quais sejam: “sonolência, olhos vermelhos, soluções, desordem nas vestes, hálito alcoólico, agressividade, arrogância, exaltação, ironia, falante, dificuldade no equilíbrio, fala alterada” (fls. 19). Frise-se que a Lei nº 12.760/2012 passou a admitir a prova testemunhal para comprovação da embriaguez, motivo pelo qual se afigura possível a constatação da alteração da capacidade psicomotora da apelante por esse meio de prova (STJ, RHC nº 51528/PE – Relator: Min. Jorge Mussi - 13.11.2014), notadamente quando há recusa ao teste de alcoolemia (STJ, AgRg no AREsp nº 2.219.532/GO – Relator: Min. Joel Ilan Paciornik – 23.6.2023). No contexto, as declarações harmônicas dos agentes policiais, tanto na Delegacia de Polícia, quanto em Juízo, e o Auto de Constatação de Embriaguez, somados, demonstram a condução do veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada (TJMT, AP NU 1005992-26.2020.8.11.0006 – Relator: Des. Rondon Bassil Dower Filho - Terceira Câmara Criminal - 4.8.2023). Noutro giro, “presentes as elementares do tipo penal previsto no art. 306, do Código de Trânsito Brasileiro, não se mostra possível a desclassificação da conduta para a infração administrativa prevista no art. 165, do citado diploma legal” (TJDFT, AP nº 0708377-90.2023.8.07.0017, Relator: Des. Jesuíno Rissato – 19.2.2025). Logo, a responsabilização penal do apelante por embriaguez ao volante (CTB, art. 306) deve ser preservada. Da contravenção penal de direção perigosa: Observa-se que a apelante foi denunciada pela contravenção penal de “dirigir veículos na via pública, ou embarcações em águas públicas, pondo em perigo a segurança alheia” (LCP, art. 34, caput), ao passo que o Juízo singular reconheceu sua responsabilidade penal por entender que “estava na contramão de uma via de sentido único” (ID 294805407). Todavia, o STF, em sede de julgamento de recurso extraordinário, firmou entendimento de que “o Código de Trânsito Brasileiro revogou não somente os art. 32 e art. 34 da Lei das Contravenções Penais, como quaisquer outros dispositivos que tipifiquem condutas de trânsito no âmbito criminal, e absorveu, em parte, as disposições anteriores [...] Dessarte, não há como imputar ao agravante a prática de contravenção já revogada” (ARE nº 635.241/RS, Relator: Min. Gilmar Mendes – 1º.8.2012; ARE 1.070.816/RS, Relator: Min. Marco Aurélio – 14.9.2017; RE 1.046.400/PR, Relator: Min. Edson Fachin – 17.8.2018). Aliás, o c. STJ consolidou essa posição no sentido de que “o art. 34 da Lei de Contravenções Penais foi derrogado pelo disposto no art. 311 do Código de Trânsito Brasileiro, "tendo em vista que Código de Trânsito Brasileiro regulou inteiramente a matéria referente à condução de veículo automotor nas vias terrestres do território nacional, não mais havendo espaço para aplicação de qualquer outra sanção penal além das previstas no aludido Código” (REsp nº 1.633.335/SP, Relator: Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma - 28.11.2016; HC nº 581.283/SP, Relator: Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma- 15.6.2020), a atrair a absolvição por atipicidade da conduta, nos termos do art. 386, III do CPP (HC nº 849.120, Relator: Min. Reynaldo Soares da Fonseca - 28.8.2023). Em situação semelhante decidiram os e. TJMG e TJRR: “[...] a contravenção penal do art. 34 do Decreto 3.688/41 restou revogada com o advento do Código de Trânsito Brasileiro, tendo o aludido Codex tratado de todas as infrações penais comissíveis na condução de veículos automotores em via terrestre. - Considerando-se a revogação em questão [...] a manutenção da sua absolvição é medida que se impõe.” (AP nº 0075636-47.2020.8.13.0223, Relator: Des. José Luiz de Moura Faleiros -15.10.2021). “A contravenção penal de direção perigosa, prevista no art. 34 da LCP, foi derrogada pelo CTB, tornando a conduta atípica, o que implica na absolvição do acusado dessa imputação” (AP nº 819546-40.2015.8.23.0010, Relator: Des. Ricardo Oliveira – 6.11.2021). Portanto, impõe-se absolver a apelante pela contravenção penal de direção perigosa (LCP, art. 34), nos termos do art. 386, III, do CPP, e afastar os 15 (quinze) dias de prisão simples da pena total aplicada pelo Juízo singular. Com essas considerações, recurso conhecido e PROVIDO PARCIALMENTE para absolver a apelante da contravenção penal de direção perigosa, mantidas as condenações por desobediência e embriaguez ao volante a 6 (seis) meses e 15 (quinze) dias de detenção e 20 (vinte) dias-multa, em regime aberto, substituídas por uma pena restritiva de direitos, a critério do Juízo da Execução Penal. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 22/07/2025
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