Processo nº 1010285-81.2025.8.11.0000
ID: 261389478
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 1010285-81.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1010285-81.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drog…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1010285-81.2025.8.11.0000 Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Assunto: [Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JONES GATTASS DIAS, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA] Parte(s): [LEILAINE PEREIRA MORAES - CPF: 033.988.601-33 (ADVOGADO), LEILAINE PEREIRA MORAES - CPF: 033.988.601-33 (IMPETRANTE), ANNE ANTHONIELLY RONDON - CPF: 013.804.041-93 (TERCEIRO INTERESSADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (TERCEIRO INTERESSADO), CHINAIRA TEREZA RONDON - CPF: 039.610.001-58 (PACIENTE), JUÍZO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE SAPEZAL (IMPETRADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DENEGOU A ORDEM. E M E N T A Direito processual penal. Habeas corpus. Tráfico de drogas e associação para o narcotráfico. Pedido de substituição da prisão preventiva por domiciliar. Improcedência. Ordem denegada. I. Caso em exame 1. Impetração de habeas corpus em favor de paciente denunciada pela prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o narcotráfico, no intento de vê-la agraciada com a prisão domiciliar, por se tratar de genitora responsável pelos cuidados com filhos menores. II. Questão em discussão 2. Consiste em saber se a paciente faz jus à concessão de prisão domiciliar, com base no art. 318, V, do CPP. III. Razões de decidir 3. Cuida-se de prisão preventiva adequadamente imposta, fundamentada na quantidade e variedade de entorpecentes apreendidos, bem como na presença de indícios que apontam se tratar de reiterada comercialização de drogas, as quais, por sua vez, foram encontradas armazenadas no interior do lar familiar da acusada. 4. O STJ já firmou entendimento de que, na hipótese trazida pelo art. 318, V, do CPP, a concessão de prisão domiciliar não é automática, devendo ser analisada à luz das circunstâncias do caso concreto. 5. A substituição da prisão preventiva por domiciliar não é possível quando se cuida da apreensão de entorpecentes no interior da residência compartilhada com os filhos da acusada — dos quais, ademais, apenas um possui idade inferior a 12 (doze) anos, como exige o art. 318, V, do CPP —, especialmente em vista de elementos que indicam se tratar de comércio contumaz de substâncias ilícitas, e considerado o fato de que se encontram todos sob os cuidados da avó materna. IV. Dispositivo e tese 6. Ordem denegada. Tese de julgamento: “1. Encontra-se justificada a prisão preventiva à conta da suposta prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o narcotráfico em vista da gravidade concreta da conduta, extraída a partir da quantidade e da variedade de entorpecentes apreendidos, bem como das circunstâncias do caso, e subsistindo ainda risco de reiteração delitiva evidenciado pelos registros criminais desfavoráveis da increpada. 2. Não se aplica o art. 318, V, do CPP, para concessão de prisão domiciliar de maneira automática, devendo ser observadas as circunstâncias do caso, as quais, na hipótese concreta, não aconselham o deferimento da benesse.” _______ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LXVIII. CPP, arts. 282, 312, 313, 318, V, e 319. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC n. 832.422/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 28/8/2023, DJe 30/8/2023. R E L A T Ó R I O HABEAS CORPUS N. 1010285-81.2025.8.11.0000 – CLASSE CNJ 307 – COMARCA DE SAPEZAL IMPETRANTE: Dra. LEILAINE PEREIRA MORAES PACIENTE: CHINAIRA TEREZA RONDON R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Trata-se de habeas corpus, com pedido de concessão liminar, impetrado em favor da paciente acima identificada, contra suposto ato coator atribuído ao d. Juízo da Vara Única da Comarca de Sapezal/MT, aqui apontado como autoridade coatora por indeferir o pedido de prisão domiciliar formulado em prol da increpada nos autos do APFD n. 1000329-98.2025.8.11.0078, à conta de seu possível envolvimento com os delitos tipificados pelo art. 33, caput, c/c art. 35, ambos da Lei n. 11.343/2006. Dessume-se dos autos que a paciente foi presa em flagrante delito em 21/02/2025, em decorrência da suposta prática dos delitos supramencionados; vindo o claustro a ser posteriormente convertido em prisão preventiva pelo d. juízo a quo, com o indeferimento do pedido de prisão domiciliar. Nesse contexto, a d. causídica sustenta a ocorrência de coação ilegal decorrente da inidoneidade da prisão preventiva imposta à paciente, ao argumento de que, em se tratando de genitora de três filhos menores, os quais não poderiam ser deixados exclusivamente sob os cuidados da avó materna, a qual, na intelecção da impetrante, não possuiria condições psicológicas de cuidar dos netos, seria medida de rigor a concessão de prisão domiciliar à increpada. Com arrimo nessas assertivas, postula-se a concessão liminar da ordem, a fim de que seja incontinenti concedida a prisão domiciliar à paciente, ainda que cumulada com a fixação de medidas cautelares alternativas. No mérito, pleiteia-se a confirmação da liminar porventura deferida, concedendo-se em definitivo o habeas corpus. A petição inicial veio acompanhada da documentação digital registrada no ID 278538878 e seguintes. Indeferida a liminar pleiteada (ID 278613387), foram requisitadas informações à d. autoridade tida por coatora, que as capitulou aos autos no ID 280027864. Instada a se manifestar, a i. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela denegação da ordem (ID 281550368). É o relatório. Inclua-se o feito em pauta para julgamento. V O T O R E L A T O R VOTO (MÉRITO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Por estarem presentes os pressupostos objetivos e subjetivos para sua constituição válida e regular, e uma vez identificadas as condições da ação, o writ há de ser submetido a julgamento. Dessume-se dos autos processuais eletrônicos e dos informes trazidos à baila pela d. autoridade acoimada coatora, analisados em conjunto com os dados disponíveis nos sistemas informatizados deste eg. Tribunal de Justiça, que CHINAIRA TEREZA RONDON, na companhia de Anne Anthonielly Rondon, foi presa em flagrante delito em 21/02/2025, em razão da prática, em tese, dos delitos tipificados pelo art. 33, caput, c/c art. 35, ambos da Lei n. 11.343/2006. Em consulta aos autos n. 1000643-44.2025.8.11.0078, constatei que o i. Ministério Público, posteriormente, ofertou denúncia em face de ambas, dando-as como incursas nas sanções do art. 33, caput, c/c art. 35, ambos da Lei n. 11.343/2006. Colhe-se da prefacial acusatória que, em 21/02/2025, por volta das 20h30min, na Avenida Silvestre Domingos Barbon, no Município de Sapezal/MT, as denunciadas, consciente e dolosamente, traziam consigo e transportavam entorpecentes para a venda, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, consistentes em 10 (dezessete) porções de substâncias análogas à cocaína, 02 (duas) porções de substâncias análogas à maconha, 24 (vinte e quatro) porções de substâncias análogas à maconha, além da quantia de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) em dinheiro e 03 (três) aparelhos celulares. Demais disso, ao menos até o dia 21/02/2025, no Município de Sapezal/MT, as denunciadas, com consciência e vontade, associaram-se, com estabilidade e permanência, para o fim de praticarem o tráfico de drogas. Conforme contextualizado pelo Ministério Público, uma guarnição da Polícia Militar estava em patrulhamento quando visualizou o usuário Afonso Henrique dentro de uma caminhonete e comprando substâncias entorpecentes da denunciada Anne, que lhe repassou 02 (duas) porções de maconha ao custo de R$100,00 (cem reais). Após a negociação, percebendo que seria abordada pela polícia, Anne tentou empreender fuga em uma bicicleta, mas foi localizada pelos policiais, que conseguiram realizar sua prisão. De posse da informação de que CHINAIRA, irmã de Anne, revendia entorpecentes para esta, a guarnição da Polícia Militar se deslocou até a residência da paciente, em frente da qual ela se encontrava e, ao ver os policiais, saiu correndo para dentro do imóvel, dispersando no caminho algumas substâncias análogas à maconha. Além dessas porções, foram encontradas em cima da mesa 02 (duas) porções de maconha ao lado de um plástico filme, e, dentro de uma sacola, no cesto de roupa suja, foram localizadas 22 (vinte e duas) porções de substância análoga à maconha e 17 (dezessete) porções de substância análoga à cocaína, além da quantia de R$ 50,00 (cinquenta reais) no bolso da paciente. Aprendidos os entorpecentes, valores e celulares encontrados com as denunciadas, laudo pericial posterior revelou que as substâncias transportadas e armazenadas pelas pacientes haviam apresentado resultados positivos para maconha e cocaína. Por sua vez, em sede de audiência de custódia, o claustro pré-cautelar foi convertido pelo d. juízo a quo em prisão preventiva, com o indeferimento do pedido de prisão domiciliar; contexto em que a d. impetrante suscita a ocorrência de coação ilegal, nos termos já relatados. Feitos esses apontamentos, passo a analisar o mérito do writ. 1. Da suscitada inidoneidade da prisão preventiva e da almejada prisão domiciliar: Em primeiro lugar, na hipótese em apreço, verifico que a medida segregatícia imposta à beneficiária deste writ encontra suporte na hipótese de admissibilidade prevista pelo art. 313, I, do CPP, uma vez que as condutas ilícitas que lhe estão sendo imputadas [tráfico de drogas e associação para o narcotráfico] são dolosas e punidas com reclusão, cujas penas máximas abstratamente previstas ultrapassam o patamar de 04 (quatro) anos. No que tange ao fumus comissi delicti, entendo que encontra respaldo nos indícios suficientes de autoria e na prova da materialidade delitiva, devidamente evidenciados nos elementos encartados no caderno processual, o que, neste momento, corrobora a constatação da “fumaça do cometimento do delito” exigida para imposição da ultima ratio. Em especial, destaco o teor do Boletim de Ocorrência n. 2025.56644; do Auto de Apreensão n. 2025.16.82788; dos depoimentos dos policiais que diligenciaram na ocorrência; e do Laudo Pericial n. 551.3.10.9185.2025.010366-A01, que atestou se tratar o material apreendido de 17 (dezessete) porções de cocaína, com massa bruta de 7,82 g (sete gramas e oitenta e dois centigramas); e 26 (vinte e seis) porções de maconha, com massa bruta de 153,9 g (cento e cinquenta e três gramas e nove centigramas), ao que se vê do ID 189632904 (autos n. 1000643-44.2025.8.11.0078). Nesse ponto, sublinho que, diante de sua natureza processual, tanto a decretação quanto a manutenção da prisão preventiva exigem tão somente indícios suficientes de autoria, reservando-se a certeza desta à eventual condenação definitiva, de modo que a lei se contenta com elementos probatórios ainda que não concludentes ou unívocos, mesmo porque não é o habeas corpus instrumento processual idôneo para aferir a qualidade da prova ou do indício, porquanto tal exercício exige dilação probatória, de todo incompatível com a via estreita ora eleita (ex vi do Enunciado Orientativo n. 42 da TCCR/TJMT). Por outro lado, quanto ao periculum libertatis, verifico que o d. juízo a quo ressaltou, ao impor o claustro preventivo à paciente, sua imprescindibilidade, face à gravidade concreta da conduta imputada à custodiada, bem como do risco de reiteração delitiva. Veja-se o teor da decisão, in verbis: “[...] cumpre esclarecer que a decretação da medida cautelar está fundamentada nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, que exige a demonstração de indícios suficientes de autoria e materialidade, bem como a necessidade de garantir a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal. No presente caso, a gravidade concreta do crime de tráfico de drogas, considerado hediondo, justifica a manutenção da custódia cautelar para preservar a ordem pública, especialmente diante do potencial risco de reiteração delitiva”. (Decisão de ID 278538884 – Pág. 97). — Destaquei. Com efeito, sabe-se que, em casos análogos ao dos autos, os Tribunais Superiores já assentaram posicionamento favorável à decretação da medida extrema para garantia da ordem pública, quando evidenciadas, pelo modus operandi, a gravidade concreta dos crimes e a periculosidade social do agente. Nesse sentido, cito os seguintes precedentes: “A custódia cautelar imposta ao paciente está suficientemente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, diante da gravidade concreta da conduta delituosa. Deveras, segundo entendimento consolidado desta Corte, não há constrangimento ilegal quando a prisão preventiva é decretada em razão do modus operandi com que o crime fora praticado, como ocorreu neste caso. Precedentes.” (AgRg no HC n. 753.271/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 22/8/2022). — Destaquei. “O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a gravidade em concreto do crime e a periculosidade do agente, evidenciada pelo modus operandi, constituem fundamentação idônea para a decretação da custódia preventiva (HC 137.234, Rel. Min. Teori Zavascki; HC 136.298, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; HC 136.935-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli).” (HC 203320 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/09/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-197, DIVULG 01-10-2021, PUBLIC 04-10-2021). — Destaquei. Na hipótese em voga, verte dos autos que CHINAIRA foi presa em flagrante delito logo após a detenção de sua irmã Anne, oportunidade em que policiais militares a visualizaram tentando se evadir da abordagem, inclusive com a dispersão de porções de entorpecentes, o que não impediu que os agentes lograssem êxito em detê-la e realizar buscas domiciliares, após as quais ressaíram apreendidas, no interior do imóvel, um total de 24 (vinte e quatro) porções de maconha e 17 (dezessete) porções de cocaína. Nesse cenário, entendo que deve ser observado o entendimento consolidado no âmbito deste eg. Sodalício, nos termos do Enunciado n. 25 da TCCR/TJMT, conforme o qual “a expressiva quantidade e/ou variedade de drogas ensejam garantia da ordem pública para decretação ou manutenção de prisão preventiva”. Não bastasse, a consulta aos sistemas eletrônicos postos à disposição do Poder Judiciário revela que CHINAIRA ostenta desfavoráveis registros criminais, já tendo sido condenada em primeira instância pela prática do crime de tráfico de drogas, nos autos da Ação Penal n. 1001372-41.2023.8.11.0078, os quais aguardam a apreciação do apelo defensivo; bem como pela prática dos crimes de tráfico de drogas e tortura, nos autos da Ação Penal n. 1003229-25.2023.8.11.0078, os quais igualmente aguardam a apreciação do recurso aviado pela i. defesa. Além disso, a paciente figura como investigada nos autos do IP n. 1000206-03.2025.8.11.0078, instaurado para apuração dos crimes de tráfico de drogas e associação ao narcotráfico. Trata-se de circunstâncias que evidenciam o periculum libertatis, a atrair a pacífica jurisprudência do c. Superior Tribunal de Justiça, conforme a qual “a preservação da ordem pública justifica a imposição da prisão preventiva quando o agente ostentar maus antecedentes, reincidência, atos infracionais pretéritos, inquéritos ou mesmo ações penais em curso, porquanto tais circunstâncias denotam sua contumácia delitiva e, por via de consequência, sua periculosidade” (AgRg no HC n. 843.157/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 12/9/2023, DJe de 18/9/2023). Dessa forma, a despeito da irresignação da impetrante, reputo acertada a decisão do d. juízo a quo que impôs a medida extrema à paciente, diante da gravidade concreta da conduta supostamente perpetrada, bem como do risco de reiteração delitiva, por se tratar, à toda evidência, de dedicação habitual ao comércio proscrito de entorpecentes. Verte ainda da prefacial do writ que a impetrante pretende a concessão de prisão domiciliar à paciente, sob o argumento de se tratar de mãe responsável pelos cuidados de filhos menores — Vitor Benjamin Rondon Alcântara Nunes, nascido em 22/07/2010 [14 (catorze) anos]; Ana Clara Rondon de Oliveira, nascida em 25/04/2014 (11 (onze) anos]; e Lorena Vitoria Nunes Rondon, nascida em 28/01/2012 [13 (treze) anos] —, a ensejar, ao menos, a aplicação do entendimento externado pelo eg. Supremo Tribunal Federal quando da apreciação do Habeas Corpus Coletivo n. 143.641/SP. Com efeito, sabe-se que, ao julgar o Habeas Corpus Coletivo n. 143.641/SP, o Supremo Tribunal Federal consolidou seu posicionamento no sentido de que, comprovada a gravidez, o estado puerperal ou a maternidade em relação a crianças menores de 12 (doze) anos ou deficientes, a mulher que estivesse presa teria direito à custódia em seu domicílio, nos termos do art. 318 do Código de Processo Penal, sem prejuízo de que lhes fossem aplicadas medidas diversas do cárcere, previstas no art. 319 do mesmo códex. Essa linha intelectiva adotada pela Suprema Corte culminou na edição da Lei n. 13.769/2018, que alterou a legislação processual penal, inserindo no Código de Processo Penal os artigos 318-A e 318-B, in verbis: “Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código”. — Grifei. Todavia, sob a égide do referido acórdão, decidiu-se que a concessão da benesse poderia ser excepcionada nas hipóteses de “crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício” (HC 143641, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 20/02/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 08-10-2018 PUBLIC 09-10-2018). — Destaquei. Logo, embora estejam previstas expressamente na lei apenas duas exceções aptas a inviabilizar a concessão da prisão domiciliar, nada impede que o d. julgador eleja, no caso concreto, outras excepcionalidades justificadoras da negativa à pretendida substituição, desde que, conforme já exarado pelo Supremo Tribunal Federal, fundamente a sua tomada de decisão em reais particularidades que revelem maior necessidade de acautelamento da ordem pública ou melhor integral proteção do menor. Com isso, infere-se que o artigo 318-A do CPP não possui incidência irrestrita e automática, ao revés, por tratar-se de ato restritivo de liberdade, mesmo que mais benéfico do que a prisão preventiva em seus moldes tradicionais [recolhimento em cárcere], exige do magistrado o exame da conveniência da medida à luz das eventualidades do caso concreto. Inclusive, impende destacar que a possibilidade de a segregada gestante ou mãe de filhos ainda na infância ficar recolhida cautelarmente em sua residência, nos termos do art. 318 do CPP, foi instituída pelo Estatuto da Primeira Infância – Lei n. 13.257/2016 – para adequar a legislação a um compromisso assumido internacionalmente pelo Brasil nas Regras de Bangok. Com isso, não restam dúvidas de que a colocação da encarcerada em regime domiciliar em tais hipóteses deve priorizar o princípio da proteção integral da criança. E assim o é porque, como bem frisou o Exmo. Ministro Celso de Mello na relatoria do Habeas Corpus Coletivo n. 143.641/SP, o fato de ser mãe, por si só, não é suficiente para a conversão da prisão preventiva em domiciliar, devendo ser analisada também a conduta e a personalidade da presa e, sobretudo, a conveniência e o atendimento ao superior interesse do menor, afinal, o intuito da norma do Código de Processo Penal que prevê a prisão domiciliar às mulheres gestantes ou com filhos menores de 12 (doze) anos é a proteção ao infante, e não sua utilização como salvo-conduto para a mãe envolvida na criminalidade. Diante desse cenário, embora a d. impetrante entenda ser de rigor a colocação da paciente em regime de custódia domiciliar, observo, em primeiro lugar, que apenas sua filha Ana Clara possui idade inferior a 12 (doze) anos, a autorizar a incidência do art. 318, V, do CPP; sendo o dispositivo legal inaplicável, portanto, aos demais filhos da acusada. Além disso, CHINAIRA está sendo acusada da prática dos crimes de associação para o narcotráfico e tráfico de drogas, tendo a apuração dos fatos revelado o armazenamento dos entorpecentes no interior da residência coabitada por seus filhos, situada, por sua vez, em terreno compartilhado com sua genitora [avó materna de Vitor Benjamin, Ana Clara e Lorena Vitoria], sob cujos cuidados já se encontram os menores. Nesse sentido, consoante consignado pelo d. juízo a quo em sede de audiência de custódia, in verbis: “[...] De igual modo, indefiro o pedido de prisão domiciliar formulado pela defesa, uma vez que não restam presentes os requisitos que justificariam tal concessão. Embora sustente a existência de filhos menores, não há elementos que indiquem que a custódia dos menores não possa ser adequadamente mantida sob a responsabilidade da avó ou de outros familiares, sem a necessidade de prisão domiciliar para a custodiada. A custodiada continuará em regime de prisão preventiva, já que a situação não exige sua liberdade ou restrição menos gravosa para garantir o cuidado das crianças. Ademais, é importante frisar que não há comprovação acerca da idade dos filhos da requerente, o que inviabiliza a avaliação precisa da vulnerabilidade das crianças e a real necessidade de uma medida cautelar mais branda. A ausência de documentos que certifiquem a condição de dependência dos menores, especialmente no que se refere à necessidade de cuidados contínuos, impede a análise concreta do impacto da prisão preventiva nas suas condições de vida, sendo insuficiente para fundamentar o pedido de prisão domiciliar. Assim, a prisão domiciliar não se revela como a medida mais adequada, uma vez que a avó já exerce o cuidado dos netos, e a custódia cautelar da mãe continua a ser medida suficiente para a preservação da ordem pública e da regularidade do processo. A manutenção da prisão preventiva é, portanto, a solução mais proporcional e compatível com a gravidade dos fatos e a situação processual”. (Decisão de ID 278538884 – Págs. 97-98). — Destaquei. Cabe sublinhar, outrossim, que no interior do lar familiar, os agentes policiais localizaram um total de 24 (vinte e quatro) porções de maconha e 17 (dezessete) porções de cocaína, deixadas sobre uma mesa ou armazenadas no interior de um cesto de roupas sujas, existindo ainda elementos nos autos a demonstrar que a paciente, possivelmente, é contumaz no exercício da narcotraficância. Acerca do tema, veja-se o seguinte precedente, in verbis: “[...] 4. Hipótese concreta que revela situação excepcionalíssima a desautorizar a concessão da prisão domiciliar, porquanto as instâncias ordinárias salientaram que não obstante a apenada seja mãe de crianças menores de 12 anos de idade, tenha sido condenada por crime praticado sem violência ou grave ameaça, não tenha praticado o crime contra os próprios filhos e seja presumida a imprescindibilidade dos seus cuidados maternos, não é cabível a substituição da execução definitiva por prisão domiciliar, na medida em que a paciente e seu companheiro atuavam no comércio de drogas, utilizando-se do salão de beleza da paciente para armazenar drogas, ao lado da residência do casal, expondo a risco aos infantes que lá residiam, posto que utilizada a moradia também para a prática de crime, situação que compromete, a toda evidência, o regular desenvolvimento dos filhos menores, inseridos pela própria mãe em um ambiente absolutamente inadequado”. (AgRg no HC n. 832.422/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 30/8/2023). — Destaquei. Não se ignora, nesse ponto, que não se cuida de paciente com bons antecedentes; ostentando CHINAIRA, pelo contrário, duas condenações criminais em primeira instância pela prática do delito de tráfico de drogas, circunstância que já foi considerada pelo c. Superior Tribunal de Justiça como suficiente para afastar a concessão de benesse, em cotejo, ademais, com a apreensão de expressiva quantidade de entorpecentes, exatamente como ocorre in casu (ex vi do AgRg no HC n. 878.298/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 14/2/2024). Dessa forma, em atenção às circunstâncias do caso, estou convencido de que, em se tratando de drogas armazenadas em local de habitação dos filhos, ao que se acrescentam as circunstâncias pessoais desfavoráveis da increpada, a denotar o risco concreto de reiteração delitiva, deve ser observado o consolidado entendimento do c. Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, qual seja, a existência de circunstâncias excepcionalíssimas a autorizar a denegação do benefício da custódia cautelar em domicílio. Por oportuno, consigno ainda que existe informação nos autos de que as crianças não se encontram desamparadas, pelo contrário, estão sob os cuidados da avó materna, cuja alardeada incapacidade para o cuidado com os netos, a despeito das alegações trazidas pela d. impetrante, não se encontra comprovada de maneira indene de dúvidas tão somente a partir do exame da prova pré-constituída (ID 278538882). Portanto, levando em consideração as peculiaridades do caso em apreço, concluo pela impossibilidade de substituir a prisão preventiva da paciente pela custódia domiciliar. CONCLUSÃO: Por tudo que foi exposto, DENEGO A ORDEM de habeas corpus impetrada em favor de CHINAIRA TEREZA RONDON, mantendo seu encarceramento provisório tal como decretado nos autos de origem. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/04/2025
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