Processo nº 5000365-96.2023.8.08.0055
ID: 281850406
Tribunal: TJES
Órgão: Marechal Floriano - Vara Única
Classe: PETIçãO CíVEL
Nº Processo: 5000365-96.2023.8.08.0055
Data de Disponibilização:
28/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VANEZA LEVA DE OLIVEIRA WANDEKOKEN
OAB/ES XXXXXX
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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Marechal Floriano - Vara Única AV. ARTHUR HAESE, 656, Fórum Desembargador Cândido Marinho, CENTRO, MARECHAL FLORIANO - ES - CEP: 29255-000 Telefone:…
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Marechal Floriano - Vara Única AV. ARTHUR HAESE, 656, Fórum Desembargador Cândido Marinho, CENTRO, MARECHAL FLORIANO - ES - CEP: 29255-000 Telefone:(27) 32880063 PROCESSO Nº 5000365-96.2023.8.08.0055 PETIÇÃO CÍVEL (241) REQUERENTE: A. A. L. W. INTERESSADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO REQUERIDO: AMIL ASSISTENCIA MEDICA INTERNACIONAL S.A. Advogado do(a) REQUERENTE: VANEZA LEVA DE OLIVEIRA WANDEKOKEN - ES34577 Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO YAMIN FERNANDES - SP345596 SENTENÇA 1 – ÂNGELO ANTÔNIO LEVA WANDEKOKEN, representado por sua genitora Vaneza Leva de Oliveira Wandekoken, devidamente qualificados, ajuizou AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, com Emenda no ID 29322435, em face de AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S/A, alegando, em síntese, que: i) ÂNGELO nasceu em 11/06/2021, tendo sido diagnosticado ser portador de espectro autista; ii) em razão do seu estado de saúde, necessita de terapias que promovam o seu desenvolvimento, quais sejam, reabilitação com fonoaudiologia (5 horas semanais), Terapia Ocupacional com integração sensorial (5 horas semanais), psicologia (4 horas semanais), fisioterapia motora de caráter contínuo (5 horas semanais), devendo ser utilizado em sua idade a terapia complementar pelo método ABA (Análise comportamento aplicado); iii) é beneficiário de Plano de Assistência à Saúde firmado com a ré, por meio do benefício n.º 083429387, rede de atendimento 879 Amil S450 QP, de abrangência nacional; iv) na região onde reside o autor não existe profissionais ou clínicas que são pertencentes à sua rede credenciada, e tampouco à sua rede própria (protocolo de atendimento 326305202307200774496); v) desatendido, o autor precisou buscar alguma clínica que lhe fornecesse o atendimento especializado e que fosse próxima à sua residência, sendo encontrada a Clínica Alecrim, localizada no Município de Domingos Martins/ES, a qual fornece exatamente o que o autor necessita, bem como a Clínica Espaço Saúde, em Marechal Floriano/ES, para a fisioterapia motora; vi) como o autor precisa de 19 horas de atendimento semanal, mas a referida clínica não possui a fisioterapia, ela ofereceu 14 horas semanais, no valor de R$ 120,00 (cento e vinte reais) por sessão, cujo total semanal equivale a R$ 1.680,00 (mil seiscentos e oitenta reais), equivalendo mensalmente o valor de R$ 6.720,00 (seis mil setecentos e vinte reais), podendo variar o valor a depender do momento da contratação do serviço; vii) a família do autor, lamentavelmente, não dispõe do referido dinheiro para iniciar o tratamento adequado e, uma vez que a ré não fornece o atendimento necessário, e no Município do autor, é imprescindível a intervenção judicial para compeli-la a custear o seu tratamento; viii) o art.4º da Resolução ANS nº 556/2022 preconiza que, na hipótese de indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial que ofereça o serviço ou procedimento demandado, no município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, a operadora deverá garantir o atendimento em prestador não integrante da rede assistencial, no mesmo município; ix) o rol da ANS é exemplificativo; x) a utilização de clínica não credenciada não decorre de escolha do consumidor, mas de falha na prestação de serviços da operadora, sendo inegável o dever de reembolso integral, conforme previsto expressamente nos artigos 4º e 9º da Resolução Normativa – RN n° 259. Requer seja a ré compelida a promover o custeio integral de todo tratamento prescrito ao autor, incluindo todos os procedimentos indispensáveis ao seu tratamento, no Município onde reside, ou indicar, dentro da Região de Domingos Martins/ES, outra clínica que forneça os mesmos procedimentos necessários ao tratamento do autor. 2 – Decisão no ID 28818231, deferindo o pedido liminar. 3 – Petição do autor no ID 29678508, informando o descumprimento da medida liminar pelo réu. 4 – Apresenta a ré resposta sob a forma de Contestação (ID 31806391), aduzindo, em síntese, que: i) não há nos autos qualquer comprovação por parte do autor, de que as clínicas disponibilizadas pela requerida não são aptas a realização do tratamento, nem mesmo que houve recusa de atendimento em referidas clínicas; ii) a tutela que pretende a autora está disponível na rede conveniada na forma do previsto no contrato assinado entre as partes, ou seja, respeitando o limite de sessões e os métodos científicos prefixados; iii) o caso em comento é regulado pela Lei n.º 9.656/1998, art. 12, que dispõe sobre os procedimentos que devem ser cobertos pelas operadoras de saúde, sendo certo que o parágrafo quinto estabelece que esses procedimentos serão fornecidos na rede credenciada na forma da prescrição médica; iv) na forma do contrato assinado entre as partes, mais especificamente nas cláusulas 11.4, restou previsto fornecimento dos tratamentos terapêuticos pleiteados à beneficiaria dentro do limite das sessões anuais estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde; v) eventual tratamento existente na rede e realizado fora da mesma deverá ser arcado pelo próprio autor e, acaso este requeira reembolso, estes deverão respeitar os limites de reembolso pré estabelecidos; vi) a fixação do valor do plano de saúde se baseia no risco assumido e rol da Agência Nacional de Saúde, sendo assim, a imposição de cobertura de tratamento não constante no rol da ANS, por certo, gera um desequilíbrio à relação contratual; vii) não há no rol da ANS, onde consta todos os procedimentos que o plano de saúde é obrigado a custear, cobertura contratual para todos os procedimentos requeridos; viii) as astreintes devem ser afastadas; ix) o plano não é obrigado a fornecer local próximo à área geográfica em que reside o beneficiário nos casos de urgência e emergência, e pela mesma razão não deve ser obrigado a fornecer rede credenciada próxima à residência do beneficiário, em casos eletivos que possuem data e hora marcada para sua realização. Requer a improcedência dos pedidos autorais. 5 – Réplica no ID 31994868. 6 – Petição do autor no ID 33353073, informando o cumprimento parcial da liminar, tendo em vista que somente as sessões de psicologia e de terapia ocupacional foram agendadas, requerendo o pagamento das astreintes pelo descumprimento, bem como informa que o autor ainda não possuiu nenhum atendimento de fisioterapia e fonoaudiologia, os quais são suas necessidades principais. 7 – Nova Petição do autor no ID 34597770, informando que a ré não efetuou o pagamento de cinco sessões junto à Clínica Alecrim, deixando um saldo devedor de R$ 690,00 (seiscentos e noventa reais), seguindo o autor sem atendimento pelo plano de saúde. Requer majoração das astreintes, o cumprimento provisório da multa por descumprimento, bem seja a ré compelida a saldar os valores pendentes junto à Clínica Alecrim. 8 – Manifestação da ré no ID 34960714, afirmando que a determinação contida na liminar foi para custear o tratamento prescrito na Clínica Alecrim, não podendo ser responsabilizada se há falta de disponibilidade de atendimento da clínica ou de profissionais, não havendo descumprimento contratual, cujas alegações foram rechaçadas pelo autor no ID 34992739. 9 – Decisão no ID 41343613, estabelecendo como devidas as astreintes, e complementando a Decisão anterior para determinar à ré que promova o custeio das sessões de fisioterapia motora do autor, através da Clínica Espaço Saúde, em Marechal Floriano/ES. 10 – Petição do autor informando os valores devidos a título de astreintes no ID . 11 – Intimadas as partes para a produção de provas (ID 43586059), requerem as partes o julgamento antecipado da lide. 12 – Despachos nos ID 44114397, reiterando a determinação para manifestar-se a ré sobre o cumprimento da liminar. 13 – Petição da ré no ID 44772553, requerendo o envio dos autos ao NATJUS, a fim de averiguar a necessidade do tratamento com método específico, bem como avaliar a real necessidade das sessões requeridas, da qual se manifestou o autor no ID 44826414. 14 – Petições do autor nos ID 45874305 e 46740431, pleiteando seja aplicada multa por litigância de má-fé à ré, considerando que desde Setembro de 2023 a ré descumpre a medida liminar, bem como pleiteia sejam os valores necessários para o pagamento das sessões das terapias bloqueados pelo sistema Sisbajud. 15 – Bloqueio de valores pelo sistema Sisbajud no ID 48098894 e 48098902. 16 – Manifestação do Ministério Público no ID 49868616, opinando pela liberação dos valores ao autor, mediante comprovação dos recibos pagos no mês anterior. 17 – Informação da ré no ID 50147304 acerca da liberação do tratamento junto à Clínica Espaço Saúde, da qual se manifestou o autor no ID 53190341, informando que somente duas sessões de fisioterapia estão sendo pagas, quando pela prescrição médica deveriam ser cinco, além de não estarem custeando as demais terapias. 18 – Ante o descumprimento da medida liminar, o autor faz novo pedido de bloqueio no ID 55462287, sobre o qual se manifestou a ré no ID 62697973. É o relatório. DECIDO. 19 – Destaca-se inicialmente que se tem relação de consumo, sendo, pois, aplicáveis as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor. 20 – Cabe notar que são reiterados os precedentes jurisprudenciais estabelecendo que é prática indevida e abusiva a negativa de coberturas terapêuticas aos indivíduos portadores de Transtorno do Espectro Autista (TEA). 21 – Quanto ao tratamento prescrito em locais onde inexistem prestadores credenciados, importante frisar que a Resolução ANS nº 566/2022 estabelece que, em caso de indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial que ofereça o serviço ou procedimento demandado, no Município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, a operadora deverá garantir o atendimento em prestador não integrante da rede assistencial no mesmo município (art.4º, I). 22 – Em que pese ter a ré alegar que a tutela que pretende a autora está disponível na rede conveniada, não logrou êxito em comprovar, ou indicar os profissionais credenciados neste Município ou em local mais próximo à residência da criança. 23 – Dos autos, verifica-se que a criança reside em Marechal Floriano/ES, que fica, aproximadamente, à 50 quilômetros de distância da Grande Vitória. Assim, ainda que queira a ré sustentar que a rede credenciada localiza-se neste local (Grande Vitória), certo é que o autor terá que se deslocar, para conseguir cumprir a prescrição médica, presumindo-se que a criança realize o tratamento de segunda a sexta-feira, cerca de 500 km por semana (100 Km ida e volta X 5 vezes na semana), já que precisa cumprir 5 sessões semanais de fonoaudiologia, 5 sessões semanais de Terapia Ocupacional com integração sensorial, 4 sessões semanais de psicologia, e 5 sessões semanais de fisioterapia motora de caráter contínuo. Isso se a criança precisar deslocar-se apenas uma vez, como por exemplo, indo pela manhã e retornando a tarde. Se houver necessidade de deslocar-se mais de uma vez, como exemplo, duas vezes ao dia, a distância sobe para 1000 km por semana! Essa distância é demasiadamente prejudicial ao menor, vez que, como sabido, os infantes portadores do TEA apresentam dificuldades em esperar por longos períodos, podendo acarretar-lhes prejuízos em seu desenvolvimento. 24 – Conclui-se, então, que só a distância a percorrer semanalmente inviabilizaria, por via reflexa, o tratamento do infante. E não só o tratamento de saúde, como também sua frequência à creche/escola, o que prejudicaria sua educação e socialização. Nesse sentido, em situação rigorosamente análoga, tem-se o precedente: TJES – AI 5004767-94.2023.8.08.0000, Relator(a) Des. Manoel Alves Rabelo. 4ª Câmara Cível, julgado em 12/05/2023, in verbis: “Ademais, segundo o inciso VI do art.12 da Lei nº 9.656/98, o consumidor faz jus a ser atendido por médico não credenciado se, na rede credenciada ao plano de saúde contratado, não houver disponibilidade de profissionais habilitados à realização do respectivo tratamento. Sendo que, in casu, é irrazoável exigir que o menor se desloque várias vezes por semana à capital para realizar o tratamento.” 25 – Impende destacar que o consumidor nesta ação, além de paciente, é criança protegida pelo que determina a Lei nº 8.069/1990, assegurando-lhes a proteção de seus direitos, com absoluta prioridade. 26 – Assim, a indicação de tratamento localizado em cidade situada cerca de 50 km de distância da residência do autor deixa evidente que a relação tempo-distância posta entre a clínica e o domicílio do autor, somada à condição particular de criança autista, poderá resultar na impossibilidade de ser atendida com a frequência necessária à efetividade tanto do tratamento médico, quanto de sua educação. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO – Plano de saúde – Paciente portador de Transtorno do Espectro Autista que necessita de tratamento multidisciplinar com metodologia "ABA", com indicação para acompanhamento multidisciplinar - Tutela de urgência determinando o custeio de tratamento a ser realizado no município de residência do menor, ainda que em clínica não integrante à rede credenciada – Insurgência da operadora ré – Desacolhimento – Indicação de estabelecimento localizado em cidade situada cerca de 84 km de distância do município da residência do menor – Indícios, prima facie, de potencial óbice ao tratamento e de violação ao art. 2º da RN 259/2011, da ANS – Risco de dano ao menor - Incidência da Súmula 102 deste E. Tribunal de Justiça - Aplicação do disposto no artigo 10, §§ 12 e 13, da Lei nº 9.656/98, com redação alterada pela recente Lei nº 14.454/2022 – Tratamento que deve ser preferencialmente realizado em clínicas credenciadas – Caso inexistentes clínicas ou profissionais capacitados no método ABA, e na forma prescrita pelo médico que assiste o paciente, justifica-se o custeio integral dos valores relativos ao tratamento em clínica não credenciada – Astreintes fixadas em R$ 100,00 por dia de descumprimento, limitadamente a R$10.000,00 – Não demonstrada impossibilidade ou dificuldade no cumprimento da determinação no prazo fixado – Multa fixada em patamar razoável, considerando-se o porte da agravante e o bem jurídico objeto de tutela – Decisão mantida - Recurso desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2034142-93.2023.8.26.0000; Relator (a): Marcus Vinicius Rios Gonçalves; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Socorro – 1ª Vara; Data do Julgamento: 09/03/2023; Data de Registro: 09/03/2023). 27 – Importante ponderar que o rol de procedimentos médicos estabelecido pela ANS possui caráter referencial de cobertura mínima obrigatória, exemplificativa, mas não taxativa, o que não afasta a obrigação dos planos contratados de custearem o tratamento indicado pelo médico aos seus beneficiários. O que podem fazer as operadoras de saúde é restringir a cobertura das doenças, mas não os tratamentos prescritos pelos médicos assistentes. 28 – Assim, não poderá a requerida impor limite à quantidade de sessões a serem realizadas, já que a quantidade prescrita pelo médico faz parte do tratamento proposto, configurando-se abusiva qualquer cláusula contratual nesse sentido. Sobre o tema: AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE – NEGATIVA DE COBERTURA – TRATAMENTO RECOMENDADO PELO MÉDICO – APLICAÇÃO DO CDC – IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO – CLÁUSULA EXCLUDENTE ABUSIVA. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, nos termos das Súmulas 321 e 469 do STJ. O plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma, sendo nula a cláusula contratual que exclui o tratamento e medicamentos recomendados pelo médico que acompanha o paciente. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.137267-3/001, Relator(a): Des.(a) Newton Teixeira Carvalho, 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/10/2023, publicação da súmula em 09/10/2023). 29 – Dessa forma, não havendo profissionais fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e psicólogos credenciados junto ao plano, neste Município, ou em local mais próximo à residência da criança, impõe-se deferir o que é pleiteado. 30 – A restituição dos valores a serem custeados deverá ocorrer de forma integral. Isso porque, conforme estabelecido no REsp nº 1.840.515/CE, a operadora de plano de saúde deve garantir o custeio integral do tratamento prescrito ao beneficiário quando não houver prestador credenciado apto no município de residência ou em municípios limítrofes. 31 – Via de regra, o reembolso é devido nos limites da tabela contratada, havendo exceção àquelas situações em que se caracteriza a inexecução do contrato pela operadora, causadora de danos materiais ao beneficiário, a ensejar o direito ao reembolso integral das despesas realizadas por este, a saber: inobservância de prestação assumida no contrato, descumprimento de ordem judicial que determina a cobertura do tratamento ou violação de atos normativos da ANS. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. NATUREZA TAXATIVA, EM REGRA, DO ROL DA ANS. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PRESCRITO PARA BENEFICIÁRIO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. MUSICOTERAPIA. COBERTURA OBRIGATÓRIA. REEMBOLSO INTEGRAL. EXCEPCIONALIDADE. 1. Ação de obrigação de fazer, ajuizada em 23/10/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 06/04/2022 e concluso ao gabinete em 15/12/2022. 2. O propósito recursal é decidir sobre: (i) a negativa de prestação jurisdicional; (ii) a obrigação de a operadora do plano de saúde cobrir as terapias multidisciplinares prescritas para usuário com transtorno do espectro autista, incluindo a musicoterapia; e (iii) a obrigação de reembolso integral das despesas assumidas pelo beneficiário com o custeio do tratamento realizado fora da rede credenciada. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 1.022, II, do CPC/15. 4. Embora fixando a tese quanto à taxatividade, em regra, do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, a Segunda Seção negou provimento ao EREsp 1.889.704/SP da operadora do plano de saúde, para manter acórdão da Terceira Turma que concluiu ser abusiva a recusa de cobertura de sessões de terapias especializadas prescritas para o tratamento de transtorno do espectro autista (TEA). 5. Ao julgamento realizado pela Segunda Seção, sobrevieram diversas manifestações da ANS, no sentido de reafirmar a importância das terapias multidisciplinares para os portadores de transtornos globais do desenvolvimento, dentre os quais se inclui o transtorno do espectro autista, e de favorecer, por conseguinte, o seu tratamento integral e ilimitado. 6. A musicoterapia foi incluída à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde, que visa à prevenção de agravos e à promoção e recuperação da saúde, com ênfase na atenção básica, voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral em saúde (Portaria nº 849, de 27 de março de 2017, do Ministério da Saúde), sendo de cobertura obrigatória no tratamento multidisciplinar, prescrito pelo médico assistente e realizado por profissional de saúde especializado para tanto, do beneficiário portador de transtorno do espectro autista. 7. Segundo a jurisprudência, o reembolso das despesas médico-hospitalares efetuadas pelo beneficiário com tratamento/atendimento de saúde fora da rede credenciada pode ser admitido somente em hipóteses excepcionais, tais como a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no local e urgência ou emergência do procedimento, e, nessas circunstâncias, poderá ser limitado aos preços e às tabelas efetivamente contratados com o plano de saúde. 8. Distinguem-se, da hipótese tratada na orientação jurisprudencial sobre o reembolso nos limites do contrato, as situações em que se caracteriza a inexecução do contrato pela operadora, causadora de danos materiais ao beneficiário, a ensejar o direito ao reembolso integral das despesas realizadas por este, a saber: inobservância de prestação assumida no contrato, descumprimento de ordem judicial que determina a cobertura do tratamento ou violação de atos normativos da ANS. 9. Hipótese em que deve ser mantido o tratamento multidisciplinar prescrito pelo médico assistente para o tratamento de beneficiário portador de transtorno do espectro autista, inclusive as sessões de musicoterapia, sendo devido o reembolso integral apenas se demonstrado o descumprimento da ordem judicial que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, observados os limites estabelecidos na sentença e no acórdão recorrido com relação à cobertura da musicoterapia e da psicopedagogia. 10. Recurso especial conhecido e desprovido. (STJ. REsp n. 2.043.003/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 23/3/2023.) 32 – E conforme se vê no item 22, acima, a ré não indicou profissionais credenciados neste Município ou em local mais próximo à residência da criança. E como também acima exposto, realizar o tratamento em municípios vizinhos, em razão do deslocamento, como é o caso dos autos, inviabiliza o acesso ao tratamento, sendo o custeio integral das sessões na rede privada do Município em que reside a criança, ou em local mais próximo de sua residência, devido. Nesse sentido: DIREITO DO CONSUMIDOR E CIVIL. PLANO DE SAÚDE. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). INEXISTÊNCIA DE REDE CREDENCIADA NO MUNICÍPIO OU MUNICÍPIOS LIMÍTROFES. OBRIGAÇÃO DE CUSTEIO INTEGRAL DO TRATAMENTO NA REDE PRIVADA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta por operadora de plano de saúde contra sentença que determinou o custeio integral do tratamento da parte autora, diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), em clínica não credenciada, diante da inexistência de prestador apto no município de residência ou em municípios limítrofes. A operadora alegou que, nos termos da Resolução Normativa nº 566/2022 da ANS, a existência de rede credenciada na "Região Saúde" da Grande Vitória/ES afastaria a obrigação de reembolso integral. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) determinar se a operadora de plano de saúde pode negar o custeio integral do tratamento quando não há prestador credenciado no município de residência ou em municípios limítrofes; e (ii) estabelecer se a previsão contratual de atendimento em "Região Saúde" exime a operadora do dever de reembolso integral em casos de inexistência de prestadores credenciados próximos ao beneficiário. III. RAZÕES DE DECIDIR O Código de Defesa do Consumidor (CDC) se aplica aos contratos de plano de saúde, conforme a Súmula 608 do STJ, devendo ser interpretados de maneira a proteger a parte hipossuficiente. A Resolução Normativa nº 566/2022 da ANS determina que, inexistindo prestador credenciado no município de residência, a operadora deve garantir atendimento em município limítrofe e, subsidiariamente, dentro da região de saúde correspondente. No caso concreto, restou comprovado que não havia prestador credenciado no município de residência da autora nem em municípios limítrofes, tornando obrigatória a cobertura do tratamento em rede privada. O deslocamento da paciente para atendimento na "Região Saúde" da Grande Vitória/ES, situada a cerca de 90 km de distância, é inviável diante da necessidade de terapias frequentes, comprometendo o seu adequado desenvolvimento. O entendimento do STJ confirma que a operadora deve garantir atendimento no município do beneficiário, ainda que por prestador não credenciado, sendo abusiva a negativa de custeio quando não houver prestadores aptos próximos ao domicílio do segurado. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: A operadora de plano de saúde deve garantir o custeio integral do tratamento prescrito ao beneficiário quando não houver prestador credenciado apto no município de residência ou em municípios limítrofes. A previsão contratual de atendimento em "Região Saúde" não exime a operadora da obrigação de custeio integral caso o deslocamento se mostre desproporcional e desarrazoado, inviabilizando o acesso adequado ao tratamento. Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, I, e 51, IV; RN nº 566/2022 da ANS, arts. 2º e 5º. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 608; STJ, REsp nº 1.842.475/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 27.09.2022, DJe 16.02.2023; TJES, AI nº 5006846-46.2023.8.08.0000, Rel. Des. Fabio Brasil Nery, Quarta Câmara Cível, j. 17.05.2024. (TJES. Apelação Cível nº 5000663-67.2023.8.08.0062, Rel. Des. Robson Luiz Albanez, 4ª Câmara Cível, Julgado em 20/Mar/2025). AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. BENEFICIÁRIO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. TRATAMENTO NO DOMICÍLIO DO BENEFICIÁRIO. PREFERENCIALMENTE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1) Caso concreto em que resta incontroverso que, por ora, inexiste prestador de serviço credenciado ao plano de saúde agravante disponível para prestar o tratamento necessário ao agravado no local de seu domicílio, ou seja, Domingos Martins/ES. 2) "A operadora deverá garantir o acesso do beneficiário aos serviços e procedimentos definidos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS para atendimento integral das coberturas previstas nos arts. 10, 10-A e 12 da Lei n° 9.656, de 3 de junho de 1998, no Município onde o beneficiário os demandar, desde que seja integrante da área geográfica de abrangência e da área de atuação do produto”. Inteligência do artigo 2º da Resolução Normativa nº 566 da ANS. 3) Consoante estabelecem os artigos 4° e 5º do mesmo diploma normativo, na hipótese de indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial no Município que pertença à área geográfica de abrangência ou de inexistência de prestador de serviço no Município, a Operadora deverá garantir, no primeiro caso, preferencialmente, o atendimento em "prestador não integrante da rede assistencial no mesmo Município" ou "prestador integrante ou não da rede assistencial nos municípios limítrofes a este" e, no segundo, o atendimento por “prestador integrante ou não da rede assistencial nos municípios limítrofes a este”, ou subsidiariamente, “prestador integrante ou não da rede assistencial na região de saúde à qual faz parte o Município”. 4) Tão somente no caso de inexistência de prestador não integrante da rede assistencial no mesmo Município é que se permite ao plano de saúde autorizar o atendimento em Município limítrofe – desde que não seja em prestador localizado à distância que acabe por impedir o tratamento - e subsidiariamente, na região de saúde, e custeando o transporte/deslocamento. 5) Recurso de agravo de instrumento conhecido e desprovido, com a manutenção da decisão guerreada, que determinou que o Plano de Saúde disponibilize integralmente o tratamento indicado no laudo médico em prol do paciente na cidade em que mantém domicílio, ou seja, Domingos Martins/ES. (TJES. Agravo de Instrumento nº 5010531-61.2023.8.08.0000, Relator Des. Raphael Americano Camara, 2ª Câmara Cível, julgado em 11/Jul/2024). 33 – Por fim, quanto à execução das astreintes, as Decisões liminares foram proferidas em 01/08/2023 (ID 28818231) e 15/04/2024 (ID 41343613), determinando a ré que custeasse o tratamento integral de que necessita a criança, tanto na Clínica Alecrim quanto na Clínica Espaço Saúde, sob pena de multa diária de R$ 200,00, limitada a R$ 20.000,00. 34 – No entanto, conforme se vê nos IDs 29678508, 33353073, 34597770, 34992739, 45874305, 46740431, 53190341 e 55462287, a ré não cumpria o que lhe havia sido determinado, ou então, cumpria parcialmente. 35 – Ressalte-se que, mesmo intimada tantas vezes para cumprir, ou justificar a desobediência ao comando judicial, limitava-se a requerer dilação de prazo, informar que a determinação contida na liminar foi para custear o tratamento prescrito na Clínica Alecrim, não podendo ser responsabilizada se há falta de disponibilidade de atendimento da clínica ou de profissionais, não havendo descumprimento contratual. Ou então informava que as terapias estavam sendo pagas, sem, no entanto, comprovar suas alegações. 36 – E reafirmando o que já foi dito na Decisão ID 41343613, se não concorda a ré com a decisão, caberia a ela apresentar recurso, ou qualquer outro meio legítimo de impugnação. O que não cabe, sob pena de esvaziamento da segurança jurídica, é, singelamente, negar-se a cumprir a decisão. 37 – Nesse passo, tendo a primeira Decisão sido proferida em 01/08/2023, e tendo a ré sido citada em 07/08/2023 (ID 29702101), para cumprimento em dez dias, conclui-se que de 18/08/2023 a 05/05/2025, data desta sentença, passaram-se 626 dias, o que, multiplicado por R$ 200,00, chega-se ao montante de R$ 125.200,00. No entanto, havendo limite máximo de R$ 20.000,00, tem-se este como o valor devido a título de astreintes, ressaltando-se, aqui, o descaso da ré com o consumidor, bem como ao cumprimento das determinações judiciais. 38 – Assim, considerando a inércia da requerida em cumprir as Decisões proferidas nos ID 28818231 e 41343613, e tendo em vista o risco de agravamento do quadro clínico do infante com a ausência/suspensão/interrupção no tratamento, impõe-se determinar o bloqueio de valores em nome da ré, através do sistema SisbaJud, consoante extrato em anexo, referente ao equivalente a um mês de tratamento (ID 46740431, 46740434, e 46740435). 39 – Isto posto, impõe-se: i) CONDENAR a ré a custear integralmente o tratamento de que necessite a criança, no mesmo município ou em locais mais próximos à residência do autor, conforme prescrição dos profissionais médicos, confirmando-se as Decisões ID 28818231 e 41343613; ii) CONDENAR a ré ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de astreintes, com incidência apenas de correção monetária (STJ. AgInt nos EDcl no REsp n. 1.522.293/RJ) a contar do primeiro dia de descumprimento. 40 – Condeno a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que ora fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. 41 – Sentença já registrada no PJE. Publicar. Intimar. MARECHAL FLORIANO-ES, 5 de maio de 2025. Juiz(a) de Direito
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