Processo nº 1000977-77.2023.8.11.0101
ID: 330581047
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000977-77.2023.8.11.0101
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUILHERME SALDANHA PEGORARO
OAB/MT XXXXXX
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NEVIO PEGORARO
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000977-77.2023.8.11.0101 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas, R…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000977-77.2023.8.11.0101 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas, Resistência] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, DES(A). CHRISTIANE DA COSTA MARQUES NEVES] Parte(s): [RONILDO SILVA DOS SANTOS - CPF: 014.131.321-89 (APELANTE), GUILHERME SALDANHA PEGORARO - CPF: 041.604.621-54 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), FERNANDO BORGES DE OLIVEIRA - CPF: 913.404.381-00 (TERCEIRO INTERESSADO), ECSON JUNIO FERREIRA - CPF: 717.328.701-44 (TERCEIRO INTERESSADO), SAÚDE PÚBLICA (VÍTIMA), José de Arimatéia dos Santos da Cruz (ASSISTENTE), NEVIO PEGORARO - CPF: 389.593.210-87 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). Não encontrado, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, REJEITOU A PRELIMINAR DE NULIDADE E, NO MÉRITO, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME TIPIFICADO NO ART. 329 DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR DE NULIDADE. FLAGRANTE FORJADO. INGRESSO EM DOMICÍLIO PARA CUMPRIMENTO DE MANDADO DE PRISÃO. SUJEITO QUE EMPREENDEU FUGA AO AVISTAR A GUARNIÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA. ALMEJADA ABSOLVIÇÃO. RESISTÊNCIA À ORDEM DE PARADA POLICIAL MEDIANTE AMEAÇA COM SIMULACRO DE ARMA DE FOGO. ABUSO DE AUTORIDADE NÃO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação criminal interposta contra sentença proferida nos autos da ação penal n.º 1000977-77.2023.8.11.0101, na qual o réu foi condenado à pena de 5 meses e 16 dias de detenção, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 329 do Código Penal (resistência), sendo absolvido do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06 (tráfico de drogas). A defesa sustenta, preliminarmente, nulidade da prova por suposto flagrante forjado, e, no mérito, pleiteia absolvição por insuficiência de provas, além da remessa de cópia dos autos à autoridade competente para apuração de eventual abuso de autoridade por parte dos policiais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) verificar se houve nulidade na entrada dos policiais no domicílio do réu em razão de suposto flagrante forjado; (ii) analisar a suficiência probatória para manter a condenação pelo crime de resistência; (iii) avaliar se há elementos que justifiquem a remessa dos autos para apuração de eventual abuso de autoridade por parte dos policiais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A entrada no domicílio do réu está legalmente autorizada quando os policiais estão munidos de mandado de prisão válido e vigente, como no caso, não sendo necessária autorização específica nem consentimento do morador, conforme precedente do STJ (HC 559.652/MA). 4. A conduta do réu, que empreende fuga e exibe simulacro de arma de fogo sem a devida identificação visual (ponteira laranja), autoriza a atuação imediata da polícia, inclusive com uso moderado da força e ingresso em áreas externas da residência, em cenário que configura flagrante delito e fundada suspeita. 5. Os depoimentos dos policiais, prestados sob o compromisso legal e coerentes entre si, são corroborados por laudo pericial e demais provas documentais, sendo suficientes para demonstrar a materialidade e a autoria do delito de resistência, não havendo nos autos prova que infirme sua veracidade. 6. As testemunhas de defesa apresentaram versões contraditórias, incompletas ou baseadas em percepções parciais dos fatos, não sendo aptas a desconstituir a narrativa dos agentes públicos nem a comprovar eventual plantação de provas ou flagrante forjado. 7. A materialidade do crime de resistência encontra-se devidamente comprovada por auto de prisão em flagrante, boletim de ocorrência, auto de resistência, termo de apreensão, laudo pericial e fotografias, além dos depoimentos prestados em juízo. 8. O pedido de absolvição não merece acolhimento diante da prova consistente quanto à resistência do réu à ordem legal de prisão, mediante ameaça com simulacro de arma de fogo, em contexto de fuga deliberada. 9. O pedido de remessa dos autos à autoridade competente para apuração de eventual crime de abuso de autoridade deve ser indeferido, por ausência de indícios de ilegalidade ou desvio de finalidade por parte dos policiais, sendo a operação respaldada em mandado judicial e conduzida de forma proporcional e necessária à situação. 10. A alegação de abuso de autoridade carece de suporte probatório mínimo e não se extrai dolo específico exigido pela Lei n.º 13.869/2019, tampouco se vislumbra qualquer irregularidade manifesta nos autos que justifique a adoção da medida pleiteada. IV. DISPOSITIVO E TESE 11. Preliminar de nulidade rejeitada. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1. O mandado de prisão judicial autoriza, por si só, o ingresso de policiais no domicílio do réu durante o dia, ainda que sem consentimento do morador, nos termos do art. 293 do CPP. 2. A fuga do réu e a exibição de arma de fogo [posteriormente identificada como simulacro] em contexto de descumprimento à ordem legal de parada configuram fundada suspeita, legitimando a ação policial de ingresso na residência. 3. Os depoimentos de policiais militares, quando harmônicos e corroborados por outros elementos de prova, são aptos a sustentar condenação criminal. 4. A inexistência de indícios objetivos de excesso ou ilegalidade na atuação policial afasta a necessidade de remessa de cópia dos autos para apuração de crime de abuso de autoridade." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XI; CP, 329; CPP, arts. 203 e 293; Lei n.º 13.869/2019, art. 27. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 603.616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 10.05.2016 (Tema 280 da Repercussão Geral); STF, RE 1.491.517/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Plenário, j. 14.10.2024; STJ, HC 559.652/MA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 23.06.2020; STJ, AgRg no HC 876.898/SC, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 18.03.2024. R E L A T Ó R I O APELANTE: RONILDO SILVA DOS SANTOS APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por RONILDO SILVA DOS SANTOS contra a r. sentença proferida pelo d. Juízo da Vara Única da Comarca de Cláudia/MT nos autos da ação penal n.º 1000977-77.2023.8.11.0101, que o condenou pela prática do crime tipificado no art. 329 do Código Penal, à pena de 5 meses e 16 dias de detenção, no regime inicial aberto, ensejo em que o absolveu da imputação de cometimento do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06. Por meio das razões recursais disponíveis no ID 284629440, o apelante argui, preliminarmente, a nulidade do flagrante e de todas as provas dele decorrentes, pois alega ter sido forjado pelos policiais, que, sob o pretexto de dar cumprimento a um mandado de prisão, invadiram sua residência e implantaram no local os objetos ilícitos [simulacro de arma de fogo e uma sacola contendo entorpecentes], a fim de justificar a ação truculenta que tiveram na ocasião, quando efetuaram disparos de arma de fogo contra o increpado. No mérito, pugna pela absolvição por insuficiência de provas, e, ainda, solicita a remessa de cópia integral dos autos para a autoridade competente, com o objetivo de apurar eventual crime de abuso de autoridade praticado pelos agentes de segurança pública. Nas contrarrazões constantes no ID 284629442, o Ministério Público rechaça os argumentos defensivos e requer o não provimento do apelo; linha intelectiva também estampada no parecer de lavra da i. Procuradoria-Geral de Justiça, acostado sob o ID 286941867. É o relatório. À douta Revisão. V O T O R E L A T O R VOTO [PRELIMINAR DE NULIDADE PROBATÓRIA POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO] EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: De proêmio, frisa-se que o recurso em apreço é tempestivo, foi interposto por quem tinha legitimidade para fazê-lo e o meio processual escolhido mostra-se adequado e necessário para se atingir o objetivo perseguido, razão pela qual CONHEÇO do apelo manejado pela i. defesa técnica, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos para sua admissibilidade. Como matéria preliminar, alega a defesa serem nulas as provas obtidas durante o flagrante perpetrado, pois teria sido forjado pelos policiais, que, sob o pretexto de dar cumprimento a um mandado de prisão, invadiram a residência do apelante e implantaram os objetos ilícitos [simulacro de arma de fogo e uma sacola contendo entorpecentes] no local, a fim de justificar a ação truculenta que tiveram na ocasião, quando efetuaram disparos contra o increpado. No entanto, não vislumbro motivo para acolher a aventada nulidade. Com efeito, é cediço que o flagrante forjado ocorre quando a situação fática é totalmente artificial, criada por terceiros no intuito de tentar legitimar a prisão, o que torna o fato atípico, visto que o agente jamais teve a vontade/intenção de praticar a infração penal. In casu, todavia, não há falar em ilegalidade do flagrante, pois restou incontroverso nos autos que os policiais militares estavam de posse de um mandado de prisão preventiva válido, expedido contra o apelante nos autos n.º 1000787-17.2023.8.11.0101, razão pela qual se dirigiram até o endereço dele. No local, a guarnição primeiramente certificou-se da presença do increpado na residência, por meio da casa de um vizinho, que autorizou a diligência. E, somente após confirmarem que RONILDO se encontrava em sua moradia, é que os agentes estatais ingressaram no quintal do imóvel para dar cumprimento à ordem de prisão. Sucede que, nesse momento, ao visualizar os policiais, o apelante foragiu para os fundos, pulando muros de casas vizinhas, ignorando as ordens de parada e, simultaneamente, exibiu uma arma de fogo, fazendo menção de apontá-la ao agente de segurança pública que o perseguia, o qual, em reação, atirou em direção ao condenado. Essa perseguição só foi cessada quando RONILDO se viu sem rota de fuga disponível, tendo, então, quebrado o seu aparelho celular e indicado que havia sido alvejado. O artefato foi apreendido e, submetido à perícia, constatou-se tratar-se de uma arma de pressão (airsoft), tipo pistola, calibre 6mm, marca SIG SAUER, desprovida de mecanismos para percussão de munições de arma de fogo e que estava sem a ponta de cor laranja obrigatória para esse tipo de objeto (Laudo Pericial nº 541.2.13.8985.2023.147988-A01 – ID 284629374). Assim, a ausência dessa sinalização visual foi determinante para a potencialidade intimidatória do artefato, pois facilmente confundível com uma arma de fogo real, especialmente nas circunstâncias de uma perseguição policial. Ademais, posteriormente, refazendo o trajeto utilizado na fuga pelo apelante, os agentes estatais localizaram uma sacola plástica com entorpecentes, que estava ao lado do chinelo que ele havia perdido durante a evasão. Essa compreensão fática é extraída da oitiva judicial dos policiais militares Fernando Borges de Oliveira e Ecson Junio Ferreira, inexistindo qualquer elemento de prova indicando que os objetos apreendidos – simulacro de arma de fogo e sacola com drogas - teriam sido plantados na cena do crime pelos agentes estatais ou que sua propriedade tenha sido atribuída injustamente ao apelante, como quer fazer crer a i. defesa técnica. E, como é sabido, em matéria de prova no âmbito penal, os depoimentos prestados pelos policiais sobre atos de ofício realizados durante suas atribuições funcionais gozam de presunção de veracidade, em razão da função pública que ocupam, devendo seus dizeres ser tomados como críveis até que haja prova suficiente para ilidi-los. Assim, não havendo evidências de que os agentes estatais que conduziram o flagrante tinham a intenção de incriminar injustamente o acusado, no intuito de conferir legalidade às suas atuações profissionais, e não tendo a i. defesa se incumbido de comprovar que os policiais militares faltaram com a verdade ao deporem em juízo, impõe-se não descredenciar seus relatos prestados mediante o compromisso legal de dizer a verdade (art. 203 do CPP). Desta feita, constata-se que os militares se encontravam legalmente autorizados a ingressar no domicílio do réu para efetuar a sua captura, porquanto estavam na posse de um mandado de prisão em desfavor dele, não havendo falar em ilegalidade por violação domiciliar, visto que, consoante precedente do Superior Tribunal de Justiça, “Nos termos do disposto no art. 293 do CPP, o mandado de prisão expedido por autoridade competente é suficiente para autorizar o ingresso dos policiais no domicílio da ré, durante o dia, independentemente de permissão específica para a entrada na residência ou do consentimento do morador” (HC n. 559.652/MA, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/6/2020, DJe de 26/6/2020). Destaquei. Destaca-se, ainda, que, na ocasião do flagrante, o apelante encontrava-se em cumprimento de prisão domiciliar, concedida nos autos nº 0010841-75.2013.8.11.0015 (ID 284629357). Tal circunstância, inclusive, tornava inviável a sugestão defensiva de que os policiais aguardassem sua saída da residência para cumprir o mandado de prisão, visto que ao sentenciado só era permitido ausentar-se do imóvel em caso de emergência médica. Ainda que assim não fosse, verifica-se que, antes mesmo que os policiais anunciassem o cumprimento da ordem prisional, o apelante empreendeu fuga para os fundos da sua residência, portando um simulacro de arma de fogo, que, como já explicitado anteriormente, naquelas circunstâncias era facilmente confundido com uma pistola, haja vista a ausência do sinalizador visual de arma de arma de airsoft, a caracterizar a fundada suspeita da prática de crime permanente [porte ilegal de arma de fogo] e autorizar a busca domiciliar empreendida sem autorização judicial. Oportuno consignar que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 603.616/RO, submetido à sistemática da repercussão geral, firmou a tese de que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados” (Tema 280). E, recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a fuga do suspeito para o interior da residência para se furtar à operação policial constitui elemento apto a caracterizar a fundada suspeita para a busca domiciliar sem mandado judicial, conforme o seguinte precedente: “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO: INCS. X E XI DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL. CRIME PERMANENTE. POSSIBILIDADE. TEMA 280 DA REPERCUSSÃO GERAL. AFRONTA À INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO NÃO EVIDENCIADA. FLAGRANTE CARACTERIZADO. ACUSADO QUE EMPREENDEU FUGA PARA SE FURTAR À ATUAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL. DIVERGÊNCIA DEMONSTRADA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA PROCEDENTES. 1. Como se evidencia pelos elementos incontroversos dos presentes autos, a conclusão do acórdão objeto dos presentes embargos de divergência diverge da jurisprudência deste Supremo Tribunal, relativa ao Tema 280 da repercussão geral (RE n. 603.616, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Plenário, DJe 10 .5.2016). 2. Na espécie, os policiais realizaram a abordagem pessoal e a busca domiciliar por terem fundadas razões para suspeitar de situação de flagrante do crime de tráfico de drogas, após o embargado ter empreendido fuga para o interior da residência para se furtar à operação policial. Precedentes deste Supremo Tribunal. 3. Embargos de divergência procedentes” (STF - RE: 1491517 SP, Relator.: Min . CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 14/10/2024, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-11-2024 PUBLIC 28-11-2024). Grifei. E, por mais que o apelante negue que estivesse na posse do simulacro de arma de fogo por ocasião do flagrante, o que foi corroborado pelas declarações dos depoentes José de Arimateia dos Santos Cruz, Ivanir Silva dos Santos e Lucas Melo dos Santos, as contradições nas versões apresentadas pelas testemunhas de defesa, quando confrontadas com os depoimentos dos policiais e com as provas materiais colhidas, fragilizam sobremaneira a tese defensiva. Ressalte-se, por oportuno, que mesmo que se levantassem dúvidas quanto à propriedade da droga encontrada – o que, aliás, foi reconhecido pelo juízo a quo, que absolveu o apelante da imputação de tráfico de entorpecentes – tal circunstância não contaminaria a prova da resistência, crime perpetrado pelo acusado durante a perseguição e que se encontra cabalmente demonstrado nos autos. Aliás, faz-se relevante trazer à baila a conclusão da MM.ª Magistrada sentenciante acerca da inexistência de flagrante forjado na presente hipótese, in verbis: “Primeiramente, a Defesa traz a tese da existência de um flagrante forjado e pede a nulidade de todas as provas encontradas durante o cumprimento do mandado de busca e apreensão. Argumenta que todos os objetos ilícitos foram plantados pelos policiais, para justificar a sua atuação desastrosa. Em primeiro lugar, importante registrar que a apreensão não se deu após revista na residência do acusado, conforme explicaremos adiante na cronologia dos fatos. Vale registrar que os policiais foram até a residência do acusado para cumprimento do mandado de prisão, e solicitaram a um dos vizinhos acesso à residência, para visualizar se o acusado estaria na residência, já que, segundo informado pelo Escrivão Hugo, aquela era uma das possíveis residências dele. Ao visualizarem o acusado na área da residência, adentraram ao portão. Nesse ponto, a Defesa alega que “bastava a polícia esperar o Ronildo sair da residência para cumprir a ordem”, mas é importante apontar um adendo: Ronildo já estava em prisão domiciliar, então a menos que a estivesse descumprindo, não sairia tão cedo da residência, já que a ele somente é autorizada a saída para emergências médicas. Ora, o cumprimento do mandado de prisão do acusado implica, necessariamente, em acesso a residência do acusado. E os policiais militares estavam em posse de um mandado de prisão válido, em desfavor do réu, razão pelo qual os agentes policiais, a fim de cumprir o decisum mencionado, estavam legitimados a ingressar em seu domicílio, a fim de prendê-lo, não sendo ilegal o adentramento inicial a residência dele. O mandado prisional por si só é suficiente para que haja o ingresso da polícia no local da residência daquele que tem contra si a ordem de captura, ainda que não conste expressamente a autorização de ingresso em domicílio, já que o mandado de prisão em si, pressupõe autorização judicial para a entrada na casa, por ser inerente ao ato a possibilidade de ingresso durante o dia. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. BUSCA DOMICILIAR. CUMPRIMENTO DE MANDADO DE PRISÃO. ENCONTRO FORTUITO DE PROVAS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA SERENDIPIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "Nos termos do disposto no art. 293 do CPP, o mandado de prisão expedido por autoridade competente é suficiente para autorizar o ingresso dos policiais no domicílio da ré, durante o dia, independentemente de permissão específica para a entrada na residência ou do consentimento do morador" (HC n. 559.652/MA, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/6/2020, DJe de 26/6/2020.) 2. Insurge-se o agravante contra o fenômeno jurídico da serendipidade, circunstância em que o cumprimento de uma medida judicial produz, fortuitamente, a localização de indícios do cometimento de outro crime que não o originalmente apurado, o que é perfeitamente admitido na jurisprudência pátria. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 876.898/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 20/3/2024.) Então, quando Ronildo visualizou os policiais, empreendeu fuga, e foi aí que a Polícia entrou no quintal da residência, para conseguir alcançá-lo e cumprir a ordem. Partindo daí, existe uma contradição quanto a cronologia dos fatos. As testemunhas de defesa escutam dois tiros. Os policiais disseram que foi somente um tiro. A testemunha Lucas narrou que os policiais chegaram atirando, contudo, tanto no depoimento dos policiais, quanto no depoimento da testemunha José Arimatéia, eles relatam que o primeiro tiro foi quando o Ronildo pulou no seu quintal. Vejamos: “José Arimatéia: que no dia estava sentado na área, no banco, e ouviu um tiro, e nesse momento viu o Ronildo pulando a cerca, no fundo do quintal”. “PM Fernando Borges: Declarou que o Ronildo fugiu pelo fundo da casa, e então foi no sentido dele, mas não tinha passagem para onde ele estava, que tinha uma cerca e um canil, em seguida visualizou ele tentando pular o muro, e no que ele viu que ele estava utilizando arma de fogo, e o acusado fez menção de apontar, desferiu um disparo de arma de fogo”. Nesse ponto, percebe-se que a testemunha José Arimatéia e sua esposa Ivanir, quando da entrada de Ronildo em seu quintal, afirmou que ele já havia sido atingido, já estaria baleado. O prontuário do acusado juntado aos autos (ID 133490043 – 03.10.2023) demonstra que esse teria sido atingido somente com um tiro. Então, mesmo que fôssemos considerar a hipótese de um segundo tiro, este teria sido proferido apenas para alerta, já que não atingiu o acusado. Lucas afirma que os policiais atiraram o tempo todo, o que não é verdade, já que as testemunhas ouviram no máximo dois tiros. Ademais, a testemunha afirmou que assim que os policiais chegaram correu/fugiu, não sendo confiável seu depoimento para narrar a cronologia dos fatos. Em relação ao fato de o acusado estar ou não portando uma arma de fogo, as testemunhas, quando questionadas, afirmaram não ter visto nada nas mãos do Ronildo. Nesse ponto, entendo que é preciso dar credibilidade a palavra dos policiais. Isso porque, conforme a testemunha Ivanir mesmo disse, ela ficou extremamente nervosa com o ocorrido, desesperada. Já o policial, quando iniciou a corrida atrás do suspeito, sendo treinado para isso, focou somente nele, a fim de conseguir alcançá-lo. Não havia outras distrações, como é o caso das testemunhas inquiridas, de forma que é mais fácil e provável que o policial identifique se o acusado estaria ou não portando a arma de fogo, que inclusive foi encontrada depois pelos policiais que fizeram uma varredura no local, do que as testemunhas, que somente viram o réu passar correndo no quintal da sua residência, não visualizando fatos anteriores ou posteriores. Entendo que a reação do Policial foi proporcional, pois o mandado de prisão foi expedido nos autos de n° 1000787-17.2023.8.11.0101, onde o réu estava sendo investigado por pertencer a organização criminosa, ser uma das lideranças temidas na cidade, e ser responsável no comando de salves na cidade de Cláudia/MT e União do Sul/MT, inclusive com a prática de homicídios. Logo, a fuga do acusado aliada a investigação gerou no policial uma fundada suspeita de que ele fosse proferir tiros em sua direção. Portanto, as provas apresentadas pelo acusado para tentar demonstrar o flagrante forjado não são suficientes para o seu reconhecimento: (...). Se não há provas de “interferência de um agente provocador na ação do criminoso de forma a induzi-lo ou instigá-lo à prática de um crime, não se pode falar em flagrante forjado ou preparado” (TJMT, AP N.U 1017336-85.2021.8.11.0000) (...). (N.U 1001313-52.2020.8.11.0080, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 25/01/2023, publicado no DJE 03/02/2023)” (ID 284629418) Desse modo, pelo raciocínio acima exposto, não há falar em flagrante forjado, tampouco em ofensa ao princípio da inviolabilidade de domicílio, refutando-se a nulidade arguida, não sendo o caso de manifesta ilegalidade ou arbitrariedade apta a descaracterizar os vestígios materiais colhidos durante a busca domiciliar que reforçaram o envolvimento do apelante com o delito de resistência. Ante o exposto, REJEITA-SE a tese de nulidade suscitada. É como voto a preliminar. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Superada a questão preliminar, verte dos autos que, no dia 03 de outubro de 2023, por volta das 11h20min, na residência localizada na rua Getúlio Vargas, nº 334, na cidade de Cláudia/MT, o apelante RONILDO SILVA DOS SANTOS opôs-se à execução de ato legal, mediante ameaça a funcionário competente para executá-lo, por meio de um simulacro de arma de fogo. Segundo apurado, a guarnição policial deslocou-se até a residência do sentenciado para dar cumprimento ao mandado de prisão preventiva expedido contra ele. Ao visualizar os policiais, o acusado correu para o interior de sua residência e saiu pelos fundos, sendo perseguido pela guarnição. Os agentes estatais teriam dado ordem de parada ao condenado, o qual, em resposta, ergueu suas mãos mostrando que estava em posse de uma suposta "arma de fogo" e, em seguida, continuou a fuga, transpondo dois muros, até que foi verbalizada nova ordem de parada e realizada a prisão. Nos mesmos autos, foi também imputado ao apelante o delito de tráfico de drogas, pois, segundo a denúncia, os policiais localizaram, próximo à cerca que o acusado pulou, seu chinelo e uma sacola contendo 02 (duas) porções de substância análoga à maconha. A denúncia foi recebida em 22/11/2023. Após a regular instrução processual, na qual foram ouvidas testemunhas de acusação e defesa, bem como o interrogatório do acusado, a magistrada a quo julgou parcialmente procedente a denúncia para condenar o acusado pelo crime de resistência (artigo 329 do Código Penal) e absolvê-lo do crime de tráfico de drogas (artigo 33 da Lei nº 11.343/06). Nesse contexto, inconformado com o édito condenatório, recorre a esta instância revisora, nos termos já relatados, ao que passo à análise das teses defensivas arguidas nas razões recursais. 1. DO PLEITO ABSOLUTÓRIO: Nada obstante os argumentos despendidos pela i. defesa no intuito de obter a absolvição do apelante, entendo que o pedido não faz jus à acolhida. A materialidade da infração penal encontra-se demonstrada nos autos por meio do auto de prisão em flagrante (ID 284628895), boletim de ocorrência nº 2023.280517 (ID 284628896 – págs. 1/4), auto de resistência (ID 284628896 – pág. 5), termo de exibição e apreensão (ID 284628897), fotografia (ID 284628899), laudo pericial nº 541.2.13.8985.2023.147988-A01 (ID 284629374), que atestou tratar-se de uma arma de pressão, do tipo pistola, sem mecanismos para percussão de munições de arma de fogo e sem ponta de cor laranja, facilmente confundível com uma arma de fogo real, e provas orais colhidas nas duas fases da persecução penal. No que concerne à autoria, igualmente resta comprovada, recaindo de modo incontroverso sobre a pessoa do apelante. O delito de resistência, tipificado no artigo 329 do Código Penal, consiste em opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio. Trata-se de crime formal, que se consuma com o emprego da violência ou ameaça, sendo desnecessário, para sua configuração, que o agente efetivamente consiga impedir a execução do ato legal. E, analisando detidamente o conjunto probatório, verifica-se que a conduta perpetrada pelo sentenciado se amolda perfeitamente ao tipo penal em comento. Interrogado sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, RONILDO SILVA DOS SANTOS declarou que, na data dos fatos, havia retornado do posto de saúde, onde recebera a primeira dose de um medicamento prescrito para o tratamento de tuberculose, o qual a médica havia lhe informado que poderia ter efeitos colaterais como ansiedade, mal-estar e tontura. Narrando a sequência dos acontecimentos, afirmou que, ao chegar em sua residência, sentia-se indisposto e suava frio, motivo pelo qual sentou-se em uma cadeira na área externa e solicitou o auxílio de seu sobrinho. Informou que, subitamente e sem qualquer tipo de aviso ou apresentação de mandado judicial, agentes policiais adentraram o imóvel, abrindo o portão e iniciando disparos imediatamente, sendo o primeiro deles realizado por um tenente. Disse que foi atingido ao tentar se levantar e, tomado pelo desespero, saltou o muro na tentativa de escapar, sendo perseguido em seguida. Mencionou que alguns vizinhos, dentre eles a esposa do cadeirante José de Arimateia, clamaram aos policiais que cessassem os tiros, alertando-os sobre a presença de crianças no local. Negou estar em posse de entorpecentes, armas ou simulacros, bem como afirmou que em nenhum momento foi lhe dada voz de prisão. Acrescentou que, mesmo ferido, foi arrastado por um dos policiais e levado de volta à sua residência. Relatou, ainda, que diversos objetos de sua casa foram danificados pelos agentes de segurança pública e que estes retornaram à propriedade em várias ocasiões ao longo daquele dia, inclusive durante o período noturno. Por fim, declarou não saber a origem dos materiais apreendidos no processo, reiterando que nada portava no momento da abordagem. Encerrou sua fala classificando os fatos como uma grave injustiça. A testemunha arrolada pela i. defesa, Ivanir Silva dos Santos, contou judicialmente que, na data dos fatos, havia retornado de viagem à cidade de Sinop e, enquanto auxiliava o esposo — que é cadeirante — no banho, nos fundos da sua residência, ouviu disparos de arma de fogo. Em seguida, visualizou RONILDO adentrando o quintal de sua casa já ferido por projétil, momento em que se assustou intensamente e passou a gritar, suplicando aos policiais que não o matassem, temendo pela integridade de sua neta, que se encontrava no imóvel, bem como pela de seu marido. Afirmou que o apelante não portava arma, simulacro ou qualquer objeto, estando com as mãos livres. Acrescentou que os policiais romperam parte do muro de sua propriedade, atravessaram o quintal e conduziram o acusado, já algemado, puxando-o com os braços para trás. Relatou ter presenciado dois disparos e identificado um dos policiais como autor de, ao menos, um deles, enquanto o acusado, já baleado, tentava transpor outro muro. Narrou que, posteriormente, os agentes colocaram RONILDO em um camburão e o conduziram à delegacia, retornando, mais tarde, à residência dele. Destacou que, em razão do pavor gerado pela situação, trancou-se em casa. Confirmou, ainda, que tinha conhecimento do tratamento de saúde que o sentenciado fazia, com base em informações fornecidas por profissionais da área que também prestam atendimento ao seu esposo. Por derradeiro, declarou que o portão da residência de RONILDO permanecia constantemente trancado com cadeado, sendo necessário bater para ser atendido pelos moradores. O depoente José de Arimateia dos Santos Cruz, ao ser inquirido em audiência, relatou ser vizinho lateral do apelante e que, no dia dos acontecimentos, encontrava-se em sua residência, especificamente na área externa, quando escutou um disparo de arma de fogo. Em seguida, observou RONILDO saltar o muro dos fundos de seu quintal, cair ao solo e, logo após, levantar-se e transpor outro muro. Informou que um policial o perseguia, tendo derrubado duas estruturas muradas e efetuado um segundo disparo. Afirmou que ao ver o condenado passando pelos fundos do imóvel, não percebeu qualquer objeto em suas mãos. Acrescentou que, após o segundo tiro, o sentenciado foi algemado e conduzido pelos agentes estatais até a frente da residência, momento em que foi revistado. Depois disso não viu mais nada. Mencionou ainda que, após o primeiro disparo, sua esposa gritou para os policiais não atirarem, alertando que havia uma criança na casa. Declarou, ademais, que, após a condução de RONILDO, os militares voltaram diversas vezes à residência dele ao longo da tarde e também no período noturno, embora desconheça o motivo dessas visitas. Sobre a rotina no domicílio do apelante, afirmou que tudo aparentava normalidade, sem que notasse qualquer comportamento suspeito. Destacou que, durante a abordagem, os policiais não apresentaram mandado judicial nem qualquer documentação, apenas se encontravam armados. Confirmou ter ouvido dois disparos. Por fim, relatou que, após pularem os muros, os agentes estatais não retornaram portando objeto ou arma, tampouco visualizou qualquer sacola sendo levada. Já Lucas Melo dos Santos, também arrolado pela i. defesa, relatou perante a autoridade judiciária que, na data dos fatos, estava há aproximadamente quatro dias na residência de seu tio, RONILDO, com quem permanecia temporariamente para lhe fazer companhia, em razão do estado de saúde debilitado deste, que se encontrava doente e abatido. Afirmou que, por volta das 11h15 ou 11h20 da manhã, enquanto se encontrava na área da casa, presenciou o momento em que o portão foi bruscamente aberto por policiais, os quais ingressaram na residência já efetuando disparos de arma de fogo, sem qualquer anúncio prévio de serem agentes da autoridade ou de possuírem mandado judicial. Informou que o apelante havia retornado há pouco de uma unidade de saúde, onde recebera a primeira dose de um medicamento de alta intensidade, o que o deixara visivelmente tonto e fragilizado. Acrescentou que, no instante da abordagem, o sentenciado encontrava-se sentado entre a cozinha e a área externa do imóvel. Esclareceu que o primeiro disparo não o atingiu, mas que, ao tentar se levantar e fugir, RONILDO foi alvejado por um segundo tiro. Narrando a sequência dos fatos, afirmou que o condenado pulou o muro em direção à residência vizinha, onde tentou pedir socorro, sendo perseguido pelos militares, dos quais um, segundo o depoente, ria durante a perseguição. Acrescentou que a moradora vizinha gritou para que os agentes cessassem a ação, pois havia crianças no local. Afirmou ainda que presenciou um dos agentes estatais tentando arrastar o apelante de volta para dentro da casa, apesar de ele estar ferido. Declarou que não viu qualquer arma de fogo, simulacro ou substância entorpecente em poder de seu tio, tampouco havia facas na residência, havendo apenas utensílios domésticos como garfos e colheres. Asseverou que os policiais não apresentaram qualquer mandado judicial ou documento e que, em momento algum, anunciaram a natureza da ação. Disse também que temeu por sua integridade física e, após os disparos, evadiu-se do local. Declarou que mantinha uma relação próxima com o tio, mas que, em virtude dos fatos, passou a evitar contato por receio. Ao final, confirmou que RONILDO fazia uso de tornozeleira eletrônica e que, após o ocorrido, os cuidados com ele passaram a ser prestados por seu primo Leandro. A seu turno, o policial militar Fernando Borges de Oliveira, ao ser inquirido em juízo, declarou que, à época dos fatos, recebeu do delegado de plantão, Dr. Edmundo, a incumbência de dar cumprimento a três mandados de prisão, dentre os quais se incluía o de RONILDO. Informou que, por já conhecer a residência do acusado e a vizinhança, solicitou autorização para acessar uma casa vizinha, a fim de verificar visualmente se o apelante se encontrava no local, o que foi confirmado. Relatou que adentrou o pátio da residência do increpado pela parte frontal, por meio de um portão de lata, momento em que RONILDO, ao avistar a guarnição, empreendeu fuga pelos fundos do imóvel. Segundo a testemunha, durante a evasão, o sentenciado portava uma arma de fogo e chegou a fazer menção de apontá-la em sua direção, razão pela qual efetuou um disparo. Informou que o condenado pulou uma cerca, que aparentava ser um muro, e, após a quebra de duas estruturas muradas, foi alcançado em um beco, onde se encontrava sobre tábuas. No referido local, o apelante quebrou e arremessou seu próprio aparelho celular para o quintal vizinho, antes de se deitar no chão. Após ser algemado, declarou que havia sido alvejado, sendo, então, socorrido pela guarnição. Ele foi inicialmente conduzido ao hospital do município de Cláudia e, posteriormente, escoltado até uma unidade hospitalar em Sinop. O policial afirmou que, durante o trajeto da perseguição, foram localizados uma arma de fogo, uma sacola e um par de chinelos pertencente ao acusado. Esclareceu que não houve tempo hábil para apresentação formal do mandado de prisão, visto que RONILDO iniciou a fuga imediatamente ao avistar a equipe policial. Acrescentou que não possuíam mandado de busca domiciliar e que, portanto, não ingressaram no interior da residência, limitando-se ao acesso ao pátio. Por fim, confirmou que já conhecia o recorrente de ocorrências anteriores e que o local era apontado como ponto de comercialização de entorpecentes. Corroborando a aludida prova oral, testemunha Ecson Junio Ferreira, policial militar, confirmou no curso da instrução processual que participou da operação destinada ao cumprimento do mandado de prisão em desfavor de RONILDO, atuando em conjunto com o comandante Fernando. Informou que o referido mandado foi repassado pela Polícia Civil e que a equipe já possuía conhecimento prévio acerca do alvo da diligência, o qual era apontado por populares como integrante do grupo criminoso denominado Comando Vermelho e envolvido com o tráfico de entorpecentes. Relatou que, ao chegarem ao local indicado, os agentes estatais abriram o portão da residência e visualizaram o apelante, que, de imediato, empreendeu fuga pelos fundos do imóvel. Declarou que o comandante seguiu diretamente no encalço do suspeito, enquanto o declarante realizou o cerco. Afirmou ter ouvido um disparo de arma de fogo, bem como os comandos verbais ordenando que RONILDO cessasse a fuga. Após o tiro, pulou o muro da residência e encontrou o sentenciado caído ao solo, apresentando ferimentos. Disse que prestaram socorro imediato ao ferido e, na sequência, realizaram buscas nas imediações, logrando êxito em localizar uma sacola e uma arma de fogo. Confirmou que havia outra pessoa na residência, a qual conseguiu evadir-se durante a ação policial. Esclareceu que, no momento da fuga, o condenado portava uma sacola, um revólver e um aparelho celular, objetos que foram posteriormente localizados pela equipe. Explicou que a apresentação formal do mandado de prisão não ocorreu de imediato em razão da tentativa de fuga, tendo sido realizada apenas após a contenção do suspeito e o respectivo atendimento médico. Por fim, afirmou que não foi efetuada busca formal no interior da residência e que não se recorda se havia mandado judicial específico para tal diligência. E o escrivão da Polícia Civil Hugo Almeida da Silva narrou judicialmente que não participou da diligência realizada no local dos fatos, tendo apenas atuado na lavratura do auto de prisão em flagrante na delegacia. Esclareceu que já havia, anteriormente, informações indicando o envolvimento do apelante com o tráfico de entorpecentes, as quais constavam em relatórios policiais. Acrescentou que também havia indícios de que o condenado integrava organização criminosa, mais especificamente o Comando Vermelho, sendo apontado como uma das lideranças locais. Nessa toada, os dizeres coerentes, seguros e harmônicos dos policiais militares que realizaram o flagrante descrevem detalhadamente a dinâmica dos fatos, narrando que o apelante resistiu ativamente à prisão, empreendendo fuga e exibindo o que parecia ser uma arma de fogo, caracterizando inequívoca ameaça aos agentes públicos. Tais relatos encontram respaldo no laudo pericial nº 541.2.13.8985.2023.147988-A01 (ID 284629374), que confirmou a apreensão de um simulacro de arma de fogo (airsoft) sem a ponteira laranja obrigatória, circunstância que o tornava praticamente indistinguível de uma arma real nas condições em que foi utilizado. Acerca da idoneidade dos testemunhos de agentes estatais como meio de prova, destaco que tais depoimentos não podem ser desprestigiados com base exclusivamente na negativa de autoria feita pelo acusado, ainda mais quando se mostram em consonância com o restante do conjunto probatório e não é evidenciada qualquer tendência dos policiais em incriminar injustificadamente o acusado, com escopo de conferir legalidade às suas atuações profissionais, como é o caso discutido nestes autos. Sobre o assunto, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Tribunal de Justiça já assentou que: “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. (Enunciado Orientativo n.º 8, IUJ n.º 101532/2015, DJE n.º 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017; destaques apostos). Por outro lado, a tese defensiva apresenta-se frágil e inconsistente. A versão apresentada pelo apelante em seu interrogatório, no sentido de que teria fugido apenas por estar sob efeito de medicação que lhe causava ansiedade, não encontra qualquer respaldo probatório. Não foram apresentados receituários médicos ou qualquer outro elemento que pudesse comprovar o uso de medicação no dia dos fatos. Além disso, essa justificativa mostra-se incompatível com a complexidade das ações executadas pelo acusado: empreender fuga, transpor muros e, principalmente, portar e exibir um simulacro de arma de fogo durante a perseguição, demonstrando um comportamento deliberado de resistência à prisão. Os depoimentos das testemunhas de defesa, por sua vez, apresentam contradições evidentes. O relato de Lucas Melo dos Santos, sobrinho do acusado, diverge substancialmente do apresentado por José de Arimateia e sua esposa Ivanir Silva dos Santos (vizinhos do apelante), especialmente quanto à cronologia dos disparos efetuados e à conduta do recorrente. Enquanto Lucas afirma que os policiais chegaram atirando, José relata claramente que entre o primeiro e o segundo disparo houve a transposição de dois muros por RONILDO, evidenciando a persistência da fuga e, consequentemente, a continuidade da resistência. Digna de nota é a versão apresentada pelo vizinho José de Arimateia, que confirmou ter o apelante pulado o muro de sua residência e, posteriormente, transposto outro muro, evidenciando o comportamento de fuga. Tal relato, proveniente de testemunha indicada pela própria defesa, corrobora a narrativa dos policiais no sentido de que o acusado resistiu ativamente à execução da ordem de prisão. Nesse contexto, à luz do conjunto probatório, tenho por satisfatoriamente demonstrado que o apelante, ao empreender fuga e exibir um simulacro de arma de fogo, opôs-se à execução de ato legal mediante ameaça a funcionário competente para executá-lo, incorrendo, assim, na conduta típica prevista no artigo 329 do Código Penal. Com tais considerações, à luz do princípio da persuasão racional, estou convencido de que as provas produzidas no curso de ambas as etapas da persecução criminal são suficientes para demonstrar a materialidade e a autoria de RONILDO SILVA DOS SANTOS pelo crime de resistência, inviabilizando o acolhimento da pretensão absolutória. Mantém-se, pois, nesses pontos, a condenação do apelante. 2. DO PEDIDO DE REMESSA DE CÓPIA DOS AUTOS À AUTORIDADE COMPETENTE PARA APURAÇÃO DE EVENTUAL CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE: Como última causa de pedir, requer a i. defesa técnica que seja remetida à autoridade competente a cópia integral dos autos, a fim de que seja apurado eventual crime de abuso de autoridade praticado, nos termos da Lei n.º 13.869/19, por agentes de segurança pública. Entretanto, mais uma vez sem razão! Consoante se extrai da narrativa dos agentes públicos, corroborada pelos elementos objetivos dos autos, a diligência decorreu do cumprimento de mandado de prisão expedido judicialmente. Ressalte-se que o fato de não ter havido apresentação formal e imediata da ordem prisional ao destinatário não macula a legalidade da operação, sobretudo quando se constata, como no caso, que o alvo empreendeu fuga tão logo visualizou os militares, o que inviabilizou a formalização inicial do cumprimento e caracterizou situação de flagrante resistência à ação estatal legítima. Com efeito, como demonstrado nas linhas anteriores, o depoimento do policial militar Fernando Borges de Oliveira — prestado sob compromisso legal e sem indícios de falsidade — demonstra que, ao se aproximar da residência, o apelante reagiu imediatamente com tentativa de evasão, portando consigo um simulacro de arma de fogo que, conforme atestado no laudo pericial, estava sem sinal identificador obrigatório, o que o tornava praticamente indistinguível de uma arma real naquelas circunstâncias fáticas. Assim, o uso da força armada por parte dos militares, nesse necessário, está amparado pela excludente de ilicitude prevista no artigo 23, inciso III, do Código Penal, dada a necessidade de conter situação concreta de perigo à integridade dos policiais e de terceiros. A mencionada prova oral encontra sustentação no depoimento do também policial militar Ecson Junio Ferreira, o qual não apenas confirmou a existência do mandado de prisão, como detalhou que a fuga do sentenciado se deu de forma abrupta, com subsequente perseguição por muros e quintais vizinhos. Destacou-se que, durante a evasão, foram localizados em rota próxima arma de fogo (posteriormente identificada como um simulacro), sacola e celular, objetos vinculados ao próprio sentenciado e apontados como de sua posse no momento da abordagem. A despeito das versões colacionadas pelas testemunhas de defesa, tais como Ivanir Silva dos Santos, José de Arimateia dos Santos Cruz e Lucas Melo dos Santos, verifica-se que suas declarações, embora expressivas sob o viés emocional, carecem de objetividade quanto à percepção completa dos fatos. As falas, conquanto verossímeis no tocante ao temor pessoal decorrente do episódio, são marcadas por limitações visuais, narrativas fragmentadas e ausência de visão direta dos momentos cruciais da abordagem inicial e da suposta ameaça feita por RONILDO aos policiais. Assim, não infirmam a presunção de veracidade das informações prestadas pelos agentes públicos, respaldadas pela documentação oficial e pelo contexto da operação. Ressalte-se, ainda, que não se extraem dos autos indícios de que os policiais tenham ingressado no interior da residência do sentenciado — mas apenas no pátio frontal e áreas externas adjacentes — o que afasta qualquer alegação de violação de domicílio, máxime diante da ausência de vedação constitucional ao acesso a áreas visivelmente externas em ações de flagrante ou cumprimento de mandado. Além disso, a eventual rusticidade da ação policial não implica, por si só, em abuso de autoridade, sobretudo quando verificada a concreta periculosidade do alvo da operação, conforme relatado por diversas fontes oficiais — inclusive o escrivão da Polícia Civil — que o apontam como figura envolvida com o tráfico de drogas e liderança local de facção criminosa. O contexto revela, portanto, um cenário de ação policial legítima, legal e proporcional, amparada por mandado judicial e reforçada por circunstâncias que impuseram atuação imediata, com o uso moderado da força, diante da resistência ativa do investigado. A versão trazida pela defesa, centrada em supostos excessos, não encontra amparo em elementos objetivos, tampouco logra afastar a presunção de legitimidade da conduta dos agentes estatais, a qual goza de respaldo legal, doutrinário e jurisprudencial. E, como é sabido, o crime de abuso de autoridade exige dolo específico de prejudicar alguém ou beneficiar a si mesmo ou terceiro, ou, ainda, que se pratique a conduta por mero capricho ou satisfação pessoal, elemento subjetivo que não se extrai do conjunto probatório dos autos. Ao contrário, as provas indicam que a atuação dos policiais visava o cumprimento de ordem judicial e a preservação da segurança pública. Assim, entendo ter agido com acerto a MM.ª Magistrada singular, ao analisar e indeferir o pedido de remessa de cópia integral dos autos à autoridade competente, a fim de que seja apurado eventual crime de abuso de autoridade praticado pelos policiais militares, sob os seguintes fundamentos: “Nesse ponto, entendo que não assiste razão a Defesa quanto ao seu pedido. A determinação para expedição de ofícios consiste em faculdade do magistrado, quando constatadas eventuais irregularidades que autorizem a intervenção do Estado. No caso dos autos, conforme sentença proferida nos autos, a atuação dos policiais militares foi considerada de forma regular, tanto é que não foi reconhecida a ilicitude da prova arguida pela Defesa. Assim, não há nada que possa justificar a requisição de instauração de investigação autônoma lembrando que a requisição injustificada de instauração de investigação também pode caracterizar abuso de autoridade, como estabelecido no artigo 27, da Lei nº 13.869/2019. Sem prejuízo, discordando a Defesa ou o Ministério Público, estes poderão, diretamente, solicitar (Defesa) ou requisitar (Ministério Público) a instauração de investigação e sob sua própria responsabilidade civil, administrativa e criminal. Dessa forma, deve ser indeferido o pleito defensivo de encaminhamento de cópia dos autos à autoridade competente para apuração de eventual crime de abuso de autoridade” (ID 284629431). Com base em tais argumentos, indefiro o pleito defensivo. CONCLUSÃO Ante o exposto, rejeito a preliminar de nulidade e, no mérito, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação criminal interposto por RONILDO SILVA DOS SANTOS, mantendo-se, na íntegra, a r. sentença proferida pelo d. Juízo da Vara Única da Comarca de Cláudia/MT nos autos da ação penal n.º 1000977-77.2023.8.11.0101. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025
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