Ministério Público Do Estado Do Paraná x Matheus Patrick Calizario
ID: 324339589
Tribunal: TJPR
Órgão: 12ª Vara Criminal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 0005773-62.2024.8.16.0196
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WALID NASSER CHYBIOR ZAHRA
OAB/PR XXXXXX
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JEFFERSON NASCIMENTO DA SILVA
OAB/PR XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Autos nº: 0005773-62.2024.8.16.0196 Autor: Ministério Público do Estado do Paraná Réu: …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Autos nº: 0005773-62.2024.8.16.0196 Autor: Ministério Público do Estado do Paraná Réu: Matheus Patrick Calizario SENTENÇA 1. Relatório: Matheus Patrick Calizario, brasileiro, autônomo, nascido em 16/08/197, com 27 (vinte e sete) anos de idade na data dos fatos, natural de Curitiba/PR, filho de Sandra de Fatima Calizario e Amazilio Calizario, portador do RG nº 12.757.177-5/PR, residente e domiciliado na Rua Professor Wenceslau Muniz, n° 337, bairro Cidade Industrial, Curitiba/PR, foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei 11343/06 por duas vezes (1º e 2º fatos), em concurso material (art. 69 do Código Penal), pela prática dos seguintes fatos delituosos: “ 1º fato: No dia 02 de dezembro de 2024, por volta das 23h30min, em via pública, no percurso entre a Rua Albor Pimpão de Almeida e a Rua Dr. Egon Armando Krueger, localizadas entre os bairros Tatuquara e Cidade Industrial, neste Município e Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR, o denunciado MATHEUS PATRICK CALIZARIO, agindo de forma voluntária, conscientePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal e livre, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, transportava, no veículo Fork/Ka, cor branca, placas BDI8I45, para posterior entrega a consumo de terceiros: (a) 20 (vinte) pinos da substância entorpecente popularmente conhecida como cocaína, substância química com padrão do alcaloide extraído da planta Eritroxylum coca; e (b) 06 (seis) pedras da substância entorpecente popularmente conhecida como crack, substância química com padrão do alcaloide extraído da planta Eritroxylum coca, substâncias que determinam dependência física e psíquica em seus usuários, sendo proscrita no território nacional, conforme Portaria SVS/MS nº 344/98. Extrai-se dos autos que uma equipe da polícia militar realizava patrulhamento preventivo pela via pública acima mencionada, quando avistou um veículo na contra-mão. Ao se perceber a aproximação policial, o condutor do automóvel acelerou de forma repentina, tentando se evadir. Realizado acompanhamento tático, a equipe conseguiu realizar a abordagem do veículo na Rua Egon Armando Krueger, próximo ao numeral 3410. Em busca pessoal, nada de ilícito foi localizado com o denunciado, porém, em busca veicular, no banco traseiro, a equipe policial localizou os entorpecentes acima mencionados, além de diversos pinos vazios, ainda embalados. Ao ser questionado, o denunciado confessou ser a pessoa que realiza entrega de drogas e reposição de embalagens para fracionamento de drogas. (Cf. auto de prisão em flagrante – mov. 1.1; boletim de ocorrência n°2024/1507199 – mov. 1.2; termos de depoimento – mov. 1.3-1.4, 1.5-1.6, 61.4 e61.5; termo de interrogatório – mov. 1.7-1.8; relatório da Autoridade Policial – mov. 17.1; e foto das apreensões – mov. 61.2).”PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal 2º fato: No dia 02 de dezembro de 2024, após o “FATO 1”, no imóvel localizado na Rua Albor Pimpão de Almeida, n° 662, bairro Tatuquara, neste Município e Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR, o denunciado MATHEUS PATRICK CALIZARIO, agindo de forma voluntária, consciente e livre, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, mantinha em depósito, para posterior entrega a consumo de terceiros: (a) 2,4 kg (dois quilos e quatrocentos gramas) da substância entorpecente popularmente conhecida como cocaína, substância química com padrão do alcaloide extraído da planta Eritroxylum coca;(b) 67,7 kg (sessenta e sete quilos e setecentos gramas) da substância entorpecente popularmente conhecida como maconha, extraída da planta Cannabis Sativa Lineu, em cuja composição encontra-se a substância entorpecente ‘tetrahidrocannabinol’; (c)7 kg (sete quilos) da substância entorpecente popularmente conhecida como crack, substância química com padrão do alcaloide extraído da planta Eritroxylum coca; e (d) 4,6kg (quatro quilos e seiscentos gramas) da substância entorpecente ‘Cannabis Sativa L.’, na forma conhecida como skank; que determinam dependência física e psíquica em seus usuários, sendo proscrita no território nacional, conforme Portaria SVS/MS nº 344/98.Consta dos autos que, após a abordagem narrada no “FATO 1”, o denunciado contou à equipe policial o local onde armazenava os entorpecentes. Os policiais se deslocaram até o imóvel e, mediante autorização de acesso, realizaram a busca domiciliar. Dentro do imóvel, além das substâncias ilícitas acima mencionadas, também foram localizados: 03 (três) rolos de plástico film; 02 (duas) facas com resquícios da substância conhecida como maconha; 15 (quinze) balanças dePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal precisão; 02(dois) cadernos escolares com anotações do tráfico; e 24 (vinte e quatro) caixas, contendo 50 (cinquenta) folhas-de-seda cada uma, totalizando 1.200 (hum mil e duzentas) folhas-de-seda. Diante dos fatos, o denunciado foi preso em flagrante delito. (Cf. auto de prisão em flagrante – mov. 1.1; boletim de ocorrência n°2024/1507199 – mov. 1.2; termos de depoimento – mov. 1.3-1.4, 1.5-1.6, 61.4 e 61.5; termo de interrogatório – mov. 1.7-1.8; auto de exibição e apreensão –mov. 1.10; auto de constatação provisória de droga – mov. 1.11; autorização de busca domiciliar – mov. 18.1; relatório da Autoridade Policial – mov. 17.1; foto das apreensões – mov. 61.2; e vídeo da residência – mov. 61.3).” O inquérito policial foi instaurado mediante a lavratura de auto de prisão em flagrante pela Autoridade Policial, em 03/12/24 (mov. 1.1). A prisão em flagrante foi homologada e, na mesma oportunidade, convertida em preventiva (mov. 32.1). Foi oferecida a denúncia (mov. 63.1). O acusado foi devidamente notificado (mov. 91.2) e apresentou resposta à acusação através de defensor constituído (mov. 98.1). A denúncia foi recebida em 17/02/25 (mov. 110.1). Durante a instrução processual, foram ouvidas três testemunhas comuns às partes e, ao final, o réu interrogado (mov. 204.2 a 204.5). Em alegações finais apresentadas por memoriais (mov. 223.1), o ilustre membro do parquet, entendendo comprovadas a materialidadePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal e autoria do delito, requereu a condenação do acusado, pela prática do delito descrito no artigo 33, caput, da Lei 11343/06. Ao final, teceu considerações acerca da dosimetria da pena. A douta defesa, por sua vez, em suas alegações finais apresentadas no mov. 238.1, sustenta, em síntese, que a prova produzida nos autos é ilícita, razão pela qual requer sua desconsideração. Argumenta que não havia fundada suspeita para a abordagem inicial do veículo, ressaltando que a fuga do acusado não configura, por si só, tal fundamento. Critica ainda o ingresso dos policiais no imóvel do bairro Tatuquara, afirmando que não houve consentimento válido do morador, nem mandado judicial, o que tornaria ilícita a prova decorrente dessa diligência, à luz do art. 5º, XI e LVI, da Constituição Federal, do art. 157, §1º, do CPP, e dos Temas 280, 1208 e 1238 do STF. Aduz, ainda, que a denúncia contém excesso acusatório ao imputar dois delitos de tráfico de drogas com base em um único contexto fático, em que a conduta do réu teria se limitado a transportar e manter substâncias entorpecentes em depósito, sem qualquer evidência concreta de que ele possuía vínculo com o imóvel onde se deu a segunda apreensão. Sustenta que a prova testemunhal policial carece de credibilidade autônoma e que a versão do réu — de que seria usuário ocasional e alvo de coação policial — é plausível e encontra respaldo na ausência de elementos objetivos que o vinculem ao local. No mérito, requer a absolvição do acusado com base na ausência de justa causa, na negativa de autoria quanto ao primeiro fato (transporte), e na inexistência de vínculo com o imóvel do segundo fato (depósito), tudo com fundamento no art. 386, incisos IV, V e VII, do CPP. Subsidiariamente, postula o reconhecimento de crime único (crime multinuclear) e, na eventualidade de condenação, pleiteia a desconsideração de circunstâncias judiciais desfavoráveis na primeira fase da dosimetria, o afastamento da valoração negativa da natureza e quantidade de drogas, a fixação de regime inicial mais brando, aplicação de pena de multa proporcional à condição financeira do réu e o direito de apelar em liberdade, com fundamento no art. 283 do CPP e nas ADPFs 53, 54 e 54 do STF. Por fim,PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal requereu a restituição dos bens apreendidos, por entender demonstrada a origem lícita e a propriedade destes. É, em síntese, o relatório. 2. Fundamentação: 2.1. Preliminarmente: 2.1.1. Da ausência de nulidade na abordagem policial seguida de busca veicular: Em sede preliminar, a defesa alegou que a abordagem policial seguida de busca veicular foi ilegal, por entender que não houve comprovação de fundada suspeita, razão pela qual as provas obtidas a partir da ilegalidade devem ser consideradas nulas, assim como aquelas que delas derivaram. Contudo, entendo que não há razão para acolher a presente pretensão. Explico: Nos termos do artigo 5º, caput, da Constituição Federal, a segurança é um direito fundamental. “Jos é Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira lecionam que o direito à segurança “significa essencialmente garantia do exercício seguro e tranquilo dos direitos, liberto de ameaças ou agressões”. Prosseguem os autores distinguindo as duas dimensões que o direito à segurança comporta: “(a) dimensão negativa, estritamente associada ao direito à liberdade, traduzindo-se num direito subjectivo à segurança (direito de defesa perante agressões dos poderes públicos); (b) dimensão positiva, traduzindo-se num direito positivo àPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal proteção através dos poderes públicos contra as agressões ou ameaças de outrem (segurança da pessoa, do domicílio, dos bens).” 1 É justamente nesta dimensão positiva do direito à segurança que se fala em segurança pública, que é disciplinada no título V, capítulo III, da Constituição Federal: “a segurança pública, nos moldes do Texto Constitucional, pode ser preventiva (ou ostensiva) – de natureza administrativa – ou repressiva – de natureza judiciária.” 2 O caso em tela, que versa sobre a atividade desenvolvida por policiais militares em sede de policiamento ostensivo (patrulhamento e buscas pessoal e veicular), está inserido, portanto, na esfera da atividade administrativa, não se confundindo com a eventual atividade de polícia judiciária de buscar provas relativas a um crime já ocorrido. Cumpre mencionar que o exercício da atividade de polícia ostensiva é atribuição constitucional da Polícia Militar, nos termos do artigo 144, §5º, da Constituição Federal. Em determinadas situações, pode ser tênue a diferenciação entre a atividade de polícia administrativa realizada pela Polícia Militar e a atividade de polícia judiciária: “ A diferença não é, no entanto, absoluta, pois a polícia administrativa tanto pode agir preventivamente (como, por exemplo, proibindo o porte de arma ou a direção de veículos automotores), como pode agir repressivamente (a exemplo do que ocorre quando apreende a arma usada indevidamente ou a licença do motorista infrator). No entanto, pode-se dizer que, nas duas hipóteses, ela está tentando impedir que o 1 AGRA, Walber de M.; BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge. Comentários à Constituição Federal de 1988. Grupo GEN, 2009. p. 1723. 2 Ibidem., p. 1724.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal comportamento individual cause prejuízos maiores à coletividade; nesse sentido, é certo dizer que a polícia administrativa é preventiva.” 3 De toda forma, é possível concluir que o patrulhamento policial e a realização de abordagens a transeuntes ainda se inserem no contexto do policiamento ostensivo, que visa à preservação da ordem pública e se enquadram como atividades de polícia administrativa. A eventual descoberta de ilícito penal desencadeia a incidência de garantias penais, mas tal fato é posterior ao momento no qual a decisão pela abordagem policial é tomada. Assim, a conclusão preliminar – a partir da qual os argumentos desenvolver-se-ão – é de que a abordagem realizada pela Polícia Militar em sede de patrulhamento ostensivo tem natureza de ato administrativo, inserido no âmbito do exercício do poder de polícia administrativo, compreendido como “a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.” 4 Com relação ao exercício do poder de polícia administrativa, a doutrina aponta “como atributos do poder de polícia a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade” 5 . Neste ponto, valiosas são as noções sobre discricionariedade de Miguel Sánchez Morón: “ [...] a discricionariedade administrativa tem sua função e justificação própria no Estado de direito, posto que diz respeito aos elementos de oportunidade e às valorações técnicas que compõem uma grande parte da atuação da Administração e que não são redutíveis a um processo lógico de interpretação 3 PIETRO, Maria Sylvia Zanella D. Direito Administrativo. Grupo GEN, 2022. p. 165. 4 Ibidem., p. 165. 5 Ibidem., p. 167.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal e aplicação das normas jurídicas.” 67 Diante de tal característica, cumpre analisar em que medida cabe ao Poder Judiciário rever ou reformar atos administrativos, os quais seguem a lógica da conveniência e oportunidade. É certo que a liberdade na realização de tais atos não é ilimitada e é imperativo o controle judicial no caso de abusos. O cuidado que deve ser tomado é para que o Judiciário não se invista nas funções próprias da Administração, imiscua-se no mérito da análise de conveniência e oportunidade e reforme ato jurídico formalmente perfeito: “[...] o controle judicial (quer dizer, jurídico) da discricionariedade administrativa tem também seus limites, pois os Juízes não podem interferir nos aspectos políticos, técnicos ou, de qualquer forma, não jurídicos da decisão sem exceder a esfera das funções que lhes são atribuídas. Daí deriva a necessária cautela e autolimitação no uso daquelas técnicas (razoabilidade, proporcionalidade, concreção de conceitos indeterminados etc.) que mais facilmente podem encobrir uma apropriação pelos órgãos judiciais do próprio âmbito do discricionário, atribuído pelas leis à Administração.” 8 9 Nesse sentido, quando se fala no controle jurisdicional da 6 No original: [...] la discrecionalidad administrativa tiene su función y su justificación en el Estado de derecho, puesto que atañe a los elementos de oportunidade y a las valoraciones técnicas que concurren en uma gran parte de las actuaciones de la Administración y que no son reductibles a un proceso lógico de interpretación y aplcación de las normas jurídicas. 7 MORÓN, Miguel Sánchez. Discrecionalidad administrativa y control judicial. Editorial Tecnos, 1995. p.p. 91-92. 8 No original: [...] el control judicial (es decir, jurídico) de la discrecionalidad administrativa tenga también sus limites, pues los jueces no pueden interferir em los aspectos políticos, técnicos o, de cualquier forma, no jurídicos de la decisión sin exceder la esfera de las funciones que tienen atribuídas. De donde deriva la necesaria cautela y autolimitación en el uso de aquellas técnicas (razonabilidad, proporcionalidade, concreción de conceptos indeterminados, etc.) que más facilmente pueden encobrir uma apropiación por los órganos judiciales del proprio ámbito de lo discrecional, atribuido por las leyes a la Administración. 9 Ibidem., p. 92.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal abordagem policial, é preciso compreender que o ato em questão possui aspectos que transcendem o direito e envolvem, por exemplo, critérios técnicos de doutrina policial, ou então critérios de política criminal que definem quais condutas devem ser alvos de policiamento ostensivo. Isso se torna evidente quando se vislumbra, por exemplo, o contexto de um bloqueio policial para revistar carros e coibir a condução de veículos por motoristas embriagados, ou quando agentes públicos abordam e revistam os frequentadores de grandes eventos, como shows ou jogos de futebol. Nos exemplos apresentados, a busca pessoal é realizada para assegurar a ordem pública, prevenindo ou impedindo o cometimento de condutas lesivas à coletividade. Não se trata de ato de polícia judiciária na busca de provas. Ainda que haja um aspecto jurídico na atuação policial, o qual é passível de controle jurisdicional, por se tratar de atividade de polícia ostensiva, há elementos sujeitos à discricionariedade do agente público, os quais não devem ser objeto de reforma em sede de controle jurisdicional. Observa-se, no direito comparado, um distinto cuidado em relação aos limites do controle judicial da discricionariedade administrativa. Contudo, diante de uma crescente tendência de ativismo judicial no exercício da jurisdição brasileira, não raramente são usurpadas as atribuições públicas específicas em nome de um exacerbado controle por parte de um Poder Judiciário hipertrofiado. Com isso, frequentemente é esperado dos magistrados – cuja formação é eminentemente jurídica – o exercício, a posteriori, dos juízos de conveniência e oportunidade próprios da atribuição do agente público com conhecimento especializado para realização do ato. Nesta mesma toada, quando se fala em fundada suspeita a justificar a realização de busca pessoal ou veicular, deve-se ter em mente que o adequado controle jurisdicional somente é feito para coibir ilegalidades, não para reformar o que o agente policial deveria ter entendido por fundada suspeita quando procedeu à abordagem.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Não se pode negar que a noção de fundada suspeita pode ser preenchida ou aferida pelo agente policial a partir de sua experiência profissional, conhecimento técnico no que se refere à atividade policial, questões de política pública para a segurança que lhe foram impostas pela Administração, informações obtidas por outros agentes públicos, dentre outros elementos. Não compete ao Judiciário determinar a posteriori o que cada uma dessas circunstâncias deveria ter representado no processo decisório do agente policial que procedeu à abordagem, sob pena de se usurpar o mérito administrativo: “ [...] exceto em erros crassos de apreciação, não seria conforme o direito substituir a opinião dos técnicos da Administração por aquela que o Juiz pode formar em um processo ouvindo a outros técnicos distintos. Do contrário, se estaria trasladando a discricionariedade técnica da Administração aos Juízes.” 1011 Cabe repisar que a abordagem policial seguida de buscas pessoal e veicular aqui analisada é ato que pretende garantir e manter a ordem pública, de sorte que somente mediante a eventual descoberta de elementos que componham a materialidade de delito é que poderá se falar em meio de obtenção de prova, mas, neste momento, o ato de natureza administrativa de proceder à abordagem policial já se exauriu. Poder-se-ia vislumbrar o exercício de controle jurisdicional sobre a atividade de polícia administrativa somente quando se percebesse 10 No original: [...] salvo crasos errores de aprecición, no sería conforme a derecho substituir la opinión de los técnicos de la Administración por la que el juez pueda formar-se en el processo oyendo a otros técnicos distintos. De lo contrario, se estaria trasladando la discrecionalidad técnica dela Administración a los jueces. 11 Ibidem., p. 128.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal manifesta ilegalidade ou desrespeito aos direitos humanos, como seria o caso de agente público que procede à busca pessoal motivado pela etnia ou orientação sexual do abordado. Tal situação não se confunde com o caso em tela, no qual houve exercício do poder de polícia administrativa para executar política pública de combate às drogas. Dentro do paradigma contemporâneo de sociedade de risco, algumas intervenções públicas e particulares na esfera de liberdade do cidadão são socialmente toleradas e permitidas, em nome da manutenção das expectativas comportamentais. Caso contrário, atividades corriqueiras, como revistas pessoais para o ingresso em casa de shows ou em eventos esportivos, submissão a detectores de metais em aeroportos e instituições bancárias, exercícios de fiscalização por parte de órgãos ambientais e órgãos de classe, monitoração do ambiente por meio de câmeras de segurança, etc., seriam todas consideradas ilegais. Mas, como tais atividades estão dentro do conceito de risco permitido, não se pode sustentar uma nulidade advinda de um ato essencialmente lícito. Assim, concluo que a abordagem policial, no âmbito do exercício do poder de polícia administrativa, é restrição legítima da intimidade do indivíduo, pois a atuação policial, com amparo na Constituição, assegurou a segurança pública, em específico à preservação da ordem pública. No caso em concreto, para além dos argumentos acima encetados, ainda é possível verificar que os agentes policiais estavam em patrulhamento quando visualizaram o veículo Ford Ka trafegando no contra fluxo e com uma película escura e, ao iluminá-lo com uma lanterna, o réu acelerou o carro de uma forma anormal e tentou se evadir da equipe, que foi atrás do mesmo e conseguiu abordá-lo. Ato contínuo, em busca veicular encontraram certa quantidade de droga, tendo o réu declarado que fazia a entrega de ilícitos e indicado um endereço no Tatuquara. No local indicado pelo réu, ainda do ladoPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal de fora da casa, visualizaram diversas caixas e verificaram que no local não havia móveis, mas apenas instrumentos para confecção e fracionamento de drogas. Rememore-se, aliás, que os agentes de segurança pública são devidamente capacitados e atuam segundo critérios técnicos e doutrinários próprios da atividade policial, o que os habilita a identificar, com acuidade, os sinais mais sutis que possam indicar a situação de flagrância de suspeitos, tal como no presente caso. Procedida à abordagem, os policiais logo realizaram as buscas pessoal e veicular, que culminou na descoberta das substâncias transportadas pelo acusado. Com isso, percebe-se que restou consubstanciada a fundada suspeita mencionada no artigo 240, § 2º, do Código de Processo Penal, que dispõe: proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior. Aliás, cumpre destacar que o delito previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 é considerado crime permanente, porquanto sua consumação se protrai no tempo, de modo que o sujeito ativo do delito pode, a qualquer momento, cessar a prática delituosa, posto que possui o pleno domínio do fato, da sua conduta e, também, do resultado. 12 É de conhecimento notório, também, que, enquanto não cessada a permanência do crime, o agente ativo encontra-se em flagrante delito, podendo ser efetivada, assim, a sua prisão em flagrante, independentemente de prévia autorização judicial, à luz do artigo 303 do Código de Processo Penal. Exatamente o que ocorreu no presente caso. 12 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Especial Criminal Comentada: volume único – 9. ed. rev. atual. e ampl. – Salvador: JusPODIVM, 2021. p. 1061.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal E quanto à dispensabilidade de mandado para a realização de buscas pessoal e veicular, prescreve o artigo 244 do Código de Processo Penal, considerando-se, na interpretação do referido dispositivo, que o veículo integra a esfera de privacidade da pessoa, sendo-lhe, portanto, uma extensão: a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. Ora, da subsunção do fato à norma, não se observou a existência de qualquer ilegalidade por parte dos policiais militares, sobretudo diante do exercício do poder de polícia administrativa. Aliás, é notório o maior zelo pela segurança pública e pela garantia à ordem pública que o Supremo Tribunal Federal destaca, quando o assunto é a abordagem policial em via pública, afastando-se, de certo modo, a rigorosidade excessiva de determinados entendimentos firmados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça dos quais a douta defesa se escora, senão vejamos: “Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AUSÊNCIA DE ARGUMENTAÇÃO APTA A MODIFICÁ-LA. BUSCA PESSOAL E VEICULAR. FUNDADA SUSPEITA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM MANDADO JUDICIAL. FUNDADAS RAZÕES. PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida. 2. De acordo com as instâncias ordinárias, os elementos apresentados, embora provenientes de denúncias anônimas, constituíram fundada suspeitaPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal (art. 240, § 2º, do CPP) para a busca pessoal e veicular, especialmente considerado a precisão e o detalhamento das informações recebidas. 3. A atuação policial não pode ser considerada aleatória ou abusiva, pois baseada não em intuição ou convicção íntima ou mesmo em “atitude suspeita” por parte do abordado, mas em diversos elementos indicadores de eventual prática delitiva. 4. A estreita via do habeas corpus não se compatibiliza com o reexame do quadro fático ensejador da busca pessoal e veicular, limitando-se a análise desta Corte à aferição da higidez lógico-formal da motivação empregada. Precedentes. 5. Ingresso em domicílio amparado em fundadas razões, decorrentes de diligências prévias. 6. Prisão preventiva justificada na garantia da ordem pública, levando-se em conta a quantidade droga, localizada em imóvel inabitado e supostamente destinado para o armazenamento de drogas, bem como a reincidência do agente. Precedente. 7. Agravo regimental desprovido.” (HC 230135 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 04-12-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 11-12-2023 PUBLIC 12-12- 2023) – grifei. “Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES PARA BUSCA PESSOAL. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. VIA INADEQUADA. PROVAS IDÔNEAS. I. CASO EM EXAME 1. Paciente condenado a 11 anos e 2 meses de reclusão, em regime fechado, pela prática dos crimes de tráfico de drogas (art. 33 da Lei 11.343/2006) e de associação para o tráfico (art. 35 da Lei 11.343/2006). II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Recurso no qual se buscaPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal declarar a nulidade da busca pessoal. Subsidiariamente, absolver o paciente da imputação do art. 35 da Lei de Drogas, “em razão da invasão dos policiais no aparelho celular”. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A justa causa, em casos de busca pessoal, não exige a certeza da ocorrência de delito, mas, sim, fundadas razões a respeito (CPP, art. 244). E, no particular, os questionamentos suscitados foram examinados e refutados pelas instâncias antecedentes com base no contexto fático em que se deu a prisão em flagrante; circunstância, portanto, insindicável nesta via estreita. Precedentes. 4. Conforme já decidiu esta CORTE, “Se um agente do Estado não puder realizar abordagem em via pública a partir de comportamentos suspeitos do alvo, tais como fuga, gesticulações e demais reações típicas, já conhecidas pela ciência aplicada à atividade policial, haverá sério comprometimento do exercício da segurança pública” (RHC 229514 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 23/10/2023). 5. A ilegalidade reconhecida na sentença condenatória, consubstanciada em atos de policias ocorridos após a prisão em flagrante do paciente, trouxe consequências jurídicas para terceiros, mas não comprometeu a validade da perícia realizada no aparelho celular do paciente. Essa perícia foi devidamente autorizada por decisão judicial, proferida no momento da homologação do flagrante, e de acordo com a legislação processual penal (CPP, art. 6º, II e III). IV. DISPOSITIVO 6. Agravo Regimental a que se nega provimento” . (HC 250072 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 24-02-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-02-2025 PUBLIC 28-02-2025) – grifei.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal “Agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus. 2. Agravante, reincidente, preso com drogas, arma e balança. 3. A Constituição que assegura o direito à intimidade, à ampla defesa, ao contraditório e à inviolabilidade do domicílio é a mesma que determina punição a criminosos e o dever do Estado de zelar pela segurança pública. O policiamento preventivo e ostensivo, próprio das Polícias Militares, a fim de salvaguardar a segurança pública, é dever constitucional. 4. Fugir ao avistar viatura, pulando muros, gesticular como quem segura algo na cintura e reagir de modo próprio e conhecido pela ciência aplicada à atividade policial, objetivamente, justifica a busca pessoal em via pública. 5. Alegação de violação a domicílio. Caso concreto. Inocorrência. 6. Agravo improvido.” (RHC 229514 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02- 10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 20-10- 2023 PUBLIC 23-10-2023) – grifei. Inclusive, do inteiro teor do citado AgR no RHC 229514, bem como do HC 250072 AgR, ambos do Supremo Tribunal Federal, vale registrar o que se extrai do pensamento do Ministro Gilmar Mendes: “[...] Se um agente do Estado não puder realizar abordagem em via pública a partir de comportamentos suspeitos do alvo, tais como fuga, gesticulações e demais reações típicas, já conhecidas pela ciência aplicada à atividade policial, haverá sério comprometimento do exercício da segurança pública. [...] Os suspeitos têm direito a um sistema penal democrático e a um processo penal justo, ao tempo em que a sociedadePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal tem direito a viver com tranquilidade nas vias públicas.” – grifei. Nessa mesma linha de pensamento, é, inclusive, possível extrair do Superior Tribunal de Justiça, mais recentemente, certa flexibilização do entendimento quanto à valoração das fundadas suspeitas aptas a permitir a realização de buscas pessoal e veicular. Vejamos: “DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA VEICULAR. FUNDADAS RAZÕES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AGRAVO IMPROVIDO. I. Caso em exame [...] 2. A defesa alega que a busca veicular e pessoal ocorreu sem justa causa, baseada apenas na presunção de ilicitude devido aos vidros escuros do veículo e a uma suposta arrancada brusca ao avistar a viatura. [...] II. Questão em discussão 4. A questão em discussão consiste em saber se a busca veicular e pessoal foi realizada com justa causa e se a prisão preventiva está devidamente fundamentada na garantia da ordem pública. III. Razões de decidir 5. A busca veicular não decorreu de impressões subjetivas infundadas, mas de circunstâncias concretas que demonstraram atitude suspeita, como arrancada brusca e tentativa de fuga. [...] 7. Agravo improvido. Tese de julgamento: "1. A busca veicular e pessoal é válida quando baseada em circunstâncias concretas que indicam atitude suspeita. [...]“ (AgRg no HC n. 986.953/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/4/2025, DJEN de 14/4/2025.) – grifei. “PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. GUARDA MUNICIPAL.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal ATUAÇÃO. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 3. Nesse contexto, a atuação não se mostrou ilegal no caso concreto, porquanto o "local era conhecido como de traficância e a atitude suspeita do réu, ficando nervoso ao avistar a viatura e escondendo algo na cintura, motivaram os guardas a procederem a abordagem, na qual foram encontrados com o réu as drogas". 4. Agravo regimental desprovido”. - (AgRg no REsp n. 2.108.571/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 8/11/2024) – grifei. Desta feita, conclui-se que a abordagem e posteriores buscas pessoal e veicular realizadas pelos policiais e atacadas pela defesa não demandam ordem judicial, pois feitas diante da ocorrência de uma das hipóteses de flagrância prevista no artigo 302 do Código de Processo Penal, além de que os agentes agiram amparados pelos artigos 240, §2º, e 244, ambos do Código de Processo Penal. Não há que se falar, igualmente, em provas derivadas da ilícita – teoria dos frutos da árvore envenenada –, eis que a tese de nulidade foi devidamente afastada, passando ao largo de uma anulação do processo ou de qualquer prova carreada nos autos. Assim, estando os policiais militares amparados pelos artigos 302, inciso I, 303, 240, §2º, e 244, todos do Código de Processo Penal, rejeito a tese defensiva aventada. 2.1.2. Da ausência de nulidade na busca domiciliar realizada:PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Ainda em sede preliminar, a defesa pleiteou a nulidade do ingresso realizado pelos policiais militares, sob o argumento de que não houve autorização válida para tanto, na residência no bairro Tatuquara, onde foram encontradas as drogas. Pugnou, por conseguinte, pela exclusão das provas obtidas no local, com base no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal e na jurisprudência consolidada sobre a ilicitude da prova obtida por violação de domicílio. Contudo, mais uma vez sem razão. Explico: É sabido que não existem direitos fundamentais absolutos previstos na Constituição Federal, tampouco relação de hierarquia entre eles. Nesse sentido, o direito à intimidade, à privacidade e à inviolabilidade domiciliar pode e deve ser relativizado quando entra em colisão com outros direitos fundamentais. Ademais, registra-se que a Constituição Federal não outorga direitos fundamentais para que estes sejam utilizados como escudo protetor para a prática de crimes, especialmente aqueles de natureza grave, como o tráfico de drogas, que atenta contra um direito fundamental igualmente relevante, protegido e inerente a toda a coletividade: a saúde pública. Desse modo, pelo critério da ponderação, o afastamento temporário de qualquer direito, desde que realizado de forma necessária, adequada e proporcional, como no caso em tela, para o cumprimento do dever legal dos agentes estatais na realização da busca domiciliar — devidamente amparada em fundadas razões e em conformidade com a lei e a própria Constituição — não configura ilegalidade. Ao contrário, tal atuação é legítima e plenamente respaldada pela legalidade. Vejamos. Como já debatido, o delito imputado ao réu e previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 é considerado crime permanente, de modoPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal que o agente ativo se encontra em flagrante delito enquanto não cessar sua atividade, permitindo com que seja efetivada, deste modo, a sua prisão em flagrante independentemente de prévia autorização judicial, nos termos do artigo 303 do Código de Processo Penal. Ademais, a garantia à inviolabilidade domiciliar e os seus desdobramentos, como a privacidade e a intimidade, é afastada nos casos de flagrante delito, independente de prévia autorização judicial, durante o dia ou noite, conforme clara disposição do artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, merecendo ser observada, também, a disposição do inciso II, do §3º, do artigo 150 do Código Penal, in verbis: § 3° - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências (...) II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser. Contudo, tem-se que o imóvel localizado no bairro Tatuquara, indicado pelo acusado como sendo onde as substâncias entorpecentes ficavam armazenadas, não está amparado pelo principio constitucional da inviolabilidade domiciliar invocado pela defesa, justamente por não se tratar de um domicílio, mas de imóvel desabitado e que se prestava unicamente ao depósito e fracionamento de substâncias entorpecentes para distribuição. Nesse sentido, é o entendimento do STJ: “ HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA DOMICILIAR EM IMÓVEL ABANDONADO, SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONCEDIDA À RESIDÊNCIA/DOMICÍLIO QUE SOMENTE ABRANGE BENS MÓVEIS OU IMÓVEIS DESTINADOS À HABITAÇÃO, AINDA QUE DE FORMA TRANSITÓRIA, E O LOCAL DE TRABALHO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal FUNDADAS SUSPEITAS DE FLAGRANTE DE CRIME PERMANENTE. APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. PROCESSOS EM CURSO. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. PACIENTE CONDENADO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUPERIOR A 4 E NÃO EXCEDENTE A 8 ANOS. PEDIDOS DE FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL MENOS GRAVOSO E DE SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DE DIREITOS PREJUDICADOS. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. (...) 2 . O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito ( RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010). Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. Precedentes desta Corte. 3 . A Corte Suprema assentou, também, que "o conceito de 'casa', para o fim da proteção jurídico-constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo ( HC 82.788/RJ, Rel. Min . CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 12/04/2005, DJe de 02/06/2006; RE 251.445/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, decisão monocrática publicada no DJ dePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal 03/08/2000), pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, (a) qualquer compartimento habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade" ( RHC 90 .376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 03/04/2007, DJe de 18/05/2007). Conclui-se, portanto, que a proteção constitucional no tocante à casa, independentemente de seu formato e localização, de se tratar de bem móvel ou imóvel, pressupõe que o indivíduo a utilize para fins de habitação, moradia, ainda que de forma transitória, pois tutela-se o bem jurídico da intimidade da vida privada . 4. Sem desconsiderar a proteção constitucional de que goza a propriedade privada, ainda que desabitada, não se verifica nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, em imóvel abandonado que não revela sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou eventual, cuja porta estava aberta, se a aparente ausência de residentes no local se alia à fundada suspeita de que tal imóvel é utilizado para a prática de crime permanente (armazenamento de drogas), o que afastaria a proteção constitucional concedida à residência/domicílio. Precedente: HC 588.445/SC, Rel . Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe 31/08/2020. Situação em que, após denúncia anônima de que na rua em que se situa o imóvel estava sendo praticado o comércio ilegal de drogas por indivíduos armados, a autoridade policial se dirigiu ao local não logrando encontrar indivíduos praticando o delito e, dando continuidade à investigação, obteve informação de que a casaPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal em questão, cuja porta e janela estavam abertas, estaria abandonada. Suspeitando da possibilidade de que a casa fosse usada para armazenamento de drogas, procedeu a busca do imóvel aparentemente desabitado (não havia cama ou colchão), lá encontrando 19 pinos de cocaína, 13 pedras de crack, uma porção de maconha, um triturador de maconha, dois celulares e a carteira de trabalho do paciente. Quando deixavam o local, se depararam com o paciente que afirmou ter passado a residir no imóvel abandonado por não ter condições financeiras de pagar aluguel e ter esquecido a casa aberta . (...).” (STJ - HC: 647969 MG 2021/0057015-4, Relator.: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/06/2021, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/06/2021) - grifei. “ PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NULIDADE. BUSCA DOMICILIAR. INOCORRÊNCIA. IMÓVEL DESABITADO. DESCARACTERIZAÇÃO COMO DOMICÍLIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (RE n. 603 .616, Rel. Ministro GILMAR MENDES, julgado em 5/11/2015). 2. As instâncias ordinárias, soberanas na apreciação da prova, compreenderam que se tratava de imóvel desabitado, não servindo de moradia ou de estabelecimento comercial, mas apenas de depósitoPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal de drogas e armas, de modo que não pode ser invocada, nesse contexto, a inviolabilidade de domicílio, tampouco quaisquer de suas prerrogativas . 3. Agravo regimental desprovido.” (STJ - AgRg no HC: 860489 SE 2023/0368812-1, Relator.: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 27/11/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/12/2023) – grifei. Nesse viés, destaco que após o réu ter indicado o endereço onde os ilícitos que entregava ficavam armazenados, é que os milicianos se dirigiram ao local, onde se depararam com o portão destrancado e, pela janela da casa, conseguiram visualizar caixas de papelão contendo tabletes — que aparentavam a forma de acondicionamento de drogas — bem como não havia qualquer indicativo de habitação na casa, conforme se verifica do vídeo de mov. 61.3. Ao mais, consigne-se que a imagem utilizada pela defesa, do imóvel em questão, foi capturada pelo google em março de 2020 13 , havendo grande possibilidade que a mesma não faça jus à forma como o imóvel se encontrava, quando dos fatos. Assim, da subsunção do fato à norma, não visualizo qualquer ilegalidade na diligência, porquanto não há que se falar em violação de domicílio, se o imóvel não se enquadra nesta categoria. Por fim, quanto ao ingresso no domicílio do acusado, verifica- se que o mesmo autorizou a equipe a adentrar no local, conforme se depreende 13 https://www.google.com.br/maps/@-25.5744646,- 49.3335671,3a,87y,174.84h,84.21t/data=!3m7!1e1!3m5!1sAIxPjwCMvT_ewH2gultS_g!2e0!6sht tps:%2F%2Fstreetviewpixels- pa.googleapis.com%2Fv1%2Fthumbnail%3Fcb_client%3Dmaps_sv.tactile%26w%3D900%26h %3D600%26pitch%3D5.793357620608077%26panoid%3DAIxPjwCMvT_ewH2gultS_g%26yaw %3D174.8440175549485!7i16384!8i8192?hl=pt- BR&entry=ttu&g_ep=EgoyMDI1MDcwNy4wIKXMDSoASAFQAw%3D%3DPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal do termo de mov. 18.1. E mesmo que não o tivesse autorizado, na residência não foram localizados ilícitos e sequer o acusado foi denunciado por qualquer crime praticado naquele local, de modo que eventual nulidade relativa ao termo de consentimento ou efetivo ingresso dos milicianos no local, não traz qualquer prejuízo ao acusado. Sob este prisma, incumbe ressaltar que a alegação de nulidade exige efetiva demonstração do prejuízo sofrido pela defesa ou pela acusação, uma vez que no processo penal vigora o princípio pas de nullité sans grief, previsto no artigo 563 do Código de Processo Penal, o que não foi alcançado pela defesa. 2.1.3 Do pleito de nulidade da prisão em flagrante sob o argumento de ausência de menção ao direito ao silêncio: Requereu a defesa, ainda, a nulidade da prisão em flagrante em razão da ausência à menção ao direito ao silêncio pelos policiais militares, citando os artigos 186, 289-A, §4º, do Código de Processo Penal, artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, bem como o artigo 8, item 02, alínea “g”, do Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Sem razão, novamente. Dos dispositivos mencionados pela defesa, extrai-se: Artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal: ”o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado” .PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Artigo 186 do Código de Processo Penal: “Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.” Art. 289-A do Código de Processo Penal: “O juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade. [...] § 4 o O preso será informado de seus direitos, nos termos do inciso LXIII do art. 5 o da Constituição Federal e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, será comunicado à Defensoria Pública.” Artigo 8, item 02, alínea “g”, do Convenção Americana Sobre Direitos Humanos: “2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...] g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e”. No caso dos autos, a Autoridade Policial advertiu o acusado acerca do direito de permanecer em silêncio no momento de seu interrogatório inquisitorial, conforme se verifica no vídeo constante de mov. 1.8.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal E apenas como critério argumentativo, o direito ao silêncio foi também devidamente respeitado durante o interrogatório judicial do acusado (mov. 204.2). Sobre o tema, cumpre ressaltar que, diante de autoridade (seja judicial ou policial), o réu tem o direito de não se autoincriminar ou, simplesmente, de se calar. Todavia, referida garantia aplica-se à situação de interrogatório formal, não incidindo, portanto, na hipótese narrada pela defesa, em que os policiais militares apenas buscavam esclarecer os fatos relacionados à apreensão de drogas em poder do acusado durante o desenvolvimento da abordagem. Vale dizer, as declarações prestadas voluntariamente pelo acusado aos policiais militares durante a abordagem são informações informais. Não há, no ordenamento jurídico processual penal brasileiro, previsão de instituto equivalente ao denominado “Aviso de Miranda” (“Miranda Rights”, em inglês), adotado no sistema jurídico dos Estados Unidos. Destarte, colaciono ementas recentes acerca do tema trabalhado pelos tribunais superiores: “DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. INGRESSO EM DOMICÍLIO. CONFISSÃO INFORMAL. ORDEM DENEGADA. I. Caso em exame 1. Habeas corpus impetrado em favor de paciente condenado por receptação, questionando a legalidade do ingresso policial em domicílio e a validade de confissão informal sem "aviso de Miranda". [...] III. Razões de decidir 5. A jurisprudência do STJ entende que a entrada em domicílio sem mandado é lícita quando há fundadas razões de flagrante delito, o que foi constatado. 6. A ausência de "aviso de Miranda" não gera nulidade, pois a legislação processual penal nãoPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal exige tal advertência no momento da abordagem, mas apenas nos interrogatórios formalizados. 7. Não se vislumbra flagrante ilegalidade que justifique a concessão da ordem, uma vez que as ações policiais foram respaldadas por fundadas razões e autorização do proprietário do imóvel para o ingresso domiciliar. IV. Dispositivo e tese 8. Ordem denegada. Tese de julgamento: "1. A entrada em domicílio sem mandado judicial é lícita quando há fundadas razões de flagrante delito. 2. A ausência de 'aviso de Miranda' não gera nulidade em abordagens policiais, sendo exigida apenas em interrogatórios formalizados". [...]” (HC n. 839.065/GO, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 9/4/2025, DJEN de 15/4/2025.) – grifei. “AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO. PLEITO DE ILEGALIDADE DA CONFISSÃO INFORMAL DO CORRÉU. DESCABIMENTO. ABSOLVIÇÃO POR FRAGILIDADE PROBATÓRIA. CONDENAÇÃO FIRMADA EM PROVAS ROBUSTAS DA AUTORIA. DECISÃO MANTIDA. [...] 2. A alegação de nulidade da confissão informal do corréu já foi devidamente analisada e afastada na decisão combatida, a qual concluiu que, diante das razões lançadas no acórdão atacado, inexiste ilegalidade na confissão. Primeiro porque a confissão informal feita durante a abordagem policial não necessita do "Aviso de Miranda", sendo que eventual irregularidade não compromete a condenação, conforme precedentes desta Corte de Justiça (HC n. 867.782/GO, Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, DJe 19/11/2024). Somado a isso, inexistiu prejuízo no caso, já que, em Delegacia, após regularmente advertido, o corréu novamentePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal confessou o delito (fl. 968). [...] 5. Agravo regimental improvido.” (AgRg no HC n. 972.941/MG, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 19/3/2025, DJEN de 27/3/2025.) – grifei. “Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO: INOCORRÊNCIA. CONSENTIMENTO DO MORADOR. FLAGRANTE DELITO. FUNDADAS RAZÕES PARA INGRESSO DOS POLICIAIS. DIREITO AO SILÊNCIO. ABORDAGEM POLICIAL. CONFISSÃO INFORMAL. DIREITO A NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO E PRINCÍPIO SEGUNDO O QUAL NINGUÉM É OBRIGADO A PRODUZIR PROVA CONTRA SI PRÓPRIO: NÃO FERIMENTO, NA ESPÉCIE. 1. Não há que se falar em ilegalidade no ingresso dos policiais no domicílio, uma vez que assentadas pelas instâncias antecedentes fundadas razões e o consentimento para a entrada. [...] 2. O crime de tráfico de drogas, na modalidade ter em depósito, possui natureza permanente, prolongando- se no tempo o estado flagrancial. [...] 4. A não autoincriminação é um direito fundamental de quem é investigado ou processado criminalmente. Tem por propósito a salvaguarda do indivíduo perante os equipamentos estatais de persecução penal, evitando-se excessos e resguardando-o da prática de violências de natureza física ou moral, especialmente nos casos cuja finalidade é obrigar o cidadão a contribuir com a investigação. 5. Uma coisa é o alerta a pessoa presa acerca do direito de permanecer em silêncio; outra situação, de todo diversa, ocorre quando há abordagem de pessoa suspeita e, ato contínuo, de imediato, o abordado confessa a prática de crime. 6. Na espécie, ausência de ferimento ao direitoPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal a não autoincriminação e ao princípio segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio. 7. Agravo regimental ao qual se dá provimento, para denegar a ordem, restabelecendo, como consequência, o acórdão condenatório.” (HC 243290 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: ANDRÉ MENDONÇA, Segunda Turma, julgado em 09-12-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 11-03-2025 PUBLIC 12-03-2025) – grifei. Portanto, diante de todo o exposto, não vislumbro qualquer causa de nulidade a ser declarada nos autos. 2.2. Do mérito: Ao acusado foi imputada a prática do crime descrito no artigo 33, caput, da Lei 11343/06, por duas vezes. A materialidade do crime de tráfico de drogas se encontra consubstanciada pelo através do auto de prisão em flagrante (mov. 1.1 e demais), boletim de ocorrência (mov. 1.2), auto de exibição e apreensão (mov. 1.10), auto de constatação provisória de droga (mov. 1.11), gravações da ocorrência (mov. 61.3), fotografia da apreensão (mov. 61.2) e, nos autos de ação penal, pelo laudo toxicológico definitivo (mov. 118.1), assim como pelas provas orais colhidas em juízo. A autoria, do mesmo modo, é inconteste, consoante se extrai dos elementos informativos presentes na fase indiciária, bem como das provas coletadas na fase processual. Senão, vejamos: O policial militar João Paulo Stanislawski, ouvido em juízo, declarou que a equipe estava realizando patrulhamento de rotina e, por ocorrer durante o período noturno, utilizam a lanterna para iluminar dentro dos veículosPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal que passam pela viatura. Detalhou que, ao visualizar o veículo do acusado vindo no contrafluxo e iluminá-lo, perceberam que o réu acelerou o carro de uma forma anormal, na tentativa de se evadir da equipe. Relatou que realizaram uma manobra e conseguiram alcançar o automóvel, realizando a abordagem na sequência. Adicionou que não localizaram ilícitos em posse do acusado, mas apreenderam uma quantia de entorpecentes dentro do veículo e pinos vazios. Informou que questionaram o réu e ele admitiu que estava fazendo a entrega da droga e dos materiais e repassou um segundo local no Tatuquara. Explicou que ele relatou a existência de mais entorpecentes nessa residência e, no local, constataram se tratar de uma taverna e não uma casa habitável, bem como foi possível visualizar vários entorpecentes já do lado de fora, antes de adentrarem. Esclareceu que nenhum dos quartos possuía móveis, eis que um estava com os entorpecentes, outro com embalagens de droga e outro com uma bancada para fracionamento dos ilícitos, com facas e demais instrumentos para o corte. Afirmou que o local era um depósito de drogas e funcionava para a preparação dos entorpecentes. Declarou que a apreensão dos ilícitos se deu por acaso, tendo em vista que não havia informações prévias em desfavor do acusado. Indagado pela defesa, negou recordar o horário da abordagem inicial, mas informou que já estava de noite. Disse que não se recorda de mais detalhes, como se havia muitos carros na rua em que visualizaram o veículo do réu. Confirmou que a ocorrência se deu provavelmente entre o horário especificado no boletim. Adicionou que utilizaram somente uma viatura no dia do fato, na qual estavam em quatro policiais. Negou saber sobre o motivo pelo qual o horário de chegada da viatura diverge da hora final do fato no boletim de ocorrência. Disse acreditar que às 03h30min terminaram de digitar o boletim. Relatou que abordaram o veículo do réu e foram diretamente à taverna, esclarecendo que trafegaram do CIC até o Tatuquara. Ao visualizar o mov. 201.4, afirmou que o veículo Ford Ka era o conduzido pelo acusado e que a viatura era a utilizada para a equipe. Falou que não arrombaram nenhuma porta durante a diligência e explicou que passaram na residência do acusado no final da ocorrência. Ao visualizar o mov. 98.1, negou recordar se a residência da foto é onde foram localizadas as drogas. Detalhou que o portão da casa estava fechado, mas apenasPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal encostado, negando relembrar se era do mesmo estilo da fotografia na petição. Confirmou que conseguiram visualizar os entorpecentes da janela, detalhando que entraram no local em vários policiais. Explicou que viram as caixas de papelão pelo quintal da residência. Afirmou que o acusado repassou esse endereço, mas não assumiu a propriedade dos entorpecentes apreendidos. Negou lembrar qual a versão apresentada por ele acerca da casa. Informou que a luz da lanterna utilizada pela equipe era normal. Detalhou que o acusado aumentou a velocidade do veículo quando direcionaram a lanterna e, por ter quase dez anos de experiência, sabe diferenciar uma situação em que um abordado se assusta com a luz e uma tentativa de fuga. Adicionou que a forma pela qual o acusado acelerou o carro foi o que diferenciou a atitude deste como um mero susto com a lanterna. Falou não relembrar se perderam o réu de vista, mas afirmou que realizaram a abordagem alguns metros a frente. Informou que era o terceiro homem da equipe e que o motorista era o policial Perússulo. Detalhou que o réu estava devagar na via e, após visualizar a viatura, aumentou a velocidade para tentar passar rapidamente pela equipe. Adicionou que ele virou uma rua à direita e logo conseguiram abordá-lo. Disse acreditar que o acusado encostou o veículo assim que acionaram os sinais sonoros e luminosos, mas imagina que se não tivessem feito o retorno de forma rápida ele fugiria da equipe. Explicou que localizaram as drogas quando realizaram a busca veicular, mas não foi o responsável pela revista, pois fazia a segurança da ocorrência. Informou que apreenderam cocaína e crack dentro do veículo, assim como deram “voz” de prisão ao acusado naquele momento. Contou que ficou distante do réu, mas acredita que os policiais tenham avisado sobre o direito ao silêncio. Negou relembrar se a chave da casa estava no carro ou com o acusado. Esclareceu que visualizaram as drogas pela janela por ser o protocolo “ganhá-la” para verificar se é segura a entrada na residência. Adicionou que a porta da casa estava destrancada e que não foi preciso arrombá-la. Ao visualizar o mov. 18.1, afirmou que outro policial colheu a assinatura do réu e que somente chamam testemunhas para assinar quando alguém acompanha a diligência, o que não ocorreu no dia do fato, devido ao horário. Disse acreditar que o termo de autorização é referente à residência do acusado. Esclareceu que o local em quePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal apreenderam as drogas se tratava de uma taverna e, por isso, não precisariam de autorização domiciliar. Ao visualizar o mov. 61.2, afirmou que as drogas estavam na taverna. Falou acreditar que a fotografia apresentada na petição pode ser antiga, uma vez que não se recorda da árvore em frente a casa e acredita que o imóvel era branco. Explicou que o réu colaborou com a equipe, não sendo necessário o uso de algemas. Informou que Jonas era o comandante, João Victor o motorista e Darlon o quarto homem. Declarou que começam o patrulhamento por volta das 15h00min de dia de semana e às 19h00min em finais de semana, o qual dura de oito a dez horas. Afirmou que realizaram outras abordagens no dia do fato, mas acredita que somente à do réu resultou na prisão em flagrante. Negou lembrar se realizaram a abordagem em outro veículo por estar com película escura, porém informou que é comum visualizar se o indivíduo apresenta uma atitude suspeita. Falou que não sabe quem foi o policial que tomou a decisão de realizar a abordagem. Confirmou que os quatro agentes saíram para abordar o veículo do acusado, detalhando que pediram para ele descer e verificaram se havia outra pessoa dentro do carro, ocasião em que normalmente o quatro homem realiza a busca. Falou que não viu a apreensão das drogas. Afirmou que participou da entrevista feita com o réu, mas negou que ele o tenha informado sobre a residência ou saber para qual policial ele relatou o fato. Explicou que não o conduziram para a delegacia diretamente devido a informação repassada acerca da existência de drogas em outro local, a qual decidiram verificar a procedência. Relatou que entrou na residência e tomou a frente da equipe, por possuir o armamento mais pesado. Informou que era possível ver a bancada que aparece na filmagem da janela da casa. Esclareceu que o fato de o réu ter conhecimento acerca da residência demonstra que pode ser o responsável pelas drogas. Negou relembrar se fizeram uma gravação audiovisual no momento do preenchimento do termo de autorização, mas não é um procedimento usual da equipe. Falou que não possuem câmeras corporais. Confirmou que havia casas próximas da residência, mas nenhum vizinho saiu na via pública para observar o fato. Adicionou que nenhum vizinho saiu quando estavam na casa do acusado. Disse acreditar que a viatura possuía rastreador, mas não sabe como funciona o sistema de GPS.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal O policial militar João Victor de Araújo Perússulo, ouvido em juízo, relatou que a equipe estava em patrulhamento na região do CIC quando visualizaram o veículo Ford Ka trafegando no contrafluxo. Informou que o carro estava com uma película escura e utilizaram uma lanterna para tentar ver a parte interna, ocasião em que o acusado se abaixou, na tentativa de esconder seu rosto. Detalhou que fizeram uma manobra para realizar a abordagem e, até lograrem direcionar para o veículo do réu, perceberam que ele empreendeu fuga, ao se distanciar consideravelmente da equipe, aproximadamente uma quadra e meia. Informou que conseguiram alcançar o veículo e procederam busca pessoal no acusado, na qual não encontraram ilícitos, bem como busca veicular, onde apreenderam no banco traseiro uma quantidade de drogas fracionada e alguns pinos vazios destinados ao acondicionamento de cocaína. Esclareceu que cada policial tem uma função e que a busca veicular é realizada pelo quarto homem, sendo que não sabe se as apreensões eram perceptíveis do lado de fora do veículo. Declarou que o réu confirmou que fazia a entrega dos ilícitos e que os materiais vazios seriam encaminhados para um endereço no Tatuquara. Adicionou que a entrevista foi feita pelo comandante da viatura e que o acusado repassou a segunda localidade para receber algum benefício da equipe. Relatou que, no segundo local, não havia cadeados ou trancas no portão, bem como era uma residência que não possuía cortinas e era possível visualizar o interior desta, sendo que quando adentraram na área externa avistaram várias caixas dentro da casa e, após efetivamente entrarem no local, constataram que não havia móveis, apenas geladeira, fogão, uma mesa de centro e um sofá com tabletes de droga. Informou que na mesa havia vários instrumentos para a confecção e fracionamento dos ilícitos, dentre eles liquidificador, balanças de precisão e facas, o que demonstrou que a casa era utilizada apenas para laboratório e armazenamento de entorpecentes. Declarou que apreenderam dentro do imóvel tabletes de maconha, cocaína e grande quantidade de crack, sendo que tudo estava dividido em peças e embalagens menores para comercialização. Indagado pela defesa, confirmou que estava com a lanterna e a apontou para o veículo, esclarecendo que era o motorista da viatura. Informou que a abordagem foiPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal motivada pelo veículo insufilmado e pelo fato de o acusado esconder seu rosto quando tentaram iluminá-lo, aliado ainda à fuga empreendida, na qual ele acelerou o automóvel e se distanciou da viatura de forma significativa. Adicionou que fizeram o retorno logo na sequência, a partir do momento em que o réu passou pela equipe. Negou recordar o horário da ocorrência, mas acredita ser começo da noite, eis que já estava escuro. Afirmou que seguiram o protocolo de abordagem e acionaram os sinais luminosos e sonoros. Disse acreditar que a viatura possui GPS, mas negou que estavam com câmeras corporais. Relatou que o acusado dirigiu por alguns metros e acessou uma rua à esquerda da via, de menor circulação, sendo que realizou uma progressão após perceber os sinais da viatura acionado. Falou acreditar que o automóvel do réu era alugado ou de um terceiro. Declarou que realizaram a abordagem na via secundária, que havia circulação de pessoas e carros, mas menor que a via principal em que o avistaram inicialmente. Informou que o policial Darlon era o quarto homem e quem realizou a abordagem veicular. Explicou que fizeram busca veicular por terem pouca visualização dentro do carro, bem como os demais motivos já mencionados. Afirmou que deram “voz” de prisão ao acusado e informaram sobre seu direito de permanecer em silêncio logo após a busca. Disse que não ofereceram vantagem para o réu em troca de drogas ou dinheiro, mas não sabe se ele chegou a oferecer algo para o comandante Jonas. Negou recordar separaram em outro lugar antes de seguirem para a residência no Tatuquara, mas informou que era uma distância considerável entre o local da abordagem e a casa. Declarou que não encaminharam o acusado diretamente para a delegacia devido à informação repassada sobre a existência de ilícitos no segundo local. Explicou que o réu foi encaminhado para a delegacia dentro do camburão e um policial dirigiu o veículo apreendido. Ao visualizar o mov. 98.1, esclareceu que estava de noite, mas aparentemente a residência da foto é a mesma em que apreenderam as drogas, pois o portão também permitia a visualização dentro do terreno. Informou que o réu informou que levaria os pinos vazios e a droga dentro do veículo para a casa. Afirmou que uma parte dos pinos vazios apreendidos estava no carro, mas o restante estava dentro da residência. Detalhou que fizeram a contagem de um dos invólucros e calcularam os demais de forma aproximada. Esclareceu que,PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal quando adentraram na casa, visualizaram uma janela central e outra a direita, entre as quais possuía uma porta. Confirmou que nas duas janelas foi possível verificar caixas de papelão com algo dentro, pois nenhuma tinha cortina e o local estava aberto. Informou que encontram diversas situações envolvendo tavernas, sendo que já realizaram a entrada em algumas que estavam com portas trancadas e também outras que estavam abertas. Detalhou que chegaram e já visualizaram a situação informada. Explicou que algumas motocicletas e carros passaram pela região, mas não soube especificar se era uma movimentação estranha ao local. Adicionou que ninguém tentou adentrar na casa enquanto realizavam as buscas. Ao visualizar o mov. 18.1, declarou que a documentação foi preenchida pelo policial Jonas, sendo que não tem conhecimento do motivo pelo qual o endereço está omisso. Esclareceu que o réu assinou documentos no momento da primeira abordagem, porém não sabe especificar se um deles foi o termo de autorização. O informante João Victor Calizario, irmão do réu, ouvido em juízo, contou que foi quem gravou o vídeo de mov. 201.4 e que fez a filmagem no dia 03.12.2024. Explicou que estava dormindo por volta das 02h00min quando acordou com um barulho, verificando que dois policiais estavam dentro da residência e outros dois do lado de fora junto com seu irmão. Relatou que eles logo foram embora e disseram que liberariam Matheus, porém não teve mais contato com ele. Negou visualizar o momento que eles entraram na residência, mas os agentes não chegaram a arrombar a porta. Informou que reside na Rua Wenceslau Muniz, nº 516. Falou que não tem conhecimento da Rua Alagacyr Munhoz ou Ergo Armando Krueger. Confirmou que seu irmão reside consigo na casa de seus pais. Falou que não conhece um endereço na Rua Albor Pimpão. Declarou que o acusado vendia roupas e não era usuário de qualquer tipo de droga, pois ele nunca demonstrou nenhuma atitude que o fizesse suspeitar. Relatou que os policiais explicaram que estavam verificando uma situação, na qual levariam seu irmão e o liberariam depois. Negou que eles o agrediram.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal O réu Matheus Patrick Calizario, em seu interrogatório judicial, negou a prática delitiva. Disse que o fato se deu em uma segunda-feira, por volta das 21h15min. Detalhou que saiu da casa de sua mãe para comer um lanche na Fazendinha e, passando pela Rua João Bettega, virou a direita depois do mercado a 40km/h em um rua escura e visualizou a viatura cerca de vinte metros na frente. Falou que o veículo não estava com sinais sonoros e luminosos ligados e que os policiais não ligaram a lanterna em sua direção. Adicionou que encostou o veículo e os agentes realizaram a abordagem. Explicou que eles já o tinham abordado em outra situação, quando entraram na casa de sua mãe em um domingo. Informou que, no dia do fato, os agentes o reconheceram e perguntaram se havia algo errado no carro, ocasião em que relatou sobre os dois pinos de cocaína para seu consumo. Contou que eles perguntaram se iria pagar como da outra vez e respondeu que não tinha dinheiro consigo. Declarou que eles indagaram se em sua residência havia dinheiro, porém negou, e depois os agentes disseram que “se fosse do jeito deles seria pior”. Adicionou que questionaram se tinha porcelana no dente e que seria melhor se não tivesse, bem como ameaçaram sua mãe. Esclareceu que dois policiais entraram em seu veículo e outros dois ficaram na viatura consigo. Informou que eles pediam dinheiro durante todo o trajeto e decidiram ir para sua residência, mas depois modificaram o caminho e seguiram em direção ao Tatuquara. Explicou que pararam em uma rua escura e os quatro policiais voltaram para a viatura, ocasião em que continuaram a pedir dinheiro. Informou que eles saíram e foram para uma casa a cem metros de onde estacionaram seu veículo. Relatou que eles abordaram quatro indivíduos que estavam na esquina e depois pararam na frente de outra residência, na qual o deixaram dentro do camburão. Detalhou que eles saíram cerca de cinco minutos depois com várias sacolas, posteriormente voltaram para dentro da casa e, quando saíram, voltaram dois policiais para seu veículo e seguiram para sua residência, na qual entraram e revistaram seu quarto, bem como apreenderam um dinheiro proveniente de seu comércio de venda de roupas. Esclareceu que seu irmão estava presente no momento e que os agentes lhe fizeram assinar o termo de autorização, seguindo para a delegacia. Explicou que o veículo era alugado de Diego, porém não soube especificar oPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal sobrenome, informando que era um rapaz que trabalhava com aluguel de carros, com o qual acordou a locação pelo valor de R$500,00 (quinhentos reais) por semana, sendo que já estava com o bem há cerca de um mês. Adicionou que não tinha contrato, uma vez que ele era conhecido de um amigo. Confirmou que havia dois pinos de cocaína dentro do veículo, mas negou a apreensão dos invólucros vazios ou outras porções de ilícitos. Declarou que comprou os pinos de cocaína por volta das 07h00min, porém não havia consumido a droga antes da abordagem. Explicou que na primeira vez os policiais não o levaram para a delegacia, assim como estava esperando seu advogado para decidir se iria noticiar um boletim de ocorrência sobre a corrupção ativa. Afirmou que seu celular já estava quebrado antes da diligência e que utilizava outro aparelho, mas não sabe se este foi apreendido pelos policiais. Falou que a viatura estava toda apagada e somente percebeu os agentes já do seu lado proferindo “voz” de abordagem. Negou ter tentado fugir da abordagem, pois trafegava a 50km/h. Disse que não repassou o endereço da casa do Tatuquara, detalhando que, após se negar a entregar dinheiro para os agentes, eles falaram que iriam “dar uma volta” e seguiram para o segundo endereço. Contou que não sabe de quem é a residência, bem como nunca foi até o local ou chegou a comprar entorpecentes neste. Negou saber quem é o proprietário dos bens apreendidos, tendo em vista que apenas estava com dois pinos de cocaína. Falou que não estava traficando no dia do fato. Indagado pelo Ministério Público, confirmou a propriedade apenas de dois pinos da droga. Relatou que não existia a quantidade de droga apreendida dentro de seu veículo ou os invólucros vazios, sendo que foram plantados no local. Afirmou que entregou dinheiro para a mesma equipe cerca de dois meses antes da abordagem e que o fato ocorreu em sua residência, onde repassou dinheiro vivo para os agentes, pois eles pegaram as notas e colocaram dentro de seus coletes. Adicionou que havia cerca de R$8.000,00 (oito mil reais) a R$9.000,00 (nove mil reais). Declarou que seu irmão João estava presente no dia do caso em tela, mas os policiais não o deixaram sair do quarto. Indagado pela defesa, ao visualizar o mov. 18.1, confirmou que assinou o termo de autorização na casa de sua mãe. Afirmou que reside na Rua Wenceslau Muniz, informando que é próximo do local de abordagem e que apenas assinou por nãoPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal ter sido avisado sobre o direito ao silêncio. Relatou que estava sozinho no momento da abordagem. Detalhou que estava brigado com sua namorada durante a semana e usaria a droga no mesmo dia. Declarou que deu autorização para os policiais entrarem na residência da Wenceslau Muniz, pois sabia que não havia ilícitos no local. Adicionou que quando foi preso anteriormente assumiu a posse das drogas apreendidas. Informou que parou de traficar depois de sua prisão. Disse que não visualizou a apreensão dos entorpecentes na residência do Tatuquara. Explicou que seu celular quebrou quando um carro passou por cima, motivo pelo qual estava com dois aparelhos no dia. Afirmou que os agentes trouxeram várias sacolas para dentro da viatura, com as drogas apreendidas. Ao visualizar o mov. 61.2, negou reconhecer os bens apreendidos ou conhecer quem é o proprietário desses materiais. Relatou que assumiu a droga na primeira vez que foi abordado pela equipe policial. Contou que seu irmão ou mãe sabem como contatar Diego. Deste modo, encerrada a instrução processual, verifica-se que o crime de tráfico descrito na denúncia foi praticado pelo acusado. Impende salientar que os policiais militares prestaram declarações claras e harmônicas, tanto na Delegacia, quanto em Juízo, em relação à forma que se deu a abordagem e prisão em flagrante do réu. Segundo o relato dos agentes, estes estavam em patrulhamento quando visualizaram o veículo Ford Ka trafegando no contra fluxo e com uma película escura e, ao iluminá-lo com uma lanterna, o réu acelerou o carro de uma forma anormal e tentou se evadir da equipe, que foi atrás do mesmo e conseguiu abordá-lo. Ato contínuo, em busca veicular encontraram certa quantidade de droga, tendo o réu declarado que fazia a entrega de ilícitos e indicado um endereço no Tatuquara, onde os mesmos ficavam armazenados. No local indicado pelo réu, ainda do lado de fora da casa, visualizaram diversas caixas e verificaram que no local não havia móveis, mas apenas instrumentos para confecção e fracionamento de drogas.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Nesse sentido, convém destacar que as palavras dos agentes estatais se revestem de relevante valor probatório, mormente quando amparadas por outros elementos de prova. Vale registrar ainda, que os agentes estatais prestaram compromisso ao depor e, por apresentarem versões coerentes e harmônicas entre si, merecem crédito em seus depoimentos. Acerca dos depoimentos dos agentes estatais e sua eficácia probante, cumpre transcrever os seguintes julgados: “ APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO PELA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO. PALAVRAS DOS POLICIAIS REVESTIDAS DE VALOR PROBANTE. SUBSTÂNCIA APREENDIDA E CIRCUNSTÂNCIAS QUE AFASTAM A PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECIAL DO TIPO PENAL DO ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006 E EVIDENCIAM O TRÁFICO DE DROGAS. CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE NÃO É CAPAZ DE AFASTAR A PRÁTICA DELITIVA. CONSUMAÇÃO DO CRIME NA MODALIDADE DE TRANSPORTAR E TRAZER CONSIGO ENTORPECENTES. DECISÃO MANTIDA. HONORÁRIOS ADVOCATICIOS FIXADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJPR - 3ª Câmara Criminal - 0003442-63.2024.8.16.0146 - Rio Negro - Rel.: SUBSTITUTO HUMBERTO GONCALVES BRITO - J. 25.06.2025).-grifei. “ STJ: (...) PENAL. DEPOIMENTOS DE POLICIAIS E DEMAIS PROVAS PRODUZIDAS EM JUÍZO. CIRCUNSTÂNCIAS QUEPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal DENOTAM A TRAFICÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA. DOSIMETRIA DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL E APLICAÇÃO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. REITERAÇÃO DE PRÉVIO WRIT (HC N. 423.163/RJ). INADMISSIBILIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça entende que o depoimento de policiais, quando em consonância com outras provas, é idôneo para fundamentar condenação. 2. A condenação por tráfico de entorpecentes foi mantida com base em depoimentos de policiais militares, corroborados por provas materiais, como auto de prisão em flagrante e laudo de exame de droga. (...).” (HC n. 778.557/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 21/5/2025.) - grifei. Assim, tem-se que as palavras dos agentes são plenamente viáveis a embasar um decreto condenatório, havendo que se considerar a relevância dos seus testemunhos, especialmente quando prestados em Juízo, sob o crivo do contraditório, tendo em vista que o único interesse é narrar a atuação e apontar o verdadeiro autor do delito, inexistindo motivos para a incriminação de inocentes. Sob outro prisma, tem-se a versão do acusado, a qual se apresenta contrária à prova dos autos e à sua própria versão prestada em sede policial. Veja-se que em sede policial o acusado declarou que os policiais encontraram em seu veículo dois pinos de droga, ocasião em que lhes forneceu o endereço do Tatuquara. Já em sede judicial o réu apresentou outra versão dos fatos, aduzindo, em síntese, que não tinha conhecimento da residência no Tatuquara ePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal que os policiais o abordaram a cerca de dois meses antes do fato e, na ocasião, levaram uma quantia em dinheiro de sua casa e não o encaminharam para a delegacia. Alegou ainda, que no dia do fato os policiais o questionaram novamente se possuía dinheiro e, por negar, foi conduzido ao imóvel do Tatuquara, e que depois os milicianos foram para sua casa e pegaram valores em dinheiro proveniente de seu comércio de venda de roupas. Nesse viés, entendo que a versão do acusado em Juízo é fantasiosa e desprovida de qualquer respaldo probatório, tratando-se de mera tentativa de se livrar da devida responsabilização penal. Inicialmente, veja-se que a abordagem ocorreu de madrugada, sendo pouco provável que os policiais conseguissem reconhecer o acusado, que estava dentro de seu veículo, o qual contava com insulfim, de uma ocorrência realizada dois meses antes, além de tê-lo abordado apenas para conseguir dinheiro. Ainda, alegou o acusado que os policiais aleatoriamente o levaram para um local onde havia drogas, somente para imputá-lo a propriedade destas. Contudo, rememore-se que em sede policial o próprio acusado disse que indicou tal local aos policiais, não tendo estes, portanto, prévio conhecimento do imóvel do Tatuquara. Ao mais, disse o réu em Juízo, que os policiais pegaram valores em dinheiro em sua residência, os quais eram provenientes de seu comércio de venda de roupas. Disse também, que em outra ocasião, dois meses antes dos fatos, os mesmos policiais também pegaram dinheiro em sua residência. Contudo, sequer comprovou o acusado o exercício de ocupação lícita, e que, de fato, teria valores em sua residência, provenientes de tal ocupação, mesmo tal prova sendo de fácil obtenção, na medida em quePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal bastaria anexar aos autos notas fiscais das roupas que compra em atacado, ou arrolar seus clientes como testemunhas. Ainda, é de se causar estranheza o fato do acusado ter alegado que foi vítima de furto cerca de dois meses antes do fato perscrutado nesses autos, pelos mesmos policiais que realizaram sua abordagem e, no entanto, não ter tomado nenhuma providência a esse respeito. Nesse sentido, conforme preconiza o artigo 156 do CPP, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, não tendo a defesa se desincumbido de se ônus, de comprovar o que alega. Outrossim, sabe-se que nos lugares em que se armazenam, preparam e fracionam as drogas, tal como a casa localizada no Tatuquara, não se realiza o comércio destas, justamente para que sendo o usuário preso, o mesmo não saiba indicar o local onde as substâncias se encontram e inviabilizar toda a operação. Por tal razão, verifica-se que o acusado só possuía conhecimento quanto ao local das drogas, como ele próprio alegou em sede policial, pois estava envolvido ativamente na prática da traficância. Além disso, note-se que o acusado já foi condenado pela prática do mesmo delito, o que indica que o mesmo continua envolvido com o tráfico de drogas. Portanto, da análise do conjunto probatório, conclui-se que a negativa do acusado em Juízo não merece acolhida, eis que na contramão da prova produzida, razão pela qual deve ser considerada como mero ato de defesa pessoal, com intuito único de se desvencilhar de eventual reprimenda penal.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Assim, em síntese, tem-se, de um lado os depoimentos dos policiais, claros e congruentes e, de outro, as alegações do acusado, desprovidas de qualquer respaldo probatório, aliado ao fato que inexistem quaisquer indícios, que ao menos incutam dúvidas nesta Magistrada de que a palavra dos policiais não merece credibilidade. Outrossim, insta consignar que a consumação do delito de tráfico de drogas prescinde da ocorrência ou efetiva demonstração do comércio das drogas, esgotando-se o tipo subjetivo no dolo. Isso quer dizer que, como o delito é de conteúdo múltiplo, o simples fato de “transportar” ou “ter em depósito” a substância entorpecente, já é suficiente para a sua caracterização. São esses considerados crimes comuns, de perigo abstrato e presumido. Para esses delitos não se admite tentativa, uma vez que cada conduta disposta nos verbos do tipo é punida por si só, contudo, caso o agente cometa mais de uma ação com a mesma droga, responderá por um único crime, por se tratar de tipo alternativo ou de ação múltipla. Daí porque a capitulação jurídica atribuída ao acusado encontra-se equivocada, pois, por se tratar de delito do tipo misto alternativo, a prática dos fatos I e II narrados na exordial configura, na realidade, um único crime, já que se trata do mesmo contexto fático, ainda que dois verbos nucleares tenham sido preenchidos. Portanto, afasta-se o concurso material de crimes — entre os fatos I e II — pretendidos na exordial, eis que o réu, na verdade, praticou crime único. Nesse contexto, o tipo penal previsto no artigo 33, caput, da Lei 11.343/06 narra que: “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (...)” – grifei.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Ressalte-se, que houve a apreensão de certa quantia de cocaína em posse do acusado (em seu veículo), além de (a) 2,4 kg (dois quilos e quatrocentos gramas) de cocaína; (b) 67,7 kg (sessenta e sete quilos e setecentos gramas) de maconha; (c)7 kg (sete quilos) de crack; e (d) 4,6kg (quatro quilos e seiscentos gramas) de skank, bem como rolos de plástico film; 02 (duas) facas com resquícios de maconha; 15 (quinze) balanças de precisão; 02(dois) cadernos escolares com anotações do tráfico; e 1.200 (mil e duzentas) folhas-de-seda na residência por ele indicada no bairro Tatuquara, o que conduz à conclusão de que as condutas descritas no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, na modalidade “transportar” e “ter em depósito”, restaram configuradas. É o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná: “RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO ILÍCITO DE DROGA – ABSOLVIÇÃO POR NULIDADE DE PROVA. PRECLUSÃO DA MATÉRIA, POIS JÁ HAVIA ACÓRDÃO REJEITANDO A REFERIDA ALEGAÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA – DESCLASSIFICAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS – PROVAS ROBUSTAS DE QUE AS SUBSTÂNCIAS ERAM DESTINADAS À ENTREGA – ADEMAIS, CRIME MISTO ALTERNATIVO – NECESSIDADE DO PREENCHIMENTO DE APENAS UM DOS VERBOS PRESENTES NO TIPO PENAL – PRESCINDIBILIDADE DA COMPROVAÇÃO DA MERCANCIA – CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE NÃO OBSTA A PRÁTICA DO DELITO DE TRÁFICO - SENTENÇA MANTIDA – ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DATIVO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.” (TJPR - 5ª Câmara Criminal - 0003852-11.2024.8.16.0021 - Cascavel - Rel.:PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal SUBSTITUTO HUMBERTO GONCALVES BRITO - J. 30.09.2024) – grifei. Portanto, diante do panorama probatório, não restam dúvidas quanto à materialidade do delito imputado ao réu na exordial acusatória, recaindo a autoria incontestavelmente sobre ele. Ao fim, não concorre qualquer causa excludente de antijuridicidade ou que afaste a culpabilidade. Ao contrário, o conjunto probatório traz elementos que indicam potencial consciência da ilicitude e possibilidade de assumir conduta diversa, consoante ao ordenamento jurídico e imputabilidade. 3. Dispositivo: Diante do exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva contida na denúncia, a fim de alterar a imputação originária e, com fundamento no artigo 383, caput, do Código de Processo Penal, afastar o concurso material de crimes entre os fatos I e II, condenando o acusado Matheus Patrick Calizario, por infração única ao artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. 3.1. Dosimetria da pena: a) Artigo 33, caput, da Lei 11343/06: Circunstâncias Judiciais: Considerando as diretrizes estabelecidas no artigo 59 e correlatas do Código Penal, bem como o artigo 42 da Lei 11343/06, passo à individualização da pena.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Culpabilidade: o grau de reprovabilidade do agente se mostrou excessivamente elevado, e no quesito em análise deve ser considerado negativo. Isso porque, a natureza das drogas apreendidas (cocaína e crack) é de alta potencialidade lesiva, o que gera fácil dependência. Além disso, deve ser valorada negativamente a pena base em razão da elevada quantidade de droga apreendida (2,4kg da substância conhecida como cocaína, 67,7 kg da substância conhecida como maconha, 7kg da substância conhecida como crack e 4,6 kg da substância conhecida como maconha, na forma de Skank. Antecedentes: o réu não ostenta maus antecedentes. Conduta social e personalidade: não há nos autos elementos para se aquilatar esta circunstância, razão pela qual sua valoração permanece neutra. Motivos do crime: certamente se trata de avidez por lucro fácil, porém mesmo nessa situação a circunstância se mantém neutra, pois ínsita ao tipo. Circunstâncias do crime: devem ser consideradas negativas, visto que o acusado estava cumprindo pena nos autos nº 4000025- 27.2021.8.16.4321, quando da prática do delito, o que demonstra seu desrespeito com o processo de ressocialização. Nesse sentido: “ EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. PENA-BASE . CULPABILIDADE. AGENTE QUE PRATICA O CRIME DURANTE O CUMPRIMENTO DE PENA IMPOSTA EM OUTRO PROCESSO. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. BIS IN IDEM . NÃO OCORRÊNCIA. 1. Esta Corte Superior temPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal entendido que embargos declaratórios com nítidos intuitos infringentes opostos em razão de decisão monocrática devem ser recebidos como agravo regimental, em homenagem ao princípio da fungibilidade recursal. 2 . Na espécie, foram utilizados fundamentos idôneos para negativar a circunstância judicial da culpabilidade, considerando que o crime foi cometido enquanto o recorrente cumpria pena por delitos anteriores, o que justifica a elevação da pena-base, em razão da reprovabilidade da conduta e do menosprezo às decisões judiciais. Precedentes. 3. Nos termos do entendimento desta Corte "A valoração negativa da culpabilidade fundada na maior reprovabilidade do comportamento do agente em razão de o delito ter sido cometido enquanto cumpria pena pela prática de crime anterior não configura bis in idem quando reconhecida a reincidência, que se refere a acréscimo objetivo operado apenas em função da existência de condenação definitiva anterior ( AgRg no HC 639 .218/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 20/09/2021). 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental ao qual se nega provimento.” (STJ - EDcl no HC: 723071 SC 2022/0038842-5, Data de Julgamento: 10/05/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/05/2022) - grifei. Consequências: embora delitos como estes sejam considerados sempre graves, haja vista o perigo que se expõe toda a coletividade, na hipótese dos autos o resultado da ação criminosa apresentou-se comum, sem maiores implicações, notadamente em se considerando que as drogas foram apreendidas.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Do comportamento da vítima: tem sua análise prejudicada, haja vista ser o delito do tipo crime vago, eis que atinge a saúde pública. Ponderadas as circunstâncias judiciais, fixo-lhe a pena base em 3/8 (três oitavos) acima de seu mínimo legal, ou seja, em 06 (seis) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 688 (seiscentos e oitenta e oito) dias-multa. Circunstâncias agravantes e atenuantes: Na segunda fase da fixação da pena, verifica-se que o réu cometeu novo crime, depois de ter recebido condenação com trânsito em julgado pendente de cumprimento integral da pena, conforme se observa das informações constantes nos autos sem que, entre a data da extinção da pena e a prática do crime perscrutado nos autos, ultrapassasse tempo superior ao período depurador previsto no art. 64, inciso I, do Código Penal. Visualiza-se, deste modo, a condição pessoal de reincidente do réu. Outrossim, não incidem atenuantes. Desta forma, agravo a pena anteriormente dosada em 1/6 (um sexto), perfazendo-se a pena intermediária em 08 (oito) anos e 07 (sete) dias de reclusão e 803 (oitocentos e três) dias-multa. Causas de aumento e diminuição: Ao final, verifico que não incidem causas de aumento e/ou diminuição de pena, perfazendo-se assim, a pena final em 08 (oito) anos, e 07 (sete) dias de reclusão e 803 (oitocentos e três) dias-multa.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Considerando que não existem elementos para se aferir a situação econômica do réu, determino que o valor do dia-multa seja calculado à base de um trigésimo (1/30) do salário mínimo vigente à época do fato, devendo ser corrigido monetariamente, na forma da lei, desde a data da infração (artigo 43 da Lei de Drogas c/c art. 49, §§ 1º e 2º e, artigo 60, ambos do Código Penal). Determino o regime inicial fechado para o cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, § 2º e §3, do Código Penal, em razão do quantum da pena fixado, de suas circunstâncias judiciais desfavoráveis e da reincidência. Por outro lado, deixo de substituir a pena privativa de liberdade pela restritiva de direito, uma vez não preenchidos os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal. Deixo ainda, de beneficiar o réu com a suspensão condicional da pena, haja vista o não preenchimento dos requisitos previstos no artigo 77 do Código Penal. Relativamente à detração penal, entendo que se trata de matéria afeta ao Juízo da execução. Neste sentido, cumpre transcrever o seguinte julgado: “ EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DEFINIÇÃO DO REGIME PRISIONAL. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. REGIME DE CUMPRIMENTO FECHADO: ADEQUAÇÃO. ART. 387, § 2º, CPP. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL . ILEGALIDADE: AUSÊNCIA. 1. Mostra-se adequado regime inicial mais gravoso fixado em razão das especificidades do crime e da existência de circunstância judicial negativa. 2 . Compete ao Juízo da Execução Penal, nos termos doPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal art. 66, inc. III, al. c, da Lei nº 7 .210, de 1984, promover a detração na pena a ser executada, do tempo em que submetido o condenado à prisão provisória. 3 Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF - HC: 233825 SP, Relator.: Min. André Mendonça, Data de Julgamento: 22/04/2024, Segunda Turma, Data de Publicação: Processo Eletrônico DJe-s/n divulg 24-06-2024 publicação 25-06-2024) – grifei. Considerações gerais: Levando-se em conta o quantum de pena aplicado, sendo estabelecido o regime inicial fechado para cumprimento da pena, bem como persistindo os motivos ensejadores da prisão preventiva, há necessidade de manutenção da medida por seus próprios fundamentos, em especial a garantia da ordem pública, visto que o acusado, quando posto em liberdade, tornou a delinquir. Interposto recurso, expeça-se guia de execução provisória, bem como, munida das peças elencadas no artigo 106 da Lei de Execuções Penais, encaminhe-se a uma das Varas de Execuções Penais deste Foro Central. Caso ainda não esteja implantado em unidade penitenciária adequada ao regime imposto, oficie-se à Central de Vagas, a fim de que seja viabilizada a implantação do sentenciado no regime adequado. Independentemente do trânsito em julgado, encaminhem- se as drogas apreendidas para a incineração, na eventualidade de ainda existirem drogas a serem incineradas. Decreto ainda o perdimento do veículo apreendido, nos termos do disposto no artigo 63, inciso I, da Lei nº 11.343/06, eis que eraPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal utilizado para transportar drogas. Após o trânsito em julgado, remeta-se ao gestor do FUNAD a relação do bem, inclusive indicando o órgão em poder do veículo e o local em que está depositado (cf. artigo 63, § 2º, da Lei n. 11.343/2006 e artigo 959 do Código de Normas). Isto porque, restou incontroverso que o mesmo era utilizado para a prática do tráfico de entorpecentes, conforme já fundamentado nos autos. Além disso, não restou provado nos autos que o proprietário do veículo trata-se de terceiro de boa-fé, porquanto a defesa não se prestou a produzir provas nesse sentido. Pelo contrário, consta dos autos a informação de que o carro foi vendido ao acusado, que não o transferiu para o seu nome (mov. 93.1). De todo modo, esclareço que é extremamente comum, a utilização de veículos em nome de terceiros de “boa-fé”, pelos traficantes de drogas, justamente na tentativa de safarem-se do perdimento do bem. Nesse sentido: “ EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICODE DROGAS. PRETENSÃO DE PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDOQUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO DO TERCEIROINTERESSADO PARA O FIM DE REVERTER A PENA DEPERDIMENTO DE VEÍCULO EMPREGADO NA TRAFICÂNCIA.INVIABILIDADE. CAMINHÃO APREENDIDO TRANSPORTANDO 485QUILOS DE MACONHA E QUASE UM QUILO DE COCAÍNA.OBSCURIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS ENVOLVENDO AAQUISIÇÃO DO BEM. CONDIÇÃO DE TERCEIRO DE BOA-FÉ NÃO COMPROVADA. PREPONDERÂNCIA DO VOTO VENCEDOR.EMBARGOS INFRINGENTES REJEITADOS.I. O artigo 243, parágrafo único,PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal da Constituição Federal estabelece o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. II. É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no artigo 243, parágrafo único, da Constituição Federal. (...). (RE 638491, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2017,ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-186 DIVULG 22-08-2017 PUBLIC 23-08-2017)III. Na espécie, todas as circunstâncias envolvendo a aquisição do caminhão se mostram obscuras, não evidenciando a condição de terceiro de boa-fé do embargante. IV. A liberação de veículo, sobretudo em casos como odos autos, onde todo o procedimento de aquisição é controverso, daria azo à constante utilização de bens de terceiros (ou comprados em nome de terceiros) por criminosos, certos da inaplicabilidade da pena de perdimento. V. A letra da lei seria letra morta e enorme flanco abrir-se-ia a partir do momento em que a questão tivesse deslinde diverso, pois, para que traficantes se eximissem da perda de bens empregados no tráfico ilícito de drogas, bastaria que fossem comprados por intermédio de terceiras pessoas que, atuando na condição de procuradores em causa própria, poderiam, caso o bem viesse a ser perdido nos termos do artigo 243, parágrafo único, da Constituição Federal e artigo 63 da Lei n 11.343/2006, reivindicá-lo.VI. Em não comprovando o embargante ser terceiro de boa-fé, e que nada sabia sobre a conduta criminosa perpetrada pelo réu, oPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal perdimento do veículo é medida que deve ser mantida. (TJPR - 4ª C. Criminal - 0002906-58.2018.8.16.0115 - Matelândia - Rel.: Desembargador Celso Jair Mainardi - J. 06.07.2020).” Assim, considerando que o proprietário legal do carro não demonstrou interesse na sua restituição, e que restou comprovado que o acusado se utilizava do mesmo para realizar a entrega de drogas, é que se decreta o perdimento do veículo. Encaminhem-se as demais apreensões à destruição. Ante a ausência de elementos aptos a aferir a situação econômica do réu, indefiro o pedido de isenção do pagamento das custas processuais, e condeno-o ao pagamento das mesmas. Considerando a natureza do delito, não há que se falar em reparação do dano. Após o trânsito em julgado desta decisão: a) Expeça-se a guia de recolhimento definitiva, encaminhando-a à Vara de Execuções Penais competente, juntamente com o competente mandado de prisão, conforme contido no Código de Normas da CGJ, fazendo-se as comunicações necessárias (artigos 601, 602 e 613 do CN). b) comunique-se ao juízo eleitoral para os efeitos do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal; c) remetam-se os autos à Secretaria do Contador para o cálculo das custas e da pena de multa imposta, intimando-se o réu para efetuar o pagamento no prazo de 10 (dez) dias.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Cumpra-se, no que for aplicável, o contido no Código de Normas da douta Corregedoria Geral da Justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Curitiba, data de inserção da assinatura no Sistema. CRISTINE LOPES Juíza de Direito
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