Processo nº 5211247-83.2025.8.09.0137
ID: 326671603
Tribunal: TJGO
Órgão: Rio Verde - 2º Juizado Especial Cível e Criminal
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 5211247-83.2025.8.09.0137
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA
OAB/GO XXXXXX
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Estado de GoiásPoder JudiciárioComarca de Rio Verde2º Juizado Especial Cível e CriminalSENTENÇA Processo nº : 5211247-83.2025.8.09.0137 Classe processual : PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO…
Estado de GoiásPoder JudiciárioComarca de Rio Verde2º Juizado Especial Cível e CriminalSENTENÇA Processo nº : 5211247-83.2025.8.09.0137 Classe processual : PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento do Juizado Especial Cível Requerente : Kenia Cristina Silva Guimaraes Requerida : Banco Pan S.a. Trata-se de “Ação visando a Conversão de Operação de Cartão de Crédito Consignado em Empréstimo Consignado Padrão c/c Indenização por Danos Morais com Pedido de Tutela de Urgência Antecipada” ajuizada por KENIA CRISTINA SILVA GUIMARÃES em face de BANCO PAN S.A., partes, devidamente, qualificadas nos presentes autos (ev. 01).Em consonância com o que se extrai do disposto nos artigos 2º e 38 da Lei n.º 9.099/95, que disciplina a dinâmica processual dos Juizados Especiais, a sentença fica dispensada da presença do relatório circunstanciado, em razão dos princípios basilares da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Em que pese tal faculdade, tenho por proveitosa uma breve exposição das questões de fato e de direito a serem sopesadas nesta etapa do itinerário procedimental. De conformidade com a narrativa contida na peça de ingresso, bem ainda segundo os documentos que a acompanham, a autora alegou, em síntese, que é pensionista do INSS (Benefício n. 164.149.490-2) e que em janeiro/2024 identificou descontados mensais em seu benefício previdenciário sob a rubrica “Empréstimo de Cartão de Crédito - RMC”.Prosseguiu relatando que em 29/11/2016 realizou, com o requerido, a contratação de empréstimo (contrato de nº 02293912611200030 317) acreditando tratar-se de empréstimo consignado comum quando, em verdade, a contratação se deu sob a modalidade de cartão de crédito consignado (RMC) com um limite de R$ 2.375,00, modalidade esta jamais pretendida por ela.Continuou narrando que a soma dos descontos debitados em seu benefício previdenciário, desde a data em que começaram, somam a quantia atualizada de R$ 12.715,61. Após, repisou que não foi devidamente informada quanto a modalidade da contratação firmada, que foi maliciosamente omitida, e que os descontos realizados pelo requerido tem o condão de gerar uma dívida perpétua e impagável, já que apenas há em seu benefício o desconto da parcela mínima.Alegou, também, que por desconhecer a contratação objeto dos autos, formalizou reclamação junto ao Procon (F.A. 25.02.0248.001.00254-3), tendo o requerido, em resposta, defendido a regularidade e validade da contratação impugnada ao argumento de que ela se deu por meio de assinatura física em Termo de Adesão ao Cartão de Crédito Consignado, que foi colacionado na referida reclamação juntamente com alguns comprovantes de transferências bancárias realizadas em conta de sua titularidade.A par desses fatos e ao argumento de que houve cobrança ilícita por parte do requerido, bem ainda pugnando pela aplicação da Súmula n° 63 deste Tribunal de Justiça, a autora requereu, em sede de tutela antecipada, a cessação dos descontos objeto da contratação impugnada, sob pena de multa diária. No mérito, requereu a declaração de nulidade do contrato impugnado com a sua conversão (de empréstimo de cartão de crédito RMC) para empréstimo consignado comum (tradicional), com aplicação da taxa de juros pertinente, e com o abatimento, na contratação convertida, dos valores já pagos e a restituição, em dobro, dos valores descontados a maior (em excesso), e, também, a condenação do promovido ao pagamento de indenização por danos morais (R$ 10.000,00). Postulou, ainda, a concessão da gratuidade da justiça e a decretação da inversão do ônus da prova. Juntou documentos (ev. 01).Na decisão do ev. 06 a inicial foi recebida, oportunidade em que o pedido liminar foi indeferido. Após, foi decretada a inversão do ônus da prova e determinada a citação e intimação do promovido, bem como a designação do ato conciliatório.Percorrido o itinerário procedimental, devidamente citado para fins deste processo, o Banco requerido apresentou contestação (ev. 21) aduzindo, em preliminar a irregularidade da procuração acostada na inicial ao argumento de que ela se deu de forma genérica. Após, impugnou o valor da causa e invocou a prejudicial do mérito da decadência. No mérito, defendeu a regularidade da contratação objeto dos autos ao argumento de que a autora anuiu livremente ao contrato de cartão de crédito, bandeira Visa, final 0016, mediante assinatura em instrumento próprio, que conteve informações expressas e seguras de que ela se referia ao produto de cartão de crédito consignado. Sustentou, ademais, a ausência de vicio de consentimento ou erro substancial no momento da contratação, e informou que a autora optou pelo saque do valor R$ 2.251,00, que foi depositado em conta de sua titularidade e, após, utilizou o cartão de crédito consignado para saques complementares nos valores de R$ 486,00 e R$ 500,00, repisando que ela tinha pleno conhecimento quanto as características e condições da operação. Além disso, aduziu que a autora utilizou o plástico para compras pessoais conforme comprovam as faturas do cartão de crédito colacionadas à defesa. Em seguida, teceu comentários sobre a Lei n. 13.172/2015; sustentou, mais uma vez, a regularidade das cobranças realizadas no benefício previdenciário da autora; defendeu a necessidade de manutenção da avença na forma como contratada; aduziu a impossibilidade de declaração de inexistência de débito ante a ausência de quitação do contrato; alegou a necessidade de restituição das partes ao status quo ante caso seja decretada a nulidade da contratação, isto é, de condenação da autora na restituição do numerário objeto dos empréstimos impugnados e a impossibilidade de repetição de indébito. Ao final, pugnou, pela improcedência do pedido da peça de ingresso e, no caso de procedência dos pedidos da inicial, a compensação dos valores devidos a título da contratação rescindenda.Realizada audiência de conciliação sem acordo (ev. 22)Sobreveio aos autos impugnação à contestação (ev. 25) oportunidade que a parte autora refutou os argumentos da defesa apresentada e repisou os fatos, fundamentos e pedidos da peça de ingresso, ponderando que o objeto da presente ação é a conversão da modalidade de empréstimo contratado de consignado via cartão de crédito para consignado tradicional, e ratificando que quando da contratação não foi devidamente informada quanto ao real tipo da avença firmada.Na decisão do ev. 27, foi determinada a remessa dos autos à Contadoria Judicial para elaboração dos cálculos da contratação objeto dos autos (taxa de juros média aplicável e eventual valor a título de restituição pelo excesso de pagamento das contratações impugnadas), tendo a resposta sido acostada no ev. 28.Devidamente intimadas, a autora manifestou quanto aos cálculos apresentados pela contadoria no ev. 33 e a requerida no ev. 34.Ausente outras intercorrências, vieram-me os autos conclusos.DECIDO.Em proêmio, no que tange ao pedido de concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita à autora, registro que, no primeiro grau de jurisdição do Juizado Especial há a isenção do pagamento de custas, taxas ou despesas processuais decorre de lei, nos termos do artigo 54, caput, da Lei nº 9.099/95, de forma que referido pedido se encontra prejudicado, devendo ser feito, se necessário, quando da interposição de Recurso Inominado.Assevero, também, que manifestamente infundada e descabida a alegação do requerido de vício na procuração ao argumento de que ela foi outorgada para o foro em geral e por não conter a delimitação necessária e adequada da vontade da concedente do mandato. E isso porque, ao contrário do alegado pelo Banco requerido, não há essa obrigatoriedade no diploma legal vigente (CPC), até porque se assim fosse, também o mandato conferido ao seu patrono conteria vício, já que lavrada mediante instrumento público (por tabelionato) e de forma mais ampla possível, a fim de atender as mais variadas defesas da instituição financeira.Não bastasse isso, registro que uma vez que a autora compareceu na audiência de conciliação (ev. 22) acompanhada de advogado, referida representação foi nela ratificada, já que a celebração de mandato pode se dar, inclusive, de forma verbal, consoante art. §3º, art. 9º da Lei. 9.099/95.No que diz respeito da preliminar de impugnação ao valor da causa, esclareço que a luz do art. 291 do Código de Processo Civil, a toda causa será atribuído valor certo, ainda que sem conteúdo econômico, sendo ele de suma importância para auferir o recolhimento das custas, a sucumbência e a aplicação das sanções processuais, podendo o juiz corrigi-lo de ofício e por arbitramento quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido.Adiante, o art. 292, II, V e VI, do CPC estatui que a ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; que a ação indenizatória, terá como valor a soma dos pedidos e ainda que, no caso de cumulação, de pedidos o valor da causa corresponderá à soma de todos eles. Sobre o tema, me filio a jurisprudência a pacífica dos Tribunais pátrios: PROCESSO CIVIL. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. PEDIDO GENÉRICO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. VALOR DA CAUSA. SOMA DOS PEDIDOS CERTOS E DETERMINADOS. 1. O valor da causa deve corresponder ao conteúdo econômico da pretensão. Demais disso, havendo cumulação de pedidos o valor da causa deverá corresponder à soma de todos eles (art. 259, inciso II, CPC). 2. Não tendo sido fixado valor certo em relação aos danos morais, inexistindo qualquer indicação a respeito do montante minimamente almejado capaz de refletir o benefício econômico pretendido com a indenização, e, por outro lado, havendo cumulação de pedidos, o valor da causa deverá refletir a soma dos valores correspondentes aos pedidos certos e determinados (TJ-PE – AI: 4275254 PE, Relator: Fábio Eugênio Dantas de Oliveira Lima, Data de Julgamento: 11/05/2016, 1ª Câmara Regional de Caruaru – 1ª Turma, Data de Publicação: 02/06/2016) Dito isso, e, considerando que o valor da causa (22.715,61), na presente ação, corresponde ao proveito econômico pleiteado pela autora, sobretudo porque traduz a soma dos pleitos anulatório, de pedido de repetição de indébito (R$ 12.715,61) e indenizatório (R$ 10.000,00), entendo correto o valor por ela atribuído aos presentes autos, razão pela qual REJEITO a preliminar de impugnação do valor da causa.Por fim, tenho que não há que se falar em decadência para a autora pleitear a anulação do negócio jurídico realizado, com fundamento no art. 178, inc. II do CC. E isso porque em se tratando de obrigação com prestação continuada, é cediço que a pretensão se renova a cada mês, de forma que resta obstada a pronúncia da aludida decadência. Confira-se: APELAÇÃO. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. 1) Decadência. Pretensão do Banco apelante de ver reconhecida a decadência do prazo para a autora pleitear a anulação do negócio jurídico realizado, com fundamento no art. 178, inc. II do CC. Inocorrência. O cerne da questão envolve declaração de nulidade do contrato e pretensão condenatória, sendo aplicável, portanto, o prazo prescricional previsto no Código Civil. Ademais, cuida-se de relação de prestação continuada, o que impede a pronúncia da decadência, uma vez que a pretensão se renova a cada mês. 2) Cartão de crédito consignado, com aparência de empréstimo consignado tradicional. Indução em erro essencial quanto à natureza do negócio jurídico. Anulação, nos termos do art. 138 do CC. Conversão possível (art. 170 do CC). Empréstimo que deverá ser recalculado em cumprimento de sentença, com base nas regras existentes para empréstimos consignados. Incabível a devolução em dobro das quantias pagas, pois houve empréstimo efetivo, malgrado em modalidade não desejada pela consumidora. 3) Danos morais não configurados. Direitos da personalidade que não foram violados. Dignidade preservada. Reforma parcial da sentença, apenas para afastar os danos morais. Sucumbência recíproca mantida. - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-SP - AC: 10020998120208260047 SP 1002099-81.2020.8.26.0047, Relator: Edgard Rosa, Data de Julgamento: 16/02/2021, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/02/2021).EMENTA APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C NULIDADE CONTRATUAL, RESTITUIÇÃO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PREJUDICIAL DE MÉRITO - PRESCRIÇÃO - PRAZO DE 10 ANOS - TERMO INICIAL - EFETIVO PAGAMENTO - REJEITADA - PREJUDICIAL DE MÉRITO - DECADÊNCIA - OBRIGAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO - REJEITADA - CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) - DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO - VÍCIO DE CONSENTIMENTO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. “(...). 1. A jurisprudência do STJ entende que a pretensão de repetição de valores pagos indevidamente em função de contrato bancário está sujeita ao prazo prescricional vintenário na vigência do CC/1916 e ao decenal na vigência do CC/2002, contado da efetiva lesão, ou seja, do pagamento. (...)” ( AgInt no AREsp 1234635/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 01/03/2021, DJe 03/03/2021). Não configurada a decadência, porquanto o caso é de obrigação de trato sucessivo, já que há renovação automática do pacto ao longo do tempo, por meio dos descontos realizados mensalmente. Configura falha na prestação do serviço a conduta da instituição financeira que induz o cliente a erro ao celebrar contrato de cartão de crédito consignado, quando o consumidor acredita tratar-se de empréstimo pessoal. É caso de manter a sentença que limitou as taxas de juros aplicadas ao contrato e determinou a restituição, na forma simples, de valores descontados em excesso, caso haja comprovação. (TJ-MT 10425193220218110041 MT, Relator: GUIOMAR TEODORO BORGES, Data de Julgamento: 06/04/2022, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/04/2022). Dito isso, AFASTO as prejudiciais de mérito aduzidas pelo requerido.Inexistindo outras questões preliminares a serem dirimidas incidentalmente, passo ao julgamento do mérito. DO MÉRITOObservo que nos autos litigam partes legítimas e devidamente representadas, conforme demonstram as procurações e a carta de preposição aqui contidas. Não há vícios ou nulidades processuais a serem sanadas, tampouco questões prejudiciais ou outras preliminares a serem dirimidas incidentalmente. Desta feita, tendo em conta que não há necessidade de produção de prova em audiência, reputo encerrada a instrução processual e, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, avanço incontinenti ao exame o mérito.Primeiramente, é patente anotar que se aplicam à relação jurídica em apreço as disposições do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista os conceitos, definições e princípios estabelecidos pela Lei n.º 8.078/90, sendo a autora detentora da condição de consumidor (art. 2º, CDC), estando no outro polo da relação jurídica material a instituição financeira fornecedora de produtos e serviços bancários (art. 3º, § 2º, CDC), cabendo a esta última demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito que o promovente alega lhe assistir, como preconiza o artigo 373, inciso II, do Código de Processo Civil.A responsabilidade civil de consumo, na forma do que preconiza o Código de Defesa do Consumidor, segue a tendência de uma socialização de riscos, cuja consequência básica é a imputação de responsabilidade objetiva, na qual a conduta identificada como passível de ser imputada como responsável não há de ser caracterizada como negligente, imprudente ou mesmo dolosa. Por outro lado, certo é que não basta a mera colocação do produto ou serviço no mercado, ou a prestação de um determinado serviço para que de plano se irradiem os efeitos da responsabilidade oriunda de uma relação de direito do consumidor.Com efeito, também é impositivo, para imputação da responsabilidade, que haja a exata identificação do nexo de causalidade entre o dano experimentado pelo consumidor e aquela dada conduta do fornecedor que oferece o produto ou serviço no mercado. Em outros termos, a responsabilidade do fornecedor só se produz na medida em que determinado dano produzido ao consumidor pode ser vinculado por relação lógica de causa e efeito a certa conduta deste fornecedor no mercado de consumo em que atua. E este elo, em casos como o que se discute aqui, tão-somente se produz em vista da existência de um defeito, ou seja, da manifesta violação de um dever de qualidade que legitimamente se espera de serviços oferecidos no mercado de consumo.Nesse quadrante, sobreleva perquirir se houve, por parte da instituição requerida alguma procedência indevida, notadamente alguma falha daquele mencionado dever de qualidade. Se diante de resposta afirmativa, há que se verificar, também, se existe, no caso, alguma relação de causa e efeito entre este dito defeito e os danos supostamente experimentados pelo promovente, conditio sine qua non para que se possa falar em responsabilidade pelo fato do serviço e de todas as consequências que dela decorrem, principalmente o dever de reparar o dano.Cumpre esclarecer que a distribuição do ônus da prova repousa principalmente na premissa de que, visando à vitória na causa, cabe à parte desenvolver ao longo do procedimento uma atividade capaz de criar a convicção e a segurança de permitir ao magistrado julgar favoravelmente. Daí o encargo que recai sobre os litigantes de não só alegarem, como também (e sobretudo) de provarem, na medida em que o juiz fica adstrito, para julgar, ao alegado e efetivamente provado, sendo-lhe defeso decidir fora do que consta do processo. É dizer: o magistrado julga com base nas provas que lhe são apresentadas, muito embora lhe seja dado examiná-las e sopesá-las de acordo com a sua livre convicção, tudo no afã de extrair delas a verdade legal possível no caso concreto, uma vez que a verdade absoluta não é mais do que um ideal dentro do processo.Destaco que a inversão do ônus da prova em favor do consumidor não o exime de produzir as provas que estão ao seu alcance, correndo por sua conta as consequências de eventual ineficiência probatória. De fato, a aplicação das normas protetivas previstas na Lei n.º 8.078/90 – que importam uma interpretação mais favorável à parte hipossuficiente – ao caso concreto não tem o condão de desonerar a parte autora de fazer prova do fato constitutivo do seu suposto direito indenizatório, ex vi do art. 373, inciso I, do atual Código de Processo Civil.Pois bem. Cuida-se de ação revisional de contrato bancário na qual a requerente alega que a instituição financeira ré falhou em não prestar informações adequadas acerca da real natureza/modalidade do contrato entabulado, razão pela qual pugna pelo reconhecimento da nulidade do negócio jurídico firmado entre as partes, qual seja, de empréstimo consignado por meio de cartão de crédito e, ainda, pela transmutação da avença em empréstimo consignado tradicional.Sobre a matéria de fundo, destaco que na formação dos contratos entre consumidores e fornecedores devem ser observados os princípios da informação e da transparência, com vistas a possibilitar uma relação contratual menos danosa para ambos. A legislação consumerista prevê em seu artigo 4º: “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (…) IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;” (grifo nosso).” Outrossim, o artigo 6º, inciso III, da Lei nº 8.078/90, disciplina: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (…) III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;” Na sistemática implantada pelo CDC, o princípio da informação imputa ao fornecedor o dever de prestar todas as informações acerca do produto ou serviço, de maneira clara e precisa, sendo vedadas omissões e ambiguidades em prejuízo do consumidor, ao passo que o princípio da transparência consagra que o consumidor tem o direito de ser informado sobre todos os aspectos do produto ou serviço. Assim sendo, havendo omissão de informação relevante ao consumidor em cláusula contratual, prevalece a norma expressa pelo artigo 47, da legislação consumerista, qual seja, “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.”No caso dos autos, verifico que a autora manejou a presente ação com o intuito de impugnar a legalidade dos descontos havidos em seu benefício previdenciário (NB: 164.149.490-2), relativo ao contrato de cartão de crédito n. 4346********0016, bandeira visa (contrato de nº 02293912611200030 317), datado de 29/11/2016, cujo valor contratado (R$ 2.251,00) foi depositado em conta de sua titularidade junto a Caixa Econômica Federal (Agência 03419, Conta n. 0000209986), informando que jamais pretendeu essa modalidade de contratação e que pretendia na verdade empréstimo consignado tradicional.Instada a manifestar, no intuito de provar a legitimidade da referida contratação, a parte promovida carreou ao feito cópia do “Termo de Adesão ao Cartão de Crédito Consignado e a Solicitação de Saque Via Cartão de Crédito, devidamente assinados e cujas assinaturas não foram impugnadas pela autora, que foram acompanhados dos documentos pessoais da promovente e do comprovante de transferência para conta de titularidade da autora e, também, das faturas do cartão de crédito 4346********0016, emitido em nome da autora (ev. 21, arq. 07), indicando a sua utilização em compras pessoais.A par dos documentos colacionados pelo requerido denoto que os termos utilizados no instrumento contratual supramencionado é acessível e de fácil compreensão, tendo restado clara a ciência da consumidora acerca da natureza da contratação realizada, qual seja, de empréstimo consignado por meio de cartão de crédito, tendo a autora sido regularmente cientificada acerca da realização de descontos mínimos em seus proventos, bem como das taxas e índices que incidiriam sobre as aludidas operações e, ainda, da possibilidade de pagamento total da fatura, ou qualquer outro valor intermediário, tanto que após anuir a essa contratação, forneceu ao requerido a sua documentação pessoal (CNH, cópia do cartão da sua conta bancária junto a Caixa Econômica Federal e comprovante de endereço) para validá-la. Ressalto, por oportuno, que consta expressamente do Termo de Adesão ao Cartão de Crédito Consignado que: “Desde que o PAN possua convênio vigente com a minha Fonte Pagadora permitindo o pagamento de faturas mediante consignação em folha de pagamento, de forma irrevogável e irretratável (i) AUTORIZO que minha Fonte Pagadora reserve margem consignável dos meus vencimentos até o limite legal, para o pagamento parcial ou integral das minhas faturas; (ii) DECLARO que possuo margem consignável disponível, bem como que tenho conhecimento de que eventuais valores que sobejarem a minha margem consignável deverão ser pagos por meio da fatura emitida pelo PAN, e; (iii) SOLICITO que minha Fonte Pagadora faça o repasse dos valores descontados dos meus vencimentos diretamente ao PAN sempre em meu nome, garantindo o abatimento desse valor do total da fatura. A presente autorização é, sendo o caso, extensível ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na qualidade de Fonte Pagadora, conforme preceitua a legislação vigente”. E que constou na “Solicitação de Saque Via Cartão de Crédito” expressamente os encargos incidentes sob a contratação anuída. Vejamos: Desta feita, do acervo probatório carreado ao feito denoto que houve previsão expressa de que o banco requerido estaria autorizado a emitir o cartão de crédito contratado e a deduzir, automaticamente, da folha de pagamento da consumidora os valores do empréstimo anuído, isto é, a quantia correspondente ao mínimo da fatura do cartão de crédito, a fim de liquidar parte do saldo devedor, o que demonstra que a autora foi cientificada no momento da contratação acerca da modalidade de pacto que estava firmando.Não bastasse a informação clara sobre a real modalidade da contratação impugnada, também das faturas emitidas em nome da promovente (ev. 21, arq. 07), verifico que houve, pela autora, a utilização do cartão de crédito por vários meses para realizar compras a crédito (PG *TON SONHO DE DOC; Drog. Hiper Popular; PG *TON FRANGO ASSAD; PEZAO IMPORTAD; POSTO DO TREVO; EBN*SPOTIFY; SHOPEE *LEGALP; SHOPEE *DOBERM; NETFLIX ENTRETENIMENTO; SHOPEE *FIREOUTLET2, dentre outras) e saques complementares, de tal maneira que não há como se reputar como válida a alegação de ausência de ciência acerca da modalidade contratada. Ora, a par do exposto, tenho que no caso em análise restou demonstrado que o requerido comprovou o efetivo conhecimento e a anuência da parte autora em relação às cláusulas contratuais no momento da celebração do contrato. Assim, resta evidenciado que a autora aderiu de forma livre e consciente às condições avençadas, cuja redação se apresenta clara e objetiva, e que não há nenhum indício de qualquer afronta às normas de proteção do consumidor, inexistindo justificativa hábil para a intervenção do Poder Judiciário na relação estabelecida entre as partes. Diante disso, impõe-se o respeito aos termos contratualmente pactuados, em atenção ao princípio do pacta sunt servanda, não se configurando, na espécie, conduta ilícita por parte do réu, tampouco falha na prestação do serviço.Cumpre destacar, ainda, que os descontos efetuados em folha de pagamento, autorizados contratualmente, referiam-se apenas ao valor mínimo das faturas do cartão de crédito por ela utilizado em compras, incumbindo à autora a quitação do valor remanescente de forma mensal, a fim de evitar a caracterização de inadimplência e a consequente incidência dos encargos moratórios previstos em contrato.Nestes termos, eis a jurisprudência consolidada pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. COMPROVAÇÃO DA CONTRATAÇÃO E UTILIZAÇÃO PARA SAQUES. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. REGULARIDADE DOS DESCONTOS. SENTENÇA MANTIDA. I. CASO EM EXAME1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de obrigação de fazer c/c restituição de indébito, bem como de indenização por danos morais, decorrentes de descontos realizados em benefício previdenciário por suposta contratação indevida de cartão de crédito consignado. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO. 2. A questão em discussão consiste em saber se o autor/apelante tinha ciência da contratação do cartão de crédito consignado e se os descontos efetuados em seu benefício previdenciário são irregulares, ensejando restituição de valores e indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Comprovada a contratação do cartão de crédito consignado pelo autor, conforme documento acostado, bem como o uso regular do serviço, resta demonstrada a ciência sobre os termos do contrato. 4. A instituição financeira, ao demonstrar a pactuação do contrato e a realização de saque pelo apelante, cumpriu o dever de informação, não se configurando ilícito que justifique a restituição de valores ou indenização por danos morais. 5. A contratação de cartão de crédito consignado, com desconto no benefício previdenciário, é regular, afastando-se a aplicação do art. 42 do CDC para fins de repetição de indébito. IV. DISPOSITIVO E TESE6. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: 1. A contratação de cartão de crédito consignado com desconto em benefício previdenciário é regular quando comprovada a ciência do consumidor sobre os termos contratuais. 2. A ausência de ilícito afasta a restituição de valores e o dever de indenização por danos morais. Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, III, 42, 46, 47 e 56; CPC/2015, art. 85, § 11. Súmula 63 do TJGO. (TJ-GO 51825118420218090011, Relator.: DESEMBARGADOR GERSON SANTANA CINTRA - (DESEMBARGADOR), 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 16/10/2024)APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS E INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. INTERESSE DE AGIR. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. UTILIZAÇÃO PARA SAQUES. JUÍZO DE DISTINÇÃO DA SÚMULA 63 DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. I. Demonstrada a celebração de cartão de crédito consignado, da qual reputa a parte demandante haver ilegalidade, resta configurado o interesse de agir, de ver revisado o instrumento. II. Aplica-se o juízo de distinção quando resta comprovado nos autos que o consumidor teve plena ciência e anuiu com os termos da contratação, tendo utilizado o cartão de crédito para saques. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5040071-14.2022.8.09.0049, Rel. Des(a). ÁTILA NAVES AMARAL, 1ª Câmara Cível, julgado em 20/09/2022, DJe de 20/09/2022)DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO DE RMC REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. UTILIZAÇÃO DO CARTÃO PARA SAQUES COMPLEMENTARES. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE INFORMAÇÃO E TRANSPARÊNCIA. ABUSIVIDADE AFASTADA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 63 TJGO. DISTINGUISHING. I. A hipótese em apreço não se enquadra nos precedentes que deram origem ao enunciado da Súmula nº 63 deste Tribunal de Justiça (distinguishing), que partiu da premissa que os consumidores não tinham plena ciência de que estavam aderindo a contrato de cartão de crédito consignado, em razão da falha no dever de informação e transparência por parte da instituição financeira. No caso em comento, diferentemente, o consumidor teve ciência da natureza do cartão de crédito consignado, incluindo as taxas de juros e os encargos incidentes, uma vez que utilizou o cartão para saques complementares diversos. II. Constatada a legalidade e regularidade da contratação, não há falar em nulidade do negócio jurídico, repetição de indébito e tampouco em indenização por danos morais. 1ª APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. 2ª APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Apelação Cível 5044626-93.2022.8.09.0172, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR SÉRGIO MENDONÇA DE ARAÚJO, 7ª Câmara Cível, julgado em 19/09/2022, DJe de 19/09/2022).APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO PARA SAQUES E COMPRAS. DISTINGUISHING DA SÚMULA 63 DESTE SODALÍCIO. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INAUGURAIS. SENTENÇA REFORMADA. 1. Não se aplica, na espécie, o previsto na Súmula 63 desta Corte de Justiça, porquanto ao verificar os precedentes judiciais que alicerçaram aludida súmula, vê-se que tratam de situações em que os consumidores acreditaram que haviam contratado tão somente empréstimo consignado, o que era evidenciado pelo fato de jamais terem utilizado o cartão para compras a crédito e/ou transações diversas. 2. Com efeito, as faturas jungidas aos autos demonstram que a apelada utilizou o cartão de crédito para a efetivação de saques e compras a crédito. Assim, ela tinha ciência da modalidade contratada, uma vez que, além de ter utilizado o cartão de crédito, recebeu as faturas mensais referentes às operações realizadas, sem nenhuma impugnação durante o respectivo período. 3. Desta forma, se os pagamentos eram parciais, decorrentes da fatura mínima do cartão de crédito, não há como declarar a ilegalidade do débito, tampouco remanescem as teses de restituição, na forma simples ou em dobro, pois não se depreende a existência de pagamento a maior. Logo, os juros e demais encargos contratados merecem ser mantidos conforme pactuados. 4. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. (TJGO, Apelação Cível 5094081-07.2020.8.09.0072, Rel. Des(a). GERSON SANTANA CINTRA, 3ª Câmara Cível, julgado em 19/04/2021, DJe de 19/04/2021). Desta forma, uma vez restou comprovado que a autora, além de anuir voluntariamente a contratação impugnada (mediante assinatura física e fornecimento de sua documentação pessoal), utilizou efetivamente o cartão de crédito objeto desta contratação, e que os descontos sobre os seus benefícios previdenciários decorreram de expressa autorização por ela concedida em contrato validamente assinado (cuja assinatura não foi impugnada em juízo), não há que se falar em nulidade da contratação firmada com o requerido, tampouco em ressarcimento, na forma simples ou em dobro, de valores que por ela foram conscientemente usufruídos e não pagos na integralidade, o que justifica o acréscimo progressivo do saldo devedor. Nesse quadrante, é forçoso reconhecer que não restou caracterizada a falha na prestação dos serviços do banco demandado, nem de qualquer ato ilícito capaz de gerar o dever de indenizar, sendo a improcedência dos pleitos autorais (declaratório, de obrigação de fazer e indenizatórios) a medida que se impõe.DISPOSITIVOAnte o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos da inicial, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.Sem custas e sucumbência, no primeiro grau de jurisdição, conforme dispõe o artigo 54 da Lei 9.099/95.Certificado o trânsito em julgado desta sentença e não havendo novos requerimentos, arquivem-se estes autos, com observância das cautelas de costume.Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se. Rio Verde-GO, data da assinatura digital. Ana Paula TanoJuíza de Direito03
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