Processo nº 0000074-59.2022.8.08.0010
ID: 301056671
Tribunal: TJES
Órgão: Bom Jesus do Norte - Vara Única
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0000074-59.2022.8.08.0010
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
CASSYUS DE SOUZA SESSE
OAB/RJ XXXXXX
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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Bom Jesus do Norte - Vara Única Rua Carlos Firmo, 119, Fórum Desembargador Vicente Caetano, Centro, BOM JESUS DO NORTE - ES - CEP: 29460-000 Telefon…
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Bom Jesus do Norte - Vara Única Rua Carlos Firmo, 119, Fórum Desembargador Vicente Caetano, Centro, BOM JESUS DO NORTE - ES - CEP: 29460-000 Telefone:(28) 35621222 PROCESSO Nº 0000074-59.2022.8.08.0010 AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) AUTOR: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO REU: THIFANY SIMOES BOLELI Advogado do(a) REU: CASSYUS DE SOUZA SESSE - RJ181139 - S E N T E N Ç A - “A paixão perverte os magistrados e os melhores homens: a inteligência sem paixão - eis a lei !” “Aristóteles” O Ministério Público Estadual em 25 de fevereiro de 2023 propôs Ação Penal Pública Incondicionada, em face de THIFANY SIMOES BOLELI já qualificada nos autos, consubstanciada pelas motivações constantes da inicial, nas quais aduz os seguintes fatos (ff. 02-03): “(...) Consta nos autos de inquérito policial em anexo que THIFANY SIMGES BOLELI, no dia 09 de julho de 2021, por volta de 06h40min, nas imediações da Rodovia ES 484, Zona Rural desta cidade e comarca, depois da "volta fria", em frente ao "sítio da pedra", homicídio culposo na direção de veículo automotor, bem como deixou de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, a vítima do acidente. Deflui do procedimento inquisitorial que a denunciada estava conduzindo o veículo automotor VOYAGE, cor prata, placa OCY-7835, no sentido São José do Calçado x Bom Jesus do Norte, em alta velocidade, e, quando foi desviar de um cachorro que entrou no meio da pista, perdeu o controle do carro e atingiu a vítima Flávia Francisco da Silva, que conduzia a motocicleta HONDA CB 250F, TWISTER, cor preta, placa LMO-2C30, que estava indo na direção contrária da denunciada, ou seja, no sentido Bom Jesus do Norte x São José do Calçado. No momento do acidente, a denunciada invadiu a contramão e atingiu a motocicleta de Flávia, que foi arremessada a uma distância de aproximadamente 05 metros do local da colisão e veio a óbito. Após atingir a motocicleta da vítima, o carro da denunciada atravessou novamente a pista, no sentido da mão de direção de São José do Calçado Bom Jesus do Norte, vindo a romper uma cerca e colidir em uma árvore. Após colidir com a árvore, a denunciada saiu de seu carro, foi na direção da testemunha Ocenir Luiz Almeida e perguntou onde estava o cachorro que havia entrado na pista. A testemunha disse, ainda, que em momento algum a denunciada pensou em chamar socorro, assim como não demonstrou preocupação nenhuma com a motociclista que estava caída no chão. Ato contínuo, a denunciada deixou do local do acidente, supostamente na companhia de Rafael e Amanda {fls. 51/52), que estavam passando pelo local, sem ter chegado em momento algum próximo ao corpo de Flávia Francisco da Silva para saber como ela estava e prestar o devido socorro a vítima. Vale gizar, ainda, que a denunciada apenas sofreu um edema no dorso do pé esquerdo e escoriação no olho esquerdo, conforme Prontuário de Atendimento Ambulatorial do Hospital São Vicente de Paulo acostado aos autos a fl. 14, não havendo, assim, motivos para a omissão do socorro perpetrada. Autoria e materialidade incontestes, haja vista os depoimentos coligidos aos autos, o laudo de exame de local de sinistro de trânsito, o laudo de exame cadavérico, assim como o auto de qualificação e interrogatório em anexo (...).” Enfim, requer o Presentante do Ministério Público, a incursão da denunciada nas penas dos arts. o artigo 302, §1, III e 304, da Lei 9.503/97, na forma do art. 69 do Código Penal. Laudo de Exame Cadavérico à fl. 33. Laudo pericial do local do sinistro de trânsito à fl. 35/47. Recebimento da denúncia à fl. 67. Ré devidamente citada, consoante ID n. 44366619. Resposta à acusação apresentada pela ré no Id. 44422612. Despacho designando audiência - ID n. 45143299 Audiência de Instrução e Julgamento documentada no Id. 62830458, na qual foram oitivadas as testemunhas - OCENIR LUIZ ALMEIDA e CÁSSIO NEGRI LIMA, bem como realizado interrogatório da acusada. O Ministério Público, em suas alegações finais (vide ID n. 63869123), reafirmou a imputação dos crimes de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, §1º, III do CTB) e omissão de socorro (art. 304 do CTB), em concurso material (art. 69 do CP). Sustentou que a acusada agiu com imprudência ao conduzir o veículo em alta velocidade e invadir a contramão, colidindo frontalmente com a vítima. Apontou o laudo pericial como prova cabal da responsabilidade da ré, evidenciando a colisão frontal em sentidos opostos e a invasão da contramão. O Ministério Público também ressaltou os depoimentos das testemunhas, em especial Ocenir Luiz Almeida, que confirmou a alta velocidade do veículo da ré e a falta de preocupação desta com a vítima. Contestou a alegação da ré de que não se lembrava dos fatos e de que estaria em velocidade tranquila, argumentando que a extensão dos danos e lesões demonstra a alta velocidade do impacto. Concluiu que a conduta da ré se amolda aos tipos penais imputados, havendo quebra do dever de cuidado e previsibilidade do resultado, pugnando pela condenação. A defesa de Thifany Simões Boleli apresentou suas alegações finais (vide ID n. 64532032) requerendo a absolvição da acusada, com fundamento no art. 386, VI, do Código de Processo Penal, em razão da existência de circunstâncias que excluem o crime e isentam o réu de pena, quais sejam, estado de necessidade e ausência de culpa. Argumentou que a ré agiu em estado de necessidade, conforme o art. 24 do Código Penal, ao desviar de um cachorro que surgiu repentinamente na pista, configurando um perigo atual e inevitável. Quanto à ausência de culpa, a defesa alegou que o Ministério Público não conseguiu demonstrar como a conduta da ré poderia ter sido evitada. Sustentou que a alta velocidade, apontada como imprudência, é um conceito subjetivo e não foi comprovada, pois o laudo pericial não determinou a velocidade do veículo, tornando impossível imputar culpa à ré por um elemento não provado. Ademais, a defesa argumentou que a percepção de alta velocidade pela testemunha Ocenir Luiz Almeida é duvidosa, já que ele nunca dirigiu e o olho humano não é capaz de mensurar velocidades com precisão. Neste ponto, invocou o princípio do "in dubio pro reo", defendendo que a ausência de provas robustas sobre a velocidade e a imprudência deve levar à absolvição. Afirmou, ainda, que as condutas da ré eram exigíveis de qualquer pessoa (frear e desviar de um animal), não configurando imprudência. A defesa também pediu o afastamento da majorante do art. 302, §1º, III, do CTB, que trata da omissão de socorro, sob o argumento de que a vítima faleceu instantaneamente no momento da colisão. Citou jurisprudência e doutrina que defendem a inaplicabilidade da majorante em casos de morte instantânea, pois não há bem jurídico a ser tutelado ou socorro a ser prestado a um cadáver, configurando crime impossível (art. 17 do Código Penal). Por fim, requereu a não aplicação do art. 304 do CTB (omissão de socorro autônoma), sustentando que, se o Ministério Público imputa o crime do art. 302, §1º, III, do CTB, a aplicação do art. 304 torna-se impossível em razão do princípio da especificidade, uma vez que a majorante já abrange a conduta de não prestar socorro quando há nexo causal com o crime culposo. É O SUCINTO RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO. Inexistem preliminares a enfrentar, nulidades a sanar ou irregularidades a suprimir, desfrutando a relação processual de instauração e desenvolvimento válido e regular, razão pela qual, restando presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, dou por saneado o feito, sendo que as teses sobre estado de necessidade e ausência de culpa guardam correlação com o mérito devem ser analisadas em tal momento. No mérito, o Titular da Ação Penal deduz a pretensão punitiva estatal no sentido de ver condenada a acusada Thifany Simões Bolelinas penas dos 302, §1, III e 304, da Lei 9.503/97, na forma do art. 69 do Código Penal. Consigno referidos preceptivos: “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas: detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”. § 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente: III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do sinistro Art. 304: Deixar o condutor do veículo, na ocasião do sinistro, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública: Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa, se o fato não constituir elemento de crime mais grave.” O Código de Trânsito tipificou crimes de homicídio na direção de veículo automotor, diferenciando-os, portanto, dos crimes homônimos descrito no art. 121, § 3º do Código Penal, tendo como objetividade jurídica a vida, no homicídio culposo, punindo o agente que por intermédio de veículo automotor, causa a morte de terceira pessoa, agindo com negligência, imperícia ou imprudência. O art. 304 do CTB, traz o crime de omissão de socorro no trânsito, impede destacar que com essa construção típica (CTB, art. 304), diga-se, de edificante propósito, “o direito penal expressa a sua missão educativa, cuidando da necessidade de reforçar o sentimento de solidariedade humana, a fim de elevá-lo a valor cívico”, nos dizeres de Antolisei (1975). Isso posto, passo à análise do conjunto probatório constante dos autos: DA ABSOLVIÇÃO QUANTO AO DELITO PREVISTO NO ART. 304 DO CPB - CRIME DE SUBSIDIARIEDADE EXPRESSA O delito tipificado no art. 304 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) (omissão de socorro) não se configura na espécie, uma vez que possui expressa subsidiariedade. Tal tipo penal prescreve que as penas se aplicam somente se o fato não constituir elemento de crime mais grave, como é o caso. Nesse sentido aponta a doutrina que “Importante lembrar que o referido delito se constitui crime de subsidiariedade expressa, isto é, apenas se perfaz se o fato não consubstanciar delito mais grave, como no caso da agravante de pena nos crimes de homicídio ou lesão corporal culposos de trânsito.” (FREIRE, 2020) Nesse sentido, o art. 304 do CTB prevê o crime de "deixar o condutor do veículo, na ocasião do acidente, de prestar imediato socorro à vítima, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, deixar de solicitar auxílio da autoridade pública". Contudo, a majorante do art. 302, §1º, III, do CTB (homicídio culposo com omissão de socorro) afasta a aplicação do art. 304, em razão do princípio da especificidade. O crime de omissão de socorro autônomo (art. 304) só deve ser aplicado quando o condutor, agindo sem culpa em relação a eventual homicídio ou lesão corporal, se envolver em acidente e não socorrer imediatamente a vítima. No presente caso, o Ministério Público imputou à ré o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, com a majorante de omissão de socorro. Logo, ante a aplicação do princípio da subsidiariedade e da especificidade da majorante já imputada, não assiste razão ao pleito ministerial para condenação da ré pela prática do crime autônomo de omissão de socorro, razão pela qual, de plano é o caso de afastamento do delito autônomo. COM RELAÇÃO AO TIPO PENAL PREVISTO NO 302, §1, III DO CPB DAS PROVAS DE MATERIALIDADE Afigura-se razoável realçar que a materialidade do ilícito está evidenciada pelas peças dos autos constantes, mormente: boletim unificado (vide ff. 06/10 e Laudo cadavérico f. 33, bem como exame de local do sinistro (vide ff. 35/43). AUTORIA Acerca da autoria dos fatos elencados passo a alinhar. DAS PROVAS COLHIDAS NA ESFERA POLICIAL O inquérito policial foi instaurado por meio da Portaria nº 0045376215.21.10.0001.24.136, com o objetivo de apurar a suposta infração penal classificada como ocorrência de trânsito: colisão com vítima fatal. O Boletim Unificado (BU) nº 45376215 registrou que, no dia 9 de julho de 2021, por volta das 06h40min, na Rodovia ES 484, Zona Rural de Bom Jesus do Norte-ES, ocorreu um acidente envolvendo um automóvel VW/VOYAGE, placa OCY-7835, e uma motocicleta HONDA CB 250F TWISTER, placa LMO-2C30. A vítima, Flavia Francisco da Silva, foi encontrada sem sinais vitais no local. A condutora do Voyage, Thifany Simões Boleli, sofreu ferimentos na cabeça e nos pés, sendo socorrida para o Hospital São Vicente de Paula, em Bom Jesus do Itabapoana-RJ. No local do acidente, populares informaram que a condutora do Voyage teria desviado de um cachorro na pista, perdido o controle e colidido frontalmente com a motocicleta. A perícia e a remoção do corpo foram acionadas, e os veículos liberados aos respectivos responsáveis. Foram realizadas diligências, com a juntada de laudos periciais, fotografias e a oitiva dos envolvidos. O relatório final do inquérito concluiu que Thifany, ora acusada, ao desviar do cachorro, invadiu a contramão e atingiu a motocicleta da vítima fatal, sendo sua conduta em velocidade excessiva corroborada pelos danos nos veículos e lesões na vítima. No depoimento prestado em 16 de julho de 2021, a acusada THIFANY SIMÕES BOLELI relatou que, ao dirigir seu veículo VW/VOYAGE, desviou de um cachorro que surgiu na pista, sentiu um forte impacto e perdeu o controle do carro, que colidiu com uma árvore. Ela afirmou não se recordar de ter frenado bruscamente ou dado golpes na direção, apenas que reduziu a velocidade, e não percebeu a presença de outro veículo no sentido oposto. Após o acidente, ferida, procurou informações sobre o cachorro e foi socorrida para o hospital por conhecidos, onde soube por um policial que havia ocorrido uma fatalidade com óbito, o que a deixou em choque. A acusada alega ter agido em velocidade normal e não prestou socorro à vítima caída, pois estava atordoada e com dores, e outros já estavam prestando atendimento. Confira-se: "QUE presta declarações assistida pelo Advogado, Dr. CASSYUS DE SOUZA SESSE, OAB-ES 27.339; QUE trabalha no Hospital São Vicente de Paula e na Secretaria de Saúde de Bom Jesus do Itabapoana-RJ; QUE, na sexta-feira, não se recordando se era dia 09/07/2021, por volta de 06h15min, estava se dirigindo para a cidade de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, vindo de São José do Calçado-ES, onde reside; QUE vinha na condução do VW/VOYAGE, cuja cópia do documento apresenta neste ato; QUE estava sozinha no veículo; QUE, aproximando-se desta cidade de Bom Jesus do Norte-ES, envolveu-se em um acidente de trânsito, não sabendo o nome da localidade em que se deu o fato; QUE, às margens da estrada em que se deu acidente e próximo ao local, há uma obra; QUE, quando passava pelo local, um cachorro saiu repentinamente da margem direita de sua mão de direção para o centro da pista; QUE teve a percepção de que daria tempo de o cachorro passar sem atingi-lo ou, no máximo, iria atingi-lo de lado; QUE não se lembra se freou, mas reduziu a velocidade do carro; QUE não se lembra se deu algum golpe brusco na direção do veículo; QUE sentiu um forte impacto e que começou a sacudir dentro do carro; QUE perdeu a noção da direção para onde estava indo com o carro; QUE não percebeu se vinha algum veículo na mão oposta da direção que seguia; QUE o cachorro era marrom e de porte médio; QUE o carro parou batido em uma árvore; QUE a árvore fica à direita da mão de direção que vinha; QUE, na hora, não percebeu que o carro, antes de bater na árvore, rompeu uma cerca, tomando conhecimento disso somente depois, quando viu as fotografias do acidente; QUE, após o impacto na árvore, saiu do carro pela porta do carona dianteiro; QUE teve lesões no supercílio, no braço, nas pernas e no pé esquerdo; QUE as lesões não foram graves; QUE, ao sair do carro, perguntou a um homem, que trabalhava na obra em frente ao local, pelo cachorro; QUE, logo após, apareceu uma senhora loira; QUE a senhora falava para se acalmar e perguntava se estava machucada; QUE, logo após, viu a Dra. Andréia, filha do Dr. Nivaldo Ladeira, indo na direção de uma pessoa que estava caída; QUE começou a parar mais gente no local; QUE um homem, de quem não se lembra, perguntou se queria ligar para alguém; QUE, inicialmente, pediu para o homem ligar para seu pai, mas, após, pediu para ligar para sua irmã, contudo, não se lembrava o número do telefone dela; QUE, neste momento, RAFAEL, enfermeiro que trabalho no Hospital São Vicente de Paula, em Bom Jesus do Itabapoana-RJ, e a esposa AMANDA, que também trabalha na enfermagem daquele hospital, estavam passando; QUE RAFAEL disse para entrar no carro para levá-la a atendimento médico; QUE foi com RAFAEL e AMANDA até o Hospital São Vicente de Paula, onde recebeu atendimento médico; QUE um policial militar esteve no hospital antes de receber alta médica; QUE o policial contou que a declarante não tinha batido em um cachorro, disse que tinha ocorrido uma fatalidade, revelando que uma pessoa muito querida tinha falecido, mas não falou o nome; QUE ficou em estado de choque com a notícia dada pelo policial militar; QUE o policial não lhe deu voz de prisão; QUE não se lembra a velocidade em que estava quando o cachorro cruzou a pista, mas acredita que estava em velocidade normal; QUE não freou o carro para evitar o impacto no cachorro porque já ouviu dizer que não se deve frear, que é melhor reduzir a velocidade para ver se o cachorro passa sem atingi-lo; QUE não procurou saber o que tinha acontecido quando viu a Dra. ANDRÉIA e outras pessoas no entorno do corpo que estava caído; QUE estava muito atordoada e com muitas dores no pé, então, vendo que a Dra. ANDREIA e outras pessoas já estavam perto do corpo, decidiu cuidar de seu atendimento; QUE não conhece ninguém de nome OCENIR. E mais não disse e nem lhe foi perguntado. Nada mais havendo, é encerrado o presente que, lido e achado conforme, segue devidamente assinado." (vide f. 30/31) A testemunha OCENIR LUIZ ALMEIDA, afirmou que presenciou o acidente no qual um carro em alta velocidade, ao desviar bruscamente de um cachorro na pista, invadiu a contramão e colidiu com uma motocicleta que seguia em sentido contrário. Ele relatou que a condutora da motocicleta foi arremessada a cerca de 5 metros e "bateu morta no chão", com o corpo todo quebrado, incluindo o pescoço. Ocenir descreveu que, após o impacto, o carro atravessou a pista, rompeu uma cerca e colidiu com uma árvore. A motorista do carro, apesar de ter um corte no supercílio, estava calma e, ao sair do veículo, perguntou apenas sobre o cachorro, demonstrando total indiferença em relação à vítima fatal e não procurando socorro. Ocenir não conhecia os envolvidos, mas ficou chocado com a atitude da motorista, acreditando que ela fugiu do local com a ajuda de terceiros. "QUE está trabalhando como pedreiro na construção de um salão de festa na propriedade do Paulinho, localizada próximo à Volta Fria, neste município; QUE, na sexta-feira, dia 09/07/2021, por volta de 06h30min, viu um acidente de trânsito envolvendo um carro de cor matálica e uma motocicleta; QUE o carro vinha no sentido de São José do Calçado para Bom Jesus do Norte, e a motocicleta fazia o caminho contrário; QUE, de repente, um cachorro entrou na pista de rolamento; QUE o cachorro entrou na pista pela mão no sentido de Bom Jesus do Norte para São José do Calçado; QUE o carro que vinha da direção de São José do Calçado freou bruscamente e, quando desviou do cachorro, atingiu a motocicleta que ia na outra direção; QUE, quando o carro desviou do cachorro, o animal já estava na mão de direção de quem vem no sentido de São José do Calçado para Bom Jesus do Norte; QUE o carro só invadiu a contramão de direção depois que desviou do cachorro; QUE a motorista do carro estava em alta velocidade; QUE, antes de desviar do cachorro, a motorista parou de frear, pois, se continuasse freando, ao desviar, teria capotado; QUE o carro atingiu a motocicleta e jogou a condutora há uma distância de 5 (cinco) metros do ponto de impacto; QUE a condutora da motocicleta já "bateu morta no chão"; QUE deu pra ver que a condutora da motocicleta ficou com o corpo todo quebrado, inclusive o pescoço; QUE, depois de atingir a motocicleta, o carro atravessou a pista no sentido da mão de direção de São José do Calçado para Bom Jesus do Norte, rompeu uma cerca e bateu em uma árvore; QUE, ao ver o acidente, correu para o local onde a motociclista estava caída, do qual estava distante a mais ou menos 12 (doze) metros; QUE a motorista do carro saiu do veículo, foi na sua direção e perguntou onde estava o cachorro; QUE a motorista do carro tinha um corte no supercílio, mas estava calma, parecendo que nada tinha acontecido; QUE a motorista do carro, em momento algum, demonstrou preocupação com a motociclista que estava morta; QUE, logo depois, começou a chegar mais gente; QUE, em momento algum, a motorista do carro pensou em chamar socorro; QUE a motorista do carro agia como se não tivesse acontecido nada; QUE tem certeza de que a motorista do carro fugiu do local do acidente com alguém que chegou depois, mas não sabe quem é; QUE não conhece a vítima fatal, tampouco a motorista do carro; QUE ficou chocado com a indiferença da motorista do carro diante da gravidade do caso, chegando a ficar sem dormir na noite daquele dia. E mais não disse e nem lhe foi perguntado. Nada mais havendo, é encerrado o presente que, lido e achado conforme, segue devidamente assinado." (vide f. 24 dos autos) SILVANA GUEDES JACINTHO declarou: "QUE, na sexta-feira, dia 09/07/2021, por volta de 06h30min, seguia na direção da cidade de São José do Calçado, onde é coordenadora da Escola Estadual Mercês Garcia Vieira; QUE seguia na condução de seu FIAT/SIENA, placas LUZ-7168; QUE, logo após a Volta Fria, deparou-se com um acidente de trânsito; QUE, no local, foi em direção a uma mulher que saia de um carro de cor prata, do qual não se lembra a marca e modelo; QUE o carro estava batido em uma árvore, dentro da quintal de uma morador vizinho do local; QUE a mulher tinha apenas um ferimento no supercílio; QUE perguntou à mulher se queria ajuda, no que ela apenas lhe pediu o aparelho de telefone celular; QUE havia carros passando devagar pelo local; QUE, como seu telefone não dava sinal, a mulher pediu para que pegasse o telefone dela no carro; QUE não encontrou o telefone da mulher; QUE perguntou à mulher o que tinha acontecido para ela bater na árvore daquele jeito; QUE a mulher disse "A MOTO, A MOTO!"; QUE, até então, não tinha visto que havia outro veículo envolvido no acidente; QUE viu uma pessoa caída mais à frente; QUE, como percebeu que a pessoa caída não se mexia, segurou no braço da mulher e perguntou "ELA ESTÁ MORTA, ELA ESTÁ MORTA!"; QUE a mulher disse que tinha desviado de um cachorro, o que provocou a colisão; QUE não viu marcas de frenagem na pista; QUE o carro que a mulher dirigia foi na contramão para atingir a motocicleta, pois as marcas na pista apontavam para isso; QUE, ao se aproximar do corpo da pessoa morta, reconheceu que era sua amiga e colega de trabalho FLAVIA; QUE ficou desesperada; QUE a mulher que dirigia o carro que atingiu FLAVIA disse que iria para o hospital, entrou em um outro carro e saiu do local do acidente; QUE não se lembra em que carro ela entrou, mas era de cor branca; QUE, em momento algum, a mulher foi até próximo do corpo de FLAVIA; QUE a mulher tentou usar o próprio telefone, mas também não dava sinal; QUE não ficou sabendo quem tenha presenciado o acidente; QUE não ouviu nenhum comentário de como tenha se dado o acidente; QUE sempre ia junto com FLAVIA para o trabalho, mas cada uma em seu veículo. E mais não disse e nem lhe foi perguntado. Nada mais havendo, encerra-se o presente que, lido, e achado conforme, segue devidamente assinado." (vide f. 27 dos autos). A médica ANDREIA ABDALLAH MARQUES LADEIRA relatou ter encontrado um corpo caído ao lado de uma motocicleta acidentada enquanto dirigia. Ao verificar a vítima, confirmou que estava morta por ausência de sinais vitais. A condutora do veículo Voyage, Thifany, aproximou-se com um corte na testa e em estado de choque, mas foi retirada do local antes que Andreia pudesse responder sobre a vítima. Andreia soube posteriormente que Thifany foi socorrida para o hospital , e, após acionar a ambulância, seguiu viagem. "que ciente do teor do BU: 45376215, e, novamente, reitera QUE: é medica Clínica Geral; QUE trabalha no Hospital São Vicente de Paula, em Bom Jesus do Itabapoana/RJ e no Hospital São Sebastião de Varre-Sai; QUE não se recorda a data, porem numa sexta-feira de manha, por volta das 6h, estava indo de Bom Jesus do Norte/ES, seguindo sentido a Varre-Sai/RJ; QUE estava sozinha em seu veículo; QUE em um determinado trecho da Rodovia viu um corpo caído no chão, próximo ao acostamento da pista, o qual estava próximo a uma moto, a qual estava toda despedaçada; QUE parou seu veiculo, desceu e foi na direção da pessoa que estava caída no chão; QUE se aproximou-se e viu que se tratava de uma mulher; QUE para ter acesso ao pescoço da vitima, para testar sua pulsação, a declarante teve que corta a parte superior da blusa, que estava presa na cabeça, a qual estava impedindo que a declarante tivesse acesso ao seu pescoço da vitima; QUE ao colocar sua mão no pescoço da vitima viu que não tinha nenhum sinal vital; QUE neste momento constatou que a mulher que estava caída no chão estava morta; QUE havia um veículo Voyage de cor prata, o qual havia aparentava ter colidido com a motocicleta que a vitima estava; QUE uma mulher se aproximou da declarante; QUE a primeira impressão que teve quando viu essa mulher, foi que ela era uma curiosa, que estava ali para saber alguns detalhes do acidente, porém ficou sabendo que ela era a pessoa que estava dirigindo o Voyage que havia colidido com a motocicleta da vitima; QUE essa mulher que se aproximou da declarante estava com um pequeno corte na testa; QUE essa mulher chama-se Thifany, a qual trabalha no mesmo Hospital que a declarante em Bom Jesus do Itabapoana/RJ; QUE Thifany não aparentava estar sob algum efeito de bebida alcoólica ou substância alucinógena; QUE Thifany queria sabe, como a vítima estava e, o que havia acontecido; QUE Thifany aparentava estar em estado de choque; QUE antes que pudesse responder para Thifany, alguém tirou ela do local; QUE depois disso não viu mais Thifany, pois ficou sabendo que alguém socorreu ela para o Hospital de São Jose de Paula; QUE pediu um amigo que estava passando, seguindo na direção de Bom Jesus do Norte/ES, para acionar a ambulância; QUE depois que a ambulância chegou ao local a declarante seguiu seu destino para Varre-sai;. E mais não disse e nem lhe foi perguntado. Nada mais havendo, mandou a Autoridade que se encerrasse o presente termo que, depois de lido e achado conforme, segue por todos assinado." (vide f. 49 dos autos) Jose Rafael Polegario Ribeiro, técnico em enfermagem, relatou que, no dia do acidente, por volta das 6h30min, ao passar pelo local, deparou-se com uma aglomeração de pessoas e veículos parados em razão de um sinistro de trânsito. Ao indagar se sua ajuda seria necessária, foi informado que a vítima do acidente provavelmente já havia falecido e que havia outra pessoa ferida mais adiante. Diante da presença de duas médicas e outras pessoas no local, ele não desceu do veículo e considerou que sua ajuda não seria necessária. Ao prosseguir, encontrou Thifany, que conhecia do hospital, no canto da estrada, próxima ao seu veículo acidentado. Ao ver que Thifany estava com um corte no supercílio e precisava de atendimento médico, ofereceu-lhe carona até o Hospital São Vicente de Paula, onde a deixou e seguiu para o trabalho. Ele observou que Thifany estava lúcida, porém apavorada e nervosa, e que não comentaram sobre o acidente durante o trajeto. O contato entre eles, antes e depois do fato, era apenas profissional "que ciente do teor do BU: 45376215, e, novamente, reitera QUE: trabalha técnico em enfermagem no hospital São Vicente de Paula; QUE reside na cidade de São José do Calçado/ES; QUE conhece THIFANY, pois a mesma trabalha no mesmo nosocômio, sendo na farmácia e também a família da mesma é muito conhecida na cidade onde reside; QUE em relação aos fatos que se apuram nestes autos, no dia por volta das 06:30hs, estava descendo para começar sua jornada de trabalho, quando ao passar limoeiro se parou com vários carros parados e haviam algumas pessoas no local; QUE ao passar próximo do local onde estava a aglomeração de pessoas, constatou que se tratava de um acidente de trânsito, foi quando passou devagar com seu veículo para ver se sua ajuda seria necessária; QUE, viu que já haviam duas médicas, sendo uma delas a Dr. ANDREIA, foi quando perguntou se precisam de alguma ajuda, mas fora informado que a vítima do acidente possivelmente já havia vindo a óbito e que havia uma pessoa um pouco mais abaixo que estava ferida; QUE a par dessa informação, percebeu que sua ajuda não seria necessária, tendo em vista que já haviam duas médicas no local e mais algumas pessoas; QUE não chegou a reconhecer o corpo que estava caído no chão, pois nem desceu de seu veículo; QUE continuou seu trajeto para o seu trabalho, quando mais alguns metros à frente do local do acidente, se deparou com THIFANY estava no canto da estrada, próximo ao seu veículo que veio a colidir com uma árvore, QUE reconheceu THIFANY e viu que a mesma estava com um corte no supercílio e perguntou se a mesma estava precisando de algo; QUE THIFANY disse que precisava ir a atendimento médico; QUE como já estava indo para o hospital, levou THIFANY para o pronto atendimento do hospital São Vicente de Paula, na cidade de Bom Jesus do Itabapoana-RJ, para a mesma ser atendida; QUE deixou THIFANY no pronto atendimento e foi para o seu setor de trabalho; QUE THIFANY estava lúcida, mas apavorada e nervosa; QUE durante o trajeto até o hospital, não foi comentado nada acerca do acidente; QUE sua esposa AMANDA, estava no veículo com o declarante, pois a mesma também trabalha no mesmo hospital que o declarante; QUE após os fatos não teve mais contato com THIFANY; QUE o contato que o declarante tinha com THIFANY era apenas profissional. E mais não disse e nem lhe foi perguntado. Nada mais havendo, mandou a Autoridade que se encerrasse o presente termo que, depois de lido e achado conforme, segue por todos assinado." (vide f. 54 dos autos) Cassio Negri Lima declarou que compareceu à delegacia para proceder à liberação do corpo de sua esposa, Flávia Francisco da Silva, vítima de acidente automobilístico ocorrido nesta data, por volta das 06h30min, na Rodovia ES 484, Bom Jesus do Norte. O declarante não presenciou o fato. A vítima estava se deslocando de casa para o trabalho. Relatou que sua esposa conduzia sua motocicleta Honda Twister, cor azul, placa LMO2C30. Segundo informações, um outro veículo Voyage prata invadiu a pista na qual a motocicleta trafegava na contramão e acabou colidindo com ela. A vítima faleceu no local do fato. "QUE: COMPARECE A FIM DE PROCEDER À LIBERAÇÃO DO CORPO DE SUA ESPOSA FLÁVIA FRANCISCO DA SILVA, VÍTIMA DE ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO OCORRIDO NESTA DATA, POR VOLTA DAS 06:30 HORAS, NA RODOVIA ES 484, BOM JESUS DO NORTE; QUE O DECLARANTE NÃO PRESENCIOU O FATO; QUE A VÍTIMA ESTAVA SE DESLOCANDO DE CASA PARA O TRABALHO; QUE A VÍTIMA CONDUZIA SUA MOTOCICLETA HONDA TWISTER COR AZUL PLACA MO2C30 E SEGUNDO INFORMAÇÕES, UM OUTRO VEÍCULO VOYAGE PRATA INVADIU A PISTA NA QUAL A MESMA TRAFEGAVA NA CONTRA-MÃO, E ACABOU COLIDINDO NA MOTOCICLETA DA MESMA; QUE A VÍTIMA FALECEU NO LOCAL DO FATO; QUE O DECLARANTE FOI NO LOCAL DO FATO; QUE O CONDUTOR DO VEÍCULO FOI SOCORRIDO PELA AMBULANCIA, POIS SE LESIONOU EM DECORRÊNCIA DA COLISÃO; QUE NÃO SABE O NOME DO CONDUTOR DO VEÍCULO NEM A PLACA DE SEU CARRO; QUE POLICIAIS MILITARES E PERITOS DA POLÍCIA CIVIL FORAM NO LOCAL DO FATO; QUE A VÍTIMA NÃO COSTUMAVA FAZER INGESTÃO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS; QUE A VÍTIMA POSSUÍA CNH; QUE A VÍTIMA NÃO TOMAVA NENHUM REMÉDIO CONTROLADO. E mais não disse e nem lhe foi perguntado. Nada mais havendo, mandou a Autoridade que se encerrasse o presente termo que, depois de lido e achado conforme, segue por todos assinado, e pelo declarante." (vide f. 19 dos autos) Na conclusão do inquérito policial, o Delegado de Polícia, Sandro de Oliveira Zanon (vide ff. 58/62), considerou que os elementos colhidos nos autos revelam que Thifany, ao desviar de um cachorro, invadiu a contramão e atingiu a motocicleta conduzida por Flavia, causando a morte da vítima. As declarações da testemunha Ocenir indicam que Thifany conduzia o veículo em velocidade excessiva, fato corroborado pela extensão dos danos nos veículos e nas lesões da vítima, conforme atestado pelos laudos periciais. O Delegado também apontou que a velocidade incompatível com a segurança viária e a perda de controle do veículo, admitida pela própria Thifany e demonstrada no laudo do local, reforçam a conclusão de que a condução imprudente da acusada foi a causa do evento que levou à morte de Flavia. Desse modo, o Delegado entendeu que há indícios suficientes de autoria e prova da materialidade delitiva, encerrando as diligências a cargo da Polícia Civil. DAS PROVAS COLHIDAS NA FASE DO CONTRADITÓRIO Não bastasse, o conjunto probatório acostado no inquérito policial, as demais provas coletadas nesta fase, confirmam a versão dos fatos exposta na denúncia. Na audiência de instrução e julgamento Ocenir Luiz Almeida prestou seu depoimento: “Iniciou seu depoimento confirmando as declarações prestadas em sede policial, que constam nas folhas 24 e 25 dos autos. Afirma que estava trabalhando próximo à "Volta Fria" e, por volta das 6h30min de uma sexta-feira, em 9 de julho de 2021, presenciou um acidente envolvendo um carro de cor metálica e uma motocicleta. Narra que o carro vinha de São José do Calçado para Bom Jesus do Norte, e a motocicleta fazia o caminho contrário. De repente, um cachorro entrou na pista, vindo da mão de direção da motocicleta. O carro freou bruscamente e, ao desviar do cachorro, atingiu a motocicleta que vinha na outra direção. O cachorro já estava na mão de direção do carro quando este desviou, e o carro só invadiu a contramão após o desvio. Que a motorista do carro estava em alta velocidade e parou de frear antes de desviar, pois, se continuasse freando, teria capotado. O carro atingiu a motocicleta e jogou a condutora a uma distância de cinco metros do ponto de impacto, e ela "bateu morta no chão". Ele pôde ver que o corpo da motociclista estava todo quebrado, inclusive o pescoço. Após atingir a motocicleta, o carro atravessou a pista, rompeu uma cerca e bateu em uma árvore. Que ao ver o acidente, correu para o local onde a motociclista estava caída, a uns doze metros de distância. Que a motorista do carro saiu do veículo, foi em sua direção e perguntou onde estava o cachorro. Salienta que a motorista tinha um corte no supercílio, mas estava calma, parecendo que nada tinha acontecido. Que em momento algum, a motorista demonstrou preocupação com a motociclista morta ou pensou em chamar socorro. Ela agia como se nada tivesse acontecido e, segundo Ocenir, fugiu do local com alguém que chegou depois. Ele não conhecia a vítima fatal nem a motorista do carro e ficou chocado com a indiferença desta. Reiterou que a motorista não se importou com a vítima, apenas perguntou pelo cachorro, e que a vítima "morreu na hora". Narra que estava a cerca de dez metros do acidente e viu o ocorrido. Embora não saiba dirigir , ele pôde observar que o carro estava "correndo bem". (...) Descreveu que o cachorro atravessou na frente do carro, levando a motorista a ir para a contramão e atingir a motociclista, e depois o carro voltou para a pista e bateu na cerca. Ocenir reafirmou que a motorista estava tranquila e não olhou para a vítima, apenas perguntou pelo cachorro, sem pedir socorro. Ele foi quem chamou o Paulinho, dono da propriedade, para ligar para a polícia. Destaca que a motorista parecia que a vítima era um animal, não se importou com nada, o que o deixou muito triste e chocado. Questionado sobre marcas de frenagem, ele afirmou que o carro freou, mas ao desviar foi para a contramão, atingiu a vítima e depois voltou para a pista e bateu na cerca, que "abafou a velocidade". (...) Reiterou que ela não prestou socorro e que, quando ele pediu para ligarem, ela já tinha ido embora. Ocenir disse que ela tinha que ter prestado socorro, mesmo a vítima estando morta. Ele observou que, pela pancada, a motorista deveria estar apavorada, mas a atitude dela foi de "não ter noção do que aconteceu", pois não olhou para a vítima morta e continuou perguntando pelo cachorro. Ele afirmou que a vítima estava a um metro de distância dela, "encostado mesmo", e que "já estava igualzinho boné de pano". Mesmo estando perto, ela não olhou para a vítima nem manifestou preocupação. Ele mencionou que frequenta a Igreja Universal e ficou muito abatido pela indiferença dela para com um ser humano. Ocenir não conhecia a vítima e confirmou que a motorista estava correndo bem. Ele explicou que agora colocaram "Quebra Mola" no local, o que melhorou, e que isso só acontece "quando morre alguém". Por fim, reiterou que se a motorista tivesse passado por cima do cachorro, não teria atingido a moto. Ele confirmou que não havia possibilidade de socorro, pois a vítima "morreu na hora antes de cair no chão". (Trechos extraídos da mídia de ID n. 62830458) Cássio Negri Lima, esposo da vítima Flávia Francisco da Silva, confirmou suas declarações prestadas na delegacia de polícia, que foram lidas em audiência e constam na folha 19 dos autos. Ele não presenciou o acidente, mas soube do ocorrido por um telefonema, por volta das 7h15min ou 7h20min, informando que sua esposa havia sofrido um acidente. Cássio relatou que sua esposa estava indo para o trabalho, saindo de casa por volta das seis horas da manhã para estar em São José do Calçado às sete, pois era professora. Ele deixou seu filho na casa do pai e foi ao local do acidente, onde encontrou a esposa caída no chão e já sem vida. (Trechos extraídos da mídia de ID n. 62830458) No local do acidente, Cássio observou que sua esposa estava caída na mão de direção dela, próximo ao acostamento. Salienta que não viu marcas de frenagem no chão relacionadas à motocicleta. Afirma que o carro da acusada atingiu sua esposa na mão dela, invadiu a contramão e depois entrou em uma propriedade, quebrando uma cerca e parando próximo a uma pedra ou árvore. Narra que ouviu, como primeira informação, que a motorista do carro estava em alta velocidade. Sobre o cachorro, salienta que soube posteriormente, conversando com o pedreiro, que a acusada havia comentado ter desviado de um suposto cachorro. No entanto, Cássio afirma que, pelo que ele saiba, "ninguém viu esse cachorro". (Trechos extraídos da mídia de ID n. 62830458) Explica que seu filho, que tinha três anos na época, deu "muita febre emocional" nos primeiros dias, pois ainda mamava para dormir, e que precisou iniciar tratamento psicológico para a criança. Salienta que o tratamento foi suspenso em dezembro do ano passado (2024), mas o filho ainda tem direito ao atendimento. Cássio afirma que a acusada nunca procurou a família dele para oferecer conforto ou ajuda, seja pessoal ou material. Menciona que a acusada se isolou e não manifestou contato com a família. (Trechos extraídos da mídia de ID n. 62830458) Cássio ressaltou que sua esposa tinha habilitação e fazia o trajeto de segunda a sexta-feira, há cerca de sete a oito anos, para dar aula. Afirma que, durante todo esse tempo, nunca ocorreu nenhum imprevisto com ela na direção. Ele expressou sua opinião de que, devido à imprudência, a pena deveria ser de reclusão, pois "imprudência não é acidente, é crime", e que seria o mínimo de justiça, mesmo que não traga a esposa de volta. (Trechos extraídos da mídia de ID n. 62830458) Em sede de interrogatório a acusada negou os fatos, mas não sabendo declinar em qual velocidade trafegava, além disso, confirma suas declarações da esfera policil, veja-se: “Que nega os fatos descritos na denúncia. Que no dia do acidente, saiu cedo para trabalhar, como de costume, sem atraso, e estava dirigindo "normal, tranquila" no trajeto de São José do Calçado para Bom Jesus do Itabapoana. O que se lembra é de um cachorro atravessando a pista, e sua única intenção foi "reduzir para não pegar ele". A partir daquele momento, ela só se recorda do carro "sacudindo, sacudindo, sacudindo", e tudo ficou muito confuso, não conseguindo se lembrar de tudo ou ter a "visão do que estava acontecendo". (...) Thifany afirmou que estava indo no sentido de São José do Calçado para Bom Jesus, e que a pessoa que atingiu vinha em sentido contrário. Ao sair do carro, ela se lembra pouco, estava muito agitada e só conseguia falar o nome do pai. Uma mulher loira a apoiou, pedindo para ela ter calma, pois estava machucada. Ela lembra de ter machucado o pé, ter vidro na boca e um corte no olho. Um carro a socorreu e a levou ao hospital. Somente quando estava no quarto do hospital, horas depois, um policial informou que havia ocorrido uma fatalidade e que uma pessoa querida havia falecido, o que a deixou em estado de choque. Ela reiterou que não se lembra do acidente em si, apenas do cachorro e de ter reduzido a velocidade. Não soube informar a velocidade em que estava, mas reitera que estava dirigindo "com tranquilidade". Que tinha dez anos de carteira de motorista. Indagada pela magistrada enfaticamente qual a média da velocidade que ela estava trafegando, não sabe dizer. Questionada se em baixa velocidade perderia o controle ao atingir um cachorro de médio porte, ela respondeu "Eu não sei dizer". Fora lida sua declaração da esfera policial, tendo a autora confirmado a mesma. Ela afirmou não se recordar de ter visto o corpo caído no chão, apesar de a declaração policial mencionar isso e ter sido devidamente lida para a depoente. Reiterou que "muita coisa" ela não se lembra, pois foi "tudo muito confuso" e "muita coisa" lhe contaram. Ela explicou que ficou muito nervosa, o que é natural, e que só foi "dar conta de tudo" quando chegou ao hospital. Após o acidente, ela não procurou a família da vítima. Ela ficou um mês sem sair de casa e, ao tentar voltar a trabalhar, foi informada de que o marido da vítima estava indo ao hospital, ameaçando-a, o que a deixou com medo. Ela não registrou ocorrência sobre as supostas ameaças, mas o hospital preferiu afastá-la. Ela entende que a família da vítima estava em uma situação difícil, mas que ela tinha medo. Não teve notícias do cachorro depois. Reiterou que dirigia com tranquilidade, sem problemas de velocidade. Ela confirmou que se recorda do cachorro entrando na pista e que tomou uma ação de reduzir. Thifany faz esse trajeto há "muitos anos", cerca de sete anos, e nunca esteve envolvida em outro acidente. Sobre o acordo de não persecução penal, ela mencionou que a parte financeira era um problema, pois não tinha condições de arcar com o valor pedido. Ela tem interesse em fazer "o que for justo", mas sua carteira assinada com um valor baixo no hospital a impede de arcar com grandes quantias.” (Trechos extraídos da mídia de ID n. 62830458) “Destaquei” Dessa feita, passo a análise dos delitos. DO DELITO PREVISTO NO ART. 302, DA LEI Nº 9.503/97 O artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro prevê o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor. “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas: detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor” § 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente: III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do sinistro; . In casu, a materialidade do delito é inconteste, eis que a vítima Flávia Francisco da Silvafaleceu em virtude do acidente de trânsito que envolveu seu veículo e o veículo guiado pelo réu. Superada tais premissas, passo à análise das elementares do crime. O doutrinador Damásio de Jesus, em seu livro "Código de Trânsito Brasileiro Anotado", afirma que "a conduta culposa consiste em não tomar as cautelas indispensáveis à segurança do trânsito, em razão de imperícia, imprudência ou negligência, que causam a morte da vítima". No mesmo sentido Luiz Flávio Gomes, em sua obra "Direito Penal - Parte Especial", afirma que "o tipo penal exige a presença de culpa (negligência, imprudência ou imperícia), bem como que essa conduta tenha sido a causa da morte". O tipo penal requer a presença do elemento “culpa”, que conforme declinaram em linha supra, que a culpa consiste em uma conduta imprudente, negligente ou imperita por parte do agente. No caso em tela, as provas colhidas na fase pré-processual e em sede do contraditório demonstraram cabalmente que a ré fora imprudente ao dirigir em alta velocidade invadindo a contramão. A tese principal da defesa é a ausência de culpa e o estado de necessidade. No que cerne ao Estado de Necessidade, o art. 24 do Código Penal prevê que “Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. Na espécie não estão presentes os requisitos legais que autorizam tal excluente, posto que o depoimento da testemunha Ocenir Luiz Almeida é crucial para refutar a alegação de estado de necessidade, pois aponta que a conduta imprudente da motorista precedeu o desvio do animal e foi determinante para o acidente. Afirma Ocenir que a motorista "estava em alta velocidade" e que, ao desviar do cachorro, "o carro só invadiu a contramão de direção depois que desviou do cachorro". Além disso, ele salienta que "se a motorista tivesse passado por cima do cachorro, ela não ia para a contramão" , e, consequentemente, não teria atingido a vítima. Essa afirmação demonstra que a invasão da contramão e o impacto com a vítima foram consequências diretas da manobra de desvio do cachorro, realizada em alta velocidade, e não uma ação inevitável para evitar um perigo. Ainda que o surgimento do cachorro possa ser considerado um perigo, a alta velocidade da acusada retirou-lhe a capacidade de reação adequada e segura para evitar o sinistro sem causar dano a terceiros. A escolha de desviar bruscamente em alta velocidade, invadindo a contramão em uma rodovia de mão dupla, revela uma conduta imprudente que não pode ser justificada pelo estado de necessidade. A atuação da ré não se deu de forma a sacrificar um bem jurídico de menor valor para salvar um de maior valor, mas sim em condições que culminaram em um risco exacerbado e previsível à vida alheia, evidenciando a culpa. Dessa forma, a conduta da acusada de desviar do cachorro em alta velocidade, invadindo a contramão e colidindo com a motocicleta, não pode ser abarcada pela excludente de ilicitude do estado de necessidade, pois a imprudência na condução do veículo foi fator preponderante para o resultado fatal, não se configurando a inevitabilidade exigida pela norma penal. Diverso não é o entendimento jurisprudencial: “PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ESTADO DE NECESSIDADE . AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PERIGO ATUAL OU IMINENTE APTO A AMPARAR A CONDUTA DO ACUSADO. INCIDÊNCIA DO INDULTO NATALINO. IMPOSSIBILIDADE. CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM RESTRITIVA DE DIREITOS . INTELIGÊNCIA DO ART. 8º, I, DO DECRETO Nº 11.302/2022. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO . 1. O art. 24 do Código Penal prevê que “[c]onsidera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”. 2 . No caso, não há comprovação de perigo atual ou iminente apto a amparar a conduta do acusado do crime de porte ilegal de arma de fogo, não sendo possível o reconhecimento da justificante. 3. Considerando que a pena do acusado fora convertida em pena restritiva de direitos, o art. 8º, I, do Decreto nº 11 .302/2022 expressamente afasta o indulto natalino em tais casos, sendo que o STJ já se manifestou no sentido de que “o Presidente da República optou por não contemplar os condenados à pena privativa de liberdade substituída por restritivas de direitos com a concessão do indulto, de forma que não há que se atribuir interpretação ampliativa.” (AgRg no HC n. 858.958/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 4/12/2023, DJe de 7/12/2023 .) 4. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-ES - APELAÇÃO CRIMINAL: 0010173-87.2019 .8.08.0012, Relator.: NILDA MARCIA DE ALMEIDA ARAUJO, 1ª Câmara Criminal)” Tocanta a ausência de culpa também não há como se acolher, cumpre frisar que autoria do delito de homicídio culposo na direção de veículo automotor, imputado à acusada Thifany Simões Boleli, encontra-se solidamente demonstrada pelos elementos coligidos nos autos. A dinâmica do acidente, conforme a análise pericial e os depoimentos testemunhais, aponta para a conduta imprudente da ré como causa determinante do evento fatal. A acusada, em seu interrogatório em sede policial, relatou ter desviado de um cachorro que surgiu repentinamente na pista, o que a levou a perder o controle do veículo. Embora ela alegue não se lembrar de ter frenado bruscamente ou de ter dado golpes na direção, a perícia indica que o carro invadiu a contramão. A motorista afirma ter reduzido a velocidade e não ter percebido a presença de outro veículo. Contudo, a versão da acusada é confrontada pelas provas técnicas e testemunhais. O Laudo de Exame de Local de Sinistro de Trânsito é categórico ao descrever que o veículo conduzido pela acusada, após uma curva à direita, "saiu da sua faixa de rolamento, invadindo a contra-mão de direção, impactando-se com setor anterior UT1". As fotografias do local do acidente corroboram essa dinâmica, mostrando as impressões pneumáticas do veículo da acusada na contramão de direção. Repisa-se que a testemunha Ocenir Luiz Almeida, pedreiro que presenciou o acidente, afirmou categoricamente que a motorista do carro "estava em alta velocidade". Narra que o carro freou bruscamente e, ao desviar do cachorro, atingiu a motocicleta que vinha na outra direção, invadindo a contramão após o desvio. Ele reforça que a condutora "estava correndo bem". Embora não saiba dirigir, sua percepção visual, a dez metros do local do acidente, é relevante. Sobre o tema, colhe-se da lição de Rogério Greco é no sentido de que “A conduta, nos delitos de natureza culposa, é o ato humano voluntário dirigido, em geral, à realização de um fim lícito, mas que, por imprudência, imperícia ou negligência, isto é, por não ter o agente observado o seu dever de cuidado, dá causa a um resultado não querido, nem mesmo assumido, tipificado previamente na lei penal.” (in Curso de Direito Penal, Parte Geral, 19ª Ed., 2017, p. 302). Nesse contexto, a caracterização do crime culposo depende da inobservância de um dever de cuidado objetivo e da previsibilidade objetiva do resultado, de modo que, se o fato escapar totalmente à previsibilidade do agente, o resultado não lhe poderá ser imputado. Oportuno registrar que, nos termos do entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, “o que normalmente acontece (id quod plerunque accidit), nas situações em que o investigado descumpre regras de conduta do trânsito viário, é concluir-se pela ausência do dever de cuidado objetivo, elemento caracterizador da culpa (stricto sensu), sob uma de suas três possíveis modalidades: a imprudência (falta de cautela e zelo na conduta), a negligência (desinteresse, descuido, desatenção no agir) e a imperícia (inabilidade, prática ou teórica, para o agir)” (HC n. 702.667/RS, relator Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 15/8/2022). Portanto, a despeito das alegações da defesa de ausência de culpa e estado de necessidade, os elementos probatórios evidenciam a conduta imprudente da acusada que, ao dirigir em velocidade incompatível com a segurança da via e ao realizar uma manobra inadequada ao desviar de um animal, invadiu a contramão e causou o acidente fatal. Houve uma clara violação do dever de cuidado, sendo o resultado previsível e evitável, configurando, assim, o elemento culpa no homicídio culposo. Tecidas tais considerações, a conjugação desses elementos probatórios – o laudo pericial que atesta a invasão da contramão e a dinâmica da colisão, e o depoimento da testemunha ocular que confirma a alta velocidade do veículo da acusada e a sequência dos fatos – estabelece um nexo causal claro entre a conduta imprudente da ré e o resultado morte da vítima. A alta velocidade e a manobra brusca, que resultaram na invasão da contramão, configuram a inobservância do dever de cuidado objetivo exigido na condução de veículo automotor, elemento essencial para a caracterização da culpa. Diverso não é o entendimento deste eg. Tribunal: “PENAL. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO. VEÍCULO AUTOMOTOR. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. VIOLAÇÃO DO DEVER OBJETIVO DE CUIDADO. IMPRUDÊNCIA. DOSIMETRIA. PENA BASE. MAJORAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O fundamento da responsabilidade penal pelo homicídio culposo na direção de veículo automotor reside na violação do dever objetivo de cuidado exigido do agente nas circunstâncias concretas. Na espécie, há prova suficiente desta circunstância a partir da prova oral produzida. 2. Sanção básica devidamente fundamentada. Ausência de excesso na dosimetria.(TJES, Órgão julgador: 2ª Câmara Criminal, Número: 0004636-36.2016.8.08.0006, Relator: WILLIAN SILVA, Classe: APELAÇÃO CRIMINAL, Assunto: Regime inicial, julgado em 08/05/2023)” “ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO - TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª Câmara Criminal Gabinete do Des. Helimar Pinto APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0001976-52.2016.8.08.0044 APELANTE: OSCAR LUIZ FRACALOSSI Advogado do(a) APELANTE: CARLOS AUGUSTO NUNES DE OLIVEIRA - ES6876-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO ACÓRDÃO DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ACIDENTE DE TRÂNSITO COM MORTE. CONDENAÇÃO MANTIDA. IMPOSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. CULPA CARACTERIZADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A materialidade do delito está comprovada por documentos como o Boletim Unificado, Certidão de Óbito, Laudo de Exame em Local de Acidente de Tráfego e Laudo de Exame Cadavérico, que atestam a ocorrência do acidente e a causa da morte da vítima. 2. A autoria também é inconteste, já que o apelante conduzia a motocicleta que colidiu com a da vítima, resultando em seu óbito. 3. A tese defensiva de ausência de culpa não se sustenta, pois o laudo pericial confirma que o apelante, sem habilitação, invadiu a faixa contrária ao realizar uma manobra de cruzamento da pista, sendo tal conduta imprudente. 4. Embora o laudo pericial indique que a vítima possivelmente trafegava em excesso de velocidade, essa circunstância não exclui a responsabilidade penal do apelante, conforme entendimento pacífico do STJ, segundo o qual a culpa concorrente da vítima não afasta a culpa do agente em crimes de homicídio culposo no trânsito. 5. O depoimento do apelante, alegando que foi atingido pela vítima enquanto estava parado, não encontra respaldo nas provas dos autos, que indicam que ele estava em movimento no momento da colisão. 6. Assim, a imprudência do apelante ao realizar a travessia da pista, mesmo ciente da aproximação do veículo da vítima, configura o elemento subjetivo necessário à configuração do crime culposo. 7. Recurso a que se nega provimento. (TJES, Órgão julgador: 2ª Câmara Criminal, Número: 0001976-52.2016.8.08.0044, Relatora: VANIA MASSAD CAMPOS, Classe: APELAÇÃO CRIMINAL, Assunto: Crimes de Trânsito, julgado em 14/11/2024) Frisa-se, ainda, que “O acusado tinha a possibilidade de prever o resultado danoso e de evitá-lo, no entanto, ao se descurar da observância quanto aos cuidados e cautelas essenciais que lhe eram exigidos na condução do caminhão, deflagrou o acidente que levou a óbito a vítima, que transitava em uma bicicleta (não motorizado) em direção oposta, razão pela qual a manutenção da condenação pelo delito de homicídio na direção de veículo automotor é medida que se impõe” (TJES, Órgão julgador: 2ª Câmara Criminal, Número: 0004528-83.2013.8.08.0047, Relator: HELIMAR PINTO, Classe: APELAÇÃO CRIMINAL, Assunto: Crimes de Trânsito, julgado em 24/08/2023) DA CAUSA DE AUMENTO - INCISO III §1º DO ART. 302 A causa de aumento de pena prevista no artigo 302, §1º, inciso III, da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), que se refere à omissão de socorro, é aplicável ao presente caso, porquanto devidamente configurada nos autos. A majorante incide quando o agente "deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do sinistro". A defesa da acusada alega a não aplicação dessa majorante sob o argumento de que a vítima teria falecido instantaneamente após a colisão, afastando o dever de socorro. Para sustentar essa tese, a defesa cita jurisprudência e doutrina que defendem a inaplicabilidade da majorante em casos de morte instantânea, pois não haveria bem jurídico a ser tutelado ou socorro a ser prestado a um cadáver. No entanto, a análise pormenorizada das provas demonstra que a acusada deixou de prestar qualquer tipo de auxílio ou acionar as autoridades, independentemente da constatação imediata da morte da vítima. A jurisprudência da Corte Superior já estabeleceu que há crime mesmo havendo morte instantâne, pois "o comportamento imposto pela norma não pode ser afastado ao argumento de que houve a morte instantânea da vítima, situação que, aliás, não pode, via de regra, ser atestada pelo agente da conduta delitiva no momento da ação" (HC 269.038/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/12/2014, DJe 19/12/2014). Em mesmo sentido, cito: (STJ - AREsp: 1272103 RS 2018/0076758-9, Relator.: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Publicação: DJ 30/04/2018). Conforme o depoimento da testemunha Ocenir Luiz Almeida, que presenciou o acidente, a motorista do carro, após a colisão, "saiu do veÃculo, foi na sua direção e perguntou onde estava o cachorro". Ocenir salienta que "em momento algum, a motorista demonstrou preocupação com a motociclista morta ou pensou em chamar socorro". Ele mesmo foi quem tomou a iniciativa de pedir para Paulinho, dono da propriedade, ligar para a polícia. Inclusive, Ocenir ficou "chocado com a indeferença da motorista do carro diante da gravidade do caso". Embora a médica Andreia Abdallah Marques Ladeira tenha constatado a ausência de sinais vitais na vítima ao chegar ao local, e a própria acusada afirme que uma senhora loira e a Dra. Andreia já estava prestando socorro, o foco inicial da acusada foi no cachorro e não a vítima. A majorante em questão não exige que a omissão de socorro seja a causa da morte ou do agravamento das lesões, mas sim a ausência do dever de solidariedade e humanidade do condutor envolvido no sinistro. A conduta do agente é avaliada no momento da omissão, e a mera possibilidade de prestar socorro, sem risco pessoal, já é suficiente para a incidência da majorante. Mesmo diante de uma morte instantânea, a ausência de qualquer gesto de auxílio, ou de ao menos acionar os serviços de emergência, demonstra o descaso do agente para com o resultado de sua conduta e o bem jurídico vida, justificando o aumento da pena. Não se pode compactuar com a ideia de que a "morte instantânea" exime o condutor da responsabilidade de prestar ou acionar auxílio, pois o dever de solidariedade persiste até que a situação seja devidamente avaliada e encaminhada pelas autoridades competentes. Diante do exposto, a conduta da acusada de se omitir na prestação de socorro à vítima, ou na solicitação de auxílio às autoridades públicas, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, mesmo diante da constatação de óbito por terceiros, configura a majorante prevista no art. 302, §1º, III, do CTB. Desta feita, embora dignos de louvor os esforços da Defesa do acusado no exercício de seu legítimo múnus as provas carreadas aos autos mais favorecem a versão esposada pelo Órgão Acusador. Em suma, concluo, com pesar, que o ré praticou fato típico, antijurídico e culpável, e uma vez que inexistem circunstâncias excludentes da ilicitude ou da culpabilidade, merece, pois, a reprovação penal prevista em lei, posto que logrou êxito desta feita, Ilustre membro do parquet, em demonstrar a autoria e materialidade quanto ao crime capitulado no art. 302, §1º, III da Lei nº 9503/97. DISPOSITIVO Isto posto, atendendo ao princípio do livre convencimento motivado, e por tudo o mais que dos autos consta e em direito permitido, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido contido na inicial, e, via de consequência, CONDENO a acusada THIFANY SIMÕES BOLELI, já qualificada nos autos, nas sanções previstas nos artigos arts. 302, §1º, III, ambos da Lei nº 9503/97. Sem prejuízo, ABSOLVO a ré do delito previsto no art. 304 da Lei nº 9503/97, na forma do art. 386, inciso III do CPP. DOSIMETRIA DA PENA DO DELITO PREVISTO NO ART. 302, DA LEI Nº 9.503/97 Em obediência ao Princípio Constitucional de Individualização da Pena (art. 5.o, XLVI da Constituição Federal) corroborado pelas disposições ínsitas no art. 59 do Código Penal, passo à análise das circunstâncias judiciais, para fixação da pena cominada: A culpabilidade da acusada, ou seja, o grau de reprovabilidade social de sua conduta, revela-se em patamar acentuadamente elevado. A ré, como condutora habilitada e experiente, tinha o dever de agir com a máxima cautela e observância das normas de trânsito. Sua ação imprudente de desviar de um animal em alta velocidade , invadindo a contramão de direção , culminou na morte da vítima, demonstrando desatenção e descuido que justificam a mais severa reprovação de sua conduta. Além da imprudência na direção, a frieza e indiferença da acusada logo após o acidente, conforme testemunhado por Ocenir Luiz Almeida, que relatou que ela perguntou sobre o cachorro e não demonstrou preocupação com a vítima, mesmo estando a apenas um metro dela, exacerbam o grau de sua culpabilidade. A acusada também não procurou a família da vítima em momento algum para oferecer conforto ou ajuda, seja pessoal ou material. Quanto aos antecedentes, à vida ante acta da acusada está imaculada. A conduta social da ré, ou seja, a sua situação nos diversos papéis desempenhados junto à comunidade, que se reflete no grupo e sociedade, no relacionamento com seus pares, revela-se favorável, não havendo elementos nos autos que desabonem seu comportamento em sociedade. Sua personalidade, compreendida como o todo complexo de suas características herdadas e adquiridas, com o jogo de todas as forças que determinam ou influenciam o comportamento humano e sua forma de ser e agir, não deve exacerbar a reprimenda, salvo a frieza já mencionada. Os motivos, que são os precedentes causais de caráter psicológico da ação ou a mola propulsora do delito, devem, no caso, não exacerbar a reprimenda, eis que a ré sucumbiu a vida humana para desviar de um animal. As circunstâncias do crime, que se resumem no lugar do crime, tempo de sua duração e outros pormenores, são de extrema relevância, posto que a vítima estava no seu percurso para o trabalho, tendo sido atingida abruptamente, apesar de estar seguindo as normas de trânsito. A conduta da acusada de invadir a contramão em uma curva, desconsiderando a sinalização contínua e a segurança da via, potencializou o risco de uma colisão frontal, como de fato ocorreu. A imprudência em um trecho curvilíneo, onde a visibilidade pode ser reduzida, agrava ainda mais a reprovabilidade da conduta. As consequências do crime, que se resumem aos efeitos produzidos pela ação criminosa, o maior ou menor vulto do dano ou perigo de dano e o sentimento de insegurança trazido pela ação, refletem em reprovabilidade elevada, pois a conduta da acusada resultou na morte de Flavia Francisco da Silva, que era professora, esposa e mãe, causando um dano irreparável à família da vítima, que sofreu a perda de sua companheira e genitora. O impacto emocional foi tão profundo que o filho da vítima, que tinha três anos na época, desenvolveu "muita febre emocional" e necessitou de tratamento psicológico, revelando a extensão do sofrimento causado pela ação da ré. O comportamento da vítima em nada influiu para a ocorrência do evento danoso. Face às circunstâncias judiciais supramencionada e já analisadas, levando em consideração a preponderância das desfavoráveis, de forma proporcional no que estabeleço como necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime praticado à pena-base de 02 (quatro) anos e 06 (seis) meses de detenção. Na segunda fase, não há atenuantes ou agravantes, motivo pelo qual mantenho a pena intermediária em de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de detenção. Na terceira etapa, aplicável a causa de aumento prevista no inciso III do §1º do art. 302 da Lei n. 9.503/97, razão pela qual aumento a pena em (um terço), portanto, ficando a pena fixada definitivamente em 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de detenção. Aplicável ainda pelo mesmo tempo da pena, a suspensão/permissão de obter a habilitação, eis que também contido no preceito secundário do delito. A suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, conforme art. 293, § 1º, do CTB, será cumprida no juízo da execução penal. Fixo o regime de cumprimento de pena, o aberto, como determina o art. 33, § 2º, “c” do Código Penal. CABÍVEL a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a serem fixadas em audiência admonitória, observado o disposto no art. 312-A do Código de Trânsito Brasileiro. Condeno a ré ao pagamento de custas processuais. Após o trânsito em julgado, lancem o nome do réu no rol dos culpados, expeça-se Guia à Vara de Execução Penal, nos termos do Ato Normativo Conjunto n° 019/2022 e aguarde-se o cumprimento das penas impostas, arquivando-se os autos. Remeta-se cópia desta sentença para o Tribunal Regional Eleitoral do Estado onde o acusado esteja inscrito como eleitor, para os fins do art. 15, III, da Constituição da República. Publique-se. Registre-se e Intimem-se. Após o cumprimento de todas as diligências, certifique-se e arquivem-se. Bom Jesus do Norte - ES, 16 de junho de 2025. MARIA IZABEL PEREIRA DE AZEVEDO ALTOÉ JUÍZA DE DIREITO
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