Processo nº 5011976-09.2023.4.03.6105
ID: 309957393
Tribunal: TRF3
Órgão: 6ª Vara Federal de Campinas
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5011976-09.2023.4.03.6105
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JADISLAINE DIAS PIOTTO
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5011976-09.2023.4.03.6105 / 6ª Vara Federal de Campinas AUTOR: ULYSES PIOTTO Advogado do(a) AUTOR: JADISLAINE DIAS PIOTTO - SP414392 REU: CLARO S.A., BANCO SANTANDER (…
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5011976-09.2023.4.03.6105 / 6ª Vara Federal de Campinas AUTOR: ULYSES PIOTTO Advogado do(a) AUTOR: JADISLAINE DIAS PIOTTO - SP414392 REU: CLARO S.A., BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A., CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF, FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA. Advogado do(a) REU: JOAO THOMAZ PRAZERES GONDIM - SP270757-A Advogados do(a) REU: FABRICIO DOS REIS BRANDAO - PA11471-A, RICARDO LUIZ SANTOS MENDONCA - BA13430 Advogado do(a) REU: CELSO DE FARIA MONTEIRO - SP138436 Advogado do(a) REU: DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - SP403594-A S E N T E N Ç A Trata-se de ação sob procedimento comum ajuizada por ULYSES PIOTTO em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, do BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A, da empresa CLARO S/A, e da empresa FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. (WhatsApp), qualificados na inicial, na qual postula a condenação dos réus ao ressarcimento por dano material, no valor de R$29.800,00, e ao pagamento de indenização por alegado dano moral sofrido, no montante de R$50.000,00. Narra o autor que teria sido vítima de suposto golpe perpetrado através do aplicativo de celular WhatsApp, por terceiro não identificado que se passou por uma de suas filhas, solicitando a transferência de quantia dinheiro em duas oportunidades, nos dias 29/12/2020 e 30/12/2020. Relata que, após a realização do segundo depósito, sua filha entrou em contato por telefone afirmando que não teria solicitado qualquer valor, quando, então, descobriu que se tratava de um golpe. Alega que lavrou boletim de ocorrência quanto ao ocorrido, sendo informado pelo banco que não seria possível devolver o valor depositado, uma vez que a quantia já teria sido sacada em sua quase totalidade. Aduz que o valor seria utilizado para tratamento dentário, sendo que, pelo prejuízo sofrido, estaria sem os dentes da arcada superior. Afirma que os réus foram coniventes com a fraude, uma vez não teriam se utilizado de qualquer meio necessário à salvaguarda de seus direitos. Sustenta que, em razão da negligência das rés quanto à segurança de dados de seus clientes, foi vítima de golpe por estelionatário. Assevera que os funcionários dos bancos não teriam sequer questionado o destino dos valores depositados, argumentando o autor que seria “de conhecimento geral que os funcionários dos bancos recebem – ou deveriam receber – treinamento capaz de reconhecer uma situação de fraude, principalmente envolvendo idosos”. Pugna pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor, requerendo a inversão do ônus da prova. Suscita a existência de responsabilidade objetiva dos réus. A inicial foi instruída com procuração e documentos. Deferida a prioridade na tramitação do feito (ID 300540627, p. 52) e indeferida a tutela de urgência (ID 300540627, p. 57). Citada, a empresa Claro NXT Telecomunicações Ltda. apresentou contestação, arguindo, em sede preliminar, sua ilegitimidade passiva e da empresa Nextel Telecomunicações, a ela incorporada. No mérito, pugnou pela improcedência do pedido (ID 300540627, p. 67-77). Citada, a empresa Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., que faz parte do conglomerado econômico do WhatsApp com sede no Brasil, contestou, suscitando, preliminarmente, a ausência de documento indispensável à propositura da ação, uma vez que não foi trazido aos autos cópia integral da conversa mantida entre o autor e o suposto golpista, e a sua ilegitimidade passiva. Discorreu sobre as ferramentas de segurança do aplicativo WhatsApp e a divulgação de campanhas visando alertar os usuários de como se proteger de possíveis golpes, pugnando pela improcedência do pleito autoral (ID 300540627, p. 96-107 e ID 300540629, p. 1-21). Citado, o Banco Santander apresentou defesa, alegando, como questão preliminar, sua ilegitimidade passiva, indicando como sujeito passivo Matheus Souza Pinheiro, para quem o valor depositado teria sido transferido. Impugnou a justiça gratuita requerida. Defendeu que o pedido seria improcedente (ID 300540630, p. 37-50). Devidamente citada, a CAIXA suscitou a exceção de incompetência absoluta (ID 300540630, p. 57-61). A empresa Facebook apresentou manifestação, pleiteando o julgamento antecipado da lide (ID 300540630, p. 62-67). O Banco Santander e a empresa Claro disseram não ter provas a produzir (ID 300540630, p. 68 e p. 69). O autor manifestou-se em réplica (ID 300540630, p. 70-87, e ID 300540631, p. 1-19). Determinada a remessa do processo para a Justiça Federal, em razão da presença da CEF no polo passivo (ID 300540631, p. 38). Recebidos os autos por esta Vara Federal, foram ratificados o indeferimento do pedido de tutela de urgência e o deferimento da prioridade na tramitação do feito (ID 307502684). A CEF manifestou não possuir provas a produzir (ID 312115448). Custas recolhidas (ID 312296052). O autor disse não haver outras provas a produzir (ID 317190781). O Banco Santander não requereu provas (ID 317434314). A empresa Facebook informou não ter provas a produzir, contrapondo-se às eventuais provas a serem requeridas pelo autor (ID 319059948). Alegações finais pela CEF (ID 319227639), pela empresa Claro S/A (ID 333829039) e pelo autor (ID 344044146). É o relatório. DECIDO. Pretende o autor a condenação da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, do BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A, da empresa CLARO S/A e da empresa FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. (Whatsapp), ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, ao argumento de que teria sido vítima de suposto golpe aplicado por meio do aplicativo de mensagens Whatsapp, que culminou na transferência indevida de valores de suas contas bancárias para terceiros. De início, verifico a existência de questão processual intransponível à análise do mérito. Consoante se verificou, o autor teria efetuado duas transferências bancárias, por meio de contas bancárias de instituições financeiras diferentes, mantidas junto à CEF e ao Banco Santander – ambas de sua titularidade –, em dias distintos, para contas bancárias e depositários diferentes, por solicitação de terceira pessoa que se passava por sua filha, em conversa pelo celular através do aplicativo Whatsapp. A ação foi ajuizada, originariamente, perante a Justiça Estadual de Campinas, tendo curso na 6ª Vara Cível, determinando-se a remessa do feito ao Juízo Federal, em razão da presença da Caixa Econômica Federal no polo passivo. Embora a narrativa seja semelhante nos dois casos, tais fatos evidenciam a existência de duas relações jurídicas distintas, uma, entre o autor e a CEF, e, outra, entre o autor e o Banco Santander, sendo competente este Juízo Federal apenas processar e julgar a lide instaurada em face da CEF, por se tratar de empresa pública federal. Por conseguinte, é possível constatar que o pleito indenizatório formulado pelo autor abrange relações jurídicas autônomas, que não mantém entre si conexão intrínseca ou incindível, nem abrange litisconsórcio passivo necessário e, no tocante ao depósito efetuado no Banco Santander, o juízo federal não tem competência para processamento do feito, diante do envolvimento exclusivo de particulares. Não tendo o Banco Santander, pessoa jurídica de direito privado, foro na Justiça Federal, e não sendo o caso de litisconsórcio passivo necessário com entidade que atraia a competência federal, não há como se apreciar o mérito do pedido contra ele formulado nos autos. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL COLETIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA EM FACE DE ONZE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. JUSTIÇA FEDERAL. JURISDIÇÃO ABSOLUTA. REGRAS PREVISTAS DIRETAMENTE NA CONSTITUIÇÃO. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO COMUM. LITISCONSORTES QUE NÃO POSSUEM FORO NA JUSTIÇA FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. CUMULAÇÃO DE DEMANDAS E DE PEDIDOS. JUÍZO INCOMPETENTE PARA CONHECER DE TODOS ELES (ART. 292, § 1º, INCISO II, CPC E ART. 109 DA CF/1988). ADEMAIS, EVENTUAL CONEXÃO (NO CASO INEXISTENTE) NÃO ALTERA COMPETÊNCIA ABSOLUTA E NÃO REÚNE AS AÇÕES QUANDO JÁ HOUVER SENTENÇA PROFERIDA. 1. A interpretação legal não pode conduzir ao estabelecimento de competência originária da Justiça Federal se isso constituir providência desarmônica com a Constituição Federal. 2. Portanto, pela só razão de haver, nas ações civis públicas, espécie de competência territorial absoluta - marcada pelo local e extensão do dano -, isso não altera, por si, a competência (rectius, jurisdição) da Justiça Federal por via de disposição infraconstitucional genérica (art. 2º da Lei n. 7.347/1985). É o próprio art. 93 do Código de Defesa do Consumidor que excepciona a competência da Justiça Federal. 3. O litisconsórcio facultativo comum traduz-se em verdadeiro cúmulo de demandas, que buscam vários provimentos somados em uma sentença formalmente única (DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 86). Sendo assim - e levando-se em conta que "todo cúmulo subjetivo tem por substrato um cúmulo objetivo" (idem, ibidem), com causas de pedir e pedidos materialmente diversos (embora formalmente únicos) -, para a formação de litisconsórcio facultativo comum há de ser observada a limitação segundo a qual só é lícita a cumulação de pedidos se o juízo for igualmente competente para conhecer de todos eles (art. 292, § 1º, inciso II, do CPC). 4. Portanto, como no litisconsórcio facultativo comum o cúmulo subjetivo ocasiona cumulação de pedidos, não sendo o juízo competente para conhecer de todos eles, ao fim e ao cabo fica inviabilizado o próprio litisconsórcio, notadamente nos casos em que a competência se define ratione personae, como é a jurisdição cível da Justiça Federal. 5. Ademais, a conexão (no caso inexistente) não determina a reunião de causas quando implicar alteração de competência absoluta e "não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado" (Súmula n. 235/STJ). 6. Recurso especial não provido. (STJ, 4ª Turma, REsp 1120169/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 15/10/2013 - grifei) Portanto, nos termos em que proposta a demanda, é possível constatar duas demandas: a primeira, referente ao depósito no dia 29/12/2020, em face da Caixa, da CLARO S/A, e do FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA (WhatsApp); e a segunda, referente ao depósito realizado em 30/12/2020, envolvendo Santander, CLARO S/A, e FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA (WhatsApp). Apenas os fatos que envolvem a CEF, em litisconsórcio com a Clara S/A e o FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA (WhatsApp) devem ser processados na Justiça Federal. Ainda, pertinente a aplicação do quanto previsto no §3º do artigo 45 do Código de Processo Civil, o qual determina que havendo o reconhecimento de sua incompetência, cabe ao Juízo Federal encaminhar o feito ao Juízo Estadual sem suscitar conflito. Note-se, entretanto, que as empresas Claro S/A e Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. deverão figurar no polo passivo das duas demandas em litisconsórcio com as instituições financeiras, nos termos do art. 113, II, do CPC. Por tais considerações, de rigor o desmembramento do feito quanto em relação ao BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A, às empresas CLARO S/A e FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA., com formação de autos apartados com cópia dos autos, que deverão ser remetidos para a 6ª Vara Cível da Justiça Estadual de Campinas, juízo prevento, ante a incompetência absoluta da Justiça Federal. Passo à análise do feito quanto à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e às empresas CLARO S/A e FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. (Whatsapp). Inicialmente, verifico que a CEF não se manifestou quanto ao mérito. Isso porque, conquanto regularmente citada (ID 300540627, p. 64), a CEF limitou-se a suscitar a incompetência absoluta do juízo estadual para processar e julgar o feito. Neste ponto, embora a CEF tenha manifestado que deveria ocorrer nova citação no juízo federal competente, verifica-se que a citação feita na Justiça Estadual foi válida, nos termos do art. 240 do CPC, não sendo o caso de repetição do ato. Na hipótese, devidamente citada, a CEF poderia ter protocolado a contestação no processo em curso perante o juízo estadual ou na Justiça Federal competente, conforme disposição do art. 340 do CPC. Note-se que, mesmo sem a apresentação de defesa, houve manifestação da CEF na fase de especificação de provas (ID 312115448) e apresentação de alegações finais (ID 319227639), sendo ela intimada de todos os atos do processo, devendo ser afastada eventual alegação de nulidade, eis que não configurado o cerceamento de defesa. Demais disso, também não se trata de hipótese de extinção do feito sem resolução do mérito pela alegada ausência de documento indispensável à propositura da ação, como arguido pelo réu Facebook, ao argumento de que não teria sido trazida aos autos a cópia integral da conversa mantida entre o autor e o suposto golpista, pelo aplicativo WhatsApp. Neste tocante, não obstante as argumentações do aludido réu, cabe distinguir a diferença entre “documentos indispensáveis à propositura da ação”, a ensejar a inépcia da inicial, e “documentos essenciais à prova do direito alegado”, cuja prova poderá ser complementada no curso do processo e valorada quando do julgamento do feito. In verbis: Ainda, o art. 320 do CPC/2015 estabelece que a petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação, exigindo que a parte reúna, juntamente com a exordial, todos os documentos indispensáveis à perfeita desenvoltura da lide, o que significa, exatamente os documentos relacionados com o fato e com os fundamentos jurídicos do pedido, ou seja, as provas através das quais a autora pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados. Vale apontar que há sensível diferença entre os conceitos de "documentos indispensáveis à propositura da ação" e de "documentos essenciais à prova do direito alegado". Somente a ausência dos primeiros autoriza a conclusão acerca da inépcia da petição inicial. A ausência dos demais não configura qualquer deficiência a viciar a demanda desde sua propositura, mas tão-somente uma deficiência probatória que pode ser sanada no decorrer do trâmite processual. Transcrevo trecho do entendimento de Cândido Rangel Dinamarco sobre a matéria: "São documentos indispensáveis à propositura da demanda somente aqueles sem os quais o mérito da causa não possa ser julgado, como a certidão de casamento na ação de separação judicial, a escritura pública e registro nas demandas fundadas em direito de propriedade, o instrumento do contrato cuja anulação se vem pedir etc. Não se incluem na exigência do art. 283 do Código de Processo Civil os demais possíveis documentos que o autor traria ou trará ao processo depois, ainda que importantes para que, no mérito, sua demanda seja julgada procedente." (DINAMARCO, Cândido Rangel. "Instituições de Direito Processual Civil", Vol. III, 5ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2005, pp. 381/382). (TRF 3ª Região, 9ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5007168-21.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN, julgado em 25/02/2021, DJEN DATA: 03/03/2021) No caso, a petição inicial foi instruída com documentos aptos à propositura da ação, incluindo aqueles que o autor entendeu que comprovariam os fundamentos de fato e de direito do seu pedido – ainda que de forma indiciária –, não restando configurada, portanto, a alegada inépcia. Já a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelos réus confunde-se com mérito, sendo com ele analisada. Para análise do mérito, necessário que se estabeleça que, a teor do disposto no artigo 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/90, “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Portanto, resta evidente a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos serviços prestados por instituições financeiras. Nesse sentido, a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do acórdão proferido no Recurso Especial nº 57.974-0, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julgamento de 25/4/95, segundo o qual “Os bancos, como prestadores de serviços especialmente contemplados no art. 3º, § 2º, estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor”. No mesmo diapasão recente decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 2591/DF, rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 7/6/2006). A propósito, é o entendimento consolidado na Súmula 479 do STJ de que "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". Ainda, a Súmula nº 297 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Com efeito, as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados a seus clientes decorrentes de defeitos relativos à prestação de seus serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, consoante expressamente prevê o artigo 14 do CDC, que considera defeituoso o serviço quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar. Determina, ainda, que a responsabilidade do fornecedor somente é afastada nas hipóteses do § 3º, do referido art. 14, quais sejam, prova pelo banco réu da inexistência do defeito ou da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. Esse comando legal é bem significativo, devendo ser combinado com seu §1º, para a resolução do caso concreto, in verbis: “Art. 14(...) §1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido”. Diante da aplicação do CDC ao presente caso, sendo o consumidor considerado vulnerável pela lei consumerista, e ante a dificuldade de produzir prova de suas alegações, o ônus da prova é invertido, com fulcro no art. 6º, VIII, do CDC, ficando a cargo dos fornecedores, in casu o banco réu e as empresas de comunicação, provarem que o ato lesivo em questão se deu por ação ou omissão do cliente ou de terceiros. Na hipótese dos autos, contudo, quanto à alegada responsabilidade da Caixa Econômica Federal (CEF), não se verifica a existência de falha ou defeito na prestação de serviços bancários e de segurança que lhes possa ser imputado, bem como não se denota nenhuma ação ou omissão das empresas Claro S/A e WhatsApp (Facebook) que tenha dado causa ao evento. O autor relata que, no dia 29/12/2020, recebeu uma mensagem pelo aplicativo WhatsApp por terceira pessoa que se passava por sua filha Juliane Dias Piotto Juabre, através de número de celular que acreditava a ela pertencer, solicitando a transferência de R$7.800,00 (sete mil e oitocentos reais), para conta bancária em nome de Amanda Alvez Mendes, CPF 703.955.181-05, Banco Itaú, Agência 4289, Conta DV 00000035135-7. Aduz, assim, que se dirigiu à agência da CEF, na mesma data, realizando a transferência bancária. No dia seguinte, em 30/12/2020, conversando pelo mesmo aplicativo com a suposta filha, foi-lhe solicitado que realizasse outro depósito bancário, para conta diversa, de outro titular, em outra instituição financeira, dirigindo-se o autor, desta feita, à agência do Banco Santander, onde também possuía conta. Esclarece que a filha Juliane Dias Piotto Juabre possuiria dois números de telefones distintos, com fotos de perfil diferentes, sendo (11) 99104-7867, de uso profissional, e (19) 99120-0073, de uso pessoal, sendo o contato entre pai e filha feito por ambos os números. Sustenta que para confirmação dos dados do segundo depósito, teria tentado entrar em contato telefônico com a filha, pelo celular de DDD 11, cuja ligação não foi atendida, mas que, logo em seguida, recebeu uma mensagem pelo aplicativo WhatsApp com confirmação da suposta filha quanto ao destinatário do depósito e ao valor. Afirma que, realizado o segundo depósito, já fora da agência bancária, foi contactado pela filha Juliane, pelo celular de DDD 19, quando foi por ela informado que não havia solicitado nenhum depósito e que não estaria de posse do outro celular de DDD 11, que teria ficado em sua residência. Alega que outras pessoas teriam recebido mensagem com informação de que o número de telefone de Juliane havia mudado, solicitando o depósito de quantia em dinheiro, como se ela fosse, e que a foto de perfil do aplicativo seria de Juliane. Aduz que acreditava que o valor solicitado seria utilizado para garantia de imóvel recém adquirido na praia de Bertioga por sua filha. Com efeito, ainda que o autor tenha passado por uma experiência frustrante, é incontroverso que concorreu para a ocorrência do fato, visto que, após o recebimento das mensagens via Whatsapp, efetuou a transferência bancária, comparecendo presencialmente na agência da CEF, sem ter verificado previamente se se tratava, de fato, de mensagens de sua filha. O próprio autor afirma que a filha possuía dois números de celular e que utilizava dois aparelhos diferentes. Assim, mesmo que um dos números estivesse indisponível, seria possível tentar ligar para o outro número ou entrar em contato com pessoa próxima, como o esposo de sua filha ou as outras três filhas do autor, antes de se dirigir à agência bancária, a fim de confirmar a solicitação dos depósitos. Consta do Boletim de Ocorrência que “após realizar o depósito, retornou para sua residência. Cerca de meia hora depois, recebeu o contato de sua filha, através do celular do esposo da mesma, e a vítima informou que o depósito solicitado havia dado certo, quando então sua filha informou que não estava conseguindo acessar seu aplicativo WhatsApp, e que não havia encaminhado nenhuma mensagem ao pai solicitando dinheiro, percebendo neste momento que havia sido vítima de um golpe” (ID 300540627, p. 33).” Note-se que a transferência bancária solicitada foi destinada para conta de terceiro, desconhecido do autor, sem que ele tenha sequer questionado o motivo da transação não ser efetuada em conta própria da filha ou de algum familiar ou, ainda, de pessoa conhecida. Demais disso, constata-se que o depósito foi realizado presencialmente pelo autor, que compareceu na agência bancária da CEF, no dia 29/12/2020, conforme comprovante ID 300540627, p. 42, no período de calamidade pública da pandemia do COVID-19, durante o qual a circulação de pessoas, o funcionamento do comércio e a prestação de serviços foi restringido. Portanto, até por questão de saúde pública, o autor deveria ter confirmado a solicitação feita pela filha por meio do aplicativo de mensagem ou tentado entrar em contato com algum familiar, antes de sair de casa. Sendo objetiva a responsabilidade, não se perquire existente ou não culpa na prestação do serviço, mas apenas se configurado ou não nexo de causalidade entre a conduta e o dano sofrido nas relações de consumo. Neste ponto, não se vislumbra qualquer conduta omissiva ou comissiva por parte da CEF que tenha dado ensejo ao prejuízo sofrido, tampouco conduta da operadora de telefonia ou do WhatsApp (Facebook). A transferência bancária foi realizada voluntariamente pelo autor, com cartão próprio e senha, pelo próprio titular da conta, a qual possuía saldo suficiente, de forma presencial, não havendo como a instituição financeira perquirir quanto à suposta movimentação atípica. No caso em comento, ainda, a condição de idoso não foi determinante para que o autor fosse alvo dos supostos estelionatários, os quais, segundo alega, teriam enviado mensagens para outras pessoas da lista de contato de sua filha. Em relação à Claro S/A, alega o autor que seria a operadora de telefonia responsável pelo número de celular de uso profissional de sua filha, de DDD 11, cujo serviço seria pago pela empresa empregadora. Ocorre que, conforme narrado na inicial, o contato com o autor foi feito a partir de outro número de celular de DDD 16 (16-99640-4733), uma vez que o telefone usado para trabalho teria ficado na residência de sua filha. Logo, também não se evidencia qualquer ação ou omissão por parte da empresa. Do mesmo modo, quanto à empresa responsável pelo aplicativo WhatsApp, cabe destacar que não se tratou de “clonagem” da conta do aplicativo de mensagem de sua filha, uma vez que o próprio autor afirma que o contato foi feito através de um terceiro número de celular não identificado de DDD 16. Não obstante a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) preceitue em artigo 6º,"caput", VII e VIII, que o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, devam observar a boa-fé e os princípios da segurança, consistente na "utilização de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão", e da prevenção, que trata da "adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pessoais", sob pena de responsabilização dos operadores e controladores pelos danos decorrentes da violação de tais deveres, nos termos do artigo 42 da lei, não haverá direito à reparação civil nas hipóteses em que o consumidor der causa aos prejuízos por ele experimentados, por sua culpa exclusiva ou de terceiro, nos termos do art. 14, §3º, II, do CDC. Como destacado, após o depósito realizado de forma voluntária pelo autor, não se constatou a utilização indevida de seus dados bancários para realização de outras transações bancárias por terceiros. Em que pese ser lamentável o prejuízo experimentado, não pode o evento narrado na petição inicial ser entendido como fortuito interno relacionado às atividades de comunicação e às atividades bancárias, porquanto causado diretamente por terceiros e por culpa exclusiva da vítima, uma vez que não adotou as cautelas mínimas necessárias para se resguardar de alegada fraude. Frise-se que a figura da culpa exclusiva da vítima e de terceiro possui o condão de excluir a responsabilidade do prestador de serviços (art. 14, § 3º, II, da lei nº 8078/90). Neste sentido: RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. PARTE AUTORA RECEBEU LIGAÇÃO PARA QUE FOSSE FEITA TRANSFERÊNCIA DE VALORES EM FAVOR DE SUA FILHA. POSTERIORMENTE, PERCEBEU QUE FOI VÍTIMA DE GOLPE DE ESTELIONATÁRIO. TRANSFERÊNCIA REALIZADA VOLUNTARIAMENTE. AÇÃO DE TERCEIRO FOI A CAUSADORA DA SITUAÇÃO RELATADA. AUSÊNCIA DE FALHA NO SERVIÇO PRESTADO PELA CEF. AUSÊNCIA DE ILICITO COMETIDO PELA CEF. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DA PARTE AUTORA DESPROVIDO. (TRF3 - 2 Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, RecInoCiv 5000749-61.2024.4.03.6307, Juiz Federal Alexandre Cassettari, DJEN data: 24/04/2025) INDENIZATÓRIA. “Golpe do WhatsApp”. Aplicação do CDC. Legitimidade passiva do Facebook. Caracterizada, por participar do mesmo conglomerado econômico em que está inserido o aplicativo de mensagens. Autor que realizou transferência de valor a pedido de terceiro, que se passou por seu filho. Transferência realizada de forma espontânea pelo próprio demandante que recebeu mensagem de um número distinto de seu filho, o que mostra que a conta do WhatsApp dele não foi invadida. Culpa exclusiva da vítima. Excludente de responsabilidade. Inteligência do art. 14, 3, II do CPC. Inexistência de falha na prestação de serviços a justificar o pleito indenizatório. Precedentes. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJSP, 38 Câmara de Direito Privado, Apelação Cível 1007714-80.2021.8.26.0576, Relatora Desembargadora Anna Paula Dias da Costa, Data do Julgamento: 21/06/2022, votação unânime, Data de Registro: 21/06/2022) Por tais considerações, impõe-se a improcedência do pedido. Diante do exposto: a) Reconheço a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o pedido referente à lide envolvendo o BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A, em litisconsórcio com a CLARO S/A e FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA.,declinando da competência em favor do Juízo da 6ª Vara cível da Justiça Estadual de Campinas, determinando o desmembramento do feito, com remessa de cópia integral dos autos; b) Quanto à lide instaurada contra às corrés CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, CLARO S/A e FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA., nos termos do art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE o pedido. Diante do desmembramento do feito, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% de metade do valor da causa, a ser rateado entre os corréus CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, CLARO S/A e FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA. Decorrido o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado da presente. Interposta apelação, vista à parte contrária para as contrarrazões e, logo após, remetam-se os autos ao e. TRF 3ª Região. À Secretaria/CPE para que proceda ao desmembramento do feito e à remessa dos autos apartados à 6ª Vara Cível da Justiça Estadual de Campinas. Publique-se e intimem-se. Campinas, data da assinatura eletrônica.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear