Processo nº 0003549-82.2021.8.13.0377
ID: 335197541
Tribunal: TJMG
Órgão: Vara Única da Comarca de Lajinha
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0003549-82.2021.8.13.0377
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WESLEY OTTZ ANDRADE
OAB/ES XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Lajinha / Vara Única da Comarca de Lajinha Rua Dr. Sidney Hubner França Camargo, 104, Lajinha - MG - CEP: 36980-000…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Lajinha / Vara Única da Comarca de Lajinha Rua Dr. Sidney Hubner França Camargo, 104, Lajinha - MG - CEP: 36980-000 PROCESSO Nº: 0003549-82.2021.8.13.0377 CLASSE: [CRIMINAL] AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283) ASSUNTO: [Abandono de incapaz, Furto Qualificado, Abandono Material, Crimes do Sistema Nacional de Armas] AUTOR: Ministério Público - MPMG CPF: não informado RÉU: VANUSA CORREIA DOS SANTOS CPF: 093.933.166-78 SENTENÇA RELATÓRIO O Ministério Público de Minas Gerais ofereceu denúncia em desfavor de Vanusa Correia dos Santos, já qualificada, nascida em 19/06/1981, como incursa nos crimes previstos no artigo 155, § 4°, inciso II, artigo 133 e artigo 244, todos do Código Penal, e artigo 14 da Lei 10.826/03, narrando os seguintes fatos: 1- Consta dos autos que em data de 23 de maio de 2021, por volta das 22h, na Rua Sebastião Silva de Oliveira, S/N, bairro Prata de Lajinha, Lajinha/MG, a denunciada deixou, sem justa causa, de prover a subsistência do filho menor 18 (dezoito) anos - - não lhe proporcionando os recursos necessários, bem como o abandonou estando ele em sua guarda e autoridade, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono. 2- Nas mesmas condições fáticas antes referenciadas, a denunciada subtraiu, para si, uma arma de fogo, consistente em uma garrucha calibre .38, pertencente a Manoel Ferreira de Jesus. 3- Ainda, nas condições de tempo e lugar indicadas no tópico um, a denunciada portou, adquiriu, transportou e manteve sob sua guarda arma de fogo e munições, de uso permitido,, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar. Infere-se dos autos que conselheiras tutelares dessa Comarca receberam informações indicando que a denunciada não estava oferecendo os cuidados básicos aos seus filhos menores de idade, sendo Diogo K. C. Dos S. (09 anos - Autista) e Deivison (05 anos). Frente a tais informações, as conselheiras tutelares dirigiram-se até o imóvel e constataram a situação de precariedade em que as crianças viviam, assim notificando a denunciada. Dias depois receberam nova denúncia, oportunidade em que, com o apoio da polícia, foram até a residência de Vanusa. Ao chegarem no local, verificaram, a princípio, que não havia ninguém na casa. Após algum tempo conseguiram ver, por uma fresta da janela, que uma criança estava dormindo no imóvel, oportunidade em que procederam a abertura do local para sua retirada. Quando conseguiram entrar no imóvel, os policiais e conselheiras constataram que não havia ninguém na casa além da criança Diogo, que estava dormindo na cama nu, com alguns objetos cortantes sobre a cama, tais como faca e tesoura, evidenciando a situação de risco em que a criança foi deixada. No imóvel foi possível constatar condições precárias de habitação, haja vista as más condições de higiene, água no chão, banheiros sujos de detritos fecais, cozinha com comidas espalhadas pela mesa, chão e no quarto em que a criança estava, revelando a falta de subsistência da denunciada aos seus filhos, relativos a vestuários e habitação, por exemplo. Em continuidade, quando os policiais saíam do imóvel, a denunciada ali chegou e, após buscas pessoais, foi localizada debaixo de sua blusa uma garrucha, calibre .38, devidamente municiada. Saliente-se que tal armamento e munições encontravam-se eficientes (ff. 12 e 14). As investigações lograram êxito em identificar que, momentos antes daquela abordagem, a denunciada foi até a casa da vítima Manoel Ferreira e, aproveitando da confiança - já que trabalhava na casa da vítima - subtraiu a arma de fogo antes referenciada que estava debaixo de um colchão no quarto. A prisão em flagrante da acusada ocorreu em 24/05/2021. Em 02/06/2021, foi cumprido seu alvará de soltura em razão da concessão de liberdade provisória mediante cumprimento de medidas cautelares, Id. 9628968218 dos autos de nº 5000489-16.2021.8.13.0377 (APFD). Denúncia recebida em 18/04/2022, Id. 9427023129. Citada, Id. 9454840148, a acusada ofereceu resposta à acusação em Id. 9580621244, por meio de defesa dativa, sendo pleiteado o decote da qualificadora do § 4º, inciso I, do art. 155 do Código Penal. Em audiência de instrução ocorrida em 19/09/2024, Id. 10311256785, procedeu-se às oitivas de três testemunhas. Na audiência em continuação realizada em 17/10/2024, Id. 10329276770, colheu-se à oitiva da vítima do furto e, em seguida, promoveu-se o interrogatório da ré. Em suas alegações finais de Id. 10331891089, o Ministério Público pugnou pela total procedência da peça acusatória. A defesa, por sua vez, em Id. 10336369366, pleiteou a absolvição da ré quanto aos crimes previstos nos artigos 133 e 244 do Código Penal, haja vista a ausência de provas suficientes para a condenação da ré. Requereu a aplicação do princípio da consunção entre o crime de porte ilegal de arma de fogo e o furto qualificado, com reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, e a aplicação da pena no mínimo legal. É o necessário. Decido. FUNDAMENTAÇÃO As condições da ação penal e a justa causa encontram-se evidenciadas nos autos, não havendo que se falar em aplicação do artigo 395 do CPP, eis que o processo está apto ao julgamento, razão pela qual passo à análise do mérito. 1. Do artigo 155, §4º, II, do Código Penal: O delito em questão encontra a seguinte tipificação penal: Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: (...) § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: (...) II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; A) MATERIALIDADE A materialidade encontra-se comprovada pela documentação acostada aos autos, especialmente em Id. 8280988214, com o APFD às págs. 02-10; auto de apreensão à pág. 16; laudos periciais às págs. 19 e 22; REDS às págs. 35-41; termo de depoimento às págs. 52-53; e RCI às págs. 54-56. B) AUTORIA A autoria é inquestionável. A vítima, Manoel Ferreira de Jesus, manteve em juízo a mesma versão apresentada em sede inquisitorial. Em assentada, declarou que conhece Vanusa, pois ela ficava em sua casa. Disse que comprou uma garrucha, que ficava guardada dentro de casa, e Vanusa a furtou. Explicou que permitia que a ré dormisse em sua casa, então, um dia, ela achou o objeto em sua residência e o subtraiu, levando-o para a casa dela, quando se encontrou com o policial. A testemunha Rafael Chuairy Lopes de Siqueira, investigador de polícia à época, confirmou integralmente o relatório circunstanciado de ocorrência e disse que esteve com o Sr. Manoel e ele confirmou que a arma apreendida era dele e que Vanusa, provavelmente, furtou de dentro de sua casa, pois frequentava o local. Afirmou que Vanusa é dependente química, usuária de crack e alcoólatra, conhecida no meio policial e no Distrito, em razão de sua postura. Durante seu interrogatório, a ré afirmou que foi até a casa do Sr. Manoel, tomou uma cachaça e pediu para ele deixar a arma com ela, pois seu filho teria sido ameaçado, mas ele não permitiu, assim, quando teve a oportunidade, pegou a arma sem ele ver e a colocou na cintura. Narrou que a arma de fogo estava debaixo do colchão da cama do Sr. Manoel, destacando que morou com ele, bem como trabalhou limpando a casa dele, então sabia que ele tinha a arma e onde ele a guardava. Pois bem. Extrai-se que, em 23/05/2021, a ré Vanusa furtou uma arma de fogo, municiada com dois cartuchos, ambos calibre .38, de propriedade do Sr. Manoel Ferreira de Jesus. Encerrada a exposição dos elementos contidos nos autos, não há dúvidas quanto à autoria, especialmente pelos documentos juntados aos autos, corroborados pelos depoimentos colhidos em Juízo e confirmados pela confissão da acusada, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Quanto ao modus operandi, através do depoimento da vítima, bem como pela própria confissão da ré, evidenciou-se que Vanusa, premeditando a subtração da arma de fogo, deslocou-se até a residência da vítima e, quando foi tolhida a vigilância sob o bem, ela furtivamente apossou-se do objeto e deslocou até sua casa, quando foi localizada pelos policiais militares. Diante da confissão judicial da ré, corroboradas pelos testemunhos tomados em audiência, e demais provas documentais, é inconteste a prática delitiva pela denunciada Vanusa Correia dos Santos. C) TIPICIDADE No que se refere à tipificação do delito, não há dúvida de que a ré abusou da confiança que lhe foi concedida pela vítima. O Sr. Manoel relatou de forma clara que Vanusa pernoitava em sua residência e realizava a limpeza do local, circunstância que lhe permitiu conhecer o esconderijo onde ele guardava a arma de fogo. Durante seu interrogatório, a ré declarou que, sem o conhecimento da vítima, dirigiu-se ao local onde a arma estava escondida e a subtraiu, valendo-se do fato de ter acesso ao ambiente devido à sua atividade de limpeza. Diante desse contexto, resta caracterizada a qualificadora prevista no artigo 155, §4º, inciso II, do Código Penal, uma vez que o crime foi cometido com abuso de confiança. Não se vislumbrando excludentes de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, torna-se medida de justiça a procedência da denúncia, com a condenação dos réus pelo crime de furto duplamente qualificado, haja vista a subsunção dos fatos ao tipo previsto no artigo 155, §4º, II, do Código Penal. D) DAS AGRAVANTES E ATENUANTES Presente a agravante prevista no artigo 61, II, “h”, do Código Penal, pois a vítima possuía idade superior a 80 (oitenta) anos à época dos fatos, conforme consta à pág. 52 de Id. 8280988214. Reconheço a confissão espontânea, na forma do artigo 65, III, “d”, do Código Penal. E) DAS CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO DE PENA Ausentes causas de aumento ou diminuição de pena. 2. Do artigo 14 da Lei 10.826/03: O delito em questão encontra a seguinte tipificação penal: Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. A) MATERIALIDADE A materialidade encontra-se comprovada pela documentação acostada aos autos, especialmente em Id. 8280988214, com o APFD às págs. 02-10; auto de apreensão à pág. 16; laudos periciais às págs. 19 e 22; REDS às págs. 35-41; termo de depoimento às págs. 52-53; e RCI às págs. 54-56. B) AUTORIA A autoria é inquestionável. A vítima, Manoel Ferreira de Jesus, em juízo, declarou que Vanusa subtraiu sua arma de fogo e a levou para a casa dela, quando se encontrou com o policial. O policial militar Wildener Hott dos Santos, em juízo, confirmou o histórico do REDS e relatou que, quando estavam saindo da residência, Vanusa chegou, então foi cientificada da situação e ela ficou tranquila, o que causou estranheza ao declarante, pois já a conhecia e sabia que ela era “barraqueira”, então, na presença das Conselheiras, levantou o braço dela, momento em que ela recuou e o outro policial visualizou a arma de fogo na cintura dela, uma garrucha .38, municiada com dois cartuchos. Afirmou que, a partir de então, ela ficou nervosa e reativa, razão em que a algemaram e promoveram os procedimentos de praxe. Declarou que Vanusa deu duas versões sobre a arma de fogo, primeiro, falou que havia comprado-a por R$200,00 e que “deu bobeira, pois descobriram sua arma antes de ela fazer o que queria”, dando a entender que se tratava de uma ameaça velada à equipe policial e às Conselheiras, pois teriam advertido-na anteriormente. Posteriormente, ela afirmou que teria comprado do dono de um bar para se vingar de uma mulher. A testemunha Mônica Aparecida Nunes Matos, em juízo, relatou que era Conselheira Tutelar à época dos fatos e deslocou-se até a residência de Vanusa em razão de “denúncias”. No local, ela havia deixado recado para as Conselheiras de que estaria no bar. Relatou que estava saindo com a criança no colo quando Vanusa chegou, muito agitada, então o policial realizou uma busca nela e localizou uma arma de fogo. Acrescentou que, na Delegacia, Vanusa afirmou que somente não atirou na declarante porque ela estava com o filho no colo. Disse que seria possível que Vanusa descartasse a arma antes de se aproximar deles, mas ela permaneceu com o objeto. Durante seu interrogatório, a ré sustentou que furtou a arma pois seu filho teria sido ameaçado. Questionada sobre ter afirmado à Polícia Civil que a arma era para amedrontar umas mulheres, afirmou que estava “chapada” no dia em que depôs, então inventou isso. Pois bem. A prova oral colhida em juízo, aliada ao auto de apreensão de Id. 8280988214 - pág. 16, confirma, de maneira incontestável, que a acusada foi flagrada portando e transportando uma arma de fogo do tipo garrucha, calibre .38, municiada com dois cartuchos de mesmo calibre. Os laudos periciais atestam que a arma e as munições possuíam plena capacidade de causar danos à integridade física de terceiros. Portanto, a conduta da acusada configura o crime previsto no artigo 14 da Lei 10.826/2003, uma vez que portava e transportava a arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, dentro deste Município. A segurança coletiva é o objeto jurídico imediato dos tipos penais compreendidos entre os artigos 12 e 18 da Lei 10.826 de 2003, com os quais visa o legislador, mediatamente, proteger a vida, a integridade física, a saúde, o patrimônio, entre outros bem jurídicos fundamentais. Conforme reiterado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: “os crimes de posse/porte de arma de fogo e munições são de mera conduta e perigo abstrato, não sendo necessária a comprovação de eventual lesão ao bem jurídico tutelado pela norma” (TJMG - Apelação Criminal 1.0000.24.447651-1/001, Relator(a): Des.(a) Paula Cunha e Silva, 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 25/02/2025, publicação da súmula em 26/02/2025). A defesa pleiteia a aplicação do princípio da consunção entre o crime de porte ilegal de arma de fogo e o delito de furto, argumentando que o primeiro seria mero exaurimento do segundo. No entanto, tal alegação não merece acolhimento. Para que houvesse a absolvição da ré quanto ao crime de porte ilegal de arma de fogo, seria imprescindível que o contexto fático demonstrasse, de maneira inequívoca, que o porte da arma ocorreu exclusivamente como desdobramento do furto. Configuraria, pois, um post factum impunível. Contudo, a prova oral demonstra o contrário. Quando interrogada pela autoridade policial, a acusada afirmou que adquiriu a arma para vingar-se de uma mulher. Além disso, a testemunha Mônica Aparecida Nunes Matos, Conselheira Tutelar, relatou que, na Delegacia, a ré manifestou seu desejo em atentar contra ela. Tal narrativa se alinha à “denúncia anônima” recebida anteriormente, direcionada às Conselheiras Tutelares, no sentido de que estaria aguardando-as. Tudo isso converge ao testemunho policial. Wildener Hott dos Santos também confirmou que, ao abordar a ré, estranhou sua tranquilidade, visto que já a conhecia e sabia que ela costumava ser exaltada em situações de conflito. Ele relatou que o comportamento da ré mudou drasticamente a partir da descoberta da arma, tornando-se nervosa e reativa, o que reforça a tese de que seu porte não era meramente residual do furto, mas sim parte de um plano autônomo e direcionado. Além disso, não há comprovação exata da data em que o crime de furto ocorreu, impossibilitando afirmar que o porte da arma se deu unicamente como desdobramento daquele delito. A própria acusada disse, em sede judicial, que saiu de casa para ir até um bar comprar mais cerveja, ou seja, não se trata do mesmo contexto em que houve a subtração da arma. Diante do exposto, resta evidente que o porte da arma de fogo pela acusada não foi mera consequência do furto, mas sim uma conduta criminosa autônoma, voltada para um fim diverso e que se aperfeiçoou em um contexto fático diverso. Portanto, AFASTO o pedido de aplicação do princípio da consunção pleiteado pela defesa. Assim, mostra-se justa e correta a condenação da ré nos termos do artigo 14 da Lei 10.826/03, uma vez que inexiste qualquer excludente de ilicitude, culpabilidade ou tipicidade que justifique a absolvição. C) DAS AGRAVANTES E ATENUANTES Ausentes agravantes. Presente a atenuante prevista no inciso III, “d”, do art. 65 do CP, diante da confissão. E) DAS CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO DE PENA Ausentes causas de aumento ou diminuição de pena. 3. Do artigo 133 do Código Penal: O delito em questão encontra a seguinte tipificação penal: Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena - detenção, de seis meses a três anos. A) MATERIALIDADE A materialidade encontra-se comprovada pela documentação acostada aos autos, especialmente em Id. 8280988214, com o APFD às págs. 02-10; passe livre do menor D. K. C. S.; REDS às págs. 35-41; RCI às págs. 54-56; e notícia de fato às págs. 58-62. B) AUTORIA A autoria é inquestionável. O policial militar Wildener Hott dos Santos, em juízo, confirmou o histórico do REDS e relatou que participou de toda a atuação policial, desde o acionamento do Conselho Tutelar. Descreveu que, ao se deslocarem até a residência da ré, o local estava fechado e sem movimentação, então chamaram por diversas vezes e aguardaram por um tempo, mas, ao observar uma fresta da janela, visualizaram uma criança deitada sozinha em uma cama. Disse que adentraram o imóvel e constataram tratar-se de uma criança, deficiente mental, sonolenta, quase não se mexia, parecia que tinha sido dopada com medicamento, mas, ao acordar, ficou agitada. Acrescentou que a criança estava nua, com roupas reviradas em cima da cama, e, salvo engano, havia uma tesoura próxima ao menor. Disse que não deixaram a criança no chão, por conta da sujeira local e pela aparente falta de condição motora do menor. A testemunha Rafael Chuairy Lopes de Siqueira, investigador de polícia à época, confirmou integralmente o relatório circunstanciado de ocorrência e o estado deplorável em que a criança foi encontrada pela Polícia Militar. Relatou que os vizinhos disseram que a ré não é uma boa mãe, pois não presta os devidos cuidados ao filho, o qual possui autismo, deixando-o abandonado com frequência. A testemunha Mônica Aparecida Nunes Matos, em juízo, relatou que um dia após terem se deslocado até a residência da ré em razão de abandono dos filhos, receberam outra “denúncia” no mesmo sentido, desta vez, Vanusa havia deixado o recado para as Conselheiras de que estaria no bar, então novamente retornaram na residência e constataram, por um buraco da janela, que havia uma criança trancada no escuro. Afirmou que pediu para os policiais arrombarem e, com uso de uma lanterna, confirmaram que um dos filhos estava ali sozinho, nu, em um ambiente totalmente sem higiene. Relatou que quando estavam indo embora, Vanusa chegou, portando uma arma de fogo. Narrou que o menor parecia estar dopado, nem mesmo conseguia andar, mas, com toda a movimentação, ele ficou agitado. Assinalou que parecia que a criança não tinha se alimentado, pois não havia alimento ou água na casa, nem mesmo luz, destacando que Vanusa recebia benefícios pelos menores. Durante seu interrogatório, a ré relatou que estava bebendo e sua cerveja acabou, então saiu para comprar bebida, retornando à residência com uma sacola de cervejas, cerca de 20 minutos depois. Negou deixar seus filhos sozinhos e disse que, quando precisava, sua vizinha tomava conta dos meninos. Ao chegar em sua casa, deparou-se com a Polícia e o Conselho Tutelar no local. Negou que seu filho estivesse pelado e afirmou que ele estava de fralda descartável, assim como negou que tivesse tesoura ou faca próximas à criança. Após apresentação da imagem contida em RCI dos autos, confirmou que a cama e a faca eram suas, mas nunca teve tesoura em sua casa. Questionada, informou que deixava seus filhos sozinhos para ir à venda, por cerca de 10 a 15 minutos. Declarou que tem um filho autista e ele ficou sozinho no dia dos fatos. Disse que era usuária de maconha e bebia muito, então já foi advertida por estar bêbada e com um filho na rua. Pois bem. Encerrada a instrução processual, restou suficientemente demonstrado que o menor D. K. C. D. S., portador de transtornos do espectro autista (TEA), foi abandonado por sua genitora, Vanusa, em condições que comprometeram sua integridade física e psíquica. Conforme os depoimentos colhidos, a criança foi deixada sozinha, no escuro, sem vestimentas adequadas, em um ambiente insalubre e perto de objetos cortantes, tais como faca e tesoura. A materialidade e autoria delitivas encontram respaldo nos relatos das testemunhas e na documentação constante dos autos, que atestam o estado deplorável em que o menor foi encontrado. O Policial Militar relatou que a criança estava sonolenta, apresentando dificuldades de locomoção, e que aparentava estar sob efeito de substâncias medicamentosas, situação corroborada pela Conselheira Tutelar Mônica, que também destacou a falta de alimentos e água na residência. Quanto ao elemento subjetivo do tipo penal, evidencia-se a existência do dolo eventual. A ré, ao se ausentar da residência e deixar seu filho menor, portador de TEA, sozinho e vulnerável, assumiu o risco de que pudesse ocorrer um desfecho prejudicial à sua integridade. A irrelevância do período de tempo em que a criança permaneceu sozinha é latente, pois o perigo decorre da situação de risco em si, independentemente da duração da exposição. O perigo é ainda mais acentuado devido à condição de TEA da vítima, que impacta diretamente sua capacidade de reagir a situações de risco. Crianças com transtorno do espectro autista podem apresentar hipersensibilidade ou ausência de percepção de perigo, além de dificuldades motoras e de comunicação. O fato de a vítima estar possivelmente dopada e próxima a objetos cortantes aumenta exponencialmente o risco de um acidente grave, reforçando o perigo concreto ao qual foi exposto. Diante desse contexto, verifica-se a configuração do crime de abandono de incapaz. Importante destacar que o abandono de incapaz é crime de perigo concreto, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, exigindo a demonstração do efetivo risco ao bem jurídico tutelado (HC n. 875.770/DF). O perigo concreto está claramente presente no caso em análise, diante das condições degradantes a que a criança foi submetida. Assim, diante da comprovação do abandono próprio e do dolo eventual, aliado às condições precárias em que se encontrava a vítima, resta configurado o crime de abandono de incapaz, devendo a ré ser responsabilizada nos termos da legislação penal vigente. C) DAS AGRAVANTES E ATENUANTES Ausentes agravantes. Reconheço a atenuante da confissão espontânea, pois a ré confirmou ter deixado o filho sozinho para ir à venda no dia dos fatos. D) DAS CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO DE PENA Não há causas de aumento ou diminuição de pena a serem consideradas. 4. Do artigo 244 do Código Penal: O delito em questão encontra a seguinte tipificação penal: Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei nº 5.478, de 1968) A) MATERIALIDADE A materialidade encontra-se comprovada pela documentação acostada aos autos, especialmente em Id. 8280988214, com o APFD às págs. 02-10; passe livre do menor D. K. C. S.; REDS às págs. 35-41; RCI às págs. 54-56; e notícia de fato às págs. 58-62. B) AUTORIA A autoria é inquestionável. O policial militar Wildener Hott dos Santos, em juízo, relatou que, durante a diligência, foi possível perceber o estado precário da casa, com água na residência, como se tivesse vazado um encanamento, o banheiro cheio de fezes, comidas espalhadas pela casa toda, uma bagunça generalizada. Disse que a cozinha era uma bagunça, poucos alimentos e espalhados, misturados. Declarou que a casa era simples, mas o estado era precário, especialmente quanto à higiene, afirmando que era “uma nojeira”, insalubre. Acrescentou que a criança, que possui autismo, estava nua, sozinha, no escuro, e, salvo engano, havia uma tesoura próxima ao menor. A testemunha Rafael Chuairy Lopes de Siqueira, investigador de polícia à época, relatou que os vizinhos disseram que a ré não é uma boa mãe, pois não presta os devidos cuidados ao filho, o qual possui autismo, deixando-o abandonado, faltando com higiene básica, privando-o de alimentação e, inclusive, dopando-o, assim como se trata de uma pessoa complicada. Questionado sobre a condição financeira da ré, disse que, pelas condições da casa, não era uma pessoa de muitas posses. A testemunha Mônica Aparecida Nunes Matos, em juízo, relatou que era Conselheira Tutelar à época dos fatos e, inicialmente, recebeu uma denúncia anônima de que Vanusa teria saído de casa e deixado duas crianças sozinhas, inclusive, uma delas é especial. Acrescentou que acionou a polícia, pois também foi informado que ela era uma pessoa agressiva. Disse que deslocaram até a residência e as crianças estavam sozinhas, mas Vanusa rapidamente chegou à residência, alcoolizada, afirmando que se prostituía e que deixaria os filhos sozinhos novamente. Explicou que não havia casa de acolhimento e a ré se prontificou a cuidar dos filhos, então foram embora. No dia seguinte, o filho, o qual possui autismo, foi novamente encontrado abandonado e possivelmente dopado. Acrescentou que havia feito um buraco na parede, ao questionar os vizinhos, eles disseram que ele tinha feito aquilo para comer a parede. Explicou que os filhos ficavam com o pai, mas, quando o genitor foi preso, começaram aportar as denúncias sobre Vanusa deixá-los filhos sozinhos. Afirmou que as informações dos vizinhos eram de que as crianças ficavam sem comer, sem remédio, sem qualquer tipo de cuidado, destacando ser um caso “desumano”. Esclareceu que o pai posteriormente retornou para casa e, então, fizeram acompanhamento e a situação dos menores melhorou. Assinalou que parecia que menor não tinha se alimentado, pois não havia alimento ou água na casa, nem mesmo luz, destacando que Vanusa recebia benefícios pelos menores. Durante seu interrogatório, a ré negou que seus filhos fossem privados de alimentação, afirmando que havia frutas e mantimentos em sua casa. Acrescentou que havia água minando do lado de fora e entrava dentro de sua casa, mas a casa não estava suja, pois é muito caprichosa. Questionada sobre a “denúncia” de maus-tratos, disse que seus vizinhos são testemunhas de como cuidava bem dos filhos. Disse que era usuária de maconha e bebia muito, então já foi advertida por estar bêbada e com um filho na rua. Não se recordou de já ter sido orientada sobre os cuidados básicos dos filhos pelas Conselheiras. Afirmou que não era casada à época dos fatos e não recebia pensão do ex-marido, assim como não recebia benefício, com exceção da bolsa-família, a qual foi cortada. Informou que seus filhos se alimentavam quatro vezes ao dia e nunca deixou faltar alimento, pois seu filho tinha benefício, então fazia a compra mensal. Destacou que seu filho fazia acompanhamento trimestral e tomava os remédios. Pois bem. Trata-se de um quadro alarmante em que a omissão de assistência às crianças é patente. As provas colhidas indicam que os filhos da ré viviam em condições precárias de higiene e alimentação, como comprovado pelas diversas testemunhas que descreveram a situação desumana em que se encontrava a residência. A casa, conforme relatos e imagens à pág. 60 de Id. 8280988214, estava em estado insalubre, com fezes espalhadas no banheiro e alimentos desordenados, o que demonstra a total falta de cuidados essenciais para a subsistência e o bem-estar dos filhos. De acordo com a notícia de fato constante às págs. 58-59 do Id. 8280988214, o Conselho Tutelar recebeu diversas denúncias de que Vanusa estaria negligenciando o cuidado de seus filhos. Entre os relatos, destacam-se as informações de que a ré deixava os filhos sozinhos em casa, incluindo o fato de que ela dopava as crianças para sair e beber. Um dos episódios graves relatados envolveu o filho menor, de apenas 5 anos, que passou mal após ingerir um remédio para dormir administrado por sua mãe. Além disso, o filho mais velho, de 9 anos e portador de TEA, teria derrubado uma televisão, provocando um incêndio na residência, representando um risco iminente à sua vida. Outro momento de extrema negligência foi quando Vanusa levou seu filho mais novo a um bar, deixando o filho mais velho (e autista) sozinho em casa. O menino, em um momento de desespero e falta de supervisão, tentou escalar o muro da varanda para sair de casa, demonstrando a gravidade do estado de abandono ao qual estava submetido pela ausência de cuidados e vigilância adequados. A situação de negligência foi reiteradamente constatada pelas visitas do Conselho Tutelar, confirmadas em juízo pela testemunha Mônica. Apesar das tentativas de intervenção das conselheiras, Vanusa se recusou a aderir aos programas de assistência social propostos. Vale ressaltar que as conselheiras compareceram à residência da ré em várias ocasiões: nos dias 12 de abril, 30 de abril, 22 de maio e 23 de maio de 2021, demonstrando que, mesmo diante das visitas de acompanhamento, a ré persistiu em sua postura de omissão e negligência quanto ao cuidado de seus filhos. Percebo, ainda, que a ré confirmou em juízo, além do incêndio em sua casa, fazer uso constante de álcool e maconha, chegando a ser advertida por estar embriagada em via pública com um dos filhos. Tal fato revela um quadro de instabilidade e incapacidade de garantir a assistência adequada aos menores, o que reforça a autoria no caso em tela, ratificando as informações apresentadas em notícia fato. A simplicidade da residência e da própria ré não devem ser confundidas com a ausência de cuidados maternos, uma vez que, embora a casa fosse modesta, as condições de higiene, alimentação e segurança indicam um quadro de total negligência. No caso em análise, todos os elementos do tipo penal previsto no artigo 244 do Código Penal estão devidamente presentes. A ré, ao não prover a subsistência adequada para seus filhos menores, deixou de garantir os recursos necessários à sua manutenção, configurando a omissão de assistência. Evidenciou-se um padrão constante de desleixo e falta de responsabilidade materna, colocando em risco a vida e o bem-estar dos menores. As crianças não recebiam o mínimo necessário para seu sustento. A testemunha Mônica relatou que o descaso materno era tanto que o menor, D. K. C. D. S. chegou a cavar um buraco na parede para tentar se alimentar. Observou, outrossim, que o menino parecia não ser alimentado adequadamente. Os poucos alimentos encontrados estavam espalhados de forma desordenada, o que denota total descuido com a conservação e o fornecimento de mantimentos. Outro aspecto alarmante diz respeito à condição de vestuário do menor D. K. C. D. S., que, em duas ocasiões distintas, foi encontrado completamente nu pelas Conselheiras Tutelares ao ingressarem na residência da ré. Essa circunstância evidencia não apenas a negligência da genitora, mas também sua total indiferença em assegurar ao filho condições mínimas de dignidade, privacidade e proteção, demonstrando o descaso reiterado com os cuidados mais básicos com a higiene e a saúde da criança. Agrava a situação o fato de que, além da falta de alimentação e higiene, é a exposição a perigo da integridade física e psíquica de D. K. C. D. S. Além dos eventos constantes da prova documental envolvendo ambos os filhos da ré, conforme fotografia em RCI, no dia específico dos fatos, havia objetos cortantes como tesouras e facas próximos à criança, que estava no escuro e sozinho, apesar de sua evidente incapacidade de autocuidado. A alegação de que o menor não necessitava de assistência médica no momento em que foi encontrado pela polícia é irrelevante diante das circunstâncias em que ele foi encontrado. A ausência de lesões físicas visíveis não diminui a gravidade da situação, pois o risco à integridade do menor era claro e imediato, refletindo uma total omissão dos cuidados necessários por parte da mãe. Além disso, a alegação de que o filho se encontrava dopado após a chegada da polícia revela o total desprezo pela saúde física e psicológica da criança. Embora a defesa sustente que a ré tenha demonstrado preocupação com a medicação do filho durante a diligência policial, seu comportamento anterior vai além da negligência, evidenciando uma conduta ativa e imprudente ao ministrar medicamentos em quantidade excessiva, colocando deliberadamente a saúde do filho em risco para poder sair de casa. Inclusive, há relatos de que o filho mais novo da ré passou mal em decorrência dessa prática. Diante das provas materiais e testemunhais, é inquestionável a configuração do crime de omissão de assistência, previsto no artigo 244 do Código Penal. Ao deixar de prover os cuidados e subsistência adequados aos seus filhos, Vanusa causou um prejuízo significativo à sua dignidade e saúde, configurando a violação do dever de assistência familiar, com base nas disposições legais aplicáveis. A autoria e a materialidade do delito estão devidamente comprovadas, sendo necessária a imposição de pena conforme o ordenamento jurídico. Em face disso, condeno a ré pela prática do crime de omissão de assistência, nos termos do artigo 244 do Código Penal. C) DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO A defesa pleiteia a aplicação do princípio da consunção entre os crimes de abandono de incapaz (artigo 133 do Código Penal) e omissão de assistência (artigo 244 do Código Penal). Contudo, tal entendimento não merece prevalecer. Ainda que ambos os crimes estejam inseridos na tutela penal voltada à proteção da família, suas finalidades são distintas. O delito de abandono de incapaz visa resguardar a integridade da vítima contra os riscos diretos do abandono, enquanto o crime de omissão de assistência se refere à privação de meios materiais essenciais ao sustento e bem-estar da vítima. No caso concreto, a acusada, ao longo do tempo, deixou de prover os recursos básicos necessários para a subsistência de seus filhos, caracterizando, assim, o crime de abandono material. Além disso, em episódio específico, ocorrido no dia 23 de maio de 2021, a ré abandonou seu filho menor, portador de transtorno do espectro autista, em um ambiente insalubre e perigoso, sem qualquer supervisão, expondo-o a riscos concretos à sua integridade física e psíquica, o que caracteriza o crime de abandono de incapaz. Dessa forma, a conduta da acusada não pode ser absorvida pelo crime mais gravoso, pois os delitos possuem autonomia e foram praticados em contextos distintos. O abandono material foi uma conduta reiterada, enquanto o abandono de incapaz se configurou em um episódio específico, merecendo, portanto, tratamento penal individualizado. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reforça que a prática concomitante dos crimes dos artigos 133 e 244 do Código Penal não deve ser unificada sob a égide do princípio da consunção, pois há bens jurídicos distintos tutelados em cada delito: Demonstrado nos autos, mormente pela palavra dos menores e das testemunhas em juízo que o recorrente deixou de prover a subsistência, sem justa causa, de seus filhos, bem como os abandonou incapazes de se defenderem dos riscos resultantes do abandono, imperioso o decreto condenatório (artigos 244 e 133, do Código Penal)” (STJ AREsp: 528611 TO 2014/0140831-0, Relator: Ministro Walter de Almeida Guilherme, Desembargador Convocado do TJ/SP, Data de Publicação: DJ 09/12/2014). Diante do exposto, REJEITO a aplicação do princípio da consunção e reconheço a autonomia dos delitos de abandono de incapaz e omissão de assistência, com a consequente condenação da ré por ambos os crimes, na forma do artigo 69 do Código Penal. D) DAS AGRAVANTES E ATENUANTES Ausentes agravantes ou atenuantes. E) DAS CAUSAS DE AUMENTO E DIMINUIÇÃO DE PENA Não há causas de aumento ou diminuição de pena a serem consideradas. 5. Do Concurso Material entre os delitos A acusada, mediante mais de uma ação, praticou crimes de espécies diferentes, em contextos fáticos distintos, com resultados diversos e desígnios autônomos, atraindo, portanto, a regra do concurso material. O crime de furto qualificado foi praticado contra a vítima Manoel Ferreira de Jesus em ocasião diversa dos crimes de abandono de incapaz e omissão de assistência, os quais ocorreram em contexto doméstico contínuo. De igual modo, a posse irregular de arma de fogo foi detectada de forma independente, quando a acusada já havia se afastado do local do furto e portava o armamento com propósitos alheios ao crime patrimonial. Assim, cada uma dessas condutas revelou-se independente, justificando a aplicação do artigo 69 do Código Penal. Sendo assim, diante da análise realizada nesta decisão, em que esclarecidos os desígnios autônomos entre as condutas delitivas, forçosa a cumulação das penas referentes aos crimes pelos quais a ré encontra-se condenada, na forma do artigo 69 do Código Penal. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva para CONDENAR a ré VANUSA CORREIA DOS SANTOS como incursa nas sanções: (i) do artigo 155, §4º, II, c/c artigo 61, II, “h”, e artigo 65, III, “d”, todos do Código Penal; (ii) do artigo 14 da Lei 10.826/03, c/c artigo 65, III, “d”, do Código Penal; (iii) do artigo 133 do Código Penal, c/c artigo 65, III, “d”, do Código Penal; e (iv) do artigo 244, “caput”, todos na forma do artigo 69 do Código Penal. Passo, então, à dosimetria da pena, nos termos do art. 5º, XLVI da Constituição da República, artigos 59 e 68, ambos do Código Penal. DOSIMETRIA 1. DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 155, § 4º, II, DO CÓDIGO PENAL: a) Culpabilidade: entendida como o grau de censurabilidade da conduta, é própria do tipo penal. b) Maus antecedentes: a acusada não possui maus antecedentes, conforme CAC de Id. 10378498309. c) Conduta social: não há elementos nos autos que importem em desfavorecer a ré. d) Personalidade: não existem nos autos elementos suficientes a sua aferição, razão pela qual deixo de valorá-la. e) Motivo: constituiu-se o próprio elemento do tipo, não merecendo consideração em desfavor do acusado. f) Circunstâncias: embora desfavorável, pois a ré se aproveitou da confiança depositada pela vítima para a prática delitiva, tal circunstância resultou na qualificação do delito. Assim, prejudicada a valoração dessa situação neste momento, sob pena de configurar bis in idem. g) Consequências: são normais à espécie. h) Comportamento da vítima: não pode ser considerada em desfavor do acusado. O crime em tela possui, em seu preceito secundário, a pena de reclusão de dois a oito anos, e multa. Assim, considerando as circunstâncias judiciais analisadas, fixo a pena base em 02 (dois) anos de reclusão, além de 10 (dez) dias-multa, no mínimo legal. Nesse ponto, é pacífica a jurisprudência no sentido de que não é possível a fixação da pena-base abaixo do mínimo legal na primeira fase da dosimetria. O artigo 59 do Código Penal determina que o juiz, ao fixar a pena-base, deve considerar as circunstâncias judiciais, mas respeitando os limites mínimo e máximo previstos na norma penal. Assim, ainda que todas as circunstâncias judiciais sejam favoráveis ao réu, a pena-base não pode ser reduzida aquém do patamar estabelecido pelo legislador. Presentes a agravante do artigo 61, II, “h”, do Código Penal e a atenuante da confissão espontânea, nos termos da fundamentação. Assim, compenso-as e mantenho a pena intermediária em 02 (dois) anos de reclusão, além de 10 (dez) dias-multa. Ante a inexistência de causas de aumento e diminuição de pena, torno definitiva a pena intermediária. 2. DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 14 DA LEI 10.826/03: a) Culpabilidade: entendida como o grau de censurabilidade da conduta, extrapola o tipo penal. Conforme restou demonstrado na fundamentação, a ré portou a arma de fogo com o objetivo de atentar, injustamente, contra terceiros. A premeditação da posse do objeto evidencia um elevado grau de dolo e periculosidade social, revelando um maior juízo de reprovabilidade em sua ação. Assim, considero-lhe negativamente. b) Maus antecedentes: a acusada não possui maus antecedentes, conforme CAC de Id. 10378498309. c) Conduta social: não há elementos nos autos que importem em desfavorecer a ré. d) Personalidade: não existem nos autos elementos suficientes a sua aferição, razão pela qual deixo de valorá-la. e) Motivo: constituiu-se o próprio elemento do tipo, não merecendo consideração em desfavor do acusado. f) Circunstâncias: são normais à espécie. g) Consequências: não fogem ao tipo penal. h) Comportamento da vítima: não pode ser considerada em desfavor do acusado. O crime em tela possui, em seu preceito secundário, a pena de reclusão de dois a quatro anos, e multa. Assim, considerando as circunstâncias judiciais analisadas, fixo a pena base em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, além de 53 (cinquenta e três) dias-multa. Ausentes agravantes. Presente a atenuante da confissão espontânea, nos termos da fundamentação, entretanto, em atenção à Súmula 231 do STJ, reduzo a pena intermediária ao mínimo legal, em 02 (dois) anos de reclusão, além de 10 (dez) dias-multa. Observo que a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) continua sendo aplicada por esse tribunal, de modo que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. Esse entendimento é sustentado por precedentes vinculantes do Supremo Tribunal Federal, especialmente o Tema 158 da repercussão geral, que reforça que a circunstância atenuante genérica não pode reduzir a pena abaixo do mínimo legal. Ante a inexistência de causas de aumento e diminuição de pena, torno definitiva a pena intermediária. 3. DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 133 DO CÓDIGO PENAL: a) Culpabilidade: a conduta da ré revela elevado grau de reprovabilidade. Conforme seu próprio relato em juízo, ela deixou o filho sozinho para ir ao bar, o que corrobora a denúncia anônima de que teria saído para beber, negligenciando seus deveres maternos. A motivação deplorável para o abandono da criança reforça a censurabilidade de sua conduta, justificando a valoração negativa desse vetor. b) Maus antecedentes: a acusada não possui maus antecedentes, conforme CAC de Id. 10378498309. c) Conduta social: não há elementos nos autos que importem em desfavorecer a ré. d) Personalidade: não existem nos autos elementos suficientes a sua aferição, razão pela qual deixo de valorá-la. e) Motivo: constituiu-se o próprio elemento do tipo, não merecendo consideração em desfavor do acusado. f) Circunstâncias: são graves, considerando que, além da vulnerabilidade intrínseca à imaturidade infantil, o filho da ré é diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e, conforme relatos testemunhais, apresenta significativas limitações físicas, funcionais e comportamentais. Essa condição agrava a situação fática, pois restringe sua capacidade de autodeterminação, dificultando a compreensão e a reação adequada a eventuais riscos ou situações de perigo. g) Consequências: embora o abandono materno resulte em severas consequências psicológicas para a criança, essa situação já foi devidamente considerada pelo legislador, razão pela qual me abstenho de utilizá-la como agravante em desfavor da ré. h) Comportamento da vítima: não pode ser considerada em desfavor da acusada. O crime em tela possui, em seu preceito secundário, a pena de detenção, de seis meses a três anos. Assim, considerando as circunstâncias judiciais analisadas, fixo a pena base em 01 (um) ano, 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de detenção. Ausentes agravantes e presente a atenuante da confissão espontânea, conforme fundamentação. Assim, atenuo a pena intermediária em , fixando-a em 11 meses e 07 (sete) dias de detenção. Ante a inexistência de causas de aumento e diminuição de pena, torno definitiva a pena intermediária. 4. DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 244 DO CÓDIGO PENAL: a) Culpabilidade: a gravidade da conduta da ré se evidencia diante de sua reiterada negligência no cuidado com os filhos, ao deixá-los sozinhos para consumir bebidas alcoólicas e substâncias entorpecentes. Tal comportamento não apenas demonstra a ausência de zelo para com os menores, mas também revela um elevado grau de reprovabilidade, justificando um juízo de censura mais severo. Por tais razões, considero-lhe negativamente. b) Maus antecedentes: a acusada não possui maus antecedentes, conforme CAC de Id. 10378498309. c) Conduta social: não há elementos nos autos que importem em desfavorecer a ré. d) Personalidade: não existem nos autos elementos suficientes a sua aferição, razão pela qual deixo de valorá-la. e) Motivo: constituiu-se o próprio elemento do tipo, não merecendo consideração em desfavor do acusado. f) Circunstâncias: são graves, considerando que as vítimas eram crianças em tenra idade (5 e 9 anos), sendo que um dos filhos da ré é portador de autismo. Em diversas ocasiões, esse filho foi exposto a perigo iminente devido aos abandonos reiterados aos quais foi submetido pela ré. Isso foi corroborado por prova documental que relatou que o filho iniciou um incêndio enquanto estava sozinho em casa, sendo confirmado o incêndio por Vanusa, evidenciando a extrema gravidade das condições em que o crime foi cometido. Por tais razões, considero-lhe negativamente. g) Consequências: embora o abandono materno resulte em severas consequências psicológicas para a criança, essa situação já foi devidamente considerada pelo legislador, razão pela qual me abstenho de utilizá-la como agravante em desfavor da ré. h) Comportamento da vítima: não pode ser considerada em desfavor do acusado. O crime em tela possui, em seu preceito secundário, a pena de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. Assim, considerando as circunstâncias judiciais analisadas, fixo a pena base em 01 (um) ano e 09 (nove) meses de detenção, além da multa de 02 salários-mínimos. Ausentes agravantes e atenuantes, de modo que mantenho a pena intermediária em 01 (um) ano e 09 (nove) meses de detenção, além da multa de 02 salários-mínimos. Ante a inexistência de causas de aumento e diminuição de pena, torno definitiva a pena intermediária. 5. DO CONCURSO MATERIAL Em atenção ao art. 69 do Código Penal, procedo à soma das penas de naturezas iguais, para fins de fixar a pena definitiva 04 (quatro) anos de reclusão, além de 20 (vinte) dias-multa, bem como em 02 (dois) anos, 08 (oito) meses e 07 (sete) dias de detenção, além da multa de 02 salários-mínimos, executando-se primeiro aquela. 6. DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA Considerando a existência de penas privativas de liberdade de naturezas distintas, impõe-se a observância dos arts. 69 e 76 do Código Penal, e não do art. 111 da Lei de Execução Penal, que se aplica à unificação das penas na fase de execução penal. Nesse contexto, a pena de reclusão deve ser cumprida antes da pena de detenção, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça: "A pena de reclusão será cumprida em primeiro lugar e, posteriormente, a de detenção, não havendo falar em unificação de penas, diante da impossibilidade de execução simultânea de duas modalidades distintas de penas privativas de liberdade" (AgRg no REsp n. 1.835.638/GO, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 3/12/2019). Assim, diante das penas privativas de liberdade aplicadas – 04 anos de reclusão e 02 anos, 10 meses e 15 dias de detenção – e considerando a individualização da pena e a impossibilidade de execução simultânea dessas modalidades de pena, fixo o regime inicial ABERTO para ambas, nos termos do art. 33, § 2º, "c", do Código Penal e a jurisprudência do STJ. 7. DA FIXAÇÃO DO VALOR UNITÁRIO DO DIA-MULTA Considerando a ausência de maiores informações quanto à capacidade econômica da ré, fixo o valor unitário da multa em um trigésimo (1/30) do salário mínimo vigente ao tempo do fato. DISPOSIÇÕES FINAIS Prejudicada a promoção da detração, nos termos do artigo 387, §2º do CPP, pois não importará em alteração do regime prisional, tendo em vista que a prisão cautelar da acusada se deu por apenas 09 dias. Com fundamento no artigo 387, §1º, do Código de Processo Penal, CONCEDO à ré o direito de recorrer em liberdade, uma vez que não se fazem presentes os requisitos e pressupostos a decretação de sua prisão preventiva. Considerando a pena privativa de liberdade fixada, inaplicáveis os arts. 44 e 77 do Código Penal. Embora pleiteada em alegações finais pelo Ministério Público, prejudicada a fixação de indenização às vítimas, nos termos do artigo 387, IV, do CPP, em razão da ausência de pedido expresso na denúncia. Em decisão recente, este Tribunal de Justiça afastou a indenização fixada pelo juiz de primeira instância, ressaltando que “a condenação ao pagamento de indenização por danos causados à vítima exige pedido expresso na exordial acusatória, sob pena de violação às garantias do contraditório e da ampla defesa” (TJMG - Apelação Criminal 1.0000.24.433532-9/001, Relator(a): Des.(a) Luziene Barbosa Lima (JD 2G) , 3º Núcleo de Justiça 4.0 - Cri, julgamento em 27/02/2025, publicação da súmula em 28/02/2025). Quanto aos objetos apreendidos nos autos, Id. 8316053085, ENCAMINHE(M)-SE ao Comando do Exército a arma de fogo e munições, conforme determina o art. 25 da Lei 10.826/03. Deixo de aplicar o disposto no art. 92, II, do Código Penal, pois o fato ora analisado é anterior à Lei 14.994, de 10/10/2024, e porque esta ação penal, diante da ausência de maior substrato fático acerca da situação atual dos menores, não é o ambiente mais adequado para decidir acerca do poder familiar. De todo modo, junte-se cópia desta sentença nos autos de nº 5000211-10.2024.8.13.0377. Em favor do(a)(s) advogado(a)(s) dativo(a)(s) nomeado(s) em Id. 9569122526, fixo honorário(s) dativo(s) no valor de R$ 1.548,80 (mil quinhentos e quarenta e oito reais e oitenta centavos), considerando a Tabela de Honorários Dativos do TJMG de 2024. Expeça(m)-se certidão(ões). Custas pela acusada, na forma do artigo 804 do CPP. Proceda-se à intimação do(a/s) ofendido(a/s), nos termos do artigo 201, §2º do CPP. Após o trânsito em julgado desta condenação, determino à Secretaria a adoção das seguintes providências: a) oficiar ao TRE-MG para os fins do artigo 15, III, da CF; b) oficiar aos setores de identificação e estatística para os registros necessários; c) expedir guia de execução definitiva encaminhando-a à Vara de Execução competente, intimando-se o sentenciado para pagamento da pena de multa, no prazo de 10 dias, nos termos do artigo 50 do Código Penal; d) não efetuado o pagamento da pena de multa, extrair a respectiva certidão, nos termos do Provimento Conjunto nº 75/2018; e e) arquivar o presente feito, dando-se as baixas de praxe. Sentença publicada e registrada no PJe. Intimem-se pessoalmente a acusada e, mediante sistema eletrônico, o Ministério Público e o defensor. Ficam as partes intimadas de que, conforme previsão contida no artigo 125, §3º, do Provimento Conjunto nº 355/CGJ/2018, os documentos físicos produzidos no curso deste processo ficarão disponíveis para as partes pelo prazo de 45(quarenta e cinco dias) contados da intimação da sua juntada aos autos eletrônicos, findo o qual, não havendo expressa manifestação da parte informando seu interesse na sua guarda, serão descartados pela Secretaria deste Juízo Lajinha, data da assinatura eletrônica. ALLAN MARTINS RIBEIRO Juiz de Direito
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