Ministério Público Do Estado Do Paraná x Marcelo Da Silva Xavier
ID: 312318738
Tribunal: TJPR
Órgão: Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e Vara de Crimes Contra Crianças, Adolescentes e Idosos de Foz do Iguaçu
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 0026449-78.2023.8.16.0030
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
VITÓRIA CERVONI PEREIRA
OAB/PR XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E VARA DE CRIMES CONTRA CRIANÇAS, ADOLESCENTES E IDOSOS DE FOZ DO IGUAÇU - PROJ…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER E VARA DE CRIMES CONTRA CRIANÇAS, ADOLESCENTES E IDOSOS DE FOZ DO IGUAÇU - PROJUDI Avenida Pedro Basso, 1001 - Térreo - Alto São Francisco - Foz do Iguaçu/PR - CEP: 85.863-915 - Fone: 45 3308-8062 - Celular: (45) 3308-8062 - E-mail: fi-8vj-s@tjpr.jus.br Autos nº. 0026449-78.2023.8.16.0030 Processo: 0026449-78.2023.8.16.0030 Classe Processual: Ação Penal - Procedimento Ordinário Assunto Principal: Lesão Cometida em Razão da Condição de Mulher Data da Infração: 16/07/2023 Autor(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Vítima(s): SANDRA PEREIRA DO NASCIMENTO Réu(s): MARCELO DA SILVA XAVIER 1. Relatório O Ministério Público do Estado do Paraná ofereceu denúncia contra o acusado mencionado em epígrafe, qualificado nos autos, como incurso nas sanções previstas no art. 129, §13, do CP, no âmbito da Lei n.º 11.340/06, pelos fatos delituosos descritos na peça acusatória, nos seguintes termos: “Na data de 16 de julho de 2023, por volta das 19h45min, na residência situada na Rua Maria Fernandes Sousa, nº 407, Bairro Cidade Nova, nesta cidade e Comarca de Foz do Iguaçu/PR, o denunciado MARCELO DA SILVA XAVIER, dolosamente, com consciência e vontade de ferir, prevalecendo-se das relações íntimas de afeto existentes, por razões da condição do sexo feminino, ofendeu a integridade física da vítima SANDRA PEREIRA DO NASCIMENTO, sua convivente, ao puxar a vítima pelo rosto, desferir lhe mordidas, bem como lhe desferir socos e puxões de cabelo, causando os ferimentos descritos no Laudo de Lesões Corporais nº. 80.297/2023 (mov. 17.3): 1- Escoriação medindo 3 cm em calcanhar direito. 2- Escoriação medindo 3 cm em região bucinadora direita. 3 Equimose violácea medindo 2 cm de diâmetro em terço superior posterior do braço direito. O perito concluiu que as lesões são típicas causadas por instrumento contundente. Dessa forma, o denunciado MARCELO DA SILVA XAVIER cometeu violência doméstica e familiar contra a vítima SANDRA PEREIRA DO NASCIMENTO, em sua modalidade física, nos moldes do artigo 7º, inciso I, da Lei nº 11.340/2006”. A denúncia foi recebida em 23.08.2024 (mov. 30.1). Citado (mov. 56.1), o acusado apresentou resposta à acusação (mov. 42.1), por meio de Defensora Constituída (mov. 58.2). Não sendo hipótese de absolvição sumária, designou-se audiência de instrução e julgamento (mov. 65.1), na qual (mov. 95) foi ouvida a vítima e efetuado o interrogatório do denunciado. O Ministério Público, em alegações finais escritas, pugnou pela procedência da pretensão punitiva, com a condenação do réu pela prática do delito previsto no art. 129, §13, do CP, sob a égide da Lei Maria da Penha, tendo ainda tecido considerações acerca da dosimetria da pena (mov. 98.1). A Defesa, por seu turno, nas derradeiras alegações, aduziu que (a) foi o acusado que sofreu agressões físicas, limitando-se a conter a ofendida; (b) o laudo pericial corrobora a versão apresentada pelo acusado, demonstrando a ausência de elementos materiais que confirmem a acusação nos moldes em que foi narrada pela suposta vítima; (c) os próprios elementos colhidos nos autos indicam a possibilidade de legítima defesa; (d) a vítima apresentou versões contraditórias ao longo do processo, o que compromete a credibilidade de suas alegações; (e) diante das inconsistências da vítima, somadas à fragilidade das provas materiais, impõe-se o reconhecimento da dúvida razoável em favor do acusado, conforme o princípio do in dubio pro reo (mov. 102.1). Vieram os autos conclusos para sentença. Relatei. Decido. 2. Fundamentação 2.1. Preliminares e Instrução Processual Inexistem quaisquer questões processuais, preliminares, ou prejudiciais de mérito, a serem analisadas nesse momento, de modo que, respeitado o formalismo procedimental (devido processo legal), passo ao enfrentamento da materialidade, autoria, tipicidade, ilicitude, culpabilidade e demais elementos relativos à conduta típica. Para que a presente sentença, no mais, fique o mais clara possível, entendo, de início, possível avaliar as provas que foram juntadas aos autos na fase de inquérito e durante a instrução processual. É certo que o art. 155 do CPP, introduzido pela Lei nº 11.690/2008, informa que o Juízo não poderá se valer de elementos de prova colhidos na fase de inquérito para imputar a responsabilidade penal a alguém, salvo aquelas irrepetíveis, cautelares e antecipadas. A norma que se extrai do texto legal deixa claro que esses elementos não podem ser exclusivos do inquérito, podendo ser sopesados conjuntamente com aquilo que colhido em contraditório, já quando em curso o processo penal. Aliás, sobre essa questão, houve alteração no art. 3º-C, §3º, do CPP, que foi objeto de enfrentamento e análise pelo STF nas ADIs n.º 6298, 6299, 6300 e 6305, as quais assim resolveram essa controvérsia: AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ADI’S 6298, 6299, 6300 E 6305. LEI 13.964, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2019. AMPLA ALTERAÇÃO DE NORMAS DE NATUREZA PENAL, PROCESSUAL PENAL E DE EXECUÇÃO PENAL. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE ARTIGOS PERTINENTES À ATUAÇÃO DO JUIZ E DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. CRIAÇÃO DO “JUIZ DAS GARANTIAS”. (...) ARTIGOS 3º-A AO 3º-F, 28, 28-A, 157, § 5º E 310, § 4º. AÇÕES JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES. (...) III – ARTIGO 3º-C. MATÉRIAS SUBMETIDAS À NOVA SISTEMÁTICA DO JUÍZO DAS GARANTIAS. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO, PARA EXCLUSÃO DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS INCOMPATÍVEIS COM O MODELO. MARCO FINAL DA COMPETÊNCIA DO JUIZ DAS GARANTIAS: OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. AUTOS DO INQUÉRITO. PROIBIÇÃO DE REMESSA AO JUIZ DA INSTRUÇÃO. IRRAZOABILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DOS DISPOSITIVOS IMPUGNADOS. (a) O artigo 3º-C, caput, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei 13.964/2019, delimitou a extensão da competência do juiz das garantias, nos seguintes termos: “A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código”. (b) As razões anteriormente expendidas revelam que o texto impugnado incorreu em erro legístico, do qual deriva a necessidade de restrição da competência para que cesse com o oferecimento da denúncia. (c) Ademais, além das infrações penais de menor potencial ofensivo, de competência dos juizados especiais, a nova sistemática do juiz das garantias não se compatibiliza com o procedimento especial previsto na Lei 8.038/1990, que trata dos processos de competência originária dos tribunais; com o rito do tribunal do júri; com os casos de violência doméstica e familiar. (d) Por tais motivos, deve ser atribuída interpretação conforme à primeira parte do caput do art. 3º-C do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para esclarecer que as normas relativas ao juiz das garantias não se aplicam às seguintes situações: (1) processos de competência originária dos tribunais, os quais são regidos pela Lei nº 8.038/1990; (2) processos de competência do tribunal do júri; (3) casos de violência doméstica e familiar; e (4) infrações penais de menor potencial ofensivo. (e) Ao mesmo tempo, as referências à competência do juiz das garantias para receber a denúncia, constantes do caput e dos §§ 1º e 2º, do artigo 3º-C, revelam-se inconstitucionais, atribuindo-se interpretação conforme a Constituição no sentido de fixar que a competência do juiz das garantias cessa com o oferecimento da denúncia e, por conseguinte, oferecida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento. (f) A Lei 13.964/2019 estabeleceu, ainda, nos §§ 3º e 4º do artigo 3º-C, a vedação do conhecimento dos autos do inquérito pelo juiz da instrução e julgamento, impedindo sua remessa juntamente com a denúncia. (g) Os textos dos dispositivos impugnados têm o seguinte teor: “§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado. § 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias.” (h) Constata-se a manifesta irrazoabilidade do acautelamento dos autos do inquérito na secretaria do juízo das garantias, porquanto o fundamento da norma reside tão-somente na pressuposição de que o juiz da ação penal, ao tomar conhecimento dos autos da investigação, perderia sua imparcialidade para o julgamento do mérito. Ocorre que, sem tomar conhecimento dos elementos configuradores da justa causa para a ação penal (indícios de autoria e de materialidade), inviabiliza-se a prolação de decisões fundamentadas. (i) Por conseguinte, declara-se a inconstitucionalidade, com redução de texto, dos §§ 3º e 4º do art. 3º-C do CPP, incluídos pela Lei nº 13.964/2019 e, mediante interpretação conforme, fixar que os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias serão remetidos ao juiz da instrução e julgamento. (...) Ações diretas de inconstitucionalidade julgadas parcialmente procedentes. (ADI 6298, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 24-08-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 18-12-2023 PUBLIC 19-12-2023) (grifos meus). No ponto, não houve alteração a respeito dessa previsão com o advento da Lei n.º 13.964/2019, que não mitigou ou infirmou o conteúdo dos arts. 155 e 156, do CPP. Disso deriva, portanto, que (a) é possível a análise do que foi produzido em inquérito pelo Juízo da instrução juntamente com o que foi fabricado em contraditório; (b) em regra, o Juízo deverá considerar a prova judicializada, produzida em contraditório e ampla defesa; e (c) é autorizada a análise exclusiva da prova produzida exclusivamente na fase inquisitorial caso ela seja irrepetível (p.ex., laudo de lesões corporais, laudo de constatação de local do crime, laudo de análise genética etc.) e antecipada (v.g., depoimentos especiais, reprodução simulada etc.). Na fase de inquérito e antes do oferecimento da denúncia, foram juntadas as seguintes provas mais relevantes para o enfrentamento do que é objeto desse caso penal: (1) Boletim de Ocorrência (mov. 1.1); (2) Fotografias (mov. 1.5); (4) Laudo de Lesões Corporais (mov. 17.3); (5) Relatório da Autoridade Policial (mov. 18.1); e (6) Depoimentos extrajudiciais (movs. 1.3, 16.3 e 17.2). Com o oferecimento da denúncia (mov. 19.1), foram produzidos os seguintes documentos e provas: (7) Oitiva da vítima (mov. 95.4); e (8) Interrogatório do acusado (mov. 95.5). Relembro, nesse ponto, que a transcrição integral dos depoimentos prestados é dispensada, nos termos do art. 405, §2º, do CPP. Evitando, assim, transcrições desnecessárias, passarei a relatar os pontos mais relevantes daquilo que foi dito em sede extrajudicial e em audiência, para posteriormente enfrentar a questão sob a ótica da materialidade, autoridade, tipicidade, ilicitude e culpabilidade e, superadas elas, verificar a (in)existência de agravantes, atenuantes, causas de aumento, causas de diminuição de pena, e eventual concurso dos crimes. Adianto que não se trata de degravação ipsis litteris dos depoimentos colhidos, mas sim de transcrição indireta, que, evidentemente, se baseia nos relatos originais que foram gravados em mídias audiovisuais, as quais foram todas juntadas no processo e puderam ser acessadas pelas partes. A vítima S.P.N., ouvida em Juízo, disse que na data dos fatos tiveram uma briga; que o réu já havia feito uso de álcool na ocasião; que a discussão começou porque estavam fazendo um trabalho de construção na residência e o acusado queria jantar, mas disse que ele poderia fazer a comida, pois ela também estava cansada; que o réu achou ruim que ela não queria preparar a janta porque estava cansada; que para não discutirem foi para a praça, momento em que o réu foi atrás, a puxou pela jaqueta e a mordeu; que correu do réu; que se relacionaram por cerca de dois anos e já tinha sido agredida antes; que o réu era violento e fazia uso de álcool e outras substâncias; que o réu sempre teve comportamento agressivo; que nesse dia o réu também teria a ameaçado e quebrado seu celular, quebrando o “touch” do celular; que o prejuízo foi de R$400,00, mas que agora já está com outro aparelho. O acusado, ciente de suas garantias constitucionais e do teor da denúncia, asseverou que na data dos fatos chegou do trabalho e a ofendida estava com um homem dentro de casa; que quis tirar sua moto que estava no local, mas a vítima não permitiu e desferiu uma pedrada em sua cabeça; que ela quebrou sua moto e não permitiu que saísse do local; que a ofendida estava bebendo com um homem na residência; que apenas se defendeu das agressões da ofendida e não a ameaçou; que se defendeu da ofendida; que tem fotos das lesões; que não foi no IML realizar laudo de lesões corporais; que pagou o telefone, que ela assinou recibos. Esse, assim, o quadro instrutório-probatório produzido que, de agora em diante, será analisado para aferir se há, ou não, elementos suficientes para condenar o acusado. Calha, aqui, também deixar claro que o Juízo analisará se foram preenchidos, para todos os delitos, a (a) materialidade, (b) autoria, (c) tipicidade, (d) ilicitude e (e) culpabilidade. A materialidade deve ser entendida como a ocorrência fenomenológica do comportamento humano, ainda despida da valoração a si atribuída pela teoria do crime. Desse modo, busca, ela, verificar se determinado fato ocorreu no mundo fenomênico. Por outro lado, a autoria é a vinculação subjetiva de determinados indivíduos com a materialidade anteriormente reconhecida, ainda sem a análise do conteúdo próprio da teoria do delito. A tipicidade, por seu turno, referente à adequação típica da conduta fenomenológica (materialidade) à previsão abstrata prevista em lei (tipicidade formal), deve ser averiguada em razão dos seus demais elementos, subjetivos, objetivos, e normativos, e também em razão do bem jurídico que a norma visa proteger (tipicidade material). Para que haja condenação, máxime criminal, é absolutamente necessário que não pairem dúvidas acerca de qualquer dos elementos configuradores dessa conduta típica. 2.2. Materialidade e Autoria Como se sabe, em infrações cometidas no âmbito doméstico, geralmente sem a presença de testemunhas presenciais, a palavra da vítima, quando coerente, apresenta relevante valor probatório, dá-se especial atenção aos relatos da ofendida, uma vez que tais crimes costumam ocorrer no interior dos lares, sem a presença de testemunhas. Não desconheço, portanto, que a Lei Maria da Penha inaugurou um verdadeiro sistema de proteção integral à mulher, evitando que delitos praticados no âmbito doméstico e familiar, usualmente sem a presença de testemunhas, permanecessem sem a devida apuração, restando impunes os autores de tão reprovável conduta. Um maior prestígio à palavra da vítima já era conferido pela jurisprudência às infrações penais praticadas na clandestinidade, entendimento este que também ganhou força com a vigência da Lei nº 11.340/2006. Com efeito, a condição especial de vulnerabilidade da mulher em situação de violência doméstica não passou despercebida por este Julgador, atento para as diretrizes do art. 4º, da Lei Maria da Penha. Nessa toada: PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. LESÃO CORPORAL EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. AUTORIA. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA. MATERIALIDADE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. EXAME DE CORPO DE DELITO. PRESCINDIBILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 3. O entendimento do Tribunal a quo está em consonância com a jurisprudência desta Corte que é firme no sentido de que a palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos presentes nos autos, possui relevante valor probatório, especialmente em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher. 4. Esta Corte possui o entendimento de que, nos casos de lesão corporal em sede de violência doméstica, o exame de corpo de delito poderá ser dispensado quando subsistirem outras provas idôneas da materialidade delitiva, como ocorreu na hipótese dos autos. 5. "O Tribunal a quo destacou estar comprovado o crime de lesão corporal sofrido pela vítima. Desse modo, o pleito absolutório esbarra na Súmula 7/STJ" ( AgRg no AREsp n. 2.153.350/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 4/10/2022). 6. Agravo regimental desprovido (STJ - AgRg no AREsp: 2285584 MG 2023/0022027-0, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 15/08/2023, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/08/2023). AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DELITOS DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO E DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. "A palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos presentes nos autos, possui relevante valor probatório, especialmente em crimes que envolvem violência doméstica e familiar contra a mulher" ( HC n. 461.478/PE, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 12/12/2018). 2. Entenderam as instâncias ordinárias estar em comprovados os delitos de violação de domicílio e de descumprimento de medidas protetivas de urgência, considerando os depoimentos da vítima (em sede policial e judicial) e das testemunhas, salientando que, apesar de a vítima não ter se lembrado da data exata em que ocorreram os fatos, reiterou os mesmos detalhes dados em sede policial, no sentido de que "por diversas vezes, o acusado proferiu ameaças em seu desfavor e entrou clandestinamente em sua residência, oportunidades em que este pulava o muro do imóvel vizinho e adentrava no local". 3. Ainda, conforme consignado no acórdão proferido pelo Tribunal de origem, a vítima declarou em sede policial no dia 14/8/2018 que "há aproximadamente 15 (quinze) dias daquela data, o denunciado invadiu sua residência pulando a janela e, por não ter encontrado a ex-companheira no local, Jeferson dormiu em seu domicílio sem sua permissão". Por fim, consta do acórdão impugnado que as testemunhas ouvidas narraram a mesma dinâmica dos fatos. 4. Agravo regimental improvido (STJ - AgRg no HC: 788394 GO 2022/0382698-9, Relator: Ministro JESUÍNO RISSATO DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT, Data de Julgamento: 08/05/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2023). APELAÇÃO CRIMINAL. AMEAÇA, VIAS DE FATO E LESÃO CORPORAL QUALIFICADA. ART. 129, § 9º, DO CP, NO ÂMBITO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. LEI N.º 11.340/2006. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEFESA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA, TESTEMUNHAS DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM AO CHAMADO E LAUDO QUE COMPROVAM OS CRIMES DENUNCIADOS. PLEITO DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO DO RÉU AO PAGAMENTO INDENIZATÓRIO POR DANOS MORAIS À VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE. PEDIDO EXPRESSO FORMULADO NA DENÚNCIA. DANO IN RE IPSA. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA ESPECÍFICA. AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA PARA ARCAR COM O VALOR ARBITRADO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS À DEFENSORA DATIVA. RECURSO NÃO PROVIDO (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0000069-50.2021.8.16.0139 - Prudentópolis - Rel.: SUBSTITUTA RENATA ESTORILHO BAGANHA - J. 03.02.2024). APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE AMEAÇA E CONTRAVENÇÃO PENAL DE VIAS DE FATO AMBAS NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (NO ARTIGO 147, CP, E ARTIGO 21 DO DECRETO-LEI Nº 3688/41) INSURGÊNCIA DA DEFESA. PRETENSÃO DE FLEXIBILIZAÇÃO DAS CONDICIONANTES PARA O REGIME ABERTO. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DE EXECUÇÃO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS ESPECIAL RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DELITOS DE AMEAÇA E VIAS DE FATO. DOLO EVIDENCIADO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DA CONTRAVENÇÃO PENAL POR AUSENCIA DE PROVAS E DISCUSSÃO MÚTUA. IMPOSSIBILIDADE. NÃO RESTOU COMPROVADO NOS AUTOS A MODERAÇÃO NO MEIO UTILIZADO PELO RÉU. IMPOSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA SUPOSTA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. FIXAÇÃO HONORÁRIOS DEFENSOR DATIVO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0001087-31.2020.8.16.0143 - Reserva - Rel.: SUBSTITUTA RENATA ESTORILHO BAGANHA - J. 03.02.2024). APELAÇÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO POR AMEAÇA E VIAS DE FATO AMBAS NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (NO ARTIGO 147 caput DO CODIGO PENAL, ARTIGO 21 DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS E ART. 24-A DA LEI 11.340/2006. INSURGÊNCIA DA DEFESA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA DETRAÇÃO. MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO NESTA PARTE. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS ESPECIAL RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DELITOS DE AMEAÇA E VIAS DE FATO. DOLO EVIDENCIADO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE, E NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0001295-57.2022.8.16.0171 - Tomazina - Rel.: SUBSTITUTA RENATA ESTORILHO BAGANHA - J. 03.02.2024). Obviamente que não se pretende revestir de sacralidade a palavra da mulher vítima de violência doméstica e familiar e, desta forma, suprimir os direitos do suposto autor do fato. Mas o intuito é, como escrevem Lavigne e Perlingeiro (in Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico feminista. Lumen Juris, 2011): Ressignificar a palavra da mulher nesse contexto, expandindo-a na medida do devido processo legal, livre de representações muitas vezes trazidas aos autos por imaginário marcado por estereótipos e discriminações. De toda a sorte, a versão oferecida pelo(a) ofendido(a) não pode ser dotada de caráter absoluto, devendo ser valorada com temperamento quando apresentada contradições em seu teor e sempre em cotejo com todas as demais provas produzidas em Juízo. Como mencionado acima, a ocorrência dos fatos (=materialidade) é possível de ser extraída de alguns elementos produzidos nos autos que permitem concluir, com segurança, que no dia 16.07.2023, houve uma situação envolvendo a vítima, que causou nela escoriação medindo 3 cm em calcanhar direito e escoriação medindo 3 cm em região bucinadora direita, além de equimose violácea medindo 2 cm de diâmetro em terço superior posterior do braço direito. Nesse ponto, destaco que efetivamente houve a juntada de Laudo de Lesões Corporais (mov. 17.3), que atestou a ocorrência de ofensa à integridade corporal ou à saúde da vítima, mediante instrumento contundente, resultando nos ferimentos acima descritos. Também foram juntadas fotografias (exame indireto) das lesões sofridas pela ofendida, que foram tiradas na Delegacia, na data seguinte aos fatos (seq. 1.5). Insta consignar, no ponto, que a “materialidade do delito” e “vestígios” não se confundem. A materialidade é inerente a todos os tipos penais, pois todos possuem materialidade (por exemplo, a materialidade do crime de homicídio é o cadáver, da ameaça é justamente o proferir de ameaçar causar mal injusto e grave). Os vestígios nem sempre existem em toda e qualquer infração penal, tais como alguns crimes formais, como o delito de ameaça, injúria ou desacato, quando não expressos em algum lugar, apenas verbalizado. Deste modo, o “corpo de delito” consiste no apanhado de vestígios materiais ou sensíveis decorrentes do crime, assim, a palavra “corpo” não é exatamente o corpo de um indivíduo, mais sim o aporte de vestígios resultante da infração penal, restando seu conceito unido à materialidade do delito, tal como num crime de latrocínio em um apartamento, dentro desta conjectura o corpo de delito não se restringe somente ao cadáver, englobando todos os vestígios perceptíveis ao homem, a exemplo de marcas de sangue, a arma utilizada no crime e sinais de arrombamento. E, na espécie, o laudo pericial juntado demonstra de maneira satisfatória as lesões sofridas pela ofendida, indo ao encontro das fotografias e da prova oral colhida ao longo do feito. Nesse cenário, registro que a análise das provas contidas nos autos, especialmente as declarações da vítima e as demais evidências apresentadas, demonstram de forma inequívoca a autoria e materialidade delitiva imputadas ao acusado. A vítima foi firme, em ambos os depoimentos (na Delegacia e em Juízo), ao afirmar que o réu, no dia dos fatos a agrediu com mordidas e puxões. Destaque-se que são aceitáveis pequenas divergências porventura apresentadas nos relatos da vítima na esfera policial e em Juízo, as quais em nada diminuem a credibilidade conferida a eles, notadamente quando tais declarações se harmonizam em pontos essenciais e divergem apenas em aspectos de somenos importância. Por óbvio, não se exige da ofendida memória sobre-humana, especialmente diante do contexto fático a que foi submetida, isto é, a intenso sofrimento psicológico, físico e momentos de tensão, nem tampouco que se recorde detalhadamente dos pormenores de cada agressão sofrida. As divergências apresentadas nos relatos da vítima em sede policial e em juízo se restringiram aos fatos ocorridos antes das agressões - os quais, supostamente, teriam dado ensejo as agressões -, tratando-se de circunstâncias secundárias. Como se verifica, esses elementos diversos se referem aos eventos que antecederam as lesões: se estavam ou não recebendo pessoas em suas casas e se havia, ou não, discussão sobre quem faria a janta quando faziam um trabalho de construção na casa Em relação às ações que geraram as lesões (ter ido para a praça; ter sido perseguida pelo acusado nesse local e a puxado e mordido nesse local, fazendo com que a ofendida corresse) o relato é, no que importa par ao processo, harmônico considerando o que constou nas seqs. 95.4, 17.2, e 1.3). Frisa-se que não há nos autos qualquer elemento que desqualifique a versão apresentada pela vítima, não havendo motivos idôneos – nem sequer levantados nesse sentido – para imputar falsamente pessoas inocentes, porquanto à vítima, ofendida pela obra criminosa, não calha acusar inocentes. O conteúdo desses depoimentos encontra ressonância nas evidências materiais, como as fotografias e o laudo pericial (seqs. 1.5 e 17.3), que dão respaldo à narrativa de que houve agressão física ativa por parte do acusado, com resultado lesivo e que demonstram lesões condizentes com o registro fático mencionado pela vítima. Cumpre salientar que o laudo de lesão corporal descreve de maneira eficiente as lesões sofridas pela vítima, de modo que torna ainda mais robustas suas declarações. Calha pontuar, nesse ponto, que as lesões constantes na prova pericial guardam, sim, relação com a narrativa da ofendida. A extensão e local das lesões é condizente com o relato prestado pela vítima, especialmente no que diz respeito aos ferimentos no calcanhar e na face. O denunciado não trouxe nenhuma prova, seja documental, pericial ou testemunhal, que pudesse informar o contrário do que aqui comprovado. Pelo contrário, o próprio acusado confirmou seu envolvimento direto na situação, alegando que a ofendida teria lhe dado uma pedrada, circunstâncias pelas quais, segundo sua versão, precisou se defender com o intuito de conter a ofendida. Tal narrativa, todavia, não afasta sua participação no cenário delineado e, além disso, reforça a dinâmica dos fatos e demonstra a existência de contato físico entre as partes em ambiente de tensão e conflito, compatível com os mecanismos lesivos descritos pela vítima e atestados pelo laudo pericial. As declarações do acusado admitem a existência de altercação e reação diante da conduta da vítima, o que, longe de descaracterizar sua participação nos fatos, reafirma sua presença no cenário e o envolvimento direto no episódio violento, contribuindo, portanto, para a convicção segura acerca da autoria. Caberia ao denunciado demonstrar, minimamente (inclusive para suscitar razoável dúvida sobre o desenrolar dos fatos), que a narrativa da vítima (prestada na Delegacia e em Juízo) é inverídica. Contudo, não há, no conjunto probatório, circunstância capaz de desqualificar as versões apresentadas pela ofendida, que, inclusive, guardam relação com o laudo médico juntado. Tudo isso, no ponto, permite concluir que o acusado foi, de fato, a pessoa que causou as lesões na ofendida (certo que a análise sobre essa ação ter sido justificada ou lídima será efetivada posteriormente). Reconhecida a materialidade e a autoria, passo à análise das demais questões que dizem respeito à pretensão penal posta. 2.3. Tipicidade, Ilicitude e Culpabilidade O tipo da lesão corporal (art. 129, caput, do CP), exige que a integridade corporal ou a saúde de outrem sejam ofendidas pelo autor. A ofensa à integridade, física (corporal) ou de saúde, da vítima, ocorre quando o comportamento do agente causa, efetivamente, uma chaga, um dano, um machucado a esses elementos bio-corpóreo-psíquicos do ser humano. Trago à baila, aqui, os ensinamentos de Bento de Faria (in Código Penal brasileiro comentado: parte especial, v.3, pág. 85): O dano ao corpo ocorre quando a lesão determina qualquer prejuízo à integridade do conjunto orgânico da pessoa. Dano à saúde é a desordem causadas às atividades psíquicas ou ao funcionamento regular do organismo. No mesmo sentido, as lições de Paulo Cesar Busato (in Direito Penal Parte Especial 1, São Paulo: Atlas, 2014): Somente existe lesão corporal presentes tais ofensas [à integridade física ou à saúde], o que significa que, não demonstrada a aflição da integridade física ou da saúde, não é possível a condenação por lesão corporal. (...) A abrangência do termo integridade física é ampla, incluindo qualquer classe de dano, tanto anatômico quanto fisiológico. No que se refere à saúde, amplia-se ainda mais o conceito para incluir até mesmo danos psíquicos ou perturbações mentais que, sem dúvida, são representativos de uma redução na saúde da vítima. (...) Em suma, dentro da pretensão de relevância, inclui-se, além da ofensa à integridade ou à saúde corporais, também a ofensa à integridade e à saúde mentais. Destarte, conforme se verifica na perícia realizada, as lesões ocasionadas não foram suficientes para dar incidência nos resultados descritos no tipo penal dos §§ 1º e 2º, do art. 129, do CP. Aqui, inclusive, cabem alguns apontamentos sobre a Lei n.º 14.994/24, que alterou a pena do crime previsto no art. 129, §13, do CP (entre outras alterações relevantes no âmbito do combate à violência contra a mulher). A nova lei entrou em vigor no dia 09 de outubro de 2024, e a principal alteração, de fato, foi transformar o feminicídio em um crime autônomo no Código Penal, agora tipificado no art. 121-A, aumentando a pena mínima de 12 (doze) para 20 (vinte) anos, com um teto de até 40 (quarenta) anos. Além disso, o crime foi consolidado como hediondo, o que impede benefícios como liberdade condicional e exige que o condenado cumpra pelo menos 55% (cinquenta e cinco por cento) da pena antes de progressão de regime, inclusive para acusados primários. Outra inovação significativa foi a ampliação do conceito de violência de gênero, que agora inclui explicitamente motivações baseadas em "menosprezo ou discriminação à condição de mulher", abrangendo tanto agressões físicas quanto psicológicas e emocionais. Como mencionado, um dos pontos relevantes foi a modificação do art. 129, §13, CP, que trata da lesão corporal praticada no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Com a nova redação, houve um aumento significativo da pena para os casos de lesão corporal qualificada por razões de gênero. Agora, as condutas que envolvem violência doméstica, especialmente aquelas motivadas pela condição do sexo feminino, como já ocorre no feminicídio, passaram a ser punidas de maneira mais rigorosa, com previsão de agravamento das penas. Para melhor compreensão e diferenciação, veja-se a diferença entre as alterações promovidas pela Lei nº 14.188/2021 e Lei n.º 14.994/24: Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021) Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos). (Incluído pela Lei nº 14.188, de 2021) (...) Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: (Incluído pela Lei nº 14.944, de 2024) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Incluído pela Lei nº 14.944, de 2024) Todavia, à luz do princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, aos delitos praticados antes do dia 09 de outubro de 2024, não podem ser aplicadas as penas previstas na Lei n.º 14.994/24, uma vez que a previsão contida na Lei n.º 14.188/2021, é mais benéfica ao acusado. A irretroatividade da lei penal maléfica é um princípio que tem previsão na Constituição Federal, precisamente em seu art. 5, XL. No campo doutrinário, consoante o magistério dos autores Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli "qualquer que seja o aspecto disciplinado do Direito penal incriminador (que cuida do âmbito do proibido e do castigo), sendo a lei nova prejudicial ao agente, não pode haver retroatividade" (in Direito Penal: Comentários à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Org. por Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha. São Paulo: RT, 2008). No presente feito, os fatos foram praticados ainda no período de vigência da Lei nº 14.188/2021, de modo que deve ser afastada a incidência das alterações promovidas pela Lei n.º 14.994/2024. E, nos termos do art. 5º, da LMP, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Por sua vez, o art. 7º, da Lei nº 11.340⁄06, estabelece os vetores para a interpretação das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre os quais se encontram a violência psicológica, consubstanciada quando a pessoa com a qual a mulher conviva lhe cause danos emocionais, diminua sua autoestima, prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento, degrade ou controle suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante uma séria de atos, lhe causem prejuízos à saúde psicológica e à autodeterminação; a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade física ou saúde corporal; bem como a violência patrimonial, referente à atos que busquem reter, subtrair, destruir objetos de propriedade da mulher, inclusive seus bens, valores e direitos ou recursos econômicos; e a violência moral, voltada ao acinte à honra objetiva e subjetiva da pessoa; bem como a violência sexual, referente à atos que constranjam a pessoa a presenciar, manter, ou participar de relação sexual não desejada, por qualquer meio de coação, uso de força ou forma que obrigue a mulher a fazer algo que não pretende. Assim, o que se exige para configuração da violência doméstica prevista no inciso I, do §2º-A, do art. 121, do CP, é a prática de alguma das condutas do art. 7º, da LMP, em uma das hipóteses do art. 5º, também da Lei n.º 11.340/06. No caso, verifica-se que houve menção expressa, na denúncia, ao fato de que a vítima tinha um relacionamento amoroso com o acusado, o que possibilita o reconhecimento de que o crime foi cometido no âmbito doméstico e familiar contra a mulher. Insta destacar que a agressão física, voltada a ofensa à integridade ou saúde do corpo humano de outro indivíduo, não se isenta diante de discussões ou desacertos havidos no ambiente familiar e, em razão disso, é punida de forma mais rigorosa, tendo em conta não ser aceita pela sociedade nesse ambiente. Como dito pela vítima em audiência (corroborado por aquilo que por ela dito na fase inquisitorial), e analisando, ainda, o que consta no laudo pericial, nas fotografias e o depoimento dos Policiais Militares, houve, sim, ofensa à sua integridade física e fisiológica, o que permite concluir ter havido, sim, lesão. Lembro, aqui, que a conduta, por expressa previsão legal, somente será imputada penalmente a alguém quando haja dolo ou culpa, e, neste caso, somente quando a lei expressamente autorizar a punição pelo crime culposo (art. 18, e §ún, do CP). E, no caso, há provas seguradas e indubitáveis de que o acusado causou lesões corporais de modo doloso, com intenção de fazê-lo. Existem elementos suficientes para demonstração do dolo, elemento constante na tipicidade para configuração de determinação ação (ainda despida da valoração jurídico-penal) como delitiva. Possível, desse modo, se reconhecer a tipicidade da conduta do acusado. Reconhecida a tipicidade que, para a teoria finalista, adotada pelo nosso ordenamento penal, atua como ratio cognoscendi da ilicitude (em contrário à teoria da ratio essendi, pela qual a tipicidade só se configura quando há, também, ilicitude – tipo total do injusto), só não estará ela presente quando existente alguma das causas que a excluem (art. 23, do CP). Nesse contexto, a tese defensiva de “culpa exclusiva da vítima” ou de legítima defesa, não encontra amparo jurídico nem respaldo nos elementos constantes dos autos. Lembro que a legítima defesa tem seus contornos delineados no art. 25 do Código Penal; dessa norma se extraem seus requisitos autorizadores: (a) usar moderadamente, (b) dos meios necessários, (c) para repelir injusta agressão, (d) atual ou iminente, (e) a direito seu ou de outrem. A lógica por detrás da previsão normativa, com requisitos que tais, é evitar que vinganças privadas se confundam com situações extremas nas quais o agir recebe a possibilidade de excluir a ilicitude do comportamento e, portanto, afastar a prática criminosa. Cito, sobre o tema, Paulo Cesar Busato (in Direito Penal, Parte Geral, São Paulo: Atlas, 2013, pág. 488 e 490): A legítima defesa é identificada a partir da presença de uma situação de agressão injusta sofrida pelo indivíduo, à qual este reage dentro dos limites pré-estabelecidos de autorização. Há necessidade, como em todas as causas de justificação, da presença de uma situação de emergência e uma atitude justificada. (...). A situação de agressão injusta que permite a atuação em legítima defesa deve manter uma relação de tempo presente para com a atitude legitimada. Isso quer dizer que a agressão sofrida, que permite a atuação em legítima defesa, há de estar acontecendo (atual), ou em vias de acontecer (iminente). Assim, não se pode repelir licitamente agressões já cessadas, nem se antecipar repelindo as que ainda não aconteceram. Não se encontra em legítima defesa aquele que, após ser agredido, dirige-se à sua residência para armar-se e retorna ao local da agressão para revidar o ataque. Nesse caso, a situação não só não é amparada pela legítima defesa, como ainda constitui vingança, que é postura reprimida pelo direito penal. Tampouco se pode falar em legítima defesa preordenada, como parte da doutrina trata as situações de emprego da offendicula. (...). A questão de definição do conceito de iminente é, no entanto, ainda controversa. De modo geral, se aponta na doutrina a identificação da iminência do ataque traduzia pela mesma fórmula da tentativa, representada por atos de execução, ou seja, é iminente o ataque quando iniciada a execução de um delito (...), mas também há entendimentos no sentido de que já é iminente a agressão quando realizado ato preparatório que já impeça a evitação posterior (...). A ideia é que a iminência, a efeito de legítima defesa, seja identificada com o momento final da preparação, ou seja, o último ato preparatório que antecede o início da execução. Ainda que se admita, para fins argumentativos, a veracidade dessa afirmação – de que o réu teria agido em legítima defesa - tal circunstância, por si só, não tem o condão de descaracterizar a ilicitude da conduta perpetrada pelo acusado, tampouco de justificar a agressão física subsequente. Analisando o conjunto probatório, pode-se concluir que o episódio se deu em um contexto de acentuado conflito com tensão emocional mútua, circunstância comum, ainda que lamentável, em relações marcadas por instabilidade conjugal. Contudo, mesmo diante desse ambiente de discussão acalorada, em momento algum se evidenciou, de forma concreta e minimamente plausível, que a vítima agiu com violência física contra o acusado. Inclusive, a par do acusado mencionar que possuía fotos das lesões, não juntou prova alguma durante o andamento do feito (vide seq. 42 e a ausência de requerimentos na fase do art. 402 do CPP cf. termo de seq. 94-95). Apesar do acusado mencionar que possui vídeos e fotos, não há nos autos imagens, laudo, vídeos ou testemunhas que comprovem a versão do acusado de que as lesões que ele causou na vítima (e ele, assim, confirma que foi seu autor) se deram em resposta às (supostamente injustas) agressões que a vítima teria praticado contra si. Nem sequer os danos causados à moto que o acusado disse que foram praticados pela vítima foram demonstradas nos autos. Ao contrário, o que se verificou, por meio das declarações firmes da ofendida na fase policial e dos documentos médicos constantes dos autos, foi que a resposta do acusado (para as supostas agressões que a vítima teria praticado contra ele) consistiu em agressões, resultando em lesões corporais de natureza leve, atestadas por laudo pericial. Essa lógica conduz inevitavelmente à banalização da agressão física como forma aceitável de resolver conflitos interpessoais, abrindo espaço, por exemplo, para que um insulto verbal enseje uma agressão física, ou que um simples empurrão seja respondido com o uso de arma branca ou de fogo. Essa perspectiva, evidentemente, colide com os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e, sobretudo, com a vedação à autotutela pela força, pilares do Estado Democrático de Direito. A tentativa de atribuir à vítima a responsabilidade exclusiva pelo episódio violento, sob o argumento de que sua conduta, teria sido a causa determinante da agressão sofrida, revela uma lógica perversa de culpabilização da mulher, ainda tristemente presente em contextos marcados pelo machismo estrutural. Trata-se de uma estratégia discursiva que transfere o foco da análise da conduta do agressor para o comportamento da vítima, buscando justificar ou atenuar a violência sofrida com base em suposta provocação anterior. Essa inversão valorativa ignora que, no âmbito da violência doméstica, é comum que mulheres, após sucessivas agressões verbais ou emocionais, reajam de forma impulsiva, o que jamais pode ser compreendido como causa legitimadora de agressão física masculina, sobretudo quando desproporcional e lesiva. Permitir tal narrativa seria não apenas contrariar a ordem jurídica vigente, que repudia qualquer forma de violência contra a mulher, mas também perpetuar padrões históricos de silenciamento e deslegitimação da fala feminina, convertendo vítimas em rés morais dos próprios sofrimentos. Assim, considerando a inexistência de qualquer das suas causas excludentes, resta demonstrada a presença da ilicitude no caso em comento. Para teoria finalista do crime, a culpabilidade é a soma da imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude e inexigibilidade de conduta diversa. O acusado possuía mais de 18 (dezoito) anos de idade na época dos fatos e não há qualquer alegação de sofrer de causa que o tornasse inteiramente incapaz de entender, em tese, o caráter ilícito dos fatos. Não há causa de justificação a ser reconhecida capaz de excluir a ilicitude da conduta. Por outro lado, ao tempo do fato, o acusado era imputável, tinha consciência da ilicitude de sua conduta e dele era plenamente exigível uma conduta diversa. Necessária, portanto, a condenação do acusado pela prática do crime em apreço. 2.4. Atenuantes e Agravantes De início, imperioso mencionar que, por meio do que decidido no REsp n.º 1.972.098, o STJ firmou entendimento de que deve, sempre, haver redução de pena nas hipóteses em que o acusado confessar a autoria delitiva perante a autoridade judicial, independentemente de sua confissão ter sido utilizada como um dos fundamentos da condenação e malgrado a confissão seja parcial, qualificada, extrajudicial ou retratada. Cabível, também, citar que, por meio do que estabelecido no Tema n.º 585 dos Repetitivos do STJ (vinculado ao REsp. n.º 1.341.370, posteriormente revisado pelos REsp's. n.º 1.947.845 e n.º 1.931.145), fixou-se interpretação de que a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência (específica ou não) podem ser compensadas na segunda fase da dosimetria da pena; contudo, nas hipóteses em que o acusado for multirreincidente, é possível (=necessário) compensar proporcionalmente a multirreincidência com a confissão, para atendimento e respeito à proporcionalidade e à individualização da pena. Conforme se extrai dos fundamentos das decisões acima proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, reconhece-se que, mesmo no caso de confissão qualificada ou parcial, pode-se aplicar a atenuante da confissão espontânea. Contudo, tal entendimento deve ser cotejado com o recente posicionamento do Plenário do STF na Revisão Criminal n.º 5.548. Nessa decisão, o Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que, para o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, d, do CP, o (auto) reconhecimento da prática delitiva deve ser realizada de forma genuína, com o intuito de colaborar com a Justiça e elucidar a verdade dos fatos. Assim, a confissão qualificada — aquela em que o acusado admite a autoria do delito, mas simultaneamente alega causa de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade — não enseja o reconhecimento da referida atenuante, por não atender ao requisito de espontaneidade exigido pela norma. Na espécie, verifica-se que o acusado admitiu ter discutido com a vítima, reconhecendo inclusive que houve contato físico entre ambos, mas, ao mesmo tempo, buscou justificar sua conduta com alegações de legítima defesa e de que a vítima teria o agredido com uma pedrada. Assim, sua admissão parcial da dinâmica dos fatos veio acompanhada de narrativa exculpatória, voltada à exclusão de sua responsabilidade penal. Dessa forma, sua confissão possui caráter qualificado, pois não foi voltada exclusivamente à elucidação da verdade dos fatos, mas acompanhada de argumentos destinados a excluir ou atenuar sua culpabilidade. À luz do que decidido pelo STF, não é possível, portanto, reconhecer a aplicação da atenuante da confissão espontânea neste caso, reforçando-se que tal benefício deve ser reservado às situações em que o agente confesse de forma genuína e sem condicionantes, em respeito à proporcionalidade e à individualização da pena. Por outro lado, analisando a certidão de antecedentes, verifico que o acusado é primário e não possui anotações anteriores transitadas em julgado. Ainda, necessária a aplicação da agravante prevista no art. 61, II, f, do CP, pois embora a relação de cônjuges e a violência de gênero já integrem o próprio tipo penal previsto no art. 129, §13, do CP, tratando-se de violência praticada no âmbito doméstico e familiar, o crime foi praticado prevalecendo-se de relações domésticas. Cabível, aliás, mencionar que a adequada interpretação da tese fixada no Tema n.º 1197 dos Repetitivos do STJ permite, eventualmente, sua aplicação para a figura do art. 129, §13, do CP: A aplicação da agravante do art. 61, inc. II, f, do Código Penal (CP), em conjunto com as disposições da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), não configura bis in idem. Isso porque como se verifica das razões de decidir e do voto do Min. Og Fernandes a lógica lançada foi uma que buscava cenário em que a conduta do agressor independia do gênero, enquanto que o art. 61, II, f, do CP, apontava agravante que dependia do gênero: Ao contrário daquilo que consta no acórdão recorrido, não há bis in idem, porque a agravante genérica prevista na alínea f do inc. II do art. 61 do Código Penal (CP), inserida pela alteração legal da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), objetiva uma sanção punitiva maior quando a conduta criminosa é praticada "com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica" (destaquei), enquanto as elementares do crime de lesão corporal tipificado no art. 129, § 9º, do Código Penal, traz a figura da lesão corporal praticada no espaço doméstico, de coabitação ou de hospitalidade, contra qualquer pessoa independente do gênero, bastando ser ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem o agente conviva ou tenha convivido, ou seja, as elementares do tipo penal não fazem referência ao gênero feminino da vítima, enquanto o que justifica a agravante é essa condição de caráter pessoal (gênero feminino - mulher). A cabeça do art. 61 do Código Penal estabelece que as circunstâncias agravantes genéricas sempre devem ser observadas na dosimetria da pena, desde que não constituem ou qualificam o crime. No presente caso a circunstância que agrava a pena é a prática do crime de violência doméstica contra a mulher, enquanto a circunstância elementar do tipo penal do art. 129, § 9º, do Código Penal, não faz nenhuma referência ao gênero feminino, ou seja, a melhor interpretação é aquela que atende a função social da Lei, e, por isso, deve-se punir mais a lesão corporal contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, se a vítima for mulher (gênero feminino), haja vista a necessária aplicação da agravante genérica (art. 61, inc. II, alínea f, do CP). Em essência, portanto, o que isso quer significar é que (a) se houver coabitação ou prevalência das relações domésticas, e (b) houver violência cometida com base no gênero será possível a aplicação conjunta da qualificadora (seja do §9º seja do §13 do art. 129 do CP) com a agravante do art. 61, II, f, do CP. Nessa linha: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO QUE NÃO ATACOU, ESPECIFICAMENTE, TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL NA ORIGEM. APLICABILIDADE DA SÚMULA N. 182/STJ. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DOSIMETRIA. AGRAVANTE DO ART. 61, INCISO II, ALÍNEA F, DO CÓDIGO PENAL. DISPOSIÇÕES DA LEI N. 11.340 /2006. APLICAÇÃO CONJUNTA. NÃO OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. (...) 3. Consoante orientação desta Corte Superior, a aplicação da agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea f, do Código Penal de modo conjunto com outras disposições da Lei n. 11.340/2006 não consubstancia bis in idem, pois a Lei Maria da Penha visou recrudescer o tratamento dado para a violência doméstica e familiar contra a mulher. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.711.272/MA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 29/10/2024). Assim, dado que a vítima confirmou que ambos possuíam uma relação amorosa na época dos fatos, aplicável, sem configurar bis in idem, ambas as figuras. 2.5. Causas de Aumento e/ou de Diminuição Inexistem causas de aumento e/ou de diminuição a serem sopesadas na terceira fase da aplicação da pena. 3. Dispositivo Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva exposta pelo ilustre representante do Ministério Público nesta denúncia, com fulcro no art. 387, do CPP, para os fins de condenar o acusado Marcelo da Silva Xavier pela prática do delito previsto no art. 129, §13, do CP (com redação dada pela Lei n.º 14.188/21), no âmbito da Lei Maria da Penha. Diante da adoção, pelo Código Penal, do critério trifásico de Hungria (art. 68, do CP), passo à dosimetria da pena, relembrando que a sua individualização é garantia constitucional (art. 5º, XLVI, CF/88), e que o acusado deve responder não pelo que é (direito penal do autor), mas pelo que fez (direito penal do fato), conforme preleciona Zaffaroni. 4. Dosimetria da Pena Na primeira fase de dosimetria penal, analiso as circunstâncias judiciais do art. 59, do CP. Ressalte-se, por oportuno, que inexiste um critério puramente aritmético na primeira fase da dosimetria, cabendo ao Magistrado, a quem a lei confere certo grau de discricionariedade, sopesar cada circunstância judicial desfavorável à luz da proporcionalidade, consoante seu prudente arbítrio. A culpabilidade, vista como reprovabilidade da conduta do agente, não merece valoração negativa. No que diz respeito aos antecedentes, não há registro de condenação anterior. Não há elementos nos autos a respeito da conduta social no meio e comunidade em que vive e inexiste, também, laudo psicológico que ateste a personalidade do acusado (mesmo que exista jurisprudência do STJ no sentido de que o cometimento de atos infracionais seria elemento a demonstrar a personalidade afeta ao crime, reputo inviável o reconhecimento dessa vetorial, tendo em conta o desconhecimento técnico do Juízo no assunto, de modo que aplica-la seria permitir a analogia in malam partem, como, aliás, também já decidido pelo STJ, vide HC 175.280; HC 190.569; HC 117.497; e HC 86.866) e não havendo elementos nesse sentido e conhecimento técnico do Juízo para sua valoração, deixo de considera-las, inclusive por conta do conteúdo do Tema n.º 1.077 dos Repetitivos do STJ. Os motivos da prática do delito não pesam negativamente. As circunstâncias são normais à figura delitiva. Não há nada a ser valorado no que toca às consequências do delito. Não há que se falar em comportamento da vítima. Partindo-se, assim, do mínimo legal cominado em abstrato para o crime em questão, previsto no art. 129, §13, do CP, com redação dada pela Lei n.º 14.188/21 (reclusão, de 1 a 4 anos), e da diferença entre o mínimo e o máximo (cf. já decidido pelo STJ, vide AgRg nos EDcl na PET no REsp n.º 1.852.897, no AgRg no REsp n.º 1.986.657, AgRg no REsp n.º 1.919.781, AgRg no AREsp n.º 1.865.291, AgRg no REsp n.º 1.898.916, AgRg no HC n.º 647.567, dentre vários outros) dessas condenações, não havendo vetoriais negativas, ixo a pena-base em 1 (um) ano de reclusão. Na segunda fase, incide a agravante descrita no art. 61, II, f, do CP, razão pela qual agravo a pena em 1/6 (um sexto), fixando a reprimenda intermediária em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão. No mais, não incidem causas de aumento ou diminuição de pena, razão pela qual fixo a pena definitiva em 1 (um) ano e 2 (dois) de reclusão. 4.1. Regime Inicial de Cumprimento de Pena Considerando que o acusado é primário, na forma do art. 33, caput e §§, do Código Penal, entendo que é possível a fixação do regime aberto para o início da reprimenda. 4.2. Substituição por Restritiva de Direitos e Suspensão Condicional da Pena É preciso lembrar que a pena tem essência retributiva (Fragoso), mas que sua finalidade é preventiva (Soller). Assim, existindo motivos suficientes, a substituição da pena se impõe. Analisando os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, previstos nos arts. 43 e 44, do CP, concluo que a aplicação de pena restritiva de direitos, no presente caso, não se mostra como a medida mais socialmente recomendável. Isso porque, o crime foi praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa. No mais, incide, aqui, o que consta no enunciado nº 588, da Súmula da jurisprudência dominante do STJ, que veda a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos em crimes ou contravenções praticadas contra mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico. Ainda, a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que, havendo circunstância judicial desfavorável, não é cabível a substituição da pena privativa de liberdade por multa ou por restritiva de direitos, nos termos do art. 44, III, do CP, por não se mostrar suficiente para a prevenção e repressão do delito praticado. Dessa forma, incabível a substituição por penas restritivas de direitos. No mesmo sentido, incabível a suspensão condicional da pena, vez que não preenchidos os requisitos do art. 77, II, do CP. Além disso, o e. TJPR recentemente adotou entendimento no sentido de que eventual concessão do benefício da suspensão condicional da pena é matéria afeta ao Juízo da Execução Penal. A aceitação da benesse deve ser feita pelo sentenciado por ocasião da audiência admonitória (em caso, evidentemente, de confirmação da condenação). Confira-se: APELAÇÃO CRIME. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL E DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. PLEITO BUSCANDO A ABSOLVIÇÃO PELA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS E ATIPICIDADE DA CONDUTA. INVIABILIDADE. PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM O ACERVO PROCESSUAL. ANIMUS LAEDENDI COMPROVADO. DELITOS CONFIGURADOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA DEVIDAMENTE SOPESADA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE REGIME ABERTO. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS EM DELITOS QUE ENVOLVEM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. SÚMULA 588 DO STJ. PEDIDO DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA. OPÇÃO QUE PODERÁ SER FEITA POR OCASIÃO DA AUDIÊNCIA ADMONITÓRIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PORÇÃO, DESPROVIDO. (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000022-48.2020.8.16.0192 - Nova Aurora - Rel.: DESEMBARGADOR PAULO EDISON DE MACEDO PACHECO - J. 12.02.2022) – grifei. APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA E LESÃO CORPORAL (ART. 129, §9º, DO CP E ART. 24-A, CAPUT, DA LEI Nº 11.340/06) – CONDENAÇÃO – PENA DE 06 MESES DE DETENÇÃO - MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PARA AFASTAR, DE OFÍCIO, A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA (SURSIS) – IMPOSSIBILIDADE - COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO - BENEFÍCIO A SER OPTADO PELO RÉU EM AUDIÊNCIA ADMONITÓRIA - PLEITO PELA ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS – IMPROCEDÊNCIA – PALAVRA DA VÍTIMA QUE MERECE ESPECIAL RELEVÂNCIA QUANDO COERENTE COM AS PROVAS E REFORÇADA PELO DEPOIMENTO DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM A VÍTIMA LOGO APÓS OS FATOS - LAUDO PERICIAL QUE CONFIRMA A VERSÃO APRESENTADA PELA OFENDIDA – RECORRENTE QUE MESMO CIENTE DA EXISTÊNCIA DE MEDIDAS PROTETIVAS EM SEU DESFAVOR OPTOU POR DESCUMPRIR DETERMINAÇÃO JUDICIAL E AGREDIR A VÍTIMA - VERSÃO DA DEFESA INCONSISTENTE E ISOLADA NOS AUTOS – SENTENÇA ADEQUADA E QUE NÃO MERECE REFORMA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000630-82.2020.8.16.0083 - Francisco Beltrão - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU BENJAMIM ACÁCIO DE MOURA E COSTA - J. 27.11.2021) – grifei. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA E AMEAÇA – SENTENÇA CONDENATÓRIA.I. ABSOLVIÇÃO – INVIABILIDADE – CONJUNTO PROBATÓRIO INFORMATIVO DA PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA – CONDENAÇÃO MANTIDA.II. RESPOSTA PENAL:A) CRIME DE AMEAÇA – ERRO MATERIAL NA APLICAÇÃO DA PENA – RETIFICAÇÃO.B) REGIME PRISIONAL SEMIABERTO – ABRANDAMENTO – INADMISSIBILIDADE – ACUSADO REINCIDENTE (CP, ART. 33-§2º-“C”).C) SUBSTITUIÇÃO DA SANÇÃO PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 588 DO E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.D) SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO – NÃO CONHECIMENTO.RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO EM PARTE (TJPR - 1ª C.Criminal - 0000003-44.2021.8.16.0180 - Santa Fé - Rel.: DESEMBARGADOR TELMO CHEREM - J. 03.10.2021) – grifei. Portanto, não há que se falar, neste momento, na concessão do benefício em questão. 4.3. Valor Mínimo da Condenação Como se sabe, o art. 387, do CPP, que o Juiz, ao proferir sentença, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Para Andrey Borges de Mendonça (in Nova Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Método, 2008), em situações excepcionais, devidamente justificadas, poderá ocorrer de o Magistrado não ter elementos suficientes para fixar o valor da indenização, sequer em seu mínimo legal. Como destacado, é imperioso que a vítima sofreu danos passíveis de quantificação pelo presente Juízo. E, como pontuado pelo Parquet em suas alegações finais, na forma do que decidido pelo STJ no Tema nº 983 (REsp nº 1.643.051; REsp nº 1.683.324; e REsp nº 1.675.874), é possível a condenação do acusado ao pagamento de condenação mínima (repito: mínima) pelos danos morais causados à vítima oriundos da prática de fato criminoso que se reputa enquadrado como violência doméstica ou familiar cometido contra a mulher. Eis o teor da tese firmada: Nos casos de violência doméstica contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória. Trechos do voto condutor da tese elucidam, bem, a controvérsia posta: A evolução legislativa ocorrida na última década em nosso sistema jurídico evidencia uma tendência, também verificada em âmbito internacional, a uma maior valorização e fortalecimento da vítima, particularmente a mulher, no processo criminal. (...). Ainda que uma ou outra voz doutrinária considere de menor amplitude tal previsão normativa, que alcançaria apenas os danos materiais (Pacelli, Eugênio; Fischer, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e Sua Jurisprudência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 822; Pollastri Lima, Marcellus. Curso de Processo Penal. 9. Ed., Brasília: Gazeta Jurídica, 2016, p. 1.182), melhor compreensão, a meu aviso, teve a doutrina liderada, inter alia, por autores como Gustavo Badaró (Processo Penal – 4. ed. rev. atual e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 538) e Paulo Rangel (Direito Processual Penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 601), até porque se alinha à já pacífica jurisprudência desta Corte Superior, de que a indenização da qual trata o citado dispositivo legal contempla as duas espécies de dano: o material e o moral. (...). Mais robusta ainda há de ser tal compreensão, a meu sentir, quando se cuida de danos experimentados pela mulher vítima de violência doméstica – quase sempre, mas nem sempre, como na espécie em exame, perpetrada pelo (ex) marido ou (ex) companheiro) –, situação em que é natural (pela diferente constituição física) e cultural (pela formação sexista e patriarcal da sociedade brasileira) a vulnerabilidade da mulher. Malgrado não caiba, neste âmbito, questionar as raias da experimentação e da sensibilização fundadas na perspectiva de cada um, urge, todavia, sem mais, manter os olhos volvidos ao já não mais inadiável processo de verdadeira humanização das vítimas de uma violência que, de maneira infeliz, decorre, predominantemente, da sua simples inserção no gênero feminino. As dores sofridas historicamente pela mulher vítima de violência doméstica são incalculáveis e certamente são apropriadas em grau e amplitude diferentes. Sem embargo, é impositivo, posto que insuficiente, reconhecer a existência dessas dores, suas causas e consequências. É preciso compreender que defender a liberdade humana, sobretudo em um Estado Democrático de Direito, também consiste em refutar, com veemência, a violência contra as mulheres, defender sua liberdade (para amar, pensar, trabalhar, se expressar), criar mecanismos para seu fortalecimento, ampliar o raio de sua proteção jurídica e otimizar todos os instrumentos normativos que de algum modo compensem ou minimizem o sofrimento e os malefícios causados pela violência sofrida na condição de mulher. (...). Por outro viés, o Brasil – e seus agentes públicos, por óbvio – não pode se eximir dos compromissos assumidos por haver aderido a tratados internacionais que envolvem direitos humanos e, em especial, direitos das mulheres, notadamente a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará), de modo a robustecer a compreensão acerca da relevância do tema no próprio ambiente jurídico e a direcionar suas ações para a necessária mudança social e o aperfeiçoamento de mecanismos nacionais de prevenção e repressão à violência contra as mulheres. (...). Feita essa digressão, importante para demonstrar o caminhar das cortes superiores na direção de uma crescente e mais efetiva proteção à mulher vítima de violência doméstica, cumpre assinalar que ambas as Turmas desta Corte Superior já firmaram o seu entendimento de que a imposição, na sentença condenatória, de indenização, a título de danos morais, para a vítima de violência doméstica, requer a dedução de um pedido específico, em respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa. (...). A Quinta Turma possui julgados no sentido de que "a reparação do dano sofrido, previsto no inciso IV do art. 387 do Código de Processo Penal, exige pedido expresso e indicação do valor pretendido" (AgRg no AREsp n. 1.062.989/MS, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 18/8/2017). A Sexta Turma desta Corte, por sua vez, considera que "o juízo penal deve apenas arbitrar um valor mínimo, o que pode ser feito, com certa segurança, mediante a prudente ponderação das circunstâncias do caso concreto – gravidade do ilícito, intensidade do sofrimento, condição sócioeconômica do ofendido e do ofensor, grau de culpa, etc. – e a utilização dos parâmetros monetários estabelecidos pela jurisprudência para casos similares. Sendo insuficiente o valor arbitrado poderá o ofendido, de qualquer modo, propor liquidação perante o juízo cível para a apuração do dano efetivo (art. 63, parágrafo único, do CPP)" (AgRg no REsp n. 1.626.962/MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 16/12/2016). Nesse ponto, entendo, pois, que o pedido expresso por parte do Ministério Público ou da ofendida, na exordial acusatória, é, de fato, suficiente, ainda que desprovido de indicação do seu quantum, de sorte a permitir ao juízo sentenciante fixar o valor mínimo a título de reparação pelos danos morais, sem prejuízo, evidentemente, de que a pessoa interessada promova, no juízo cível, pedido complementar, onde, então, será necessário produzir prova para a demonstração do valor dos danos sofridos. (...). No âmbito da reparação dos danos morais – visto que, por óbvio, os danos materiais dependem de comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar natureza –, a Lei Maria da Penha, complementada pela reforma do Código de Processo Penal já mencionada, passou a permitir que o juízo único – o criminal – possa decidir sobre uma importância que, relacionada à dor, ao sofrimento e à humilhação da vítima, incalculáveis sob o ponto de vista matemático e contábil, deriva da própria prática criminosa experimentada, esta, sim, carente de comprovação mediante o devido processo legal. (...). Diante desse quadro, entendo que a simples relevância de haver pedido expresso na denúncia, a fim de garantir o exercício do contraditório e da ampla defesa, ao meu ver, é bastante para que o Juiz sentenciante, a partir dos elementos de prova que o levaram à condenação, fixe o valor mínimo a título de reparação dos danos morais causados pela infração perpetrada, não sendo exigível produção de prova específica para aferição da profundidade e/ou extensão do dano. O merecimento à indenização é ínsito à própria condição de vítima de violência doméstica e familiar. O dano, pois, é in re ipsa. De fato, portanto, é possível que haja condenação de valor mínimo de indenização à mulher vítima de violência doméstica; contudo, na linha do voto do Min. Relator esse pedido deve ser formulado antes do encerramento da instrução processual, não podendo ser trazido à conhecimento e enfrentamento tão somente por ocasião das alegações finais; a pretensão deve ser deduzida ou por ocasião da denúncia, na cota ministerial, ou, mesmo que posteriormente a ela, mas antes da apresentação de alegações finais, seja pelo Ministério Público seja pela própria ofendida. Essa pretensão, como se vê, se encontra posta na denúncia (mov. 19.2), e foi, agora, novamente mencionado por ocasião das alegações finais. Assim, possível, e necessária, a condenação do sentenciado à pagamento de valor mínimo de indenização pelos danos morais causados por sua conduta. A discussão, agora, passa a ser em relação ao quinhão mínimo que deve ser devido à vítima da violência doméstica. E, no ponto, considerando as condições pessoais da ofendida, o contexto de violência doméstica, e a extensão das lesões sofridas, entendo por bem fixar o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de indenização. Desse modo, na forma do art. 387, IV, do CPP, condeno o sentenciado ao pagamento de valor mínimo de indenização pelo dano moral em R$ 2.000,00, em favor da vítima, quinhão que deverá ser acrescido de (a) juros de mora contados em 1% ao mês até 28.08.2024 e na forma da Taxa Legal (que pode ser acessada por meio do link disponível no sitio eletrônico do BCB), contada consoante a Res.-CMN 5171/2024 a partir de 29.08.2024 até o pagamento, contados do evento danoso, i.e., desde 16.07.2023, cf. arts. 398 e 406, caput e §§, do Código Civil e enunciado n.º 54 da súmula da jurisprudência dominante do STJ, e (b) correção monetária, calculada IPCA, a partir da presente data, cf. enunciado nº 362 da súmula da jurisprudência dominante do STJ e art. 389, caput e §ún., do Código Civil. Ausentes, contudo, quaisquer elementos que indiquem abalos de índole material, notadamente porque nada sobre isso foi dito durante a instrução probatória, deixo de condenar o acusado a qualquer reparação mínima por danos materiais eventualmente sofridos pela vítima, o que não impossibilita, evidentemente, que busque ela essa estirpe de indenização pelos meios próprios e adequados. Lembro, novamente, que o valor ora fixado é o mínimo, o que não obsta que promova, a vítima, discussões em outras demandas para fins de aumentar o valor da reparação devida pelo acusado. 4.4. Direito de Recorrer em Liberdade Considerando, assim, que ao sentenciado foi imposto o regime inicialmente aberto, não existem razões para decretação da prisão preventiva. Além disso, ainda que tivesse sido imposto regime mais gravoso (como o semiaberto ou fechado), tendo o denunciado respondido ao processo em liberdade, eventualmente decidir, aqui, pela preventiva sem que qualquer outra circunstância fática e/ou jurídica senão a sentença ora proferida tenha sido trazida à baila, poderia configurar execução provisória de pena sem atendimento às premissas fincadas pelo STF nas ADC’s n.º 43 e 44, e no HC n.º 126.292, i.e., decisão condenatória em segunda instância. Anoto que não desconheço das discussões e clamores sociais que se fiam a ideia de uma sentença condenatória poderia (e deveria) ser, desde logo, executada, sem que tivesse que se aguardar o resultado de um ou mais recursos para que, somente aí pudesse haver início do cumprimento da reprimenda (notadamente por conta da prodigalidade com que nosso sistema processual trata a possibilidade de rediscussão quase que infinita dos temas, não sendo incomum se verificaram embargos de embargos de embargos de embargos de agravos de agravos de embargos de agravos de recursos de apelação – e assim em uma cadeia que, a rigor, cansa a fala e a interpretação). E, muito menos, não ignoro que há também vozes que bradam para que, notadamente em delitos cujas penas são aplicadas de modo mais rigoroso e com quantidades elevadas, seja, de plano, dado início ao cumprimento de pena, sob os auspícios da necessidade de não se fomentar a sensação de impunidade. Todavia, se somente a sentença é o “fato” novo que se vê posto à análise, não pode ele ser utilizado como argumento de necessidade de resguardo da ordem pública (com as vênias possíveis aos entendimentos em sentido contrário) para que, só com base nisso (e malgrado a quantidade de pena imposta) se possa decretar a prisão preventiva. Assim, na ausência dos requisitos necessários para decretação da prisão preventiva (art. 387, §ún., CPP), fica concedido ao sentenciado o direito de recorrer em liberdade. 5. Disposições Finais Condeno o acusado ao pagamento das custas processuais, nos termos do art. 804, do CPP. Após o trânsito em julgado: (a) expeça-se guia de recolhimento para execução das penas (art. 674, do CPP e art. 105, da Lei de Execução Penal), observando-se o disposto: nos arts. 106 e 107, ambos da Lei de Execução Penal; nos arts. 676 a 681, todos do CPP; (b) comunique-se ao distribuidor, instituto de identificação e à delegacia de origem, nos moldes dos arts. 824 e 825, do Código de Normas; (c) oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral para fins de aplicação das sanções políticas, nos moldes do art. 15, III, da CF/88; (d) intime-se a vítima para ciência da condenação em reparação de danos, inclusive para que, querendo, promova as medidas necessárias ao cumprimento da decisão, que possui força de título executivo judicial; e (e) observe-se, no que for cabível, as previsões contidas nos arts. 893-895 e 903-905, do novo Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça do TJPR. Publique-se. Registre-se. Intimem-se, atentando-se para as disposições do art. 392, do CPP. Foz do Iguaçu, datado digitalmente. Alexandre Afonso Knakiewicz Juiz de Direito Substituto
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