Processo nº 0868410-21.2023.8.10.0001
ID: 294531346
Tribunal: TJMA
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0868410-21.2023.8.10.0001
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO EDUARDO GONCALVES DE RUEDA
OAB/PE XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Apelação Cível nº 0868410-21.2023.8.10.0001 Apelante: Central Nacional Unimed - Cooperativa Central Advogad…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Apelação Cível nº 0868410-21.2023.8.10.0001 Apelante: Central Nacional Unimed - Cooperativa Central Advogados: Antônio Eduardo Gonçalves De Rueda - OAB PE16983-A 2º Apelante: Elvira de Jesus Silva Oliveira de Sousa Advogado: Defensoria Pública do Estado Maranhão 1º Apelado: Elvira de Jesus Silva Oliveira de Sousa 2º Apelado: Central Nacional Unimed - Cooperativa Central Relatora: Desembargadora Oriana Gomes Decisão Monocrática: EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÕES CÍVEIS. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. RESCISÃO UNILATERAL DURANTE TRATAMENTO ONCOLÓGICO. CONDUTA ABUSIVA. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. JUSTIÇA GRATUITA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. RECURSO DA OPERADORA DESPROVIDO. RECURSO DA AUTORA PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelações Cíveis interpostas por Central Nacional Unimed – Cooperativa Central (1ª Apelante) e Elvira de Jesus Silva Oliveira de Sousa (2ª Apelante), contra sentença da 1ª Vara Cível de São Luís/MA que, em ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais e pedido de tutela de urgência, julgou parcialmente procedente o pedido inicial, tornando definitiva a tutela que determinava a manutenção do plano de saúde nas mesmas condições contratadas. A autora, em tratamento oncológico, alegou surpresa com a rescisão contratual e requereu a continuidade do vínculo até o fim do tratamento. A sentença reconheceu a obrigação da operadora de manter o plano e repartiu os ônus sucumbenciais. A Unimed recorreu alegando inexistência de ilícito. A autora recorreu para requerer a concessão da justiça gratuita. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se é legítima a rescisão unilateral de contrato de plano de saúde coletivo durante tratamento oncológico; (ii) estabelecer se estão presentes os requisitos para concessão da justiça gratuita à parte autora, com suspensão da exigibilidade de custas e honorários. III. RAZÕES DE DECIDIR A jurisprudência consolidada do STJ (Tema 1.082) estabelece que a operadora de plano de saúde coletivo deve assegurar a continuidade do tratamento de beneficiário diagnosticado com doença grave até a alta médica, mesmo após a rescisão unilateral do contrato. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 8º, § 3º, alínea "b", e 35-C, I e II, da Lei nº 9.656/1998, e do art. 16 da RN nº 465/2021 da ANS, veda a rescisão de contratos em vigor com beneficiário em tratamento de doença grave, como o câncer. A função social do contrato (CC, art. 421) e os princípios da boa-fé objetiva e da dignidade da pessoa humana impõem limites à liberdade contratual, especialmente quando há risco à vida ou saúde do consumidor. A autora apresentou documentação médica que comprova tratamento oncológico em curso, não havendo controvérsia sobre sua continuidade. A concessão da justiça gratuita é autorizada pelo art. 98 do CPC/2015, em consonância com o art. 5º, LXXIV, da CF/88, e encontra fundamento na presunção de hipossuficiência decorrente da assistência pela Defensoria Pública. A ausência de impugnação da declaração de hipossuficiência e a natureza da causa justificam o deferimento do pedido, com suspensão da exigibilidade do pagamento das custas e honorários nos termos do art. 98, § 3º, do CPC. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso da 1ª Apelante conhecido e desprovido. Recurso da 2ª Apelante conhecido e provido. Tese de julgamento: A operadora de plano de saúde coletivo não pode rescindir o contrato unilateralmente quando o beneficiário está em tratamento médico que garante sua sobrevivência ou incolumidade física, devendo manter a cobertura até a alta médica, desde que o titular arque com a contraprestação. A concessão da justiça gratuita pode ser realizada em sede recursal, sendo suficiente, nos casos assistidos pela Defensoria Pública, a presunção de hipossuficiência, autorizando a suspensão da exigibilidade das custas e honorários advocatícios. Vistos, etc. Trata-se de Apelações Cíveis interpostas por Central Nacional Unimed - Cooperativa Central e Elvira de Jesus Silva Oliveira de Sousa, 1º e 2º Apelantes respectivamente, objetivando a reforma da sentença proferida pelo juízo de direito da 1ª Vara Cível De São Luís/MA, que julgou parcialmente procedentes os pedidos da ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e pedido de tutela de urgência ajuizada por Elvira de Jesus Silva Oliveira de Sousa contra Central Nacional Unimed - Cooperativa Central. A autora ajuizou a ação sustentando inicialmente que possuía contrato de prestação de serviços de plano de saúde com a Requerida, com todos os pagamentos devidamente quitados. Contudo, fora surpreendida com a informação de rescisão do contrato, e assim orientada a realizar migração para outro plano pelo site da ANS, mas não logrou êxito por não existirem planos com benefícios e valores semelhantes ao que possui. Ademais, informa conviver com tratamento oncológico por tempo indeterminado, conforme receitado pela médica especialista, e assim ajuizou a presente ação, a fim de obter a manutenção do contrato de prestação de serviços de saúde até a finalização do referido tratamento (ID nº 42766653). Decisão de ID nº 42766686 do juízo a quo, deferindo o pedido de tutela antecipada, para determinar que, a parte requerida restabeleça o Contrato de saúde da demandante, mantendo nos mesmos termos e valores, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), extensiva a 30 (trinta dias), revertida à parte autora. Não obstante, após análise probatória, foi proferida sentença julgando parcialmente procedentes os pedidos, para convolar em definitivo a tutela antecipada outrora deferida, a fim de tornar definitiva a obrigação de manutenção do plano de saúde da Autora, nas mesmas condições contratadas (UNIMED BÁSICO EMP I – E), assegurando a continuidade do tratamento, mediante pagamento da contraprestação pela titular do plano, bem como considerando a sucumbência recíproca, condenou as partes ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa (ID n 42766755). Inconformada, a 1ª Apelante, Central Nacional Unimed - Cooperativa Central, interpôs o presente recurso a fim de reformar a sentença, vez que não cometeu nenhuma ilegalidade pela parte recorrida, bem como não foram acostados nos autos documentos que comprovem qualquer ato ilícito pela mesma, visto que inequívoco que a parte autora estava plenamente informada sobre o término do contrato, sendo seu desconhecimento sobre a cláusula contratual infundado (ID nº 42766766). Em conseguinte, a 2ª Apelante, Elvira De Jesus Silva Oliveira De Sousa, interpôs recurso pleiteando a reforma do julgado apenas para que seja deferida a gratuidade da justiça, com consequente suspensão de exigibilidade de custas e honorários advocatícios pelo prazo de 05 anos, nos termos do art. 98, §§1º e 3º, do Código de Processo Civil, por ser pessoa hipossuficiente na forma da lei e requereu expressamente na inicial a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, apresentando declaração que não foi impugnada pela contraparte (ID nº 42766771). Contrarrazões da 1ª Apelada sob o ID nº 42766770. Sem Contrarrazões do 2º Apelado. Tendo em vista que o Ministério Público se manifestou em outros feitos da mesma espécie declinando da atuação, em razão da ausência de interesse público ou social, da inexistência de interesse de incapazes, bem como, por não se tratar de litígios coletivos pela posse de terra rural, prossigo com o julgamento da causa sem a remessa dos autos à Procuradoria de Justiça. Era o que cabia relatar. Analisados, decido. Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso. A prerrogativa constante do art. 932, do Código de Processo Civil, permite ao relator decidir monocraticamente o presente apelo, na medida em que já há jurisprudência firme nessa Corte acerca dos temas trazidos ao segundo grau, bem como entendimento firmado em Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Passo ao enfrentamento do recurso. A controvérsia recursal consiste em, de um lado, em aferir a legalidade da decisão que determinou a manutenção do plano de saúde da autora nas mesmas condições contratuais anteriores à rescisão, ante a alegação de inexistência de ilícito e ciência prévia da contratante sobre o encerramento do vínculo, bem como acerca da concessão da gratuidade da justiça à autora, 1ª Apelante, sob alegação de hipossuficiência devidamente comprovada e não impugnada. Considerando o mérito, passo a julgar os recurso em conjunto. Sendo o preparo requisito de admissibilidade recursal nos moldes do art. 1007 do CPC, ausentes neste momento processual, considerando que a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária é um dos pedidos contidos na peça recursal da 2ª Apelante, ao qual passamos a apreciar. É bem verdade que o pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado nessa instância recursal – CPC/2015, art. 99, caput -. No entanto, considerando a necessidade de comprovação da alegada hipossuficiência, vez que a simples declaração, por si só, não atesta, nem prova, a carência de recursos financeiros capazes de privar do sustento próprio e de seus dependentes, analisando detidamente os autos em conjunto com aqueles da ação de origem, verifico que, de fato, estão presentes os requisitos autorizadores do deferimento da justiça gratuita. Segundo o art. 98, caput, do CPC, "a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei". Referido dispositivo está em consonância com o art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, que estabelece que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". É evidente, portanto, que a concessão da justiça gratuita está condicionada à prova da carência de recursos para arcar com as custas de um processo. Frise-se não haver critérios objetivos e pré-determinados para a verificação da hipossuficiência financeira, devendo esta ser analisada de acordo com as circunstâncias do caso concreto, dentre as quais a natureza da ação, o valor da renda auferida e as despesas suportadas. In casu, o réu, ora apelante, encontra-se assistido pela Defensoria Pública, fato que, por si só, configura presunção de hipossuficiência do atendido. Isso porque, as Defensorias realizam idônea e rigorosa triagem socioeconômica com aqueles que procuram a sua assistência, sendo desnecessária nova comprovação da carência financeira quando do pedido da concessão dos benefícios da gratuidade da justiça. Todavia, não há de se falar em isenção do pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, sendo apenas suspensa a exigibilidade do pagamento nos termos do § 3º do Art. 98 do CPC/15. Nesse sentido: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS-JUSTIÇA GRATUITA – ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS – RÉU ASSISTIDO PELA DEFENSORIA PÚBLICA – PRESUNÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA – SUSPENSÃO EXIGIBILIDADE – NECESSIDADE. I – Em se tratando de pessoa assistida pela Defensoria Pública, a situação de hipossuficiência deve ser presumida, visto que, neste caso, aquele órgão atua na defesa apenas dos necessitados, exercendo triagem socioeconômica com seus assistidos. II – Se o réu restou assistido juridicamente pela Defensoria Pública, faz ele jus à Justiça Gratuita, com a suspensão da exigibilidade das custas processuais e não a isenção do pagamento. (TJ-MG - AC: 10145140577274001 Juiz de Fora, Relator.: João Cancio, Data de Julgamento: 26/06/2018, Câmaras Cíveis / 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/06/2018) (Grifo nosso) CIVIL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA FÍSICA REPRESENTADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA. JUSTIÇA GRATUITA EM GRAU DE RECURSO. DEFERIDA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO DAS CUSTAS E HONORÁRIOS. APELO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. I. Consoante o art. 98, caput, do CPC, "a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei" II. No caso, a representação da parte apelante pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão e a presunção relativa de hipossuficiência de quem a alega (art. 99, §3º CPC) reforçam a necessidade e viabilizam a concessão dos benefícios da justiça gratuita no presente caso. III. Apelo provido, sem interesse ministerial.(ApCiv 0000095-63.2019.8.10.0049, Rel. Desembargador(a) EDIMAR FERNANDO MENDONCA DE SOUSA, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DJe 04/06/2024) (Grifo nosso) PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DA DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO CONTRÁRIA. RECURSO PROVIDO DE ACORDO COM O PARECER MINISTERIAL. I. O benefício de gratuidade da justiça é devido a quem não possui rendimentos suficientes para suportar as despesas de um processo, presumindo-se verdadeira a declaração de necessidade do benefício. II. A Assistência Judiciária Gratuita está prevista no artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal, que atribui ao Estado a obrigação de garantir que a pessoa com poucos recursos financeiros tenha acesso a um advogado, sem ter que arcar com o custo de sua contratação. Na maioria das vezes, é exercida pela Defensoria Pública, mas caso não exista, pode ser por advogado dativo, ou seja, nomeado pelo juiz, que será remunerado pelo Estado. III. A Gratuidade de Justiça está regulamentada nos artigos 98 a 102 do Código de Processo Civil, que revogou algumas disposições da Lei 1.060/50. Conforme artigo 98, a parte que comprovar que não tem condições de arcar com as taxas e custas exigidas para a tramitação de um processo judicial, seja pessoa física ou jurídica, pode ter o benefício concedido por meio da decisão de magistrado, mesmo que tenha advogado particular. O benefício pode solicitado em qualquer fase do processo. IV. A concessão deste benefício alcança as taxas ou custas processuais; honorários de advogado (sucumbência), perito, contador ou tradutor; eventuais indenizações a testemunhas; custas como exames de DNA e outros necessários ao processo; depósitos para interposição de recursos ou outros atos processuais; despesas com envio de documentos e publicações; entre outros. V. Agravo provido, de acordo com o parecer ministerial. (AI 0816693-07.2022.8.10.0000, Rel. Desembargador(a) ANTONIO PACHECO GUERREIRO JUNIOR, 2ª CÂMARA CÍVEL, DJe 19/06/2023) Desta maneira, é forçoso reconhecer o direito da 2ª apelante aos benefícios da gratuidade da justiça, com determinação de suspensão da exigibilidade do pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios nos termos do § 3º do Art. 98 do CPC/15. Logo, defiro o pedido de assistência judiciária gratuita. Passo ao julgamento do mérito. A presente questão trata a respeito da possibilidade da rescisão contratual de benefício de plano de saúde da requerente, que necessita de tratamento oncológico. Em que pese o esforço argumentativo do 1º Apelante, observa-se que, de fato, o diploma legal regido pela Lei nº 9.656, art. 30, prediz que no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, o ex-empregado goza do direito de manter sua condição de beneficiário de plano de saúde, desde que contribua no lugar do seu empregador, porém, pelo prazo máximo de 24 meses, senão veja-se: Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. § 1o O período de manutenção da condição de beneficiário a que se refere o caput será de um terço do tempo de permanência nos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, ou sucessores, com um mínimo assegurado de seis meses e um máximo de vinte e quatro meses. § 2o A manutenção de que trata este artigo é extensiva, obrigatoriamente, a todo o grupo familiar inscrito quando da vigência do contrato de trabalho. Entretanto, destaca-se que a situação em apreço não pode ser interpretada estritamente à luz da literalidade do ditame legal, uma vez que se trata de um indivíduo diagnosticado com câncer de mama, conforme receituário médico acostado ao ID nº 4276662, e até o que se sabe no presente momento, por não haver afirmação ou prova contrária nos autos, continua em seu tratamento contra o câncer. Nesse aspecto, é mais do que justificável entender que tal regra legal comporta exceção, uma vez que a rescisão unilateral do contrato do plano de saúde se configura como conduta abusiva enquanto o indivíduo está em tratamento contra o câncer, doença que gera a necessidade da realização de exames e procedimentos e constante acompanhamento. Desta maneira, no caso de usuário internado ou submetido a tratamento garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física, o óbice à suspensão de cobertura ou à rescisão unilateral do plano de saúde prevalecerá independentemente do regime de sua contratação — coletivo ou individual —, devendo a operadora aguardar a efetiva alta médica para se desincumbir da obrigação de custear os cuidados assistenciais pertinentes, por força da interpretação sistemática e teleológica dos artigos 8º, § 3º, alínea "b", e 35-C, incisos I e II, da Lei n. 9.656/1998, bem como do artigo 16 da Resolução Normativa DC/ANS n. 465/2021, in verbis: Lei n. 9.656/1998 [...] Art. 8º Para obter a autorização de funcionamento, as operadoras de planos privados de assistência à saúde devem satisfazer os seguintes requisitos, independentemente de outros que venham a ser determinados pela ANS: [...] § 3º As operadoras privadas de assistência à saúde poderão voluntariamente requerer autorização para encerramento de suas atividades, observando os seguintes requisitos, independentemente de outros que venham a ser determinados pela ANS: [...] b) garantia da continuidade da prestação de serviços dos beneficiários internados ou em tratamento; [...] Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente; II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional; […] Parágrafo único. A ANS fará publicar normas regulamentares para o disposto neste artigo, observados os termos de adaptação previstos no art. 35” Nesse ínterim, foi publicada resolução pela ANS nos seguintes termos: Resolução Normativa DC/ANS n. 465/2021 Art. 16. No caso de procedimentos sequenciais e/ou contínuos, tais como quimioterapia, radioterapia, hemodiálise e diálise peritonial, a operadora deve assegurar a continuidade do tratamento conforme prescrição do profissional assistente e justificativa clínica, não cabendo nova contagem ou recontagem dos prazos de atendimento estabelecidos pela Resolução Normativa n. 259, de 17 de junho de 2011. Sob a ótica da função social dos contratos, Carlos Roberto Gonçalves (Gonçalves, Carlos. Direito Civil Brasileiro 3: Contratos e Atos Unilaterais. 18a edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. Pág. 31), ensina o seguinte: "Art. 421. ( CC) A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. A função social do contrato, inserida no dispositivo em apreço, foi uma inovação do atual diploma civil. Trata-se de um ‘princípio de justiça contratual', por meio do qual o juiz pode corrigir os efeitos produzidos entre as partes, em um primeiro momento, quando estes forem socialmente inaceitáveis por prejudicarem a coletividade ou por estarem em desacordo com valores fundamentais e, em um segundo momento, quando houver a produção de efeitos diversos daqueles esperados por uma das partes ao ter celebrado o contrato." Nesse diapasão, não se trata de mera diretriz doutrinária, destituída de força vinculante, pois o próprio legislador adotou no Código Civil a função social dos contratos como um fator limitante à liberdade contratual, o que desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo podem fazer desde que esteja estipulado nas cláusulas contratuais, uma vez que isso esbarra com o interesse social e com a dignidade humana. Nessa senda, é desarrazoado considerar que um paciente que já iniciou seu tratamento contra o câncer com um plano de saúde tenha que migrar todo seu tratamento para o Sistema Único de Saúde, pois fere os princípios de boa-fé, visto que a saúde, enquanto bem relevante à vida e à dignidade da pessoa humana, foi elevada pela atual conjuntura constitucional à condição de direito fundamental, razão por que não pode, de nenhuma forma, ser vista como mera mercadoria, tampouco ser confundida com outras atividades econômicas, merecendo o respeito que lhe é inerente. Para além do entendimento doutrinário e legal, a jurisprudência deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça adota a tese de que é abusiva a rescisão contratual do usuário que está em tratamento médico que garante sua sobrevivência, ainda que após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano, como no caso dos autos: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. CANCELAMENTO UNILATERAL. BENEFICIÁRIO SUBMETIDO A TRATAMENTO MÉDICO DE DOENÇA GRAVE . 1. Tese jurídica firmada para fins do artigo 1.036 do CPC: "A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação (mensalidade) devida." 2 . Conquanto seja incontroverso que a aplicação do parágrafo único do artigo 13 da Lei 9.656/1998 restringe-se aos seguros e planos de saúde individuais ou familiares, sobressai o entendimento de que a impossibilidade de rescisão contratual durante a internação do usuário - ou a sua submissão a tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou da manutenção de sua incolumidade física - também alcança os pactos coletivos. 3. Isso porque, em havendo usuário internado ou em pleno tratamento de saúde, a operadora, mesmo após exercido o direito à rescisão unilateral do plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais até a efetiva alta médica, por força da interpretação sistemática e teleológica dos artigos 8º, § 3º, alínea b, e 35-C, incisos I e II, da Lei n . 9.656/1998, bem como do artigo 16 da Resolução Normativa DC/ANS n. 465/2021, que reproduz, com pequenas alterações, o teor do artigo 18 contido nas Resoluções Normativas DC/ANS n. 428/2017, 387/2015 e 338/2013 . 4. A aludida exegese também encontra amparo na boa-fé objetiva, na segurança jurídica, na função social do contrato e no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o que permite concluir que, ainda quando haja motivação idônea, a suspensão da cobertura ou a rescisão unilateral do plano de saúde não pode resultar em risco à preservação da saúde e da vida do usuário que se encontre em situação de extrema vulnerabilidade. 5. Caso concreto: (i) a autora aderiu, em 1º .12.2012, ao seguro-saúde coletivo empresarial oferecido pela ré, do qual o seu empregador era estipulante; (ii) no aludido pacto, havia cláusula expressa prevendo que, após o período de 12 meses de vigência, a avença poderia ser rescindida imotivadamente por qualquer uma das partes, mediante notificação por escrito com no mínimo 60 dias de antecedência; (iii) diante da aludida disposição contratual, a operadora enviou carta de rescisão ao estipulante em 14.12.2016, indicando o cancelamento da apólice em 28 .2.2017; (iv) desde 2016, a usuária encontrava-se afastada do trabalho para tratamento médico de câncer de mama, o que ensejou notificação extrajudicial - encaminhada pelo estipulante à operadora em 11.1.2017 - pleiteando a manutenção do seguro-saúde até a alta médica; (v) tendo em vista a recusa da ré, a autora ajuizou a presente ação postulando a sua migração para plano de saúde individual; (vi) desde a contestação, a ré aponta que não comercializa tal modalidade contratual; e (vii) em 4 .4.2017, foi deferida antecipação da tutela jurisdicional pelo magistrado de piso - confirmada na sentença e pelo Tribunal de origem - determinando que "a ré mantenha em vigor o contrato com a autora, nas mesmas condições contratadas pelo estipulante, ou restabeleça o contrato, se já rescindido, por prazo indeterminado ou até decisão em contrário deste juízo, garantindo integral cobertura de tratamento à moléstia que acomete a autora" (fls. 29-33). 6 . Diante desse quadro, merece parcial reforma o acórdão estadual a fim de se afastar a obrigatoriedade de oferecimento do plano de saúde individual substitutivo do coletivo extinto, mantendo-se, contudo, a determinação de continuidade de cobertura financeira do tratamento médico do câncer de mama - porventura em andamento -, ressalvada a ocorrência de efetiva portabilidade de carências ou a contratação de novo plano coletivo pelo atual empregador. 7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ - REsp: 1846123 SP 2019/0201432-5, Data de Julgamento: 22/06/2022, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 01/08/2022) (Grifo nosso). APELAÇÃO. Plano de Saúde Coletivo. Manutenção de beneficiário em plano de saúde coletivo nas mesmas condições de cobertura assistencial. PACIENTE EM TRATAMENTO DE CÂNCER. Extinção do contrato de plano coletivo empresarial firmado entre a ex-empregadora e a operadora. Pretendido afastamento da obrigação de manter o beneficiário no plano de saúde. Descabimento. Possibilidade de continuidade de tratamento até a alta em caso de rescisão unilateral de plano coletivo, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação (mensalidade) devida. Entendimento do Tema 1082 do C. STJ. Perseguido afastamento da indenização moral. Descabimento. Beneficiário em estágio avançado de TRATAMENTO ONCOLÓGICO. Operadora do plano de saúde que expôs o paciente à própria sorte, bem como o deixou sem plano de saúde e sem a continuidade do tratamento em um momento tão crucial para sua vida. Indenização ademais, fixada em quantia módica (R$ 5.000,00). Sentença mantida. Adoção do art. 252 do RITJ. RECURSO DESPROVIDO com OBSERVAÇÃO (condições para vigência do plano caso seja cassada a liminar deferida em prol da empregadora do ora recorrido, pela manutenção do plano coletivo, no bojo dos autos nº 1056689-38.2023.8.26.0100). (TJ-SP - Apelação Cível: 1075348-95.2023.8.26 .0100 São Paulo, Relator.: Jair de Souza, Data de Julgamento: 04/03/2024, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 04/03/2024) PLANO DE SAÚDE. RESCISÃO CONTRATUAL UNILATERAL DURANTE TRATAMENTO ONCOLÓGICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA E À FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR ARBITRADO MANTIDO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. A administradora de benefícios, ao atuar na estruturação, gestão e manutenção de plano coletivo por adesão, participa diretamente da cadeia de fornecimento do serviço, atraindo a responsabilidade solidária por vícios na execução contratual. A rescisão unilateral de contrato de plano de saúde durante tratamento contra câncer configura prática abusiva, especialmente quando o beneficiário se encontra em situação de extrema vulnerabilidade clínica, violando os princípios da boa-fé objetiva, proteção da confiança e função social do contrato. A reparação moral é medida que se impõe diante do abalo emocional sofrido pelo consumidor em virtude da insegurança no acesso aos meios de tratamento oncológico em curso. O quantum indenizatório arbitrado em R$ 5.000,00 revela-se proporcional e razoável, atendendo às finalidades compensatória e pedagógica da condenação. Apelação conhecida e desprovida. Sentença mantida. Decisão(Acórdão): Acordam os Senhores Desembargadores da Quarta Câmara de Direito Privado, por unanimidade, em conhecer do recurso e no mérito negar-lhe provimento, nos termos do voto do Desembargador Relator. (ApCiv 0833061-88.2022.8.10.0001, Rel. Desembargador(a) ANTONIO JOSE VIEIRA FILHO, QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DJe 08/05/2025) (Grifo nosso) AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. RESCISÃO UNILATERAL DE PLANO COLETIVO. POSSIBILIDADE. ASSOCIADA EM TRATAMENTO MÉDICO DE DOENÇA GRAVE. NECESSIDADE DE SER MANTIDA A COBERTURA DO TRATAMENTO ONCOLÓGICO DA AGRAVADA. 1. Considerando que a Agravada é paciente portadora de câncer com metástase, encontrando-se em pleno tratamento oncológico quando informada acerca da rescisão unilateral de seu plano de saúde, entende-se que a decisão agravada, com acerto, deferiu a tutela de urgência requerida a fim de garantir a continuidade de seu tratamento e o fornecimento de medicamento necessário para esta etapa, não sendo os argumentos devolvidos no presente Agravo aptos para sobrestar os efeitos da decisão ora impugnada. 2. Devem as teses da operadora, dentre estas a de regularidade do procedimento de rescisão unilateral do plano coletivo da associada, face à rescisão contratual entre a operadora AMIL e Qualicorp ter sido feita nos termos contratuais, legais e regulamentares que norteiam a saúde suplementar, ser averiguadas em sede de cognição exauriente, mediante dilação probatória que compete às empresas Demandadas perante o Juízo de 1º Grau. 3. Agravo conhecido e improvido. 4. Unanimidade. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores da Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, unanimemente em conhecer e negar provimento ao presente Agravo de Instrumento, de acordo com a Procuradoria Geral de Justiça, nos termos do voto do Desembargador Relator. (AI 0812566-55.2024.8.10.0000, Rel. Desembargador(a) RICARDO TADEU BUGARIN DUAILIBE, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DJe 27/02/2025) (Grifo nosso) CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE COLETIVO. RESCISÃO UNILATERAL. IMPOSSIBILIDADE. BENEFICIÁRIA EM TRATAMENTO MÉDICO. DECISÃO MANTIDA. 1. "Em se tratando de contrato coletivo de plano de saúde, mesmo não sendo aplicável o art. 13 da Lei 9.656/1998, as cláusulas previamente estabelecidas não podem proteger práticas abusivas e ilegais, como seria a do cancelamento promovido no momento em que o segurado mais necessita da cobertura, por estar em tratamento de doença grave" ( AgInt no REsp 1.954.897/SP, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 1º/2/2022). 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 1975011 SP 2021/0367622-1, Data de Julgamento: 25/04/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/04/2022) (Grifo nosso) Assim, a medida que se impõe é a manutenção da autora no plano de saúde nas mesmas condições contratadas (UNIMED BÁSICO EMP I - E), conforme delineado em sentença. Em tais condições, nos termos do artigo 932, incisos IV e V, do Código de Processo Civil, e de acordo com as teses firmadas no IRDR nº 53.983/2016, deixo de apresentar o presente recurso à colenda Quinta Câmara de Direito Privado, para, monocraticamente, conhecer ambos os recursos: a) negar provimento ao recurso de Central Nacional Unimed - Cooperativa Central, nos termos da fundamentação supra. b) dar provimento ao recurso de Elvira de Jesus Silva Oliveira, concedendo os benefícios da gratuidade da justiça, determinando-se a suspensão da exigibilidade do pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios nos termos do § 3º do Art. 98 do CPC/15. Com relação aos honorários advocatícios, verifica-se que o magistrado os fixou corretamente atendendo aos critérios previstos no art. 85, §2º do CPC. Todavia, considerando a sucumbência recursal da Central Nacional Unimed - Cooperativa Central, com fundamento no art. 85, § 11º, do CPC, fica majorada a verba honorária de 10% (dez por cento) para o patamar de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação em favor da parte autora, beneficiada pela justiça gratuita nesta fase recursal. Em tempo, no sentido de evitar a oposição de Embargos de Declaração, considera-se, desde já, prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional aduzidas nos autos, “sendo desnecessária a pormenorização de cada dispositivo, haja vista a questão jurídica abordada e decidida” (RT 703/226, Min. Marco Aurélio) e C. STJ (AgRg no REsp 1.417.199/RS, Relª. Minª. Assusete Magalhães). Advertindo-se às partes que eventuais embargos para rediscutir questões já decididas, ou mesmo para prequestionamento, poderão ser considerados protelatórios, sujeitos à aplicação de multa, nos termos do art. 1.026, §2º do CPC. Advirto as partes que a interposição de agravo interno manifestamente inadmissível ou improcedente poderá ensejar a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC, situação caracterizada quando a insurgência pretende atacar decisão monocrática fundamentada em precedente firmado em sede de IRDR (arts. 927 e 985, CPC; AgInt no REsp 1718408/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 21/10/2019, DJe 24/10/2019). Certificado o trânsito em julgado, devolvam-se os autos à Vara de origem, dando-se baixa na distribuição e no registro. Publique-se. Intimem-se e cumpra-se. São Luís/MA, data do sistema. Desembargadora Oriana Gomes Relatora
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