Municipio De Aracati x Humaita Comercio De Papeis E Alimentos Ltda
ID: 280702366
Tribunal: TJCE
Órgão: 5º Gabinete da 1ª Câmara de Direito Público
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 3001591-90.2023.8.06.0035
Data de Disponibilização:
27/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ARLINDO MELO
OAB/ES XXXXXX
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ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE DO DESEMBARGADOR JOSÉ TARCÍLIO SOUZA DA SILVA PROCESSO: 3001591-90.2023.8.06.0035 - APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: MUNICIPIO DE ARACA…
ESTADO DO CEARÁ PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE DO DESEMBARGADOR JOSÉ TARCÍLIO SOUZA DA SILVA PROCESSO: 3001591-90.2023.8.06.0035 - APELAÇÃO CÍVEL (198) APELANTE: MUNICIPIO DE ARACATI REPRESENTANTE: PROCURADORIA DO MUNICÍPIO DE ARACATI APELADO: HUMAITA COMERCIO DE PAPEIS E ALIMENTOS LTDA DECISÃO MONOCRÁTICA Trata-se de Recurso de Apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE ARACATI em face de sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Aracati, que julgou parcialmente procedente a Ação de Cobrança, ajuizada por HUMAITA COMERCIO DE PAPEIS E ALIMENTOS LTDA., condenando o ente municipal recorrente a pagar a quantia de R$ 4.070,24 (quatro mil e setenta reais e vinte e quatro centavos), acrescida de correção monetária a contar do mês da competência de cada parcela, com base no índice IPCA-E e de juros de mora a partir da citação (súmula 204 do STJ), à razão de 0,5% ao mês, devendo ser abatidos da mencionada quantia os valores já comprovadamente pagos pelo promovido, além de fixar os honorários sucumbenciais em 10% sobre o valor da condenação. Em suas razões (ID. 15701765), o Município recorrente sustenta já ter efetuado o pagamento do valor residual principal constante no contrato firmado com a empresa recorrida, após a conclusão do processamento da despesa pública e de acordo com a disponibilidade financeira da unidade gestora. Alega que, para ser devida a quantia apontada pela ora recorrida, é necessário verificar o cumprimento de todas as obrigações contratuais de forma integral, não sendo suficiente a simples emissão de Nota Fiscal não conferida ou anuídas pela municipalidade para atestas a efetiva entrega da mercadoria e viabilizar seu pagamento, concluindo que a documentação acostada não é idônea a comprovar a qualidade do material entregue. Aduz, ainda, que, caso o pagamento reivindicado seja devido, é certo que não foi realizado em determinado exercício financeiro por falta de disponibilidade orçamentária, não sendo possível à Administração efetuar o pagamento no momento específico diante das dificuldades orçamentárias e da necessidade premente em atender demandas municipais urgentes. Requer, por fim, o provimento do recurso, para reformar a sentença apelada no sentido de julgar improcedente o pelito autoral. Contrarrazões no ID. 15701769. Manifestação da Procuradoria Geral de Justiça sem incursão meritória (ID. 20123319). É o relatório, no essencial. Passo a decidir. Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do apelo. Conforme relatado, trata-se de recurso de apelação interposto em face de sentença que julgou parcialmente procedente ação de cobrança, ajuizada em desfavor de ente municipal com o objetivo de determinar o pagamento referente a fornecimentos contratados e executados, mas quitados extemporaneamente. De início, cumpre destacar que a Administração Pública, conforme expressa previsão constitucional, está vinculada a cinco princípios, senão vejamos: "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...]" Desta feita, verifica-se que a atividade da Administração Pública, em qualquer de suas esferas, deverá sempre se pautar na observância dos princípios acima transcritos. Outrossim, quanto à execução orçamentária da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, a Lei nº 4.320/64 determina: "Art. 58. O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição. […] Art. 60. É vedada a realização de despesa sem prévio empenho. § 1º Em casos especiais previstos na legislação específica será dispensada a emissão da nota de empenho. § 2º Será feito por estimativa o empenho da despesa cujo montante não se possa determinar. § 3º É permitido o empenho global de despesas contratuais e outras, sujeitas a parcelamento. Art. 61. Para cada empenho será extraído um documento denominado "nota de empenho" que indicará o nome do credor, a representação e a importância da despesa bem como a dedução desta do saldo da dotação própria. Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação. Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. § 1° Essa verificação tem por fim apurar: I - a origem e o objeto do que se deve pagar; II - a importância exata a pagar; III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação. § 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base: I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo; II - a nota de empenho; III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço. Art. 64. A ordem de pagamento é o despacho exarado por autoridade competente, determinando que a despesa seja paga." (Destaquei) Portanto, dos dispositivos legais acima transcritos, constata-se que as despesas públicas seguem as seguintes etapas: empenho, liquidação e pagamento, de forma que não poder haver pagamento sem liquidação, e, consequentemente, liquidação sem prévio empenho e comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço. In casu, compulsando os autos, verifica-se que a empresa recorrida sagrou-se vencedora dos lotes 05 e 10 do Pregão Eletrônico nº 00.005/2020 - PE, promovido pelo Município de Aracati, objetivando a aquisição de material de expediente para suprir as necessidades das diversas secretarias do município do Aracati/CE, com cotas reservadas e lotes exclusivos para ME/EPP (ID. 15701737). Após o recebimento das ordens de compra nºs 202000633 (págs. 01/03 do ID. 15701730) e 202000632 (págs. 01/03 do ID. 15701733), procedeu a entrega das mercadorias, conforme notas ficais à pág. 04 do ID. 15701730 e à pág. 04 do ID. 1570173, tendo as referidas despesas sido, respectivamente, empenhadas em 01/10/2020 e 30/09/2020, e liquidadas em 30/10/2020 (IDs. 1570173, 15701732, 15701734 e 15701735). Conforme disposto no item 18 do instrumento convocatório do Pregão Eletrônico nº 00.005/2020 - PE (ID. 15701736), o prazo para pagamento seria: "18. DO PAGAMENTO 18.1. O pagamento será feito por meio de ordem bancária, no prazo de até 30 (trinta) dias, a contar da certificação de que os bens foram aceitos, mediante a apresentação de Nota Fiscal/Fatura contendo a descrição dos bens, quantidades, preços unitários e o valor total, nota de entrega atestada e comprovante de recolhimento de multas aplicadas, se houver. 18.2. No caso de eventual atraso de pagamento, o valor devido deverá ser acrescido de juros moratórios de 0,5 % (cinco décimos por cento) ao mês, apurados desde a data acima referida até a data do efetivo pagamento, calculados "pro rata die", sobre o valor da nota fiscal/fatura. 18.3. No ato do pagamento será comprovada a manutenção das condições iniciais de habilitação quanto à situação de regularidade fiscal e trabalhista da contratada." (Grifei) Ocorre que, embora devidamente liquidadas, as despesas somente foram pagas, e apenas no valor principal, em 22/11/2023, após o ajuizamento da presente ação de cobrança (ID. 15701748), constatando-se claro descumprimento contratual por parte do ente municipal, o qual levou 3 anos para efetuar o pagamento que deveria ter realizado em 30/11/2020, e ainda o fez somente quanto ao valor principal, sem incluir os juros previstos no item 18.2 do edital, nem sido corrigida monetariamente. Outrossim, inobstante o recorrente alegue que a documentação acostada não é idônea a comprovar a qualidade do material entregue, tal como bem consignado pelo Juízo a quo na sentença, o depósito do valor principal pelo Município, junto aos documentos apresentados pela autora/apelada, são capazes de comprovar o direito invocado, podendo ser considerado como fato incontroverso o fornecimento dos materiais descritos nas notas fiscais trazidas aos autos. Ademais, cumpre destacar, por oportuno, nos termos do disposto no art. 63, §2º, inc. III, da Lei nº 4.320/64, a liquidação da despesa tem por base, além de outras condições, a verificação de comprovantes da entrega de material, de modo que, se os fornecimentos em questão já haviam sido liquidados, é certo que a Administração efetivamente já havia conferido o recebimento da mercadoria e sua conformidade com o contratado. Portanto, não se pode acolher a justificativa de que o ente municipal demorou 3 anos para efetuar o pagamento porque estava aferindo a conformidade do recebimento da mercadoria, especialmente quando há comprovação, nos autos, que o Município tenha tentado devolver os materiais fornecidos ou cobrado os que não teriam sido entregues, não sendo permitido, assim, à Administração se utilizar dos bens fornecidos, sem efetuar a devida contraprestação, em razão da vedação ao enriquecimento ilícito. Acerca da obrigação da Administração Pública efetuar o pagamento de fornecimentos comprovadamente efetuados, colaciono julgados desta e. Corte: "EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. PROVA ESCRITA. NOTAS FISCAIS E NOTAS DE EMPENHO. POSSIBILIDADE. VÍNCULO OBRIGACIONAL NÃO ILIDIDO PELA FAZENDA MUNICIPAL. PROVA SUFICIENTE PARA APARELHAR A PRETENSÃO. CONTRAPRESTAÇÃO PECUNIÁRIA DEVIDA. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO ENTE PÚBLICO. PRECEDENTES DO TJCE. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. 1. O cerne da questão consiste em analisar se a autora faz jus ao recebimento da quantia de R$ 2.591,64 (dois mil quinhentos e noventa e um reais e sessenta e quatro centavos), referente à contraprestação pela entrega de unidades do insumo METRONIDAZOL, em hospital municipal. 2. A parte autora, aduzindo ser credora da quantia indicada, acostou à inicial, contrato administrativo, notas fiscais devidamente acompanhadas dos atestos de entrega das mercadorias, além de notas de empenho. Tais documentos são hábeis a constituírem prova escrita quanto à liquidez e a certeza do crédito. 3. Malgrado o ente municipal alegue que houve um fornecimento equivocado do produto em duplicidade por parte da empresa, não há nos autos comprovação de qualquer movimentação administrativa no sentido de devolver os materiais fornecidos, já que, em tese, seriam desnecessários. Assim sendo, a mera narrativa do ente público nesse sentido, desacompanhada de lastro probatório que a ampare, não é apta a desconstituir a tese autoral. 4. À míngua da prova de quitação dos valores pela municipalidade, e sendo possível apurar a liquidez das obrigações contratadas pela Administração junto ao particular, devido o reconhecimento do crédito em favor da parte autora, sob pena de enriquecimento sem causa da parte adversa (art. 884 do CC/02). Precedentes do TJCE. 5. Apelação conhecida e desprovida. Sentença mantida." (TJCE, Apelação Cível - 0135574-23.2018.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) JORIZA MAGALHAES PINHEIRO, 3ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 29/05/2023, data da publicação: 29/05/2023) (Destaquei) "EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS OPOSTOS À AÇÃO MONITÓRIA. COBRANÇA DE VALORES DECORRENTES DE CONTRATO ADMINISTRATIVO DE FORNECIMENTO DE PRODUTOS HOSPITALARES. NOTAS FISCAIS. PROVAS ESCRITAS QUE DEMONSTRAM A EXISTÊNCIA DA RELAÇÃO JURÍDICA, A ENTREGA DAS MERCADORIAS E O MONTANTE DO CRÉDITO. INEXISTÊNCIA DA CONTRAPRESTAÇÃO DEVIDA. AUSÊNCIA DE CONTRATO ADMINISTRATIVO. IRRELEVÂNCIA. ÔNUS PROBATÓRIO DE FATO IMPEDITIVO, MODIFICATIVO OU EXTINTIVO DO QUAL NÃO SE DESINCUMBIU O ENTE MUNICIPAL. EXEGESE DO ARTIGO 373, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA E DE JUROS MORATÓRIOS MODIFICADOS. ADEQUAÇÃO À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DOS TRIBUNAIS SUPERIORES (RESP 1495146/MG - RECURSO REPETITIVO) E AO ART. 3º DA EC Nº 113/20. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A partir da prova documental, verifica-se terem sido juntadas aos autos notas fiscais (com suas respectivas planilhas) emitidas em desfavor do Município referentes à aquisição de materiais. Os produtos fornecidos pela empresa apelada foram devidamente recebidos. 2. Não há falar em carência da ação, restando comprovada a dívida. A ausência de cópia do contrato suscitada pelo Município não constitui circunstância impeditiva, modificativa ou extintiva do direito da autora, em face da documentação coligida, sob pena de tolerar-se o enriquecimento ilícito da Administração Pública, a qual não se desincumbiu do ônus de comprovar o pagamento ou outro motivo hábil a desconstituir as assertivas autorais. Como sabido, o procedimento monitório se baseia em prova escrita suficiente a comprovar o direito de exigir do devedor quantia em dinheiro, sendo este o requisito de que trata a legislação de regência, não se admitindo, nesta sede, discussão acerca do negócio jurídico subjacente. 3. A Súmula 339 do STJ autoriza o cabimento da ação monitória contra a Fazenda Pública. 4. É necessária a reforma da sentença quanto aos índices de correção monetária e aos juros incidentes, a fim de que observem os índices fixados pelo STJ no julgamento do REsp 1495146/MG (Relator Ministro Mauro Campbell Marques, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 02/03/2018, item 3.1, Tema 905) até 08/12/2021 e, após, o art. 3º da EC nº 113/2021 (09/12/2021). 5. Apelação conhecida e parcialmente provida." (TJCE, Apelação Cível - 0000611-68.2016.8.06.0027, Rel. Desembargador(a) JOSÉ TARCÍLIO SOUZA DA SILVA, 1ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 29/05/2023, data da publicação: 29/05/2023) (Destaquei) "EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO. AÇÃO MONITÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. SÚMULA 339, STJ. PROVA ESCRITA REPRESENTATIVA DA OBRIGAÇÃO. NOTAS FISCAIS E ORDENS DE COMPRA. CARÊNCIA DE AÇÃO. INOCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DOS PRODUTOS POR PESSOA PRESUMIDAMENTE AUTORIZADA PELO ENTE PÚBLICO. TEORIA DA APARÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTRATO ADMINISTRATIVO. IRRELEVÂNCIA. ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA E DE JUROS MORATÓRIOS MODIFICADOS. ADEQUAÇÃO À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DOS TRIBUNAIS SUPERIORES (RESP 1495146/MG - RECURSO REPETITIVO) E AO ART. 3º DA EC Nº 113/20. REMESSA E APELO PARCIALMENTE PROVIDOS 1. A partir da prova documental, verifica-se terem sido juntadas aos autos notas fiscais emitidas em desfavor do Município referentes à aquisição de materiais, as quais correspondem às ordens de compra emitidas pelo ente municipal com os mesmos valores e as cópias dos procedimentos de liquidação e empenho. Os produtos fornecidos pela empresa apelada foram devidamente recebidos. 2. Não há falar em carência da ação, restando comprovada a dívida. A ausência de cópia do contrato ¿ suscitada pelo Município ¿ não constitui circunstância impeditiva, modificativa ou extintiva do direito da autora, em face da documentação coligida, sob pena de tolerar-se o enriquecimento ilícito da Administração Pública, a qual não se desincumbiu do ônus de comprovar o pagamento ou outro motivo hábil a desconstituir as assertivas autorais. Como sabido, o procedimento monitório se baseia em prova escrita suficiente a comprovar o direito de exigir do devedor quantia em dinheiro, sendo este o requisito de que trata a legislação de regência, não se admitindo, nesta sede, discussão acerca do negócio jurídico subjacente. 3. A Súmula 339 do STJ autoriza o cabimento da ação monitória contra a Fazenda Pública. 4. É necessária a reforma da sentença quanto aos índices de correção monetária e aos juros incidentes, a fim de que observem os índices fixados pelo STJ no julgamento do REsp 1495146/MG (Relator Ministro Mauro Campbell Marques, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 02/03/2018, item 3.1, Tema 905) até 08/12/2021 e, após, o art. 3º da EC nº 113/2021 (09/12/2021). 5. Remessa necessária e apelação parcialmente providas." (TJCE, Apelação / Remessa Necessária - 0050201-48.2020.8.06.0035, Rel. Desembargador(a) FERNANDO LUIZ XIMENES ROCHA, 1ª Câmara Direito Público, data do julgamento: 13/03/2023, data da publicação: 13/03/2023) (Destaquei) Da mesma forma, não merece acolhimento a alegação do Muncípio recorrente de que o pagamento não foi realizado em determinado exercício financeiro por falta de disponibilidade orçamentária. Isso porque, conforme já evidenciado, nos termos do disposto no art. 58, da Lei nº 4.320/64, o empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição. Desta forma, tendo o ente municipal emitido as notas de empenho (IDs. 1570173 15701734) em favor da empresa recorrida, comprometeu-se a efetuar o devido pagamento dos valores empenhados, desde de que comprovado o recebimento em conformidade das mercadorias contratadas e fornecidas, não cabendo vir a alegar a insuficiência de recursos para deixar de efetuar o devido pagamento. Outrossim, cabe à Administração elaborar e gerir seu orçamento de modo a honrar com seus compromissos, notadamente as notas de empenho emitidas, não sendo possível, repita-se, que o ente municipal utilize as mercadorias fornecidas sem a devida contraprestação, sob pena de enriquecimento sem causa. Nesse cenário, verifica-se a assertividade da sentença ao reconhecer a obrigação do Município de Aracati de efetuar o devido pagamento pelas mercadorias fornecidas pela empresa recorrida. Passa-se, então, à análise dos juros e correção monetária, os quais, por se tratarem de matéria de ordem pública, podem ser revistos a qualquer tempo, até mesmo de ofício. Conforme já mencionado, o item 18.2 do edital prevê que, "No caso de eventual atraso de pagamento, o valor devido deverá ser acrescido de juros moratórios de 0,5 % (cinco décimos por cento) ao mês, apurados desde a data acima referida até a data do efetivo pagamento, calculados "pro rata die", sobre o valor da nota fiscal/fatura." Entretanto, quanto à correção monetária e aos juros de mora em caso de condenação da Fazenda Pública, deve ser observado o previsto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09: Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. Acerca da constitucionalidade de referida disposição legal, o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 870.947/SE em sede de repercussão geral (Tema 810/STF), fixou a seguinte tese: "[...]1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494 /97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494 /97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina.[...]" (Destaquei) Complementarmente, o STJ firmou entendimento sobre o tema nos Recursos Especiais 1.495.146/MG, 1.492.221/PR e 1.495.144/RS, em sede de recursos repetitivos (Tema n. 905/STJ), no seguinte sentido: "[...] 1. Correção monetária: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza. 1.1 Impossibilidade de fixação apriorística da taxa de correção monetária. No presente julgamento, o estabelecimento de índices que devem ser aplicados a título de correção monetária não implica pré-fixação (ou fixação apriorística) de taxa de atualização monetária. Do contrário, a decisão baseia-se em índices que, atualmente, refletem a correção monetária ocorrida no período correspondente. Nesse contexto, em relação às situações futuras, a aplicação dos índices em comento, sobretudo o INPC e o IPCA-E, é legítima enquanto tais índices sejam capazes de captar o fenômeno inflacionário. 1.2 Não cabimento de modulação dos efeitos da decisão. A modulação dos efeitos da decisão que declarou inconstitucional a atualização monetária dos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, objetivou reconhecer a validade dos precatórios expedidos ou pagos até 25 de março de 2015, impedindo, desse modo, a rediscussão do débito baseada na aplicação de índices diversos. Assim, mostra-se descabida a modulação em relação aos casos em que não ocorreu expedição ou pagamento de precatório. 2. Juros de mora: o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), na parte em que estabelece a incidência de juros de mora nos débitos da Fazenda Pública com base no índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, aplica-se às condenações impostas à Fazenda Pública, excepcionadas as condenações oriundas de relação jurídico-tributária. 3. Índices aplicáveis a depender da natureza da condenação. 3.1 Condenações judiciais de natureza administrativa em geral. As condenações judiciais de natureza administrativa em geral, sujeitam-se aos seguintes encargos: (a) até dezembro/2002: juros de mora de 0,5% ao mês; correção monetária de acordo com os índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal, com destaque para a incidência do IPCA-E a partir de janeiro /2001; (b) no período posterior à vigência do CC/2002 e anterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice; (c) período posterior à vigência da Lei 11.960/2009: juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança; correção monetária com base no IPCA-E. […]" (Destaquei) Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 113, publicada em 09/12/2021, estabeleceu, no art. 3º, que "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente." Dessa forma, para fins de atualização monetária do valor e compensação da mora, após a publicação da Emenda Constitucional nº 113/2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente. Na hipótese, o montante inicial era de R$ 3.016,01, devido pelo município a partir de 01/12/2020 (primeiro dia após o 30º dia para pagamento das despesas liquidadas em 30/11/2020), momento em que a obrigação restou vencida. Ainda que não exista previsão expressa no contrato administrativo acerca da incidência de correção monetária, esta, conforme jurisprudência do STJ, é devida desde o inadimplemento. Confira-se: "EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. OBRA PÚBLICA. CONTRATO ADMINISTRATIVO. CONSTRUÇÃO DE UNIDADE ESCOLAR. ATRASO NOS PAGAMENTOS. CORREÇÃO MONETÁRIA DEVIDA. RECOMPOSIÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO. ALTERAÇÃO DAS CONCLUSÕES ADOTADAS NA ORIGEM. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA NÃO COMPROVADA. 1. A Corte a quo, no enfrentamento da matéria, entendeu ser devida a correção monetária no contrato administrativo nos seguintes termos: " (...) Vale frisar que a correção não acrescenta nenhum valor ao que foi pactuado, senão que apenas assegura a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial entre as partes contratantes, protegendo contra a corrosão inflacionária a que recebe pagamentos em atraso. Por isso mesmo sua aplicação não depende de previsão contratual expressa, mas decorre do princípio que veda o enriquecimento sem causa" (fl. 159, e-STJ). 2. O STJ possui o entendimento de que "a correção monetária não constitui um plus, sendo somente a reposição do valor real da moeda, devendo, portanto, ser aplicada, integralmente, sob pena de enriquecimento sem causa de uma das partes" (REsp 1.062.62/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.10.2010). 3. Extrai-se do acórdão vergastado e das razões de Recurso Especial que o acolhimento da pretensão recursal demanda reexame do contexto fático-probatório, o que não se admite ante o óbice da Súmula 7/STJ. 4. A apontada divergência deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente, o que não ocorreu.5. Recurso Especial não conhecido." (STJ, REsp 1786183/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/02/2019, DJe 11/03/2019) (Destaquei) "EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONTRATOS. EMPREITADA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA. OFENSA AOS ARTS. 128, 333, I, E 460 DO CPC. DESNECESSIDADE DE REFORMA. CORREÇÃO MONETÁRIA. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO. AUSENTE PREVISÃO CONTRATUAL. TERMO INICIAL. ART. 55, III, DA LEI 8.666/1993. PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. INOBSERVÂNCIA DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS E REGIMENTAIS. TERMO A QUO DA INCIDÊNCIA DE JUROS. OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA. ART. 960 DO CC/1916. SÚMULA 83/STJ. [...] 3. O termo inicial da correção monetária, nos contratos administrativos, deve se dar nos moldes previstos no art. 55, III, da Lei 8.666/1993, ou seja, entre a data do adimplemento das obrigações tanto da contratada (medição) como da contratante (vencimento de prazo sem pagamento) e a data do efetivo pagamento. 4. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que é cabível a correção monetária a partir do vencimento da obrigação, mesmo não havendo previsão contratual a esse respeito. [...] 8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido." (STJ, REsp 968.835/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009) (Destaquei) Portanto, a partir de 01/12/2020 deve incidir correção monetária pelo IPCA-E, conforme Tema 905 STJ. Já quanto aos juros de mora, sabe-se que a incidência da mora se dá a partir do inadimplemento da obrigação, quando esta é positiva e líquida. No caso, verifica-se não haver diferença entre juros de mora contratuais (0,5% ao mês) e legais (0,5% ao mês), este último incidindo apenas a partir da sentença, momento em que foi estabelecida a condenação judicial, de modo que deve ser estabelecida a incidência de juros de mora à razão de 0,5% ao mês, como procedido na sentença. Não se pode olvidar, entretanto, que, a partir da entrada em vigor da EC nº 113/2021, deve ser aplicada unicamente a SELIC, substituindo a incidência conjunta de juros e correção monetária. Assim, no caso concreto tem-se que a incidência de juros e correção monetária sobre o montante de R$ 3.016,01 fica assim estabelecida: - A partir de 01/12/2020, momento do inadimplemento contratual do município, incidem juros de 0,5% ao mês (previsão contratual) e correção monetária pelo IPCA-E; · A partir de 09/12/2021, incidirá apenas a SELIC, conforme previsto na EC nº 113/2021. Destaca-se, entretanto, a necessidade de abatimento, da quantia devida, dos valores já comprovadamente pagos pelo ente municipal, tal como consignado na sentença. DIANTE DO EXPOSTO, conheço da Apelação Cível, para NEGAR-LHE PROVIMENTO, mas, de ofício, reformo a sentença recorrida apenas quanto aos consectários legais, observando-se o disposto no Tema 905 do STJ e na EC 113/2021. Intimem-se as partes. Certifique-se o decurso dos prazos e remetam-se os fólios ao primeiro grau, com baixa. Publique-se. Cumpra-se. Fortaleza/CE, 19 de maio de 2025. Des. JOSÉ TARCÍLIO SOUZA DA SILVA Relator
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