Processo nº 1002659-20.2021.4.01.3506
ID: 306097303
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1002659-20.2021.4.01.3506
Data de Disponibilização:
24/06/2025
Polo Ativo:
ANILCE DE PAULA SOUSA CORDEIRO
AVANI BATISTA CORDEIRO
DORALICE DE PAULA E SOUZA SANTOS
ESPÓLIO DE ALENIR DOS SANTOS BARBOSA
ESPÓLIO DE ALENIR DOS SANTOS BARBOSA REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO ALENIR DOS SANTOS BARBOSA
JOANA DE PAULA MARTINS
JOAQUIM MARTINS SANTOS
JUVELAN DE PAULA E SOUZA
LINDAURA MARIA AZEVEDO JACUNDA DE PAULA
MARY DE FATIMA FERREIRA DE PAULA
PACIFICO DE PAULA E SOUSA
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO MARCOS FERREIRA
OAB/GO XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1002659-20.2021.4.01.3506 PROCESSO REFERÊNCIA: 1002659-20.2021.4.01.3506 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JUVELAN DE PAULA E S…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1002659-20.2021.4.01.3506 PROCESSO REFERÊNCIA: 1002659-20.2021.4.01.3506 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: JUVELAN DE PAULA E SOUZA e outros REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ANTONIO MARCOS FERREIRA - GO2242-A POLO PASSIVO:INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA e outros RELATOR(A):CESAR CINTRA JATAHY FONSECA PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1002659-20.2021.4.01.3506 PROCESSO REFERÊNCIA: 1002659-20.2021.4.01.3506 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (RELATOR): Trata-se de Apelação interposta por Juvenal de Paula Sousa e Outros (fls. 325/345 – ID 421955167 – pág. 1-21) contra a sentença (fls. 282/293 – ID 421955152 – pág. 1-12), proferida pelo Juízo Federal da Subseção Judiciária de Formosa/GO, que julgou improcedente o pedido formulado na ação declaratória de nulidade de ato administrativo, consistente no Decreto de 20 de novembro de 2009, publicado no DOU em 23 de novembro de 2009, que declarou de interesse social, para fins de desapropriação, imóveis abrangidos pelo Território Quilombola Kalunga. Inconformados, os autores sustentam, em sua apelação, que a sentença deixou de analisar os argumentos legais apresentados, baseando-se em fundamentos sociológicos e genéricos, alheios ao objeto da demanda. Reitera que a inércia do Poder Público não pode penalizar o particular, nem justificar a manutenção de um decreto expropriatório inócuo e caducado, que não gerou qualquer efeito concreto e que, na prática, retira-lhe a posse e disponibilidade do imóvel. Alegam que apesar de decorridos mais de 14 (quatorze) longos anos, o Poder Público, autor do ato de desapropriação, não tomou nenhuma providência no sentido de dar início aos atos peculiares a este mister, deixando transcorrer in albis o prazo de caducidade de dois anos conforme preceitua o art. 3º da Lei 4.132/1962. Aduzem que, decorrido o prazo para a desapropriação, sem a propositura da respectiva ação ou qualquer outra medida concreta, impõe-se o reconhecimento da nulidade do decreto, sob pena de grave violação ao direito de propriedade e à segurança jurídica dos proprietários legítimos dos imóveis, com especial referência à Fazenda Bonito, que estaria regularmente registrada no CRI de Cavalcante e nunca teria sido objeto de desapropriação formal. Afirmam, ainda, que o cumprimento do art. 68 do ADCT deve ser precedido de desapropriação formal, regular e indenizatória, conforme estabelecido pelo Decreto nº 4.887/2003, e que a manutenção do decreto sem execução equivale a um esbulho judicial. Ressaltam que, ao contrário do que entende a v. sentença, o pedido de anular o ato declaratório de desapropriação em nada prejudicará a concretização da titulação das terras aos Quilombolas, e que para o Poder Público poder cumprir o disposto no art. 68 da ADCT deverá promover uma Ação de Desapropriação, com o cumprimento de todos os requisitos necessários. Defendem a redução dos honorários advocatícios, ao argumento de que no âmbito do STJ há entendimento de que, ainda que os honorários sejam arbitrados dentro dos percentuais fixados em lei, é possível a redução dos seus valores quando fora dos padrões da razoabilidade, destacando que atribuíram à causa o valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil). No entanto o juízo a quo entendeu pela retificação do valor, determinando ao final que o valor da causa fosse fixado em R$ 4.379.000,00 (quatro milhões, trezentos e setenta e nove mil reais), o que seria, em tese, o proveito econômico, sendo que até os requeridos, ora apelados, se opuseram ao valor considerado pelo Juízo, indicando que o valor correto seria o montante de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). E acrescenta: “A causa não teve maiores complexidades, pois não houve instrução probatória (as partes entenderem pelo julgamento antecipado da lide), realização de audiências e nenhum ato gerou a necessidade de possíveis deslocamentos dos patronos, ou seja, a tramitação ocorreu da forma mais suscinta possível, não havendo nada que justifique a condenação a uma verba sucumbencial exorbitante. Aplicar o percentual de 12% (doze por cento), sobre uma causa de baixa complexidade e que possui o valor da causa de R$4.379.000,00 (quatro milhões, trezentos e setenta e nova mil reais) se mostra totalmente desarrazoado. Em casos extremos, como o caso “sub judice”, em que ocorre flagrante violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, poderá haver correção da má aplicação dos critérios pré-estabelecidos na legislação processual, a fim de evitar o enriquecimento sem causa do advogado e restabelecer um equilíbrio de natureza financeira, que deve ser justo, tanto quanto possível, entre a parte vencida e a remuneração do patrono.” (ID 421955167 – pág. 19) Assevera, por fim, não ser razoável o arbitramento da verba honorária em percentual sobre o valor da causa, sob pena de violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, acarretando, ainda, o enriquecimento sem causa do patrono, em detrimento da parte vencida na demanda. Ao final, requerem: “Assim, em virtude do exposto, os Apelantes requerem que o presente recurso de apelação seja conhecido e, quando de seu julgamento, seja totalmente provido para reformar a sentença recorrida, no sentido de acolher o pedido inicial dos Apelantes. Ademais, seja provido o presente recurso, a fim de conceder aos Apelantes a justiça gratuita e, não sendo este o entendimento, seja reduzido o percentual da verba honorária, nos termos expostos, a fim de que assim se efetive a verdadeira prestação jurisdicional. Nestes termos, pedem deferimento. De Campos Belos para Brasília, 13 de maio de 2024.” (ID 421955167 – pág. 21) Contrarrazões apresentadas pela Fundação Cultural Palmares – FCP e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA (ID 421955172 – pág. 1-2). Nesta instância (ID 422325286 – pág. 1-9), o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Procurador Regional da República Francisco Guilherme Vollstedt Bastos, opinou pelo não provimento do recurso de apelação. É o relatório. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1002659-20.2021.4.01.3506 PROCESSO REFERÊNCIA: 1002659-20.2021.4.01.3506 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY (RELATOR): Inicialmente, defiro o pedido de gratuidade de justiça formulado pelos autores, ora apelantes, a teor do art. 99, § 3º, do CPC. Considerando estarem preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação. Eis a fundamentação da sentença, no que relevante, para julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade do decreto presidencial que declarou de interesse social para fins e desapropriação de imóveis abrangidos pelo Território Quilombola Kalumga: “Cinge-se a controvérsia na possibilidade de aplicação do prazo decadencial de 02 (dois) anos, previsto no art. 3º, da Lei nº 4.132/62, à desapropriação que visa a transmissão da titularidade de terras pertencentes à comunidade quilombola. No pertinente, o art. 68 do ADCT dispõe que "aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos". Registre-se que o referido art. 68 do ADCT objetiva preservar a identidade étnica e cultural dos quilombolas e, a toda evidência, a garantia da terra para os remanescentes de quilombos é pressuposto necessário para a garantia da sua própria identidade. Da inteligência do referido dispositivo, depreende-se que a propriedade das terras ocupadas por remanescentes quilombolas foi constitucionalmente reconhecida, sendo a transferência da respectiva titularidade dever do Estado, e não uma faculdade. Trata-se, pois, de obrigação constitucional, a qual não possui previsão de limite temporal para cumprimento e, portanto, não se esvai com o decurso do tempo. Em assim sendo, a desapropriação que visa à emissão de títulos de propriedade para comunidade quilombola não constitui ato discricionário da Administração Pública, mas elemento essencial à regularização de propriedade cujo direito subjetivo provém da própria Carta Magna, sendo inaplicável à espécie o prazo bienal de decadência previsto no art. 3º, da Lei nº 4.132/62. Em casos análogos, o entendimento dos Tribunais Regionais Federais da 3ª e da 5ª Região é no mesmo sentido pela inaplicabilidade do instituto da decadência...(...) (ID 421955152 – pág. 5) (...) Necessário pontuar que, embora a existam de julgados anteriores nesta SSJ de Formosa/GO pelo reconhecimento da decadência do Decreto Presidencial de 20 de novembro de 2009 em feitos expropriatórios, bem como a existência de alguns julgados do TRF da Primeira Região no sentido de que deve ser observado o prazo de 2 anos para ser intentada a ação de desapropriação nos termos do art. 3º da Lei nº 4.132/62 (AC 1002762-18.2021.4.01.3315, AC 10040831420184013600), tal entendimento merece ser contextualizado no presente caso, até mesmo porque as sentenças anteriores nem sequer são de minha autoria. Entendo que, como informado pelo INCRA em sua contestação, cerca de 42 mil hectares já foram titulados ou concedidos para os Kalungas, decorrentes de ações de desapropriação, não sendo acertada uma declaração judicial de nulidade do citado decreto em relação a todos os imóveis abrangidos pelo Território Quilombola Kalunga, conforme requer a parte demandante. E mais, como dito acima, não se trata aqui de desapropriação comum, mas, sim, de terras abrangidas pelo art. 68 do ADCT, com regramento próprio e contornos bastante específicos. Ademais, existe nesse conflito uma questão muito maior que a mera formalidade temporal de um decreto. Há um ponto de segurança jurídica que merece ser ressaltado. Mesmo que esse decreto seja declarado caduco, fato é que o conflito não acabará, uma vez que não se trata simples interesse social, como quer se fazer crer, mas, sim, de tema tratado expressamente pelo Constituinte originário. Ou seja, por mais que eu me esforce, não há como fazer uma interpretação "às avessas": usar normas infraconstitucionais em confronto com o texto originário da CF/88. Ou seja, dar guarida ao pleito inicial é o mesmo que criar, ou fomentar ainda mais, a insegurança jurídica que gira em torno deste conflito fundiário dos autos. Não preciso me alongar para dizer que segurança jurídica também é princípio constitucional, como é notório e dispensa outras delongas. Por essas razões, deve ser o pedido de declaração de nulidade do Decreto de 20 de novembro de 2009, publicado no DOU de 23 de novembro de 2009 (ID 703476483), deve ser julgado improcedente. Tal ato apenas reiterou (algo que, na verdade, já vem do texto constitucional originário) um interesse social de contorno bastante peculiar.” (ID 421955152 – pág. 11) Examino o recurso. Cuida-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente a ação declaratória de nulidade de ato administrativo, por meio da qual os autores buscavam a invalidação de decreto presidencial de desapropriação que incide sobre terras por eles ocupadas, integrantes do denominado Território Quilombola Kalunga, A insurgência recursal repousa essencialmente na alegação de que o decreto expropriatório, datado de 20 de novembro de 2009, teria perdido sua eficácia em razão do decurso do prazo bienal previsto no art. 3º da Lei nº 4.132/1962, sem que tenha havido a propositura da competente ação judicial de desapropriação. Sustentam os apelantes que o referido decreto encontra-se caducado, devendo ser declarado nulo judicialmente. Com razão parcial os apelantes ao apontar que, de fato, o decurso do prazo de dois anos previsto na legislação específica acarreta a caducidade do decreto expropriatório, o que impossibilita a deflagração, a partir daquele ato, de eventual ação de desapropriação. Tal entendimento encontra amparo consolidado na jurisprudência pátria, que exige o respeito aos prazos legais como condição de validade dos atos administrativos que restringem direitos fundamentais, como o direito de propriedade. De fato, conquanto se reconheça a especial proteção constitucional conferida às comunidades quilombolas, nos termos do art. 68 do ADCT, tal disposição não tem o condão de afastar a incidência das normas legais que regem o procedimento expropriatório, especialmente quanto à sua eficácia temporal. A jurisprudência desta Corte Regional e do colendo Superior Tribunal de Justiça têm entendimento de que o prazo de decadência para o ajuizamento da ação de desapropriação por interesse social é de 02 (dois) anos, nos termos do art. 3º da Lei 4.132/1962, a contar da edição do ato expropriatório. Nesse sentido, trato à colação os seguintes julgados desta Corte Regional e do STJ: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. COMUNIDADE QUILOMBOLA. DECRETO EXPROPRIATÓRIO. CADUCIDADE. PRAZO DE 2 (DOIS) ANOS. ART. 3º DA LEI N. 4.132/62. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA contra sentença que, em ação de desapropriação por interesse social, extinguiu o processo nos termos do art. 487, II, do CPC, fundamentando-se na decadência do direito em razão da caducidade do decreto expropriatório. 2. Nos termos do art. 3º da Lei n. 4.132/62, o expropriante tem o prazo de 2 (dois) anos, a partir da decretação da desapropriação por interesse social, para efetivar a aludida desapropriação e iniciar as providências de aproveitamento do bem expropriado. 3. É igualmente assente na jurisprudência que o expropriante possui o prazo de dois anos, contados da edição do ato expropriatório, para ajuizar a ação desapropriatória, bem como adotar medidas de aproveitamento do bem expropriado, nos termos do art. 3º da Lei 4.132/1962, sob pena de caducidade do decreto expropriatório e da consequente inviabilidade do feito. (STJ, 2ª Turma, RESP 1644976/DF, Ministro Herman Benjamin, DJe 09/10/2017). Ainda nesse sentido: AREsp 1672078, Ministro Francisco Falcão, publicada em 01/03/2023, AC 1002762-18.2021.4.01.3315, Desembargador Federal Wilson Alves de Souza, Terceira Turma, PJe 27/09/2022. 4. No caso em apreço, o Decreto que declarou de interesse social para fins de desapropriação a área objeto da ação foi publicado no Diário Oficial da União do dia 16.12.2010 (Id n. 365554659), mas o INCRA somente ajuizou apresente demanda em 12.04.2021. Por conseguinte, operou-se a caducidade do decreto expropriatório, não havendo se falar em inaplicabilidade do prazo decadencial do art. 3º da Lei n. 4.132/62 à ação de desapropriação ajuizada com fundamento no Decreto n. 4.887/2003, que regula o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titularização das terras ocupadas por remanescentes de comunidades quilombolas, porquanto se enquadra na definição de fim social previsto no art. 2º, III, da norma legal. 5. Apelação a que se nega provimento. (TRF1-AC 1001818-34.2021.4.01.3309, Relatora Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa, Décima Turma, PJe 04/03/2024) ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. COMUNIDADES QUILOMBOLA. DECRETO EXPROPRIATÓRIO. DECADÊNCIA. PRAZO BIENAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. HONORÁRIOS RECURSAIS. 1. O expropriante tem o prazo de 2 (dois) anos, a partir da decretação da desapropriação por interesse social, para efetivar a aludida desapropriação e iniciar as providências de aproveitamento do bem expropriado (Lei 4.132/62 art. 3º), preceito que (também) se aplica às desapropriações destinadas à regularização do território de comunidades quilombolas. 2. Honorários recursais arbitrados em 6% (seis por cento), por força dos § 11, do art. 85, do CPC. 3. Desprovimento da apelação. (TRF1-AC 1002534-23.2019.4.01.3506, Relator Desembargador Federal Olindo Menezes, Relator Convocado Juiz Federal Saulo José Casali Bahia, Quarta Turma, PJe 14/06/2022) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. IMÓVEL SITUADO EM UNIDADE DE CONSERVAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO IBAMA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ART. 3º, DA LEI Nº 4.132/62. DECADÊNCIA CONFIGURADA. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS. (...) 2. Não merece ser acolhida a alegada prejudicial de prescrição, tendo em vista que a presente ação veicula unicamente pedido de declaração da caducidade do decreto que criou a Estação Ecológica Serra Geral do Tocantins, não havendo qualquer pretensão de cunho indenizatório. 3. O expropriante tem o prazo decadencial de dois anos, contados da edição do decreto expropriatório, para ajuizar ação de desapropriação por interesse social, nos termos do art. 3º da Lei 4.132/62. 2. Eventual omissão do administrador não enseja a extinção da unidade de conservação, mas somente a caducidade da declaração de interesse social para fins expropriatórios dos imóveis que ainda se acham titulados em favor de particulares. (Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes, Rel. conv. Juiz Federal Alexandre Buck Medrado Sampaio, Quarta Turma, e-DJF1 11/02/2016, p. 664). 4. Precedentes: STJ, REsp 1644976/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2017, DJe 09/10/2017; TRF1, AC 0005934-48.2008.4.01.3700, JUIZ FEDERAL LEÃO APARECIDO ALVES (CONV.), TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 19/10/2018; AC 0005791-80.2013.4.01.3701, DESEMBARGADORA FEDERAL MONICA SIFUENTES, TRF1 - TERCEIRA TURMA, e-DJF1 29/09/2017. 5. Apelação e remessa necessária desprovidas. (TRF1 – AC 0001086-30.2017.4.01.3303, Relatora Desembargadora Federal Mônica Sifuentes, Terceira Turma, PJe 18/08/2021) RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO. PUBLICAÇÃO ANTERIOR À VIGÊNCIA DO CPC/2015. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973 NÃO CONFIGURADA. DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA (ÁREA QUILOMBOLA). CADUCIDADE DO DECRETO EXPROPRIATÓRIO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 3º DA LEI 4.132/1962. 1. O Recurso Especial impugna acórdão publicado na vigência do CPC de 1973, sendo exigidos, pois, os requisitos de admissibilidade na forma prevista naquele código de ritos, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme o Enunciado Administrativo 2, aprovado pelo Plenário do Superior Tribunal de Justiça em 9.3.2016. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC/1973. 3. No tocante à alegada violação ao art. 3º da Lei 4.132/1962, dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o expropriante possui o prazo de dois anos, contados da edição do ato expropriatório, para ajuizar a ação desapropriatória, bem como adotar medidas de aproveitamento do bem expropriado, nos termos do art. 3º da Lei 4.132/1962, sob pena de caducidade do decreto expropriatório e da consequente inviabilidade do feito. 4. Recurso Especial não provido. (REsp 1644976/DF, Relaor Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 09/10/2017) (grifei) Contudo, há um distinguishing relevante que impede o acolhimento do pedido de nulidade ampla e irrestrita do decreto, como formulado na presente ação. O Decreto Presidencial de 2009 abrange uma extensa área territorial — cerca de 261.999 hectares — envolvendo inúmeros imóveis, não se limitando às terras objeto de posse ou propriedade dos autores (775 alqueires goianos devidamente registrado). Ademais, conforme bem consignado na sentença e confirmado pelas informações prestadas pelo INCRA, cerca de 42 mil hectares já foram regularmente titulados ou concedidos à comunidade quilombola Kalunga, com base no mesmo decreto ora impugnado. Assim, a eventual declaração judicial de nulidade do ato expropriatório afetaria, de forma ampla e indevida, os efeitos já consolidados do decreto em relação a terceiros — o que não se coaduna com os princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da proteção dos interesses coletivos das comunidades remanescentes de quilombo. Importante frisar que a caducidade do decreto, nos termos da Lei nº 4.132/1962, não implica sua nulidade absoluta, mas apenas impede que venha a produzir efeitos futuros quanto à propositura de novas ações expropriatórias com base naquele ato. Isso não obsta, todavia, que os autores permaneçam na posse ou titularidade dos imóveis em questão, salvo se houver nova declaração de interesse social e a devida indenização, conforme determina a Constituição Federal. Por fim, ressalta-se que o direito das comunidades quilombolas ao reconhecimento de suas terras tradicionais continua protegido pelo art. 68 do ADCT, e a sua concretização não se confunde com a eficácia processual do decreto expropriatório que ora se discute. Diante desse contexto, não se mostra razoável, neste momento processual, acolher o pedido de declaração de nulidade do decreto em sua integralidade, pois tal medida teria efeitos abrangentes e desproporcionais, atingindo situações jurídicas já consolidadas. Dos honorários advocatícios A sentença fixou os honorários advocatícios em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa de R$ 4.379.000,00 (quatro milhões, trezentos e setenta e nove mil reais). Sustentam os apelantes que a causa não exigiu instrução probatória, tampouco realização de audiências ou deslocamentos dos patronos, tendo sido julgada antecipadamente. Alegam, ainda, que o valor atribuído inicialmente à causa foi de R$ 50.000,00, sendo posteriormente majorado pelo juízo a quo para R$ 4.379.000,00, com base em estimativa de proveito econômico, mesmo diante da oposição dos próprios réus, que indicaram valor inferior (R$ 40.000,00). Defendem redução dos honorários advocatícios, ao argumento de que no âmbito do STJ há entendimento de que, ainda que os honorários sejam arbitrados dentro dos percentuais fixados em lei, é possível a redução dos seus valores quando fora dos padrões da razoabilidade, não havendo justificativa para a condenação a uma verba exorbitante, o que se mostra desarrazoada. Com efeito, a fixação da verba honorária de sucumbência deve observar, além dos percentuais previstos no art. 85, §2º, do CPC/2015, os critérios estabelecidos no caput do mesmo dispositivo, quais sejam: o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Quanto os critérios utilizados para a fixação dos honorários de sucumbência, o colendo Superior Tribunal de Justiça, atendendo à nova regulamentação prevista no novo CPC, ao interpretar o disposto no art. 85, §§ 2º e 8º, do CPC, firmou entendimento de que os honorários advocatícios sucumbenciais devem ser estabelecidos segundo “a seguinte ordem de preferência: (I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art, 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser por apreciação equitativa (art. 85 § 8º)” (REsp 1.746.072/PR, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Relator para acórdão Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, DJe 29/3/2019). A Corte infraconstitucional tem ainda entendimento de que a norma regulamentadora dos honorários advocatícios, no novo CPC, admite interpretação teleológica e sistemática, especialmente para atingir os postulados constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, cuja positivação encontra-se hoje no âmbito do direito instrumental, conforme dispõe o art. 8º do CPC. (AgInt nos Edcl no REsp 1.870.490/RS, Relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 11/12/2020). No caso concreto, a causa tramitou de forma simples e célere, sem necessidade de dilação probatória, sendo julgada antecipadamente. Não há registros de complexidade jurídica relevante, tampouco de atuação que exigisse dedicação extraordinária dos patronos da parte vencedora. O valor elevado atribuído à causa — R$ 4.379.000,00 — decorreu de entendimento do juízo a quo, com base em cálculo estimado de proveito econômico, mas que, como se vê, não reflete a real controvérsia entre as partes, sobretudo diante da ausência de qualquer pedido de valor pecuniário dessa magnitude. Dessa forma, a manutenção da verba honorária nos termos fixados em primeiro grau (12% sobre R$ 4.379.000,00) acarretaria resultado manifestamente desproporcional, conduzindo a situação de enriquecimento indevido, o que deve ser corrigido por este Tribunal, considerando a natureza da causa, a ausência de complexidade, a forma de tramitação e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, Ante o exposto dou parcial provimento à apelação para fixar os honorários advocatícios em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), com fundamento no art. 85, § 8º, do CPC, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça concedida. Fica registrado, ademais, que a eventual continuidade dos procedimentos de desapropriação pelo INCRA, relativamente às áreas ocupadas pelos apelantes, dependerá da edição de novo decreto e da observância do devido processo legal, inclusive com o pagamento de indenização justa e prévia, se cabível. É como voto. PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 12 - DESEMBARGADOR FEDERAL LEÃO ALVES APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1002659-20.2021.4.01.3506 VOTO CONVERGENTE Desembargador Federal LEÃO ALVES (Relator): Juvelan de Paula e Sousa e outros ajuizaram ação declaratória de nulidade de ato declaratório de desapropriação por interesse social, para a constituição do Território Quilombola Kalunga, contra o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Cultural Palmares (FCP). Os autores requereram, em suma, a decretação da nulidade do Decreto não numerado de 20 de novembro de 2009, em que o Presidente da República declarou de interesse social para fins de desapropriação o imóvel indicado na petição inicial, em virtude de sua caducidade. Id. 421955038. O juízo rejeitou o pedido. Id. 421955152. O juízo rejeitou os embargos de declaração opostos pelos autores. Id. 421955158 (embargos) e Id. 421955165 (decisão). Inconformados, os autores interpuseram apelação, formulando o seguinte pedido: Assim, em virtude do exposto, os Apelantes requerem que o presente recurso de apelação seja conhecido e, quando de seu julgamento, seja totalmente provido para reformar a sentença recorrida, no sentido de acolher o pedido inicial dos Apelantes. Ademais, seja provido o presente recurso, a fim de conceder aos Apelantes a justiça gratuita e, não sendo este o entendimento, seja reduzido o percentual da verba honorária, nos termos expostos, a fim de que assim se efetive a verdadeira prestação jurisdicional. Id. 421955167. Os réus apresentaram contrarrazões. Id. 421955172. A Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1) oficiou pelo não provimento do recurso. Id. 422325286. Na sessão de 3 de junho de 2025, o eminente Relator, Desembargador Federal CÉSAR JATAHY, votou pelo parcial provimento da apelação interposta pelos autores para reduzir os honorários advocatícios para R$ 25.000,00 (CPC, Art. 85, § 8º), “com o acréscimo de que a eventual continuidade dos procedimentos de desapropriação pelo INCRA, relativamente às áreas ocupadas pelos apelantes, dependerá da edição de novo decreto e da observância do devido processo legal, inclusive com o pagamento de indenização justa e prévia, se cabível.” Em seguida, pedi vista dos autos para o exame da nova orientação jurisprudencial do STJ, invocada pelo Incra, no tocante aos efeitos jurídicos da caducidade dos decretos de declaração de interesse social para fins de desapropriação. I A. Em caso análogo, no qual o juízo havia declarado a caducidade de decreto similar, para a criação de reserva extrativista, afirmamos, no ponto, o seguinte: O ICMBio alega que, “se tivermos em mente uma interpretação literal do Decreto-Lei nº 3.365/41, que a denominada declaração expropriatória, e fixa o prazo quinquenal para sua implementação, perceberemos que não foram ultrapassado mais de 5 anos (cinco) da edição/publicação do ato que declara de utilidade pública para fins de desapropriação.” NORBERTO BOBBIO esclarece que, na solução de antinomias, “[o] terceiro critério, dito justamente da lex specialis, é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generali. Também aqui a razão do critério não é obscura: lei especial é aquela que anula uma lei mais geral, ou que subtrai de uma norma uma parte da sua matéria para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória)”. Teoria do ordenamento jurídico. – 7. ed. Editora UnB: Brasília, 1996, pp. 95-96. (STF, RE 179502, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 31/05/1995, DJ 08-09-1995 P. 28389. Aplicando o princípio da especialidade para resolver, inclusive, situação de “antinomia total-parcial”.) Na espécie, a desapropriação em causa não tem por fundamento a utilidade pública, mas, sim, o interesse social. A Lei 4.132 “[d]efine os casos de desapropriação por interesse social e dispõe sobre sua aplicação.” Diante do princípio da especialidade, é improcedente a pretensão à aplicação à espécie, que trata de desapropriação para fins de interesse social, do prazo decadencial previsto no Art. 10 do Decreto-Lei 3.365, de 21/06/1941 (DL 3.365), o qual “[d]ispõe sobre desapropriações por utilidade pública.” Em consequência, o prazo decadencial aplicável para a desapropriação por interesse social para fins ambientais é o de 2 anos previsto na Lei 4.132, e, não, o prazo de cinco anos previsto no DL 3.365. [...] O ICMBio assevera que, “[q]uanto à Lei nº 4.132/1962, é importante frisar-se que a exegese quanto à aplicabilidade de uma norma a um caso específico nem sempre deve se restringir a parâmetros estritamente literais, especialmente em se tratando de uma disciplina tão recente e peculiar quanto o Direito Ambiental, bem como de comandos constitucionais específicos que garantem maior estabilidade à perenidade das áreas protegidas (art. 225, § 1º, III, da CF/88)”; que “[a] ausência de normas no cenário ambiental, especialmente que procedimentalizem as desapropriações para implementação de unidades de conservação de domínio público, não pode ser desculpa para aplicação de outras normas que objetivam a proteção de outros valores constitucionais”; que “[é] bom lembrar que o cenário em que foi produzida a Lei nº 4.132/1962 era outro, momento este bem anterior à preocupação, a [sic] nível legal e constitucional, do estabelecimento de amplos espaços públicos destinados à preservação ambiental”; que “[o] interesse público na proteção dos espaços se traduz, hodiernamente, na necessidade de a sociedade preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, assim como se corporifica em um dever do Estado promover o valor ambiental”; que “[a] aplicação de normas, legais moldadas para situações genéricas de desapropriações por utilidade pública ou interesse social não pode ser realizada de forma destemperada e à revelia do interesse material envolvido”; que “[é] necessário que se levem em conta, nesse exercício exegético, os aspectos histórico, finalístico e sociológico da norma geral que regula as desapropriações por utilidade pública e por interesse social, contrapondo-os aos bens jurídicos preteridos em decorrência de eventual interpretação literal”; que “[n]ão é outra a diretriz dada pelo art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que concentra a base axiológica da hermenêutica jurídica no direito pátrio: ‘Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.’”; que “[o] dispositivo transcrito representa uma regra impositiva de aplicação do direito, nos moldes do processo sociológico de interpretação, o qual, nas palavras do professor Antônio Luiz Machado Neto, teria como objetivos pragmáticos: ‘a) conferir a aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais que lhe deram origem (empírica); b) estender o sentido da norma a relações novas, inéditas ao tempo de sua criação; c) temperar o alcance do preceito normativo, a fim de fazê-lo corresponder às necessidades reais e atuais de caráter social’.” O Art. 225, § 1º, III, da CR tem o seguinte teor: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...] III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção[.] A obrigação do Poder Público de instituir “espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei” nada tem a ver com o prazo decadencial para a propositura da ação de desapropriação. Ademais, a Constituição da República garante o direito de propriedade e determina que o procedimento da expropriação deve obedecer o preceituado em lei. Os princípios constitucionais relativos ao devido processo legal (CR, Art. 5º, inciso LIV) e ao contraditório e à ampla defesa (CR, Art. 5º, inciso LV) são exercidos e observados nos termos da lei processual. (STF, MS 23739/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 27/03/2003, DJ 13-06-2003 P. 10; MS 25483/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 04/06/2007, DJe-101 14-09-2007 DJ 14-09-2007 P. 32.) Nos termos do Art. 5º, XXII e XXIII, da CR, respectivamente, “é garantido o direito de propriedade” e essa “atenderá a sua função social”. Todavia, e, ainda que a propriedade não atenda “a sua função social”, o Estado somente poderá tomá-la do cidadão por meio do “procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição”. CR, Art. 5º, XXIV. Na espécie, o Art. 3º da Lei 4.132 determina, de forma clara e expressa, que: “O expropriante tem o prazo de 2 (dois) anos, a partir da decretação da desapropriação por interesse social, para efetivar a aludida desapropriação e iniciar as providências de aproveitamento do bem expropriado.” Esse dispositivo legal, portanto, deve ser observado no procedimento de desapropriação por interesse social, como é o caso da expropriação para fins de criação de reserva extrativista. Assim sendo, é improcedente a alegação de que “[a] ausência de normas no cenário ambiental, especialmente que procedimentalizem as desapropriações para implementação de unidades de conservação de domínio público, não pode ser desculpa para aplicação de outras normas que objetivam a proteção de outros valores constitucionais.” Inexiste ausência de norma aplicável ao presente caso. Ao contrário. A Lei 4.132 contém dispositivo claro, preciso e inequívoco quanto à existência de prazo para a propositura da ação de desapropriação, o qual é de dois anos “a partir da decretação da desapropriação por interesse social, para efetivar a aludida desapropriação e iniciar as providências de aproveitamento do bem expropriado.” Lei 4.132, Art. 3º. O ICMBio assevera, ainda, “[é] bom lembrar que o cenário em que foi produzida a Lei nº 4.132/1962 era outro, momento este bem anterior à preocupação, a [sic] nível legal e constitucional, do estabelecimento de amplos espaços públicos destinados à preservação ambiental”; que “[o] interesse público na proteção dos espaços se traduz, hodiernamente, na necessidade de a sociedade preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, assim como se corporifica em um dever do Estado promover o valor ambiental”; que “[a] aplicação de normas, legais moldadas para situações genéricas de desapropriações por utilidade pública ou interesse social não pode ser realizada de forma destemperada e à revelia do interesse material envolvido”; que “[é] necessário que se levem em conta, nesse exercício exegético, os aspectos histórico, finalístico e sociológico da norma geral que regula as desapropriações por utilidade pública e por interesse social, contrapondo-os aos bens jurídicos preteridos em decorrência de eventual interpretação literal.” A necessidade de proteção do meio ambiente pode ter sido intensificada a partir de 1962. No entanto, essa necessidade não significa um cheque em branco para que o Estado passe por cima das normas que o Poder Legislativo editou para resguardar os direitos dos seus cidadãos. O Art. 3º da Lei 4.132 ainda não foi revogado. Cabe ao Legislativo, e, não, ao Poder Judiciário, transigir com o prazo decadencial previsto em lei. Além do interesse material envolvido na preservação do meio ambiente é necessário observar, por expressa disposição constitucional (CR, Art. 5º, XXII, XXIII e XXIV), o procedimento previsto em lei para a desapropriação. O meio ambiente deve ser preservado para todas as pessoas, inclusive para aquelas que sofrerão a intervenção estatal mais drástica, consistente na expropriação. Essas têm direito, além do meio ambiente ecologicamente equilibrado, que sejam observados os preceitos constitucionais e legais erigidos em favor da garantia de seu direito de propriedade. Assim, a questão, aqui, não envolve confronto entre o interesse público e o interesse particular, mas, sim, a observância disposto na Constituição e na lei específica sobre a matéria atinente à desapropriação por interesse social. Se toda vez que o interesse público justificasse a desconsideração das disposições constitucionais e legais expressas, não haveria estado de direito, mas, sim, de anarquia, cabendo aos burocratas definir quais interesses particulares deveriam ser sacrificados, inclusive contra legem. Hoje transigimos com o prazo decadencial para o ajuizamento de ação de desapropriação. Amanhã transigiremos com qual garantia? A lei não deve ser interpretada mecanicamente. No entanto, em se tratando de garantia erigida em favor do cidadão, sua interpretação deve ser ampla, e, em se tratando de prazo decadencial para o ajuizamento de ação de desapropriação, em prol do cidadão. No tocante ao Art. 5º da LINDB, o STF já deixou claro que, “substituindo-se o Juiz ao legislador, com fundamento nos artigos 4º e 5º da Lei de Introdução ao Código Civil”, “[n]ão pode o Juiz, sob alegação de que a aplicação do texto da lei a hipótese não se harmoniza com o seu sentimento de justiça ou equidade, substituir-se ao legislador para formular de próprio a regra de direito aplicável. Mitigue o juiz o rigor da lei, aplique-a com equidade e equanimidade, mas não a substitua pelo seu critério.” (STF, RE 93701, Rel. Min. OSCAR CORRÊA, Primeira Turma, julgado em 24/09/1985, DJ 11-10-1985 P. 17861.) Na espécie, inexiste espaço para que o Poder Judiciário se substitua ao legislador a fim de transigir com o prazo decadencial para a propositura de ação de desapropriação por interesse social. O ICMBio alega que o reconhecimento da decadência caracteriza maior prejuízo ao particular, porquanto a caducidade do decreto pode impedir o ajuizamento da ação de desapropriação, mas, não, as limitações ao exercício do direito de propriedade, daquele (decreto) decorrentes. A alegação de prejuízo ao particular constitui res inter alios em relação à pretensão do ICMBio de contornar a aplicação da Lei 4.132. Assim, a circunstância de “[a] desafetação ou redução dos limites de uma unidade de conservação só pode ser feita mediante lei específica” (Lei 9.985, de 18/07/2000, Art. 22, § 7º) não afasta o reconhecimento da decadência para a propositura da ação de desapropriação por interesse social para constituição de reserva extrativista. Enquanto não houver a regularização da desapropriação, o proprietário de imóvel atingido pela declaração caduca poderá continuar a explorá-lo de forma legítima. Nesse sentido, em caso análogo, envolvendo o Parque Nacional da Serra da Canastra (PNSC), assim nos manifestamos: A unidade de conservação Parque Nacional da Serra da Canastra no Estado de Minas Gerais foi criada pelo Decreto Federal 70.355/1972, que também estabeleceu seus respectivos limites territoriais, abrange uma área estimada em 200.000ha (duzentos mil hectares). A jurisprudência desta Corte tem vacilado quanto ao reconhecimento da tipicidade do delito descrito no Art. 40 da Lei 9.605 nas hipóteses em que a área objeto de exploração está, como na espécie, localizada em área não regularizada. A propósito, nesse mesmo sentido, destaco os seguintes precedentes proferidos pela Terceira e Quarta Turmas desta Corte Regional. Assim, “[a] área de unidade de conservação, em sua totalidade, desapropriada ou não, está submetida a regime especial de administração e proteção constitucional (art. 225, III, da CF) (Precedentes).” (TRF 1ª Região, ACR 0001841-50.2010.4.01.3804/MG, Rel. Desembargadora Federal MÔNICA SIFUENTES, Terceira Turma, e-DJF1 p. 172 de 01/07/2015. Grifei.) “A área onde ocorreu o suposto delito ambiental integra os limites da unidade de conservação Parque Nacional Serra da Canastra, ainda que não tenha ocorrido a desapropriação da área total do referido Parque, uma vez que o ordenamento jurídico pátrio não prevê como conditio sine qua non para a instituição de tal unidade de conservação a prévia regularização fundiária do local. Aplicação de precedentes jurisprudenciais do egrégio Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Regional Federal.” (TRF 1ª Região, RSE 0001268-07.2013.4.01.3804/MG, Rel. Desembargador Federal I’TALO FIORAVANTI SABO MENDES, Quarta Turma, e-DJF1 p. 65 de 19/08/2014. Grifei.) Ainda recentemente, esta Turma decidiu que “[a] configuração do tipo penal do art. 40 da Lei nº 9.605/98 independe da regularização fundiária (expropriação e indenização) da área de abrangência da unidade de conservação afetada pela conduta delitiva.” (TRF 1ª Região, ACR 0000984-96.2013.4.01.3804/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 de 07/07/2017.) Na mesma direção: TRF 1ª Região, ACR 0002817-96.2006.4.01.3804/MG, Rel. Conv. JUIZ FEDERAL GUILHERME FABIANO JULIEN DE REZENDE (CONV.), QUARTA TURMA, e-DJF1 de 10/02/2017; ACR 0001069-58.2008.4.01.3804/MG, Rel. JUIZ FEDERAL KLAUS KUSCHEL (CONV.), TERCEIRA TURMA, e-DJF1 de 24/01/2017. Mas há precedente em sentido contrário. Como demonstrado pelo Juízo, em caso que teve por Relator o eminente Desembargador Federal MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, esta Turma, por unanimidade, concluiu que “[o] tipo penal do art. 40, da Lei 9.605/98, sendo norma penal em branco, exige para sua tipificação a existência de Unidade de Conservação, a qual somente pode ser assim qualificada se criada em estrita observância dos requisitos da Lei 9.985/2000, afigurando-se atípica a conduta do réu, com relação à conduta de causar dano em área de Unidade de Conservação, tendo em vista que o delito foi praticado em área não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra.” (TRF 1ª Região, ACR 0001526-85.2011.4.01.3804/MG, supra.) No voto, S. Exa., no ponto, expôs o seguinte: Sustenta o Ministério Público Federal que a criação de unidade de conservação de domínio público não se confunde com sua consolidação dominial; a criação de Parques Nacionais depende somente da edição de ato do Poder Público, não sendo requisito para sua instituição a expedição de decreto de desapropriação, impondo-se a condenação às penas do art. 40, da Lei 9.605/98. O art. 40, da Lei 9.605/98 incrimina a conduta de “causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o , independentemente de sua localização”. No particular, constou do Laudo Técnico Ambiental (fls. 23/28) que a propriedade em que houve a exploração de quartzito situa-se em área não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra. Pois bem, o Parque Nacional da Serra da Canastra foi instituído pelo Decreto nº 70.355/1972, dispondo que o parque detém unidade de conservação de 200.00 ha, tendo havido a regularização até o momento de 71.525 ha, situada em área contínua conhecida por Chapadão da Canastra, cujas desapropriações tiveram por base o Decreto nº 74.447/1974. Posteriormente, foi editada a Lei nº 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC, em que as Unidades de Conservação foram classificadas em Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável, bem como regulamentando os critérios e requisitos legais para instituição de Unidades de Conservação, de acordo com o seu artigo 8º, assim definidas: “Art. 8º. O grupo das Unidades de Proteção Integral é composto pelas seguintes categorias de unidade de conservação: I - Estação Ecológica; II - Reserva Biológica; III - Parque Nacional; IV - Monumento Natural; V - Refúgio de Vida Silvestre.” Com efeito, preceitua o art. 22, §2º, da referida Lei, que “a criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento”. Atento ao regramento legal instituído para criação de unidades de conservação, houve a necessidade de adequação às novas normas, de modo que em 2005 foi elaborado Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Canastra, em obediência aos estudos técnicos necessários à criação da unidade, ficando consignado com relação a questão fundiária desse Parque que “para efetivar a área total do Parque, falta regularizar aproximadamente 130.000 há, não tendo sido “realizados os estudos requeridos” quanto a esse Parque, e que, ainda, as atividades na área denominada “Chapadão da Babilônia (...) só podem ser paralisadas quando da indenização das propriedades/posses”. Constata-se, portanto, que não houve a concretização das exigências legais quanto à área remanescente de 130.000 ha do total de 200.000 ha, constante do Decreto nº 70.355/72, de modo que ausente o atendimento dos requisitos legais para criação de unidade de conservação, não se pode considerar, por analogia, que a precitada área pendente de regularização possa se qualificar como Unidade de Conservação, nos termos da lei. Assim, sendo o tipo do art. 40, da Lei 9.605/98, norma penal em branco, que exige para sua tipificação a existência de Unidade de Conservação, a qual somente pode ser assim qualificada se criada em estrita observância dos requisitos da Lei 9.985/2000, afigura-se atípica a conduta do réu, no tocante à imputação da conduta de causar dano em área de Unidade de Conservação, tendo em vista que o delito foi praticado em área não regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra. (TRF 1ª Região, ACR 0001526-85.2011.4.01.3804/MG, supra.) Há divergência também no âmbito cível. Nesse sentido, cito a decisão proferida no Agravo de Instrumento 0019781-23.2012.4.01.0000/MG, pelo Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE, afirmando que “eventuais pendências relativas à regularização fundiária de toda a área do Parque Nacional da Serra da Canastra, cuja dimensão, nos termos do Decreto 70.355/1972, é estimada em 200.00ha (duzentos mil hectares), não têm o condão de autorizar a exploração de atividades danosas ao meio ambiente dentro de suas limitações territoriais, afigurando-se irrelevantes, para o deslinde da questão, o fato de se encontrar em curso projetos de lei alterando os limites do referido Parque, na medida em que, enquanto projetos não têm força legal.” (Decisão de 11.4.2012. Grifei.) Na mesma direção, a decisão proferida pela Desembargadora Federal SELENE ALMEIDA, no AI n. 2007.01.00046563-1/MG, ressaltando que “o fato da integralidade do terreno do Parque Nacional da Serra da Canastra ainda não ter sido objeto de regularização fundiária não suprime a sua condição de unidade de conservação de proteção integral, condição essa atribuída pelo art. 8º, III, da Lei 9985/2000.” (Grifei.) Em sentido contrário: I - Sobre a criação de unidade de conservação de proteção integral, o art. 22 da Lei 9.985/2000 dispõe que “As unidades de conservação são criadas por ato do Poder Público”. II - Regulamentando tal dispositivo, o art. 2º do Decreto 4.340/2002 assim preceitua que o ato de criação de uma unidade de conservação deve indicar, dentre outros, a área da unidade e as atividades econômicas. III - “O Parque Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei” (§ 1º do art. 11 da Lei 9.985/2000). IV - O Parque Nacional da Serra da Canastra foi criado pelo Decreto 70.355/1972, com área estimada de 200.000,00ha., porém, somente foram efetivamente desapropriados 71.525ha, e a área objeto das atividades minerárias estaria incluída nos limites dos 200.000ha previstos no Decreto 70.355/1972, contudo até o momento não foi objeto de desapropriação. V - Argumento do Ministério Público Federal de que o DNPM não poderia ter concedido os títulos minerários e o ICMBio não poderia ter formalizado o TAC, pois o fato de a área em questão ainda não ter sido objeto de desapropriação não autoriza a prática de atividades degradantes ao meio ambiente, pois a criação de unidade de conservação prescinde de qualquer outro requisito, mesmo de desapropriação, ou seja, uma vez editado o decreto criação, não mais é possível a prática de atividades danosas ao meio ambiente, ainda que não tenha ocorrido a desapropriação da área. VI - O eg. STJ concluiu pela aplicabilidade do prazo decadencial de 05 anos previsto no art. 10 do Decreto-lei 3.365/1941. VII - “Passado o prazo de cinco anos sem que o Poder Público tenha efetivado o ato expropriatório ou praticado qualquer esbulho possessório, resulta inequivocamente caduco o ato declaratório de utilidade pública por força do artigo 10 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941”. (EREsp 191.656/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/06/2010, DJe 02/08/2010.) VIII - Apesar de o STJ entender cabível a aplicação, por analogia, do art. 19 da Lei 4.717/65 às ações civis públicas (ex. REsp 1.108.542/SC), apenas o faz quando versam sobre proteção ao patrimônio público (a título de exemplo, ACP por ato de improbidade ou ressarcimento ao erário, hipótese diversa da dos autos). Não há que se falar, pois, em remessa oficial tida por interposta. (TRF 1ª Região, AC 0001201-52.2007.4.01.3804/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 de 11/05/2016.) No mesmo sentido, entendendo que, “[m]uito embora a área degradada encontre-se em área não-regularizada do Parque Nacional da Serra da Canastra, tendo em vista a previsão do Plano de Manejo da referida Unidade de Conservação de continuação das atividades realizadas em imóveis particulares até que haja a indenização pela propriedade ou posse, não há que se falar em proibição de realização de atividades antrópicas no local, desde que não causem danos a áreas de preservação permanente, nem às nascentes dos cursos d'água da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, devendo ser realizado o licenciamento ambiental sempre que exigido pelos órgãos ambientais competentes.” (TRF 1ª Região, AC 0000255-17.2006.4.01.3804/MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, SEXTA TURMA, e-DJF1 de 25/08/2017. Grifei.) De minha parte, consigno que ambas as orientações são dotadas de fortes fundamentos jurídicos. No entanto, o STJ, “instância máxima da interpretação do direito ordinário”[1] (STF, RE 561485, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2009, DJe-035 26-02-2010), concluiu, em caso similar, pela atipicidade da conduta, nos seguintes termos: 1. Discute-se se o dano causado ao Parque Nacional da Serra da Canastra - Unidade de Conservação Federal (UCF) instituída pelo Decreto 70.355, de 3/4/72 -, narrado na peça acusatória, configura o delito descrito no art. 40 da Lei n. 9.605/98, com competência da Justiça Federal, mesmo em se tratando de propriedade privada, pois não efetivada a desapropriação pelo Poder Público. 2. Firmou este Tribunal compreensão de que, por se tratar de área de preservação permanente de domínio da União, embora em propriedade privada, seria considerado de interesse do ente federal, nos termos do que dispõe o art. 20, III, da CF/88. 3. Na hipótese, no entanto, o Decreto Federal foi editado em 1972 e a desapropriação jamais se consumou, permanecendo a área sob a propriedade do particular, assim como diversas outras no País que, “criadas no papel”, acabam não se transformando em realidade concreta. 4. O art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365, de 21/6/41, o qual dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública, estabelece que referida expropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do decreto e findos os quais este caducará. 5. Da peça acusatória consta que os acusados teriam suprimido vegetação nativa para plantio de capim napier em área de preservação permanente (margens de curso d’água afluente do ribeirão Babilônia), bem como construíram um poço, no interior da cognominada “Fazenda Vale Formoso”, Delfinópolis/MG, causando dano direto ao Parque Nacional da Serra da Canastra (unidade de conservação de proteção integral). 6. Ocorre que a constatação da referida supressão, a qual teria dado causa aos danos indicados, deu-se apenas em julho de 2008, quando já operada a caducidade do Decreto original (e não se tem nos autos qualquer notícia de sua reedição). 7. Superada a caducidade do Decreto Federal há tempos, não há como limitar-se o direito de propriedade conferido constitucionalmente, sob pena de se atentar contra referida garantia constitucional, bem como contra o direito à justa indenização, previstos nos incisos XXII e XXIV do art. 5º da CF. 8. Tipicidade do fato afastada no que se refere ao delito de competência da Justiça Federal (art. 40 da Lei n. 9.605/98). (STJ, AgRg no AREsp 611.366/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 12/09/2017, DJe 19/09/2017.) [...] Por outro lado, a locução “independentemente de sua localização” diz respeito “às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990”, e, não, “às Unidades de Conservação”. Lei 9.605, Art. 40, caput. No ponto, o MPF deixou de comprovar, em nível acima de dúvida razoável, que a área afetada pelo acusado situa-se nas “áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990”. (TRF1, ACR 0002905-27.2012.4.01.3804, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 08/06/2018.) Por outro lado, o disposto no Art. 22, § 7º, da Lei 9.985, de 2000, segundo o qual “[a] desafetação ou redução dos limites de uma unidade de conservação só pode ser feita mediante lei específica” não impede o julgamento de procedência do pedido formulado. A decisão judicial não implica desafetação nem redução dos limites da unidade de conservação. Ademais, o disposto no Art. 22, § 7º, da Lei 9.985 é aplicável às unidades de conservação efetivamente implantadas, e, não, àquelas que, a despeito da existência do decreto de declaração de interesse social, não foram efetivamente implantadas. Enquanto não houver a imissão na posse, o proprietário pode usar, gozar e dispor do imóvel objeto de decreto expropriatório. Código Civil, Art. 1.228, caput: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” “A simples declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação, não retira do proprietário do imóvel o direito de usar, gozar e dispor do seu bem, podendo até aliená-lo. Enquanto não deferida e efetivada a imissão de posse provisória, o proprietário do imóvel continua responsável pelos impostos a ele relativos.” (STJ, REsp 239.687/SP, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2000, DJ 20/03/2000, p. 51.) Na mesma direção: STJ, REsp 1111364/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 03/09/2009. Ademais, o Art. 26 do DL 3.365 dispõe, expressamente, que “[s]erão atendidas as benfeitorias necessárias feitas após a desapropriação; as úteis, quando feitas com autorização do expropriante.” Nesse sentido, a doutrina explica que: A disciplina das benfeitorias segue a tradição civil. O expropriante pagará as benfeitorias necessárias realizadas até a imissão na posse do imóvel, ainda que realizadas após a formalização da fase administrativa da desapropriação; as úteis serão indenizadas se anteriores ao procedimento executivo de desapropriação, salvo se realizadas posteriormente com autorização do expropriado; já as voluptuárias serão indenizadas apenas se não puderem ser levantadas e desde que realizadas até o decreto expropriatório. (FLORENCIO, Madja de Sousa Moura. O princípio da justa indenização nas desapropriações para fins de reforma agrária. Revista do TRF1 v. 27 n. 1/2 jan./fev. 2015, pp. 16-17.) No mesmo sentido, reconhecendo que “a parte expropriada tem livre uso e gozo de seu bem até a imissão na posse, não havendo previsão legal de qualquer impedimento quanto às acessões ou melhoramentos depois da edição do decreto desapropriatório.” (TRF3, Ação de Desapropriação 0007540-44.2013.403.6105, 8ª Vara Federal de Campinas, DJe 19/08/2016.) Por isso, “no tocante às benfeitorias, o certo, é considerar a situação fática verdadeiramente encontrada antes da imissão na posse da Autarquia e subsequente assentamento de famílias no imóvel desapropriado.” (STJ, REsp 1715598/TO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 23/05/2018.) Por identidade de razão, o expropriado responde pelo “o valor de tributos e multas incidentes sobre o imóvel, exigíveis até a data da imissão na posse pelo expropriante.” Lei Complementar 76, de 1993 (LC 76), Art. 16. No mesmo sentido, reconhecendo que, “[c]onforme determinado pelo TRF 1ª Região a indenização devidamente atualizada até a data da perícia judicial deve ter por base o valor referente à área rural, em sua integralidade, conforme a sua natureza por ocasião da imissão do INCRA na posse, sendo vedada a inclusão de quaisquer benfeitorias/acessões posteriores.” (STJ, REsp 1537597/MA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 26/08/2015.) Justamente por poder o proprietário continuar a usar e a dispor do imóvel objeto de decreto expropriatório é que os juros compensatórios incidem a partir da imissão do expropriante na posse do imóvel e “destinam-se, apenas, a compensar a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário.” DL 3.365, Art. 15-A, § 1º. (STF, ADI 2332/DF, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2018.) [...] O ICMBio afirma que, ainda que “‘se admitisse eventual caducidade do Decreto, em sua parte expropriatória, ele remanesceria hígido, na parte referente à criação da unidade de conservação, que somente é suprimível através de lei’”; que, “‘[n]esse quadro, permaneceriam em vigor todas as restrições de uso oponíveis aos particulares porventura residentes na área protegida, bem como perduraria a imposição legal de expedição do necessário ato expropriatório criando para as pessoas afetadas situação de demora e indefinição ainda mais desfavorável do que aquela contra a qual ora se insurgem’.” [...] O ICMBio alega, “[a]inda, [...] que a indenização dos imóveis inseridos nas unidades de conservação não necessita iniciar-se necessariamente de ofício pelo Poder Público, podendo ser requerida pelo próprio proprietário, ensejando a abertura de processo administrativo, reunindo os documentos exigidos a fim de que se possa desencadear processo de vistoria e avaliação, tudo discriminado e minuciosamente previsto pela Instrução Normativa número 02/2009, expedida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO”; que, “[a]ssim, a suposta inércia do Poder Público em efetuar as desapropriações não pode ser atribuída somente ao Órgão Público responsável, mas também ao próprio particular que muitas vezes não possui plena regularidade documental da propriedade, com válida cadeia dominial, planta georreferenciada, memorial descritivo, CCIR, dentre outros documentos.” No entanto, a observância, ou não, do prazo decadencial previsto no Art. 3º da Lei 4.132 nada tem a ver com a possibilidade de o proprietário requerer o pagamento da indenização. Obedecer ao prazo decadencial constitui ônus do autor da ação expropriatória, e, não, do réu. [...] Também é irrelevante para afastar a ocorrência da decadência a alegação quanto ao “impacto que a tese da caducidade poderá causar às unidades de conservação federais em todo o país.” O réu da ação de desapropriação nada tem a ver com a criação indiscriminada de parques, unidades de conservação e reservas extrativistas sem planejamento. O Estado desidioso é quem deve responder por sua desídia. Pense e planeje antes de agir. Ademais, e, ao contrário da alegação de diligência afirmada pelo ICMBio, cumpre notar que, em certos casos, a omissão desse instituto implicou a extinção do processo, sem resolução do mérito. Assim, por exemplo, a Corte observou que “[a] regular conclusão do procedimento administrativo de criação de reserva extrativista, em todos os seus termos, inclusive quanto à real delimitação da área, alça-se a pressuposto indispensável à instauração válida da ação de desapropriação de imóvel. [...] Positivado que o procedimento administrativo de criação da Reserva Extrativista Ciriáco (MA) revela-se eivado de irregularidades que o nulificam, incensurável se mostra a sentença que deu pela extinção do processo sem resolução do mérito, depois de quase seis anos de penosa tramitação, sem que o processo tenha sido efetivamente impulsionado, inclusive sem o depósito, o que ensejou a revogação da imissão na posse.” (TRF1, AC 0001289-84.2002.4.01.3701/MA, Rel. Desembargador Federal OLINDO MENEZES, QUARTA TURMA, e-DJF1 p.166 de 01/10/2013. Grifei.) O ICMBio alega que a caducidade não poderia ser reconhecida, sob pena de responsabilização da República Federativa do Brasil, no plano internacional, em virtude da suposta quebra de compromissos assumidos em matéria ambiental. Nenhum compromisso internacional se sobrepõe à Constituição, a qual determina que a desapropriação deve obedecer ao procedimento previsto em lei. Por outro lado, a União, que se omitiu na desapropriação tempestiva dos imóveis relacionados no decreto expropriatório, não está em posição de alegar que a omissão dela poderá implicar a sua responsabilização no plano internacional. “Nenhuma das partes poderá argüir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse.” CPP, Art. 565; CPC 1973, Art. 243; CPC 2015, Art. 276; Código Eleitoral, Art. 219; STF, HC 75285/SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, Primeira Turma, julgado em 05/08/1997, DJ 05-09-1997 P. 41873; RHC 49956/RS, Rel. Min. THOMPSON FLORES, Segunda Turma, julgado em 12/06/1972, DJ 11-08-1972; HC 61228/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Segunda Turma, julgado em 23/03/1984, DJ 21/09/1984; HC 67997/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/1990, DJ 21-09-1990 P. 9783; HC 77246/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 09/03/1999, DJ 29-08-2003 P. 34. Na espécie, a culpa pela eventual responsabilização da União, no plano internacional, é dela própria e de suas autarquias, e, não, dos proprietários dos imóveis relacionados no decreto expropriatório. Ademais, essa alegação carece de amparo em elementos probatórios idôneos, sendo, assim, mera especulação. [...] Por outro lado, a sentença recorrida está em consonância com a firme orientação jurisprudencial desta Corte, tratando especificamente da Reserva Extrativista do Ciriáco, e do STJ, “instância máxima da interpretação do direito ordinário”. (STF, RE 561485, supra.) “O expropriante tem o prazo decadencial de dois anos, contados da edição do decreto expropriatório, para ajuizar ação de desapropriação por interesse social, nos termos do art. 3º da Lei 4.132/62. [...] ‘Eventual omissão do administrador não enseja a extinção da unidade de conservação, mas somente a caducidade da declaração de interesse social para fins expropriatórios dos imóveis que ainda se acham titulados em favor de particulares.’ (Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes, Rel. conv. Juiz Federal Alexandre Buck Medrado Sampaio, Quarta Turma, e-DJF1 11/02/2016, p. 664).” (TRF1, AC 0005791-80.2013.4.01.3701/MA, Rel. Desembargadora Federal MONICA SIFUENTES, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 de 29/09/2017.) Na mesma direção: TRF1, AC 0009960-13.2013.4.01.3701, Desembargador Federal OLINDO MENEZES, QUARTA TURMA, e-DJF1 20/07/2018; AC 0007193-36.2012.4.01.3701/MA, Rel. Juiz Federal CARLOS D'AVILA TEIXEIRA (CONV.), QUARTA TURMA, e-DJF1 de 29/08/2016; AC 0000189-60.2003.4.01.3701/MA, Rel. Juiz TOURINHO NETO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p.97 de 26/06/2009. “No tocante à alegada violação ao art. 3º da Lei 4.132/1962, dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o expropriante possui o prazo de dois anos, contados da edição do ato expropriatório, para ajuizar a ação desapropriatória, bem como adotar medidas de aproveitamento do bem expropriado, nos termos do art. 3º da Lei 4.132/1962, sob pena de caducidade do decreto expropriatório e da consequente inviabilidade do feito.” (STJ, REsp 1644976/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2017, DJe 09/10/2017.) No mesmo sentido: STJ, REsp 631.543/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2005, DJ 06/03/2006, p. 172; REsp 81.362/MA, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/04/1999, DJ 28/08/2000, p. 65; AI 1.416.728/MA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, julgado em 03/05/2016, DJe 09/05/2016. (Decisão monocrática envolvendo a Reserva Extrativista do Ciriáco, MA, concluindo que: “O Decreto que declarou de interesse social para fins de desapropriação a área em questão está datado de 11.10.2000, tendo sido publicado no Diário Oficial da União de 13.10.2000, sendo que a ação só foi ajuizada em 10.02.2003, passados, portanto, os dois anos previstos na Lei 4.132/62, para ajuizamento da ação expropriatória”.) (TRF1, AC 0005968-44.2013.4.01.3701/MA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/10/2018.) B. Além disso, mantivemos esse entendimento em outro precedente, acrescentando o seguinte: [...] O ICMBio alega que os decretos expropriatórios de áreas inseridas em unidades de conservação de domínio público não estão sujeitos ao prazo de caducidade previsto no Art. 3º da Lei 4.132. Essa alegação está em manifesto confronto com a jurisprudência desta Corte e com a do STJ. O apelante argumenta que “[a] ausência de normas no cenário ambiental, especialmente que procedimentalizem as desapropriações para implementação de unidades de conservação de domínio público, não pode ser desculpa para aplicação de outras normas que objetivam a proteção de outros valores constitucionais.” “O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico.” CPC, Art. 140, caput. O Art. 4º da LINDB complementa esse dispositivo determinando que, “[q]uando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” A Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), não contém dispositivo específico para regular a caducidade dos decretos de expropriação para fins de criação de unidades de conservação. A Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, igualmente, não prevê prazo específico regulando a caducidade dos decretos de desapropriação. Além disso, dentre os valores constitucionais a serem protegidos estão o direito de propriedade e o direito à indenização pela expropriação ou pelo uso público da propriedade privada. CF, Art. 5º, XXII, XXIV e XXV. Assim sendo, é indubitável que o decreto expropriatório em causa está sujeito ao prazo de caducidade, seja o previsto na Lei 4.132 (Art. 3º, dois anos) seja o estabelecido no DL 3.365 (Art. 10, cinco anos), ambos há muito ultrapassados. [...] O ICMBio alega que “[o] interesse público na proteção dos espaços se traduz, hodiernamente, na necessidade de a sociedade preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, assim como se corporifica em um dever de o Estado promover o valor ambiental.” Argumenta, ainda, o apelante, que “aquilo que seria uma garantia do particular perante o Poder Público choca-se com outra garantia de ordem constitucional das presentes e futuras gerações (CF, Art. 225, caput, III), de modo que eventual inação do Estado em indenizar a propriedade privada não pode ser idôneo a prejudicar um interesse transindividual de preservação de amostras relevantes dos ecossistemas.” No entanto, o atendimento ao interesse público na preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações (CF, Art. 225) e a observância da defesa do meio ambiente como princípio orientador da ordem econômica (CF, Art. 170) devem ser procedidos com a observância do “devido processo legal” e do princípio da “legalidade”. CF, Art. 5º, LIV, e Art. 37, caput, respectivamente. Em Direito Público vigora o princípio constitucional da legalidade (CF, Art. 37, caput), pelo qual a Administração Pública somente está autorizada a proceder de conformidade com o preceituado em lei. Nas relações de direito privado é que vigora o princípio de que “o que não está proibido, está permitido”. Há muito, Hely Lopes Meirelles ensinava que Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.[2] Nos termos da sentença de Michel Stassinopoulos, a Administração Pública não apenas está proibida de agir contra legem ou extra legem, senão que somente pode atuar secundum legem.[3] A esse respeito, ainda, Miguel Seabra Fagundes, de forma incisiva, ensina que [t]odas as atividades da Administração Pública são limitadas pela subordinação à ordem jurídica, ou seja, à legalidade. O procedimento administrativo não tem existência jurídica se lhe falta, como fonte primária, um texto de lei. Mas não basta que tenha sempre por fonte a lei. É preciso ainda, que se exerça segundo a orientação dela e dentro dos limites nela traçados. Só assim o procedimento da Administração é legítimo. Qualquer medida que tome o Poder Administrativo, em face de determinada situação individual, sem preceito de lei que o autorize, ou excedendo o âmbito da lei, será injurídica. Essa integral submissão da Administração Pública à lei, constitui o denominado princípio da legalidade, aceito universalmente, e é uma conseqüência do sistema de legislação escrita e da própria natureza da função administrativa.[4] Na realidade, “[t]odos os agentes estatais estão submetidos aos limites que a ordem jurídica lhes impõe, não havendo situação que possa isentar qualquer deles de tal subordinação”.[5] Em suma, “[a] obediência ao princípio da legalidade é conduta que devem ter, permanentemente, os que defendem a sobrevivência do regime democrático.”[6] [...] O ICMBio assevera que “a caducidade da declaração expropriatória supostamente permitida pela Lei nº 4.132/62 e pelo Decreto-lei nº 3.365/41, ao invés de um instrumento dirigido à segurança jurídica e à salvaguarda do direito de propriedade, consubstanciar-se-ia em verdadeira penalização ao particular, na medida em que, a par de continuarem subsistindo limitações ainda mais severas do que as do denominado ‘período suspeito’, ao proprietário não seria facultado, sequer, o direito de pleitear a justa indenização pela desapropriação de seu imóvel.” A jurisprudência do STJ e desta Corte apenas garantem aos autores o pleno exercício dos poderes inerentes à propriedade. Assim sendo, esse argumento é impertinente na espécie dos autos. [...] A circunstância de o decreto expropriatório em causa prever a criação de unidade de conservação não constitui fundamento jurídico suficiente para a desobediência aos princípios do “devido processo legal” e da “legalidade”. CF, Art. 5º, LIV, e Art. 37, caput, respectivamente. Assim, “os aspectos finalístico, histórico e sociológico que devem temperar o arcabouço normativo que disciplina a situação jurídica das propriedades particulares inseridas em unidades de conservação de domínio público” não constituem um bill de indenidade para a atuação da Administração Pública fora do leito constitucional do “devido processo legal” e da “legalidade”. CF, Art. 5º, LIV, e Art. 37, caput, respectivamente. [...] A alegação de que “o art. 66, § 5º, III do Código Florestal, [...] ao cuidar da compensação de reserva legal, reconheceu que é perfeitamente possível a existência de unidades de conservação pendentes de regularização fundiária” vai ao encontro da pretensão dos autores, no sentido da ocorrência de pendência “de regularização fundiária” a acarretar a caducidade do decreto de expropriação. [...] Em matéria de direitos e garantias, nossa Constituição adotou o modelo aberto. Nos termos do § 2º do Art. 5º da CF, os “direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” (Grifo acrescentado.) Por isso, JOSÉ AFONSO DA SILVA sustenta que esse parágrafo “revela as três fontes dos direitos e garantias que vigoram no ordenamento jurídico brasileiro: (a) direitos e garantias expressos (art. 5º, I-LXXVIII); (b) direitos e garantias decorrentes dos princípios e regimes adotados pela Constituição; (c) direitos e garantias decorrentes de tratados e convenções internacionais adotados pelo Brasil.” (Comentário contextual à constituição. – São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2005, p. 178.) (Grifo original.) Para que passe a integrar, formalmente, a CF, é necessário que a convenção ou o tratado sobre direitos humanos seja aprovado em dois turnos, por cada Casa do Congresso, por pelo menos três quintos dos votos de seus respectivos membros. CF, Art. 5º, § 3º. (“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”) Embora o STF não tenha reconhecido a natureza constitucional material dos “tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos”, “[o] Plenário da Corte assentou [...] [o] status supralegal”, por exemplo, “do Pacto de São José da Costa Rica” (Convenção Americana sobre Direitos Humanos). (STF, RE 404276 AgR, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 10/03/2009, DJe-071 17-04-2009; RE 466343, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe-104 05-06-2009; RE 349703, Rel. Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe-104 05-06-2009.) Nesse sentido, o STF tem aplicado, por exemplo, a Convenção Americana tanto em casos cíveis (V.g.: STF, RE 363889, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2011, DJe-238 16-12-2011; RE 511961, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/2009, DJe-213 13-11-2009; ADPF 130, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009, DJe-208 06-11-2009; Petição 3388, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 19/03/2009, DJe-181 25-09-2009) quanto em casos criminais. (V.g.: STF, HC 104931, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 13/12/2011, DJe-058 21-03-2012; HC 84078, Rel. Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe-035 26-02-2010.) Na espécie, porém, é improcedente a pretensão de, por meio do controle de convencionalidade (supralegalidade), afastar a previsão legal de caducidade do decreto de expropriação. Nenhuma convenção determina a revogação de normas constitucionais que determinam a observância, pela Administração Pública, do “devido processo legal” e da “legalidade”. CF, Art. 5º, LIV, e Art. 37, caput, respectivamente. Ademais, a circunstância de o Art. III da Convenção Para Proteção da Flora, Fauna e das Belezas Cênicas dos Países da América, aprovada pelo Decreto Legislativo 3, de 1948, prever a impossibilidade de exploração das riquezas existentes nos parques nacionais depende da criação dos parques segundo as normas constitucionais e legais aplicáveis no âmbito territorial dos Governos Contratantes. Se o parque nacional foi “criado apenas no papel”, mas não implementado com observância da Constituição e da legislação infraconstitucional aplicável, a proibição constante da convenção é inaplicável em virtude da inexistência do parque nacional devidamente implementado. Dessa forma, esse dispositivo convencional não constitui óbice ao reconhecimento da caducidade do decreto expropriatório. [...] O caráter propter rem das obrigações ambientais nada tem a ver com a omissão do Poder Público na implementação do parque nacional em causa. Não pode a Administração criar parques nacionais a seu bel prazer sem respeitar a Constituição e as leis aplicáveis nesse particular. Sem a efetiva desapropriação do imóvel de propriedade dos autores, a Administração não pode exigir que eles procedam como se o parque tivesse sido efetivamente implementado. Nesse contexto fático, a Constituição proíbe o confisco. Como anteriormente exposto, a proibição de exploração constante da convenção ambiental invocada pelo apelante somente é aplicável aos parques efetivamente implementados, e, não, àqueles “criados apenas no papel”. Nesse contexto, a data em que o imóvel foi adquirido pelos autores constitui dado irrelevante na decisão da causa. [...] A conclusão desta Corte não implica redução, alteração ou supressão dos limites de unidade de conservação por decisão judicial. CF, Art. 225, § 1º, III; Lei 9.985, Art. 22, § 7º. Apenas estabelece que, sem a expropriação do imóvel, a implementação da unidade de conservação não se encontra completa. A alegação de que a exigência de implementação do parque nacional criado pelo Poder Executivo Federal implica ofensa ao princípio que proíbe o retrocesso em matéria ambiental também é improcedente. O entendimento defendido pelos réus importa em ofensa à Constituição da República, que assegura o direito de propriedade e o direito à indenização pela expropriação ou pelo uso público da propriedade privada (CR, Art. 5º, XXII, XXIV e XXV) e que prevê a observância, pela Administração Pública, do “devido processo legal” e da “legalidade” (CR, Art. 5º, LIV, e Art. 37, caput) para a expropriação da propriedade privada. CR, Art. 5º, XXIV. Por isso, a conclusão desta Corte não implica ofensa à decisão prolatada pelo STF, invocada pelo juízo. No aludido julgado, o STF concluiu pela “[i]mpossibilidade de alteração de espaços territoriais especialmente protegidos por meio de medida provisória”. (STF, ADI 4717, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 05-04-2018, DJe-031 15-02-2019.) Na espécie, no entanto, não foi declarada a redução do espaço territorial especialmente protegido, mas, apenas, a caducidade do decreto de desapropriação. Essa conclusão não implica a impossibilidade de edição de novo decreto e de propositura da ação de desapropriação no prazo decadencial aplicável. Ademais, em caso no qual o Tribunal Regional Federal da 5ª Região reconheceu a caducidade do Decreto de criação do Parque Nacional da Serra de Itabaiana, o Ministro CELSO DE MELLO não conheceu do recurso extraordinário. (STF, RE 1217239/SE, Relator(a): CELSO DE MELLO, julgado em 01/08/2019, DJe-173 09/08/2019.) O Relator observou que “o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária, ao decidir a controvérsia jurídica objeto deste processo, dirimiu a questão com fundamento em legislação infraconstitucional (Decreto-Lei nº 3.365/41), o que torna incognoscível o apelo extremo.” (STF, RE 1217239/SE, supra.) (Grifo suprimido.) Na mesma direção, o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI confirmou acórdão em que esta Corte declarou “a caducidade do Decreto Sem Número (DSN) de 16/07/2002, publicado em 17/07/2002”, por meio do qual foi criado o Parque Nacional Nascentes do Rio Parnaíba (PARNA). (STF, RE 1347766/MA, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 29/11/2021, DJe-237 01/12/2021.) Nesse recurso extraordinário, alegava-se “ofensa aos arts. 5º, XXIII, e 225, § 1º, III” da CR. (STF, RE 1347766/MA, supra.) Com base no parecer do MPF, de autoria do Dr. Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho, o Relator observou que “[a] lide foi decidida mais ao teor das normas infraconstitucionais quanto à caducidade em se propor a ação de desapropriação e não precipuamente ao teor dos princípios constitucionais da função social da propriedade e do direito ao meio ambiente equilibrado.” (STF, RE 1347766/MA, supra.) Noutro caso, o Ministro EDSON FACHIN confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná em que foi negada indenização por desapropriação indireta em virtude da caducidade do decreto de desapropriação por meio do qual fora criada reserva florestal. (STF, ARE 1383086/PR, Relator(a): EDSON FACHIN, julgado em 31/05/2022, DJe-s/n 01/06/2022.) Ora, se o proprietário do imóvel não pode ser indenizado em virtude da caducidade do decreto de desapropriação, também não pode ser prejudicado em decorrência dela, caducidade. Em outras palavras, se a caducidade do decreto afasta a indenização por desapropriação indireta, por identidade de razão arrosta, igualmente, as restrições administrativas decorrentes da criação da unidade de conservação. A prevalecer o entendimento dos réus, o Estado poderia criar unidade de conservação, incidente sobre o patrimônio privado, sem qualquer indenização, o que caracterizaria confisco, o qual somente é admitido nas restritas hipóteses previstas na Constituição da República. CR, Art. 150, IV, e Art. 243. [...] O ICMBio alega que, nos termos do Art. 20 da LINDB, é inadmissível a decisão “com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.” A conclusão desta Corte não está fundada “em valores jurídicos abstratos”, mas, sim, na exigência da observância, pela Administração Pública, do “devido processo legal” e da “legalidade” (CR, Art. 5º, LIV, e Art. 37, caput) para a expropriação da propriedade privada. CR, Art. 5º, XXIV. [...] O ICMBio argumenta “que o ato de criação do parque, por si, não é hábil a retirar o domínio do particular sobre a área afetada, mas tão-somente a impor-lhe as restrições adequadas à preservação ambiental.” No entanto, a imposição dessas restrições deve obediência ao “devido processo legal” e à “legalidade”. CR, Art. 5º, LIV, e Art. 37, caput. [...] Diante da garantia prevista no Art. 5º, XXIV, da CR, é improcedente a pretensão à imposição ao proprietário de conservação integral da propriedade sem a correspondente indenização. Assim sendo, o argumento de que a criação de unidade de conservação independe de desapropriação carece de fundamento jurídico para impor restrição integral ao direito de propriedade. Como acima destacado, enquanto não houver a imissão na posse, o proprietário pode usar, gozar e dispor do imóvel objeto de decreto expropriatório. Código Civil, Art. 1.228, caput. “A simples declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação, não retira do proprietário do imóvel o direito de usar, gozar e dispor do seu bem, podendo até aliená-lo.” (STJ, REsp 239.687/SP, supra; REsp 1111364/SP, supra.) [...] No presente caso, a ação de desapropriação ainda não foi proposta, e, assim, os autores podem continuar a usar e a dispor de seu imóvel. (TRF1, AC 1002146-16.2020.4.01.3303/BA, QUARTA TURMA, PJe 03/04/2024.) II A. Como adiantei ao formular o pedido de vista, esses fundamentos foram afastados pelo STJ em recentes precedentes, bem como pelo Ministro DIAS TOFFOLI, em decisão unipessoal no STF. No STF, o Ministro DIAS TOFFOLI, em decisão unipessoal, concluiu que a “Suprema Corte tem sido categórica no entendimento de que as unidades de conservação só podem ser extintas, reduzidas ou recategorizadas por lei, nos termos do artigo 225, § 1º, III, da CF/88. E é por isso mesmo que não me parece demasia anotar que eventual inércia do Poder Público em efetivar desapropriação de imóveis inseridos em unidade de conservação; a demora na elaboração do Plano de Manejo; tampouco a demora dos administradores em estruturar a unidade de conservação não podem conduzir, por si sós, à extinção desses espaços territoriais que são recobertos de proteção constitucional.” (STF, RE 1523176 AgR/SC, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 29/04/2025, DJe-s/n 05/05/2025.) No mesmo sentido, o STJ tem decidido, recentemente, que “[a] A caducidade dos decretos de interesse social e utilidade pública é inaplicável aos atos vinculados às unidades de conservação de domínio público, como é o caso do parque nacional, ante a incompatibilidade entre as normas administrativas gerais da desapropriação (Decreto-Lei n. 3.365/1941 e Lei n. 4.132/1962) e a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (Lei n. 9.985/2000). [...] Tanto as restrições ambientais quanto o interesse expropriatório do Estado sobre os imóveis afetados pelas unidades de conservação de domínio público decorrem da própria lei que regula essas unidades. A lei do SNUC (Lei n. 9.985/2000) é taxativa ao impor o domínio público, com consequente afetação ao erário, dos imóveis alcançados por unidades de conservação desse gênero: estação ecológica (art. 9º, § 1º), reserva biológica (art. 10, § 1º), parque nacional (art. 11, § 1º), floresta nacional (art. 17, § 1º), reserva extrativista (art. 18, § 1º), reserva da fauna (art. 19, § 1º), e reserva de desenvolvimento sustentável (art. 20, § 2º). [...] A especialidade e superveniência da Lei n. 9.985/2000 afasta as normas gerais de desapropriação por interesse social e utilidade pública no que são com ela incompatíveis, prevalecendo a autonomia do ramo do Direito Ambiental sobre as normas gerais do Direito Administrativo em sentido estrito. [...] O interesse estatal na desapropriação dos imóveis privados afetados por unidades de conservação de domínio público decorre diretamente da criação dessas unidades, e perdura enquanto elas existirem. O interesse expropriatório de caráter ambiental não se confunde integralmente com o interesse social ou a utilidade pública, sendo regido pelas suas normas específicas, quando incompatíveis com as leis que regem as desapropriações administrativas em geral. [...] A criação de unidade de conservação não é revertida pelo decurso do prazo para ajuizamento das ações de desapropriação dos imóveis particulares afetados. Somente lei, em sentido estrito, pode desafetar ou reduzir a área de unidade de conservação. [...] A desapropriação dos bens privados afetados é consequência, não premissa, da criação da unidade de conservação de domínio público. [...] Portanto: i) no âmbito das unidades de conservação de domínio público, o próprio ato de criação da unidade corresponde à fase declaratória da etapa administrativa da ação de desapropriação, que afirma o interesse estatal nas áreas privadas afetadas; ii) esse interesse é de caráter ambiental, distinto das declarações de utilidade pública ou de interesse social; iii) o interesse público ambiental na área objeto de unidade de conservação de domínio público dura enquanto a própria unidade de conservação não for extinta, por lei em sentido estrito, não estando sujeito à caducidade pela simples passagem de tempo. [...] O desatendimento do prazo para efetivação do procedimento administrativo expropriatório enseja eventual ação indenizatória do particular por desapropriação indireta ou limitação administrativa, observados os respectivos prazos prescricionais, mas jamais a reversão automática das restrições ambientais ou do domínio público resultantes diretamente, por força de lei, da criação da unidade de conservação. Os casos concretos deverão levar em conta, na indenização, a incidência ou não de juros compensatórios (ante a possível ausência de imissão estatal na posse), o passivo ambiental a ser descontado do preço pago ao expropriado, o termo inicial da prescrição e outros relevantes à solução da causa. [...] Declarado o interesse ambiental do Estado na área, pelo ato de criação da unidade de conservação, não é o decurso de tempo da omissão estatal no cumprimento de seus deveres associados a esse ato que lhe retira suas características especiais de tutela do meio ambiente ou mitiga sua existência.” (STJ, REsp 2.006.687/SE, relator Ministro AFRÂNIO VILELA, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/5/2025, DJEN de 28/5/2025.) Na mesma direção: STJ, REsp 2.172.289/MA, relator Ministro AFRÂNIO VILELA, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/5/2025, DJEN de 29/5/2025. Na espécie, não estamos diante de decreto de criação de unidade de conservação da natureza, donde a inaplicabilidade à espécie do disposto na Constituição da República, Art. 225, § 1º, III. No tocante aos territórios quilombolas, o Constituinte de 1988 dispôs que “[f]içam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.” CR, Art. 216, § 5º. Além disso, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ficou estabelecido que “[a]os remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.” ADCT, Art. 68. Nenhum desses dispositivos autoriza o confisco das terras necessárias à constituição dos territórios quilombolas. Assim sendo, o proprietário despojado de sua propriedade tem direito à justa indenização. CR, Art. 5º, XXIV. Nesse sentido, o STJ decidiu que “[o] art. 68 do ADCT (‘Aos remanescentes das comunidades de quilombos é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos’) não acarretou a perda imediata (compulsória) das terras particulares em benefício dos quilombolas, as quais devem ser previamente desapropriadas para que haja a nova titulação em nome da comunidade. [...] Sendo o imóvel em apreço de domínio particular, não invalidado por nulidade, prescrição ou comissão, nem tornado ineficaz por outros fundamentos, o art. 13 do Decreto n. 4.887/2003 dispõe que deve ser realizada a vistoria e avaliação, objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriação.” (STJ, AgInt no REsp 2.035.814/PB, relator Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/6/2024, DJe de 26/6/2024.) Assim sendo, a mera edição do Decreto de 20 de novembro de 2009 não implicou a passagem do imóvel de propriedade dos autores para o domínio público. Como enfatizado pelo STJ, impõe-se “a adoção dos atos necessários à sua desapropriação.” (STJ, AgInt no REsp 2.035.814/PB, supra.) B. No tocante aos decretos de criação de território quilombola, o STJ concluiu, em caso envolvendo a questão de “saber se o prazo de caducidade de 2 anos previsto no art. 3º da Lei 4.132/1962 se aplica às desapropriações destinadas à titulação de terras para comunidades quilombolas”, que: “O Decreto 4.887/2003, que regulamenta a titulação de terras quilombolas, é considerado um decreto autônomo com validade direta da Constituição Federal, não prevendo prazos de caducidade. [...] A desapropriação para comunidades quilombolas possui caráter reparatório e de promoção de direitos fundamentais, não se aplicando a esse procedimento os prazos de caducidade das desapropriações comuns. [...] A ocupação tradicional das terras quilombolas justifica, portanto, um regime jurídico diferenciado, nos termos decididos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239.” (STJ, REsp 2.000.449/MT, relator Ministro PAULO SÉRGIO DOMINGUES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/11/2024, DJEN de 9/12/2024.) Em consequência, os recursos especiais interpostos pelo Incra e pelo Ministério Público Federal (MPF) foram providos “para reformar o acórdão recorrido e reconhecer a inaplicabilidade do prazo de caducidade ao decreto expropriatório que fundamenta a ação originária.” (STJ, REsp 2.000.449/MT, supra.) Esse julgado, prolatado em novembro de 2024, contraria o entendimento manifestado pela Corte Cidadã pelo menos até junho de 2024, “segundo a qual é indiscutível a incidência do fenômeno da caducidade do decreto expropriatório - seja pelo prazo de 2 (dois) anos, seja pelo transcurso de 5 (cinco) -, a depender da fundamentação do Poder Público, conforme previsto no art. 10 do Decreto-Lei n. 3.365/1941 (desapropriação por utilidade pública), no art. 3º da Lei n. 4.132/1962 (desapropriação por interesse social) ou no art. 3º da LC n. 76/1993 (desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária).” (STJ, AgInt no REsp 2.035.814/PB, relator Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/6/2024, DJe de 26/6/2024.) A conclusão do acórdão mais recente do STJ foi acolhida pela Décima Turma desta Corte, ao decidir que: “Conforme recentíssimo entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, ‘a desapropriação para comunidades quilombolas possui caráter reparatório e de promoção de direitos fundamentais, não se aplicando a esse procedimento os prazos de caducidade das desapropriações comuns. (...) A ocupação tradicional das terras quilombolas justifica, portanto, um regime jurídico diferenciado, nos termos decididos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239.’ (REsp n. 2.000.449/MT, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 26/11/2024, DJe de 9/12/2024).” (TRF1, 1002392-34.2024.4.01.3315/BA, Desembargadora Federal DANIELE MARANHÃO, DÉCIMA TURMA, PJe 21/03/2025.) Nesse contexto, concordo com o eminente Relator no sentido de afastar a declaração de nulidade do decreto em causa em virtude da inaplicabilidade à espécie dos prazos de caducidade “previstos no art. 10 do DL 3.365/41 (desapropriação por utilidade pública) ou no art. 3º da Lei 4.132/62 (desapropriação por interesse social)”. (TRF1, 1002392-34.2024.4.01.3315/BA, supra.) C. No entanto, e, como adiantei ao pedir vista destes autos, é necessário ressalvar, expressamente, que os proprietários têm direito de ajuizar ação de indenização por desapropriação indireta ou de continuar a usar, gozar e dispor do imóvel objeto de decreto expropriatório, enquanto não efetuado o pagamento da justa indenização. Código Civil, Art. 1.228, caput. A Constituição da República somente admite o confisco de bens nos casos expressamente nela previstos. CR, Art. 243. Em todas as outras oportunidades em que o Estado lança mão da propriedade privada, sem a aquiescência do proprietário, deve fazê-lo mediante o pagamento de “justa e prévia indenização em dinheiro”. CR, Art. 5º, XXIV. Além disso, e, “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”. CR, Art. 5º, XXV. Segundo exposto pelos autores, os funcionários do Incra recomendaram a eles a paralisação das atividades pecuárias no imóvel e a implantação de benfeitorias, o que causa prejuízos aos autores, que continuam a ser sujeitos passivos do Imposto Territorial Rural (ITR) e obrigados a fazer inscrição em diversos cadastros aplicáveis aos imóveis rurais. Considerando que os autores foram impedidos, por orientação dos funcionários do Incra, de usar, gozar e dispor do imóvel de sua propriedade (Código Civil, Art. 1.228), é cabível a indenização por desapropriação indireta. Nesse contexto, a persistência dos efeitos do Decreto de 20 de novembro de 2009 (Id. 421955064) não pode impedir os autores de usar, gozar e dispor do imóvel de sua propriedade. Código Civil, Art. 1.228. Assim, a constituição do território quilombola deve ser compatibilizada com a Constituição da República no sentido de assegurar o pagamento de justa indenização aos proprietários despojados de suas terras em decorrência da declaração de interesse social. Na espécie, o decurso de mais de 15 anos desde a declaração de interesse social para fins de desapropriação (Decreto de 20/11/2009) autoriza o proprietário prejudicado por essa declaração a propor ação de indenização decorrente da desapropriação indireta de seu imóvel. Se não for admitido o ajuizamento da ação de indenização por desapropriação indireta, haverá confisco de propriedade fora das hipóteses previstas na Constituição da República, em clara ofensa ao disposto na CR, Art. 5º, XXIV. A Administração Pública não pode se beneficiar de sua própria torpeza ao editar decreto de desapropriação por interesse social, não ajuizar a ação de desapropriação depois de mais de 15 anos desde a edição do decreto, fomentar a invasão da propriedade privada antes da imissão dela na posse do imóvel declarado de interesse social, e deixar o proprietário sem sua propriedade e sem indenização. Nessa direção, o STJ reconheceu que “[a] exigência de desapropriação indenizada para incorporação do imóvel particular ao patrimônio público é regra constitucional geral (art. 5º, XXIV, da CF/1988), excetuada apenas a sancionatória (art. 243 da CF/1988). Em quaisquer dos casos de necessidade de indenização prévia para transferência do bem ao erário, o descumprimento da previsão constitucional enseja a respectiva ação indenizatória por desapropriação indireta, que pressupõe a irreversibilidade, legal ou fática, da propriedade ao particular.” (STJ, REsp 2.172.289/MA, relator Ministro AFRÂNIO VILELA, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/5/2025, DJEN de 29/5/2025.) Depois de invocar a lição de que “[o] conceito de desapropriação indireta retrata situação fática em que a Administração, sem qualquer título legítimo, ocupa indevidamente a propriedade privada. Incorporado de forma irreversível e plena o bem particular ao patrimônio público, resta ao esbulhado apenas a ação indenizatória por desapropriação indireta”, o STJ concluiu que “as mesmas razões do cabimento da ação reparatória nos casos usuais incide também no caso da criação de unidades de conservação.” (STJ, REsp 2.172.289/MA, supra.) Além disso, a Corte Superior enfatizou que: “Se a desapropriação é consequência, não premissa, da criação da unidade de conservação, o eventual descumprimento da fase executiva da desapropriação, com a correspondente indenização e transferência legítima e formal do imóvel privado ao domínio público, resulta não na reversão do fato jurídico de criação da unidade de conservação, nem da imissão do Estado na posse do bem, mas no cabimento da respectiva ação indenizatória, por caracterização do ilícito administrativo conhecido como desapropriação indireta.” (STJ, REsp 2.172.289/MA, supra.) Na mesma direção: STJ, REsp 2.006.687/SE, relator Ministro AFRÂNIO VILELA, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/5/2025, DJEN de 28/5/2025. Assim sendo, é inegável o direito dos autores de ajuizar ação de desapropriação indireta contra os réus visando ao pagamento de indenização decorrente da criação de território quilombola no imóvel de propriedade deles. D. No julgamento do Tema Repetitivo 1019, “[p]ara fins do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015”, o STJ fixou a seguinte tese jurídica: “O prazo prescricional aplicável à desapropriação indireta, na hipótese em que o Poder Público tenha realizado obras no local ou atribuído natureza de utilidade pública ou de interesse social ao imóvel, é de 10 anos, conforme parágrafo único do art. 1.238 do CC”. (STJ, REsp 1.757.352/SC e REsp 1.757.385/SC, relator Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/2/2020, DJe de 7/5/2020.) Assim, e, a despeito da ausência de nulidade do Decreto de 20 de novembro de 2009, os autores têm direito de continuar a usar, gozar e dispor do imóvel de sua propriedade (Código Civil, Art. 1.228), enquanto não for paga a justa e prévia indenização (CR, Art. 5º, XXIV), ou de ajuizar ação de indenização por desapropriação indireta, cuja pretensão não se encontra prescrita, tendo em vista que a Administração Pública ainda não implantou o assentamento quilombola nas terras dos autores. (STJ, REsp 1.757.352/SC e REsp 1.757.385/SC, supra.) III A. Os autores requerem a concessão a eles dos benefícios da gratuidade da justiça. Os autores sustentam que todos eles “possuem idade avançada, com mais de 60 (sessenta) anos, possuindo proventos apenas de aposentadorias as quais são suficientes apenas para o sustento próprio e da família, não havendo desta forma a possibilidade de suportarem este ônus.” Id. 421955167. B. “[D]e acordo com o disposto no art. 99 do CPC/2015, a gratuidade da justiça pode ser solicitada a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição. Nessa linha: (AgInt nos EDcl no AREsp 1.064.017/SC, 4ª Turma, DJe de 20/5/2019; AgInt no AREsp 862.843/PR, 3ª Turma, DJe de 28/8/2017; e AgRg no Ag 979.812/SP, 3ª Turma, DJe de 5/11/2008).” (STJ, EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1779710/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2021, DJe 19/08/2021.) “A concessão da gratuidade judiciária é possível a qualquer tempo, porém, a concessão desse benefício somente produzirá efeitos quanto aos atos processuais posteriores ao pedido, sendo vedada a retroatividade para alcançar encargos fixados em momento anterior (despesas processuais e honorários advocatícios decorrentes da sucumbência) ao deferimento do benefício. Precedente: AgInt no REsp 1.855.069/RJ, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma DJe 17/2/2021.” (STJ, AgInt no REsp 1886651/SE, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2021, DJe 03/08/2021.) “Consoante o entendimento desta Corte, não obstante a parte interessada possa, a qualquer tempo, formular pedido de concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, o eventual deferimento somente produzirá efeitos quanto aos atos processuais relacionados ao momento do pedido ou os posteriores a ele, não sendo admitida, portanto, sua retroatividade.” (STJ, AgInt no REsp 1.855.069/RJ, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 8/2/2021, DJe 17/2/2021.) “É assente na jurisprudência do STJ que a simples declaração de hipossuficiência da pessoa natural, ainda que dotada de presunção iuris tantum, é suficiente ao deferimento do pedido de gratuidade de justiça quando não ilidida por outros elementos dos autos.” (STJ, AgInt no REsp 1940053/AL, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/10/2021, DJe 21/10/2021.) “‘Nos termos do Art. 98, caput, do CPC, ‘a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.’ Por sua vez, o Art. 99, § 3º, do CPC, dispõe que ‘presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.’ [...]. (TRF 1ª Região, ACR 0002087-92.2008.4.01.3100/AP.) A afirmação feita pela parte não depende de prova, porquanto nos termos do art. 374, IV, do CPC, `não dependem de prova os fatos, inter alia, ‘em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.’ (TRF 1ª Região, AC 0000615-36.2007.4.01.3700/MA.)” (TRF1, AC 0039772-72.2009.4.01.3400/DF, Rel. Juiz Federal LEÃO APARECIDO ALVES (Conv.), QUARTA TURMA, e-DJF1 de 14/09/2017.) No entanto, a concessão desse benefício “não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência, os quais ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade. A propósito: AgInt nos EDcl no ARESP 1.490.706/SP, 3ª Turma, DJe de 05/12/2019; e, AgInt no ARESP 1.564.411 - RS, 3ª Turma, DJe de 19/02/2020.” (STJ, EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1779710/DF, supra.) “A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.” CPC, Art. 98, § 2º. Assim, “[v]encido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.” CPC, Art. 98, § 3º. No mesmo sentido, dispunha a Lei 1.060, de 1950, Art. 12: “A parte beneficiada pela isenção do pagamento das custas ficará obrigada a pagá-las, desde que possa fazê-lo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, se dentro de cinco anos, a contar da sentença final, o assistido não puder satisfazer tal pagamento, a obrigação ficará prescrita.” C. Na espécie, o requerimento de gratuidade da justiça não foi objeto de impugnação pela parte contrária. Id. 421955172. Além disso, inexistem nos autos elementos probatórios idôneos para ilidir o pedido. Tendo em vista que a afirmação feita pelos autores presume-se verdadeira, bem como que essa afirmação não foi afastada pelos réus, defiro aos autores o pedido de “gratuidade da justiça”. CPC, Art. 98, caput, § 3º, e Art. 99, § 3º. IV Em conformidade com a fundamentação acima, acompanho a conclusão do eminente Relator, e, assim, voto pelo parcial provimento da apelação interposta pelos autores. [1] No mesmo sentido, reconhecendo que “os Tribunais Superiores são soberanos no tocante ao exame de legalidade.” (STF, AI 360321 AgR, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 26/03/2002, DJ 26-04-2002 P. 75.) [2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 82. [3] Apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e Controle Jurisdicional. 2. ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 51. [4] FAGUNDES, Miguel Seabra. Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 3. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 1957, p. 100. [5] STJ, HC 190.334/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Quinta Turma, j. em 10/05/2011, DJe 09/06/2011. [6] TRF 5ª Região, AC 89.05.09532-1/RN, Rel. Desembargador Federal JOSÉ DELGADO, Segunda Turma, DJ 10/04/1990. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 10 - DESEMBARGADOR FEDERAL CÉSAR JATAHY Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1002659-20.2021.4.01.3506 PROCESSO REFERÊNCIA: 1002659-20.2021.4.01.3506/GO CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: DORALICE DE PAULA E SOUZA SANTOS, PACIFICO DE PAULA E SOUSA, ALENIR DOS SANTOS BARBOSA, AVANI BATISTA CORDEIRO, ESPÓLIO DE ALENIR DOS SANTOS BARBOSA, MARY DE FATIMA FERREIRA DE PAULA, ANILCE DE PAULA SOUSA CORDEIRO, JOAQUIM MARTINS SANTOS, JUVELAN DE PAULA E SOUZA, LINDAURA MARIA AZEVEDO JACUNDA DE PAULA, JOANA DE PAULA MARTINS Advogado do(a) APELANTE: ANTONIO MARCOS FERREIRA - GO2242-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA, FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES E M E N T A PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO DE TERRAS EM TERRITÓRIO QUILOMBOLA. DECRETO EXPROPRIATÓRIO COM MAIS DE 14 ANOS. ART. 3º DA LEI Nº 4.132/1962. CADUCIDADE. DISTINGUISHING. ÁREA COLETIVA ABRANGENTE. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE GLOBAL. DIREITO À PROPRIEDADE QUILOMBOLA INALTERADO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. ART. 85, § 8º, DO CPC. JUSTIÇA GRATUITA. CONCESSÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido formulado em ação declaratória de nulidade de ato administrativo, por meio do qual os autores buscavam a invalidação de decreto presidencial de desapropriação que incide sobre terras não só por eles ocupadas, integrantes do denominado Território Quilombola Kalunga. 2. O decurso do prazo de dois anos previsto na legislação específica (art. 3º da Lei 4.132/1962) acarreta a caducidade do decreto expropriatório, o que impossibilita a deflagração, a partir daquele ato, de eventual ação de desapropriação. Tal entendimento encontra amparo consolidado na jurisprudência pátria, que exige o respeito aos prazos legais como condição de validade dos atos administrativos que restringem direitos fundamentais, como o direito de propriedade. 3. Conquanto se reconheça a especial proteção constitucional conferida às comunidades quilombolas, nos termos do art. 68 do ADCT, tal disposição não tem o condão de afastar a incidência das normas legais que regem o procedimento expropriatório, especialmente quanto à sua eficácia temporal. 4. No caso, há um distinguishing relevante que impede o acolhimento do pedido de nulidade ampla e irrestrita do decreto, como formulado na presente ação. O Decreto Presidencial de 20/11/2009, que declarou de interesse social, para fins de desapropriação, os imóveis inseridos no Território Quilombola Kalunga, abrange extensa área (mais de 261 mil hectares), já tendo resultado em diversas ações e titulações favoráveis à comunidade tradicional. 5. A declaração judicial de nulidade do decreto em sua totalidade, como requerida, geraria efeitos indevidos sobre atos válidos e consolidados, o que não se mostra juridicamente razoável, tampouco proporcional. 6. A caducidade do decreto, nos termos da Lei nº 4.132/1962, não implica sua nulidade absoluta, mas apenas impede que venha a produzir efeitos futuros quanto à propositura de novas ações expropriatórias com base naquele ato. Isso não obsta, todavia, que os autores permaneçam na posse ou titularidade dos imóveis em questão, salvo se houver nova declaração de interesse social e a devida indenização, conforme determina a Constituição Federal, com o acréscimo de que a eventual continuidade dos procedimentos de desapropriação pelo INCRA, relativamente às áreas ocupadas pelos apelantes, dependerá da edição de novo decreto e da observância do devido processo legal, inclusive com o pagamento de indenização justa e prévia, se cabível. 7. O magistrado deve observar, na fixação dos honorários advocatícios, além dos parâmetros estabelecidos no art. 85 e seus parágrafos e incisos, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, para que a verba de sucumbência a ser fixada não venha a comprometer o próprio direito das partes com a fixação de percentual e/ou valor destoante do caso concreto, sob pena de subverter o próprio direito da parte submetido ao Estado-Juiz. 8. Honorários advocatícios fixados na forma do art. 85, § 8º, do CPC, que se estabelece em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), considerando o que dispõe o art. 8º, § 2º, do CPC. 9. Presentes os requisitos legais, deve ser concedida a justiça gratuita requerida. 10. Apelação parcialmente provida (itens 6 e 8). ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - Brasília-DF, 03 de junho de 2025. Desembargador Federal CÉSAR JATAHY Relator TL/
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