Processo nº 0871734-80.2020.8.20.5001
ID: 326533482
Tribunal: TJRN
Órgão: 20ª Vara Cível da Comarca de Natal
Classe: REINTEGRAçãO / MANUTENçãO DE POSSE
Nº Processo: 0871734-80.2020.8.20.5001
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 20ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL Rua Dr. Lauro Pinto, 315, Fórum Des. Miguel Seabra Fagundes, 6º andar, Lagoa Nova, CEP 59.064-…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE JUÍZO DE DIREITO DA 20ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL Rua Dr. Lauro Pinto, 315, Fórum Des. Miguel Seabra Fagundes, 6º andar, Lagoa Nova, CEP 59.064-250, Natal/RN Telefone: (84) 3673-8511 e 3673-8516 / e-mail: 3secuniciv@tjrn.jus.br Processo nº 0871734-80.2020.8.20.5001 Classe: REINTEGRAÇÃO / MANUTENÇÃO DE POSSE (1707) Parte Autora/Requerente: LUCIA MARIA DE CASTRO MATSUOKA Advogado/a: MARILIA GABRIELA MOTA OLIVEIRA DUARTE - 87 Parte Ré/Requerida: ALEXANDRE MAGNO DA SILVA MATIAS Advogado/a: MAURICIO CARRILHO BARRETO FILHO - RN8759 S E N T E N Ç A I RELATÓRIO 1. LÚCIA MARIA DE CASTRO MATSUOKA (“Lúcia”, “autora/demandante”), já qualificada, por intermédio de advogado(a) regularmente constituído(a), ajuizou AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE contra ALEXANDRE MAGNO DA SILVA MATIAS (“Alexandre”, “réu/demandado”), também qualificado. 2. Alegou a parte autora ser proprietária do imóvel situado na Rua Aldo de Melo Freire, 1949, Capim Macio, Natal (RN), matriculado sob o n.º 2.396/3.ª C. R. I. (“bem/imóvel litigioso”). Acrescentou que, em 24/9/2020, descobriu que, em abril do mesmo ano, o bem litigioso fora invadido e passou a ser ocupado indevidamente pelo réu, o qual procedeu à alteração da responsabilidade tributária do IPTU na Secretaria Municipal de Tributação (SEMUT), em flagrante fraude. Requereu concessão de medida liminar consistente em reintegração de posse e expedição de Ofícios às concessionárias de serviço público com ordem de corte do fornecimento de água, energia elétrica e internet/telefonia; no mérito, julgamento de procedência que ratifique a tutela provisória e condene a parte demandada ao pagamento de indenização nos termos do tópico “IV – DA INDENIZAÇÃO (...)”, da peça exordial. 3. Juntou documentos. 4. Recebida a inicial, o Juízo designou audiência de justificação prévia (AJP) e determinou as comunicações de praxe. 5. O réu foi citado e intimado acerca da AJP. 6. A AJP foi realizada em 22/11/2021, cujo arquivo da gravação audiovisual foi anexado ao caderno eletrônico. 7. Em 3/2/2022, o Juízo indeferiu o pedido de concessão de liminar reintegratória. 8. Em 10/3/2022, o demandado ofereceu contestação, na qual suscitou preliminares e, em suma, argumentou que adquiriu o imóvel litigioso “ignorando o vício que obstaculizava a aquisição lícita da coisa (estando portanto de boa-fé), e realizou benfeitorias necessárias e úteis no bem (sendo dessa forma, titular do jus retentionis)” (grifos acrescidos; caixa alta do original suprimida). Requereu julgamento de improcedência dos pedidos iniciais; sua manutenção na posse; e, subsidiariamente, a condenação da ré ao pagamento de indenização pelas supostas benfeitorias por ele realizadas e o deferimento do direito de retenção. 9. Acostou documentos. 10. Em 19/10/2022, a demandante apresentou réplica à contestação, na qual redarguiu o exposto pelo réu e reiterou o expendido na vestibular. 11. O Agravo de Instrumento interposto pela autora contra a decisão que não concedeu a tutela provisória foi provido pela instância recursal, a qual deferiu ordem de reintegração de posse em favor da recorrente (ID 89575687, p. 2). 12. Os Embargos de Declaração opostos contra o Acórdão que proveu o instrumental não foram acolhidos (ID 91858233, p. 20). 13. Em 17/11/2022, a parte autora informou estar na posse do imóvel litigioso e requereu prazo para quantificar supostos danos. 14. Em 28/3/2023, o Juízo concedeu 15 dias de prazo à demandante para juntar documentação que entendesse pertinente. 15. Em 8/5/2023, o réu peticionou a fim de afirmar que tivera gastos com a reparação do imóvel litigioso e quitação do IPTU, no montante de R$ 192.253,67, pelo que requereu a restituição de tais valores. 16. Em 27/5/2023, a autora encartou documentação e pediu condenação do demandado ao pagamento de indenização por danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) — na ordem de R$ 171.078,39 —, e multa por litigância de má-fé. 17. O réu foi intimado para manifestação, mas quedou-se inerte. 18. O Juízo designou audiência de saneamento em cooperação com as partes. 19. Em 4/10/2023, aberta a referida audiência, consignou-se em ata que: “(...) o MM Juiz de Direito verificou que foi ajuizado novo feito pelo Réu de n. 0817958-63.2023 perante a 17ª Vara Cível. O advogado do réu alegou que não tinha conhecimento desse feito, bem como que não pediu extinção da ação de usucapião. Diante desse fato, o MM Juiz deixou de fixar os pontos controvertidos e intimou as partes para que indicassem os pontos controvertidos e meios de provas, bem como os efeitos do novo feito, no prazo de 10 dias (...)”. 20. Em 19/10/2023, o réu peticionou para defender a inexistência de litispendência ou conexão entre o presente feito e o supradito, em trâmite perante a 17.ª Vara Cível desta comarca, e pediu designação de audiência de instrução e julgamento (AIJ). 21. Em 20/10/2023, a demandante também atravessou petição, na qual afirmou, igualmente, inexistir conexão entre os indigitados feitos; alinhavou a fixação de pontos controvertidos e requereu julgamento antecipado da lide. 22. Em 12/4/2024, o Juízo proferiu decisório saneador, no qual rejeitou as preliminares suscitadas pela parte ré; fixou as questões fáticas, os meios de provas admitidos e a distribuição do ônus probatório; e, por fim, designou data para a AIJ. 23. Em 23/8/2024, o Juízo abriu a AIJ, ocasião em que colheu o depoimento pessoal das partes e ouviu três testemunhas arroladas, conforme arquivo da gravação audiovisual anexado ao caderno eletrônico. 24. Em 6/9/2024, ambas as partes juntaram alegações finais escritas reiterativas. 25. Vieram-me os autos conclusos para julgamento. 26. Era o que cabia relatar. Decido. II FUNDAMENTAÇÃO A Observações iniciais 27. As partes mencionaram no curso da demanda dois processos judiciais, tombados sob os números 0871215-08.2020.8.20.5001 (ação de usucapião ajuizada por Alexandre contra Lúcia e Paulo Matsuoka, referente ao imóvel litigioso) e 0817958-63.2023.8.20.5001(ação de procedimento comum cível proposta por Alexandre contra Pedro Monteiro da Silva, Clenúbia Lopes Sampaio, Luis Antonio Dantas Gadelha e José Everaldo de Souza). 28. Acerca da primeira, este Juízo julgou improcedente o pleito de declaração da operação da usucapião da propriedade e extinguiu o feito sem resolução de mérito no tocante ao pedido indenizatório formulado, por ausência de pressuposto processual (competência). O trânsito em julgado foi certificado. 29. Quanto à segunda, o Juízo da 17.ª Vara Cível desta comarca designou AIJ para 29/7/2025, cujo resumo processual repousa no ID 149642159 do aludido álbum eletrônico. B Reintegração de posse 30. Cuida-se de ação de reintegração de posse. 31. Para o Código Civil vigente (CC), possuidor é todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.196). 32. Nessa linha, o art. 1.210, caput, do CC, estabelece que o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. 33. Na seara processual, o remédio adequado para requerer proteção possessória contra esbulho (perda total e involuntária da posse) é a chamada ação de reintegração de posse. Para sagrar-se vencedor, o autor do referido interdito possessório deve, à luz do art. 561 do CPC, provar a sua posse (inciso I); o esbulho praticado pelo réu (inciso II); a data do esbulho (inciso III); e a perda da posse (inciso IV). 34. Na espécie, observo que melhor sorte assiste à parte autora, se não, vejamos. 35. Inicialmente, registre-se que, no sobredito feito n.º 0871215-08.2020.8.20.5001 (ação de usucapião), a alegada posse ad usucapionem de Alexandre sobre o imóvel ora sob litígio não foi demonstrada, porquanto ao autor falece o animus domini, ante o financiamento imobiliário pendente obtido com recursos advindos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). 36. Sob esse prisma, o demandado afirmou que adquiriu o imóvel litigioso de Pedro Monteiro da Silva (“Pedro”, “vendedor”), mediante celebração de contrato particular de compra e venda, cuja cópia foi coligida aos autos (ID 79521709), pelo preço de R$ 150.000,00. No ID 129218987 (p. 1-6), encartou cópias de comprovantes de pagamento, as quais foram apresentadas na ação indenizatória ajuizada perante a 17.ª Vara Cível desta comarca. 37. Nessa toada, estar-se-á diante da denominada venda a non domino, a saber, aquela “realizada por quem não detém a propriedade da coisa, mas é existente, válida e eficaz entre os contratantes, sendo apenas ineficaz em face do proprietário do bem” (grifos acrescidos — extraído do Voto condutor do REsp n.º 2.091.432/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3.ª T., j. 21/11/2023, DJe 23/11/2023). No caso concreto, o réu Alexandre pactuou compra e venda do bem litigioso com o vendedor Pedro, o qual não figura como proprietário da coisa. 38. Ocorre que o presente interdito possessório foi formulado pela titular registral Lúcia, conforme certidão de inteiro teor da matrícula imobiliária n.º 2396/3.ª C. R. I. (ID 63426373). Desse modo, referida venda a non domino não é oponível à autora, pois contra ela não produz efeitos, de maneira que a posse do demandando, por ser injusta, não é revestida de legitimidade e configura prática de esbulho. 39. Ressalte-se que os contornos da venda a non domino são corroborados pelo(a): a. Fato de o réu ter proposto ação de rescisão contratual c/c indenizatória contra Pedro e os alegados corretores imobiliários e representantes do vendedor (feito n.º 0817958-63.2023.8.20.5001), na qual requereu ao Juízo da Vara Cível não Especializada a rescisão do contrato e a condenação solidária dos réus ao pagamento de indenização a título de danos materiais (R$ 331.271,69) e morais (R$ 30.000,00); b. Resposta colhida no depoimento pessoal do demandado Alexandre, momento em que afirmou saber, à época, que Pedro tinha apenas a posse do imóvel litigioso, pois o então vendedor asseverara que fora empregado no imóvel e que os proprietários tinham “sumidos” há muitos anos, tendo zelado pela coisa nos últimos anos. A ciência expressa pelo réu de que o vendedor Pedro afirmara “ter apenas a posse” do bem litigioso afasta a sua tese de boa-fé veiculada na contestação. Aliás, causou espécie ao Juízo ouvir o demandado dizer que emitiu certidão imobiliária do bem sob debate e, mesmo assim, resolveu prosseguir com o negócio jurídico com pessoa não inscrita no fólio real (do imóvel sob discussão), visto que a matrícula n.º 2.396 mostra que o registro do “R.1” (referente à aquisição do imóvel pela autora Lúcia) foi efetuado pela Serventia em 1988 (enquanto o contrato de compra e venda subscrito pelo demandado foi datado no ano de 2020). 40. Destaco, por oportuno, ementas de alguns julgados sobre a temática (grifos acrescidos): APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. VENDA "A NON DOMINO". PRESENÇA DOS REQUISITOS CONSTANTES DO ARTIGO 561 E 562 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA MANTIDA. - Sendo o imóvel vendido por terceiro que não figurava como proprietário do imóvel, a posse da parte requerida, ora Apelante, oriunda de venda "a non domino" se afigurou injusta, devendo ser mantida a sentença que confirma a liminar de reintegração de posse concedida à apelada - A venda a non domino, ou seja, realizada por quem não era dono do imóvel não pode ser oposta à sua real proprietária, a qual foi reintegrada na posse do mesmo. (TJ-MG - AC: 10000190403204002 MG, Relator.: Luiz Carlos Gomes da Mata, Data de Julgamento: 19/08/2021, Câmaras Cíveis / 13ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 20/08/2021) Possessória – Reintegração de posse - Necessidade de estarem preenchidos os requisitos previstos no art. 561 do atual CPC para a caracterização do pedido como possessório - Demonstrado o exercício de posse anterior dos autores, assim como o esbulho praticado pelos réus – Alegado pelos réus que adquiriram o terreno disputado mediante instrumento particular de compra e venda ou de transferência de direitos possessórios firmado com terceiros – Venda efetuada por "non domino" que não produz eficácia, uma vez que o suposto vendedor não possui vínculo com o imóvel objeto do litígio – Legítimo o decreto de reintegração de posse do aludido imóvel. Possessória – Pretensão dos réus para que seja reconhecido direito à usucapião na ação de reintegração de posse – Descabimento – Réus que não comprovaram que detinham propriedade, nem posse prolongada sobre o terreno em questão – Hipótese, ademais, que, ainda que seja possível a alegação da prescrição aquisitiva como matéria de defesa, é impossível o seu reconhecimento na ação possessória – Necessidade de ação própria para a obtenção da declaração judicial da aquisição prescritiva da propriedade – Súmula 237 do STF - Sentença de procedência parcial da ação que há de persistir - Apelo dos réus desprovido. (TJ-SP - AC: 00034852320128260152 SP 0003485-23.2012.8.26.0152, Relator.: José Marcos Marrone, Data de Julgamento: 19/01/2021, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/01/2021) 41. Por seu turno, a posse anterior da demandante e a data do esbulho foram devidamente comprovados. 42. A autora, em seu depoimento pessoal, disse que: morou no imóvel litigioso de 1989 até 1991, durante a construção, e, novamente, de 1994 até 1996, após um período em que foi requisitada pela Presidência da República; nesse intervalo, o bem foi alugado a um amigo; posteriormente, o imóvel foi alugado para um pessoal italiano (contrato no ID 63426732), de 1996 até 2009; após a saída dos italianos, o imóvel ficou desocupado, o que levou seu marido a conversar com Marcos (v. testemunho abaixo); Marcos ia ao imóvel litigioso uma ou duas vezes por mês. 43. A testemunha Marcos, durante a AIJ, às perguntas, respondeu que: foi inquilino do imóvel de 2014 até 2020, aproximadamente, com contrato de locação registrado (v. instrumento de ID 63426378); em 2014, foi contratado, inicialmente, para limpar o bem litigioso; depois, os proprietários do imóvel sugeriram que ele o alugasse; preferiu não morar no bem em razão de seu tamanho; usou o local como base de trabalho para sua empresa de serviços de limpeza; seus colaboradores ocasionalmente lá dormiam e ele guardava materiais e equipamentos; providenciou a religação das contas de água e luz e a instalação de TV a cabo e internet; pagava o valor simbólico de R$ 200,00 a título de aluguel, acordado para diluir as despesas com as contas atrasadas e reparos; a última vez que tentou acessar o imóvel litigioso foi em janeiro/fevereiro de 2020, todavia não obteve êxito, pois o portão fora trocado. 44. A testemunha Katia, por sua vez, às perguntas, respondeu que: reside há 27 anos no imóvel vizinho ao bem litigioso; quando sua família se mudou para a vizinhança, o imóvel litigioso já estava desocupado; ela soube que o bem fora alugado para seu Amir, e, depois, para um italiano, com o último saindo por volta de 2013/2014; antes de Alexandre chegar ao bem litigioso, viu um homem arrumando o imóvel. 45. Dessa feita, à luz do acervo probatório anexado aos autos, concluo que a demandante, inicialmente, exerceu posse direta sobre o imóvel litigioso, a qual se tornou indireta quando iniciou a locação da coisa. Seguidamente ao fim dos negócios locatícios, ao contratar terceiro para fazer as vezes de detentor sob suas ordens, continuou a exercer poder sobre o bem ora discutido, até que sobreveio o esbulho praticado pelo demandado, o qual invadiu o imóvel, embora soubesse de antemão que o vendedor não era o titular registral da coisa. 46. À guisa de reforço, note-se que, ao tempo do julgamento do Agravo de Instrumento interposto contra a decisão não concessiva de liminar reintegratória, o Voto condutor do Acórdão pontuou, baseado em conjunto probatório ainda limitado, típico da fase processual introdutória, que (...) a requerente comprovou exercer a posse do imóvel indiretamente, pois não obstante residir em Brasília, deixou um terceiro cuidando do imóvel, o Sr. Marcos Luiz de Sousa inicialmente como locatário formalmente contratando, e depois mediante mera permissão, que permaneceu cuidando do imóvel, até ser impedido de ter acesso, quando as chaves do portão foram mudadas, consoante trechos do depoimento de mencionada pessoa (...). (...) Consta também nos autos que a agravante pagou IPTU do imóvel nos meses de abril a outubro de 2020, de acordo com os comprovantes (...), e entrou em contato com a funcionária da prefeitura e das concessionárias de serviço público, e fez reclamações quando constatou que houve a mudança da titularidade, sem seu consentimento (...). Estas atitudes ratificam que não houve abandono do bem pela autora, e que a posse estava sendo exercida, ainda que o detentor não cuidasse muito bem da casa, pois a estava utilizando como depósito, com conhecimento do cônjuge da proprietária, com todos os acessos devidamente vedados, até que ele (detentor) não pode mais adentrar, em face da mudança das chaves. (...) Por outro lado, destaco restar demonstrado, em juízo de cognição sumária, que o recorrido invadiu deliberadamente a residência de forma clandestina, pois arrombou os portões da residência, eis que o detentor não pode mais adentrar com as chaves que possuía. (...) (grifos acrescidos — ID 89575687, p. 4-9) 47. Tais conclusões foram confirmadas após a formação do juízo de cognição exauriente. 48. Assim, a ratificação da tutela provisória de reintegração de posse, ante o preenchimento dos requisitos do art. 561 do CPC, é medida de rigor. C Pedidos indenizatórios autorais 1 Lucros cessantes 49. A autora requereu, em síntese, a condenação da parte ré ao pagamento de indenização a título de lucros cessantes (CPC, art. 555), ou seja, por tudo aquilo que deixou de lucrar com a posse da coisa — o que seria materializado, em tese, com o pagamento de aluguéis (frutos civis). 50. Pois bem, fixado o direito à reintegração de posse acima, a indenização requerida encontra respaldo no ordenamento jurídico vigente, pois representa desdobramento da proteção possessória ora albergada, visando, ainda, impedir o enriquecimento ilícito da parte que praticou ato de esbulho. 51. Como regra geral para o cálculo do montante indenizatório de lucros cessantes, é razoável arbitrar o percentual de 0,5% (zero vírgula cinco por cento) do valor de avaliação ou de compra do imóvel no ano do ajuizamento da demanda (quantia esta encontrada na ficha do imóvel da SEMUT), o qual será multiplicado pela quantidade de meses de ocupação indevida. Tal equação pode ser assim exposta: (valor do imóvel x 0,005) x quantidade de meses de ocupação indevida = montante indenizatório. Precedentes (TJRN: Apl. n.º 20180050282, Rel. Des. Virgílio Macêdo Jr., 2ª Câmara Cível, j. 13/11/2018; Apl. 20170148168, Rel. Des. Cláudio Santos, 1ª Câmara Cível, j. 31/1/2019; Apl. n.º 20160167529, Rel. Des. Amílcar Maia, 3ª Câmara Cível, j. 12/11/2019). 52. No caso concreto, tomo como termo inicial a data de 23/4/2020, indicada pela parte demandante como a de efetivo ingresso do demandado no imóvel litigioso. Realço que o réu afirmou durante a AIJ que entrou na residência em abril de 2020. Ademais, o contrato de compra e venda pactuado entre o demandado e Pedro foi datado em 23/4/2020. Saliento, por necessário, que a fixação de tal marco temporal está consubstanciada na afirmação do réu de que tinha ciência, à época do ajuste contratual, de que Pedro não era o titular registral da coisa. Dessa maneira, mover o termo inicial para momento posterior àquela data premiaria a conduta ilícita do esbulho praticado. 53. Quanto ao termo final é a data da efetiva reintegração de posse. 54. Sublinho que, no cálculo da quantia devida, será utilizado como base de cálculo (sobre a qual se multiplicará o percentual de 0,5%) o valor encontrado no campo “Base Cálculo IPTU Normal” do bem litigioso, no ano de 2020, qual seja, R$ 443.792,63 (ID 90524851, p. 1). 55. A operação aritmética que resultará no montante indenizatório será realizada em fase de cumprimento de Sentença, o qual não poderá ultrapassar os valores apontados na petição inicial, em respeito ao princípio da adstrição. 2 Danos emergentes 56. A parte demandante requereu, ainda, o pagamento de indenização por danos materiais emergentes (CC, art. 402 — o que efetivamente perdeu), ao argumento de que o réu “(...) abandonou o imóvel sem portões, portas e janelas, cubas, pias, aparelhos sanitários, fiação, restando apenas e tão somente a parte de alvenaria da residência” (grifos acrescidos — ID 100904727, p. 1). Estipulou, como montante, a quantia de R$ 98.578,39 (exclui-se o valor de “ocupação indevida” da tabela imersa na prefalada petição), a qual engloba o orçamento de portas, janelas, “reforma mínima” e gastos efetuados com a troca de portão, contratação de vigia e eletricista, além da compra de material elétrico. 57. No entanto, a prova testemunhal colhida apontou que o imóvel, mesmo durante o período em que o inquilino/detentor Marcos estava na posse direta do bem, sempre teve problemas estruturais em grande parte de sua área. Aliás, o próprio Marcos revelou em seu testemunho que: apenas utilizava a parte da frente do imóvel, o qual era suficiente para ele; a parte posterior do bem tinha estrutura deficitária; não realizou reforma em todo o bem. Já a testemunha Katia relatou que, há muitos anos, carroceiros invadiram o imóvel litigioso a fim de furtá-lo e deteriorá-lo. 58. Por conseguinte, conquanto a autora tenha anexado ata notarial de constatação do estado estrutural do imóvel após a saída do réu do bem, não se desincumbiu de seu ônus probatório (CPC, art. 373, I) de demonstrar cabalmente como era o interior do imóvel antes do esbulho, no intuito de dar ao Juízo elementos de comparação. Sob esse enfoque, não é possível olvidar que o demandado realizou extensa reforma no bem litigioso, a qual, inclusive, é objeto de pedido indenizatório em ação movida perante Vara Cível não Especializada, cuja realização foi ratificada pela testemunha Adriano. 59. Logo, à míngua de provas de “antes e depois” para fins de comparação do estado estrutural do imóvel litigioso, entendo que o pedido indenizatório em tela não merece guarida. Enfatizo, também, que condenar o réu pela retirada de portas e janelas por ele adquiridas e instaladas seria recompensar a desídia da parte autora em relação à falta de cuidados imobiliários básicos. Estendo o mesmo raciocínio à denominada “reforma mínima”. 60. Quanto ao portão, as fotos juntadas pela própria demandante revelam que há um na entrada do imóvel litigioso. No atinente à parte elétrica, reitero o fundamento da ausência de elementos probatórios de comparação, acima delineado. Sobre a contratação de vigia, a parte demandante está apenas fazendo o esperado daquele que dá função social à propriedade. 61. Em arremate, a improcedência de tais pleitos indenizatórios é medida que se impõe. D Pedido contraposto 62. O réu formulou pedido subsidiário contraposto de indenização e retenção pelas benfeitorias alegadamente realizadas. 63. Entretanto, tratando-se de venda a non domino, o negócio jurídico é ineficaz em relação à proprietária, ora autora, de maneira que o retorno ao estado de coisas anterior demanda que todos os eventuais prejuízos patrimoniais sofridos pelo demandado/comprador sejam conduzidos por meio de ação própria ajuizada contra o vendedor — como já o fez o réu no feito que tramita perante a 17.ª Vara Cível da comarca de Natal. 64. Logo, há ilegitimidade da cobrança de tais valores em face da ora autora e ausência de interesse processual, pois a presente via processual é inadequada para tanto. 65. De rigor, então, a extinção do pleito, nesse ponto, sem resolução de mérito. E Litigância de má-fé 66. A autora pediu, na petição em que aventou supostos prejuízos sofridos pela deterioração do imóvel litigioso provocada pelo réu, a condenação do demandado ao pagamento de multa por litigância de má-fé, “uma vez que (...) se mostrou desleal mediante diversas condutas ardilosas e dotadas de má-fé” (grifos acrescidos — ID 100904727, p. 3). 67. Contudo, não vislumbro a prática de tais condutas, pelo que não se desincumbiu a parte demandante de seu ônus probatório. Faço remissão à fundamentação do subtópico “(2) Danos emergentes”, acima, no qual foram afastados os pleitos indenizatórios de tal natureza. 68. INDEFIRO, portanto, o requerimento sob comento. III DISPOSITIVO 69. ISSO POSTO, com arrimo nos fundamentos aqui contidos e por tudo mais que dos autos consta, lanço a presente Sentença para: a. JULGAR PROCEDENTE o pedido autoral de reintegração de posse e, neste ponto, EXTINGUIR o feito com resolução de mérito (CPC, art. 487, I); b. JULGAR PROCEDENTE o pedido autoral indenizatório a título de lucros cessantes, nos moldes do fundamentado no subtópico “(1) Lucros cessantes” deste decisum, e, neste ponto, EXTINGUIR o feito com resolução de mérito (CPC, art. 487, I). Incidirão juros e correção monetária sobre o montante indenizatório (aplique-se o índice regulamentado pela Lei n.º 14.905/2024; os juros serão contados da citação (CC, art. 405); a correção monetária, de cada mês ou fração devidos (CC, art. 398)); c. JULGAR IMPROCEDENTE o pedido autoral indenizatório a título de danos emergentes e, neste ponto, EXTINGUIR o feito com resolução de mérito (CPC, art. 487, I); d. EXTINGUIR sem resolução de mérito o feito no concernente ao pedido contraposto do réu, por ausência de legitimidade e interesse processual (CPC, art. 485, VI); e. INDEFERIR o pedido autoral de condenação do demandado ao pagamento de multa por litigância de má-fé; f. CONDENAR ambas as partes ao pagamento das custas judiciais e de honorários advocatícios (CPC, art. 86, caput), os quais arbitro na ordem de 10% sobre o valor da condenação, na proporção de 25% para a autora e 75% para o réu, cuja exigibilidade, em cada caso, fica suspensa na hipótese de deferimento anterior do benefício da gratuidade judiciária. 70. A oposição de Embargos de Declaração manifestamente protelatórios ensejará a aplicação da multa prevista na legislação processual vigente. 71. Se interposta Apelação, INTIME-SE o(a) Apelado(a) para, em quinze dias, contrarrazoar. Em caso de interposição de recurso adesivo, a Secretaria Judiciária proceda de idêntica forma. Em seguida, REMETAM-SE os autos para a instância recursal. 72. Certificado o trânsito em julgado, ARQUIVEM-SE os autos, com as cautelas de estilo. 73. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Natal, na data da assinatura eletrônica. LUIS FELIPE LÜCK MARROQUIM Juiz de Direito \RM
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