Uber Do Brasil Tecnologia Ltda. x Simao Correa De Castro
ID: 257535129
Tribunal: TRT10
Órgão: 1ª Turma
Classe: RECURSO ORDINáRIO - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0000312-69.2024.5.10.0021
Data de Disponibilização:
22/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUSTAVO HENRIQUE VIEIRA JACINTO
OAB/SP XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: ANDRE RODRIGUES PEREIRA DA VEIGA DAMASCENO 0000312-69.2024.5.10.0021 : UBER DO BRASIL TECNOLO…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: ANDRE RODRIGUES PEREIRA DA VEIGA DAMASCENO 0000312-69.2024.5.10.0021 : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. : SIMAO CORREA DE CASTRO PROCESSO n.º 0000312-69.2024.5.10.0021 - RECURSO ORDINÁRIO - RITO SUMARÍSSIMO (11886) RELATOR: DESEMBARGADOR ANDRÉ R. P. V. DAMASCENO RECORRENTE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. ADVOGADO: RAFAEL ALFREDI DE MATOS RECORRIDO: SIMAO CORREA DE CASTRO ADVOGADO: GUSTAVO HENRIQUE VIEIRA JACINTO ORIGEM: 21ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA-DF CLASSE ORIGINÁRIA: Ação Trabalhista - Rito Ordinário (JUÍZA MARIA JOSE RIGOTTI BORGES) EMENTA (dispensada nos termos do art. 895, §1º, IV da CLT) RELATÓRIO Dispensado, na forma do artigo 852-I c/c artigo 895, §1º, IV, da CLT. VOTO ADMISSIBILIDADE Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso ordinário. MÉRITO O reclamante, em exordial, assevera que trabalhou como motorista da Uber, entre 10/09/2022 e 08/10/2023. Durante esse período, recebia remuneração média de R$ 3.500,00. Alega que havia subordinação, pois a Uber determinava regras rígidas sobre horário, tarifas e rotas. A relação foi encerrada unilateralmente pela Uber, com bloqueio do acesso ao aplicativo, sem explicação ou defesa prévia. Tal bloqueio causou prejuízos econômicos e morais, afetando a subsistência do autor. Requer o reclamante o reconhecimento da relação de emprego, com o pagamento das verbas trabalhistas devidas. Caso não seja reconhecido o vínculo empregatício, requer, sucessivamente: indenização por rescisão contratual de autônomo, alegando que a exclusão sem justa causa viola o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Desbloqueio e reintegração à plataforma, pois a exclusão violaria os princípios da boa-fé objetiva e ampla defesa. A reclamada, em contestação, assevera que a Justiça do Trabalho não é competente para o julgamento da ação. No mérito, argumenta que a relação entre as partes não preenche os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT. Afirma que o desligamento do reclamante ocorreu por violação dos Termos de Uso da Uber. Anexou relatos de passageiros, que indicam conduta inadequada do reclamante. O Código de Conduta da Uber proíbe comportamentos ofensivos e inadequados. Afirma que não há falar em dano moral indenizável. O julgador de origem entendeu que a Justiça do Trabalho é competente para a análise da questão jurídica trazida nos autos e, no mérito, julgou parcialmente procedentes os pedidos exordiais, deferindo o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício entre o reclamante e a reclamada, que ora fixou como data de admissão o dia 10/09/2022 e data de dispensa imotivada em 08/10/2023, bem como as verbas trabalhistas e rescisórias devidas. Irresignada, a reclamada repisa a argumentação de que a Justiça do Trabalho não é competente para analisar matéria de cunho puramente civil. No mérito, repisa a argumentação no sentido de que não há falar de vínculo empregatício entre a recorrente e o recorrido. Pois bem. Como bem decidido na origem, o pedido do reclamante neste processo é de reconhecimento do contrato de emprego, com anotação na CTPS e de pagamento dos consectários, portanto, é inafastável a competência desta Justiça Especializada, na forma do art. 114, I, da CF/88. A natureza jurídica da relação havida entre as partes é matéria afeta ao mérito. No entanto, observo que a parte reclamante fez pedidos sucessivos, caso o seu pedido de reconhecimento do vínculo de emprego não fosse julgado procedente, quais sejam, os de indenização por rescisão contratual de autônomo e desbloqueio e reintegração à plataforma. A Justiça do Trabalho é incompetente para a análise de tais pedidos. Registro isto ainda que a juíza de origem tenha avançado quanto ao pedido indenizatório, para julgá-lo improcedente, vez que a sentença não vincula a atuação deste órgão colegiado quanto à análise de matéria de ordem pública. Dou parcial provimento no ponto. Prosseguindo, observo que a relação de emprego, consoante dispõe o artigo 3º, da CLT, somente se aperfeiçoa se presentes os pressupostos da pessoalidade, da subordinação, da contraprestação direta e da não eventualidade dos serviços. É necessária a reunião de todos esses requisitos para caracterizar a figura do empregado, bastando que falte um deles para que a relação jurídica não configure relação empregatícia. O requisito essencial que distingue um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviços é o da subordinação jurídica. Segundo o autor Maurício Godinho Delgado, na obra "Curso de Direito do Trabalho", 3ª ed., ed. Ltr, 2004, pág. 334, "Os diversificados vínculos de trabalho autônomo existentes afastam-se da figura técnico-jurídica da relação de emprego essencialmente pela falta do elemento fático-jurídico da subordinação". Explicita, ainda, o referido autor, que "A subordinação, como se sabe, é aferida a partir de um critério objetivo, avaliando-se sua presença na atividade exercida, no modo de concretização do trabalho pactuado. Ela ocorre quando o poder de direção empresarial exerce-se com respeito à atividade desempenhada pelo trabalhador, no modus faciendi da prestação de trabalho. A intensidade de ordens no tocante à prestação de serviços é que tenderá a determinar, no caso concreto, qual sujeito da relação jurídica detém a direção da prestação dos serviços: sendo o próprio profissional, desponta como autônomo o vínculo concretizado; sendo o tomador de serviços, surge como subordinado o referido vínculo" (o destaque é meu). O trabalho é subordinado quando desenvolvido sob o direcionamento ou orientação do empregador ou seus prepostos, sem que o empregado tenha poder decisório sobre os destinos da atividade ou autonomia sobre a forma de prestação laboral. Registre-se que não é necessário que o empregado tenha jornada rígida ou exerça suas funções exclusivamente nas dependências do estabelecimento patronal, bastando que a prestação de serviços esteja integrada na dinâmica empresarial de outrem. Dito isso, observo que "Se o reclamado nega que o reclamante lhe tenha prestado qualquer espécie de trabalho, fato constitutivo básico da relação empregatícia, a este compete prová-la. Reconhecida a prestação de trabalho, presume-se, por verossimilhança, a relação de emprego. Compete, então, ao reclamado provar a ocorrência dos fatos que impediram a prestação de trabalho gerar a relação de emprego" (interpretação dos arts. 818/CLT e 373/CPC, à vista do art. 3º/CLT)(Desembargador FERNANDO A. V. DAMASCENO, destaque nosso). No caso, a parte autora aderiu aos serviços de intermediação da plataforma digital da reclamada, com a utilização do aplicativo para obtenção de clientes cadastrados. Nessa hipótese em que está ausente a subordinação jurídica, resulta inconsistente a tese da relação de emprego. Nesse sentido, precedente desta egr. Turma: "VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PLATAFORMAS DIGITAIS. RELAÇÕES DE CONSUMO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. MOTORISTA AUTÔNOMO. SUBORDINAÇÃO. AUSÊNCIA. As plataformas virtuais têm conquistado rápido e amplo papel nos diversos setores da vida moderna, incrementando e facilitando o acesso a setores ligados ao transporte, ao turismo, ao consumo, ao lazer, à prestação de serviços, sem que isso caracterize desvirtuamento das antigas práticas nas relações entre tomador e prestador de serviços. O fato preponderante a distinguir a relação empregatícia e a prestação de serviço é a subordinação. A subordinação, etimologicamente, significa um estado de dependência ou obediência que evidencie uma submissão ou sujeição ao poder de outros. Uma relação estabelecida entre pessoas e segundo a qual uma recebe ordens ou incumbências numa posição de dependência. A utilização da plataforma digital representa avanço tecnológico presente nas relações de consumo e de prestação de serviços, garantindo ao consumidor/cliente a comodidade, a variabilidade, a segurança do serviço prestado ou do produto adquirido e, em contrapartida, oferecendo ao vendedor/prestador a publicidade e a garantia do pagamento. Garante-se em especial aos motoristas de transporte autônomo (taxistas/motorista de aluguel) a segurança e a indicação de um cliente sem a necessidade de rodar pelas vias da cidade ou permanecer em ponto específico em espera, sem colocar em risco seu patrimônio ou sua vida à mercê de criminosos. Outro ponto importante a destacar é a obtenção do lucro diretamente proporcional à atividade desempenhada pelo trabalhador autônomo, sendo que o valor percentual repassado à empresa desenvolvedora da plataforma virtual representa o custeio decorrente da parceria pela promoção da publicidade e angariação de clientes ao prestador de serviços (motorista autônomo).(TRT-10ªRegião, Ac.1ªTurma, ROT-0000016-15.2021.5.10.0001, Rel.Desembargador Dorival Borges de Souza, Julgado em 27/07/2022 e Publicado em 02/08/2022). Na mesma direção, precedentes do col. TST: "AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE - RITO SUMARÍSSIMO - VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE MOTORISTA E PLATAFORMAS TECNOLÓGICAS OU APLICATIVOS CAPTADORES DE CLIENTES (99 TECNOLOGIA LTDA.) - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA - DESPROVIMENTO. 1. Avulta a transcendência jurídica da causa (CLT, art. 896-A, § 1º, IV), na medida em que o pleito de reconhecimento do vínculo de emprego envolvendo os recentes modelos de contratação firmados entre motoristas de aplicativo e empresas provedoras de plataformas de tecnologia por eles utilizadas ainda é novo no âmbito desta Corte, demandando a interpretação da legislação trabalhista em torno da questão. 2. Ademais, deixa-se de aplicar o óbice previsto na Súmula 126 desta Corte, uma vez que os atuais modelos de contratação firmados entre as empresas detentoras de plataformas de tecnologia (no caso, a "99 Tecnologia Ltda.") e os motoristas que delas se utilizam são de conhecimento público e notório (art. 374, I, do CPC) e consona com o quadro fático delineado pelo Regional. 3. Em relação às novas formas de trabalho e à incorporação de tecnologias digitais no trato das relações interpessoais - que estão provocando uma transformação profunda no Direito do Trabalho, mas carentes ainda de regulamentação legislativa específica - deve o Estado-Juiz, atento a essas mudanças, distinguir os novos formatos de trabalho daqueles em que se está diante de uma típica fraude à relação de emprego, de modo a não frear o desenvolvimento socioeconômico do país no afã de aplicar regras protetivas do direito laboral a toda e qualquer forma de trabalho. 4. Nesse contexto, analisando, à luz dos arts. 2º e 3º da CLT, a relação existente entre a "99 Tecnologia Ltda." e os motoristas que se utilizam desse aplicativo para obterem clientes aos seus serviços de transporte, tem-se que: a) quanto à habitualidade, inexiste a obrigação de uma frequência predeterminada ou mínima de labor pelo motorista para o uso do aplicativo, estando a cargo do profissional definir os dias e a constância em que irá trabalhar; b) quanto à subordinação jurídica, a par da ampla autonomia do motorista em escolher os dias, horários e forma de labor - podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Reclamada ou sanções decorrentes de suas escolhas -, a necessidade de observância de cláusulas contratuais (valores a serem cobrados, código de conduta, instruções de comportamento, avaliação do motorista pelos clientes), com as correspondentes sanções no caso de descumprimento (para que se preserve a confiabilidade e a manutenção do aplicativo no mercado concorrencial), não significa que haja ingerência no modo de trabalho prestado pelo motorista, reforçando a convicção quanto ao trabalho autônomo a inclusão da categoria de motorista de aplicativo independente, como o motorista da "99 Tecnologia Ltda.", no rol de atividades permitidas para inscrição como Microempreendedor Individual - MEI, nos termos da Resolução 148/2019 do Comitê Gestor do Simples Nacional; c) quanto à remuneração, o caráter autônomo da prestação de serviços se caracteriza por arcar, o motorista, com os custos da prestação do serviço (manutenção do carro, combustível, IPVA), caber a ele a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos ocorridos, dentre outros (ainda que a empresa provedora da plataforma possa a vir a ser responsabilizada solidariamente em alguns casos), além de os percentuais fixados pela "99 Tecnologia Ltda.", de cota - parte do motorista, serem superiores ao que este Tribunal vem admitindo como suficientes a caracterizar a relação de parceria entre os envolvidos, como no caso de plataformas semelhantes (ex.: Uber Brasil Tecnologia Ltda . ). 5. Já quanto à alegada subordinação estrutural, não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos a fim de reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que atuam em novas formas de trabalho, emergentes da dinâmica do mercado concorrencial atual e, principalmente, de desenvolvimentos tecnológicos, nas situações em que não se constata nenhuma fraude, como é o caso das empresas provedoras de aplicativos de tecnologia, que têm como finalidade conectar quem necessita da condução com o motorista credenciado, sendo o serviço prestado de motorista, em si, competência do profissional e apenas uma consequência inerente ao que propõe o dispositivo. 6. Assim sendo, não merece reforma o acórdão regional que não reconheceu o vínculo de emprego pleiteado na presente reclamação, ao fundamento de ausência de subordinação jurídica entre o motorista e a empresa provedora do aplicativo. Agravo de instrumento desprovido " (AIRR-10379-07.2022.5.03.0006, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 19/12/2022). "AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . Conforme já exposto na decisão agravada, os elementos constantes dos autos revelam a inexistência do vínculo empregatício, tendo em vista a autonomia no desempenho das atividades do autor, a descaracterizar a subordinação. Isso porque é fato indubitável que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. E, relativamente aos termos e condições relacionados aos referidos serviços, esta Corte, ao julgar processos envolvendo motoristas de aplicativo, ressaltou que o motorista percebe uma reserva do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Ante a improcedência do recurso, aplica-se à parte agravante a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Agravo não provido, com imposição de multa" (Ag-AIRR-1001160-73.2018.5.02.0473, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 20/08/2021). Outrossim, com base nas provas documentais e orais apresentadas, observo que a prova testemunhal emprestada, analisada pelo juízo de origem, demonstrou que os motoristas que trabalham utilizando a plataforma digital da Uber podem escolher quando iniciam e quando finalizam o horário de trabalho, que podem alterar a rota definida pelo aplicativo, que não estão obrigados a fazerem um determinado número de viagens, que não são obrigados a aderirem às promoções do aplicativo, que podem utilizar outras plataformas semelhantes à Uber, que não são obrigados a oferecer balinhas e água aos passageiros, entre outras possibilidades de escolha. Ainda que a conclusão do juízo de origem tenha sido de que havia subordinação jurídica do reclamante à reclamada, este Relator, analisando as provas dos autos não adere a esta conclusão. Assim, dou provimento ao recurso da reclamada para afastar o reconhecimento do vínculo empregatício na origem, bem como todas as verbas a que a empresa foi condenada, em decorrência deste vínculo. Com a improcedência do pedido, afasta-se a obrigação de pagamento de honorários advocatícios pela reclamada. No entanto, condeno o reclamante ao pagamento de honorários sucumbenciais no percentual de 10%, observada a condição suspensiva de exigibilidade, conforme o Verbete nº 75/2019 desta Corte, em razão da gratuidade de justiça concedida. CONCLUSÃO Isso posto, conheço do recurso ordinário e, no mérito, dou-lhe parcial provimento, para afastar o reconhecimento do vínculo empregatício na origem, bem como todas as verbas a que a empresa foi condenada, em decorrência deste vínculo. Declaro, outrossim, a incompetência da Justiça do Trabalho para a análise dos pedidos sucessivos. Por fim, com a improcedência do pedido, afasta-se a obrigação de pagamento de honorários advocatícios pela reclamada. No entanto, condeno o reclamante ao pagamento de honorários sucumbenciais no percentual de 10%, observada a condição suspensiva de exigibilidade, conforme o Verbete nº 75/2019 desta Corte, em razão da gratuidade de justiça concedida. Custas, pelo reclamante, no valor de R$ 460,00, de cujo recolhimento encontra-se isento. Tudo nos termos da fundamentação. É o meu voto. ACÓRDÃO Por tais fundamentos, ACORDAM os Integrantes da Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, por maioria, dar-lhe parcial provimento, para afastar o reconhecimento do vínculo empregatício na origem, bem como todas as verbas a que a empresa foi condenada, em decorrência deste vínculo. Declarar, outrossim, a incompetência da Justiça do Trabalho para a análise dos pedidos sucessivos. Por fim, com a improcedência do pedido, afasta-se a obrigação de pagamento de honorários advocatícios pela reclamada. No entanto, condena-se o reclamante ao pagamento de honorários sucumbenciais no percentual de 10%, observada a condição suspensiva de exigibilidade, conforme o Verbete nº 75/2019 desta Corte, em razão da gratuidade de justiça concedida. Custas, pelo reclamante, no valor de R$ 460,00, de cujo recolhimento encontra-se isento. Tudo nos termos do voto do Des. Relator. Vencido o Des. Grijalbo Coutinho, que juntará declaração de voto. Julgamento ocorrido sob a Presidência do Desembargador Grijalbo Coutinho, com a participação dos Desembargadores André R. P. V. Damasceno, Dorival Borges e do Juiz convocado Luiz Henrique Marques da Rocha. Ausentes, justificadamente, as Desembargadoras Flávia Falcão (na direção da Escola Judicial), Elaine Vasconcelos (em licença médica) e o Juiz convocado Denilson B. Coêlho (em gozo de férias). Pelo MPT, o Dr. Erlan José Peixoto do Prado (Procurador Regional do Trabalho), que opinou pelo prosseguimento do recurso. Presente o Dr. Felipe Maia Correia (advogado). Sessão Ordinária Presencial de 9 de abril de 2025 (data do julgamento). Andre Rodrigues Pereira da Veiga Damasceno Relator(a) Voto do(a) Des(a). GRIJALBO FERNANDES COUTINHO / Desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho Destaquei para divergir e manter a sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos a seguir transcritos de maneira literal, quanto ao RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE O RECLAMANTE MOTORISTA E A UBER: "A reclamada defende-se, negando a existência do vínculo empregatício, sustentando, sinteticamente, que fornece o serviço de tecnologia, qual seja, aplicativo para celular, que permite que interessados em prestar serviço de transporte busquem, recebam e atendam solicitações de potenciais usuários e, pelo uso da plataforma, o motorista paga a Uber por meio de uma taxa de serviço, de cerca de 25% (vinte e cinco por cento) do valor da viagem. Defende a tese de que a relação jurídica e contratual estabelecida não se trata de relação de trabalho ou emprego, nos termos do art. 114 da Constituição, mas sim de relação comercial decorrente da contratação e utilização, pelo motorista do aplicativo, sendo a relação existente entre o motorista e a Uber de parceria comercial. Posta a controvérsia, passo a decidir. Ao aduzir fato impeditivo à pretensão autoral, a reclamada atraiu para si o ônus de comprovar a inexistência do vínculo empregatício (CLT, artigo 818, II). As partes, na audiência de instrução realizada (fl. 749 - ata de id7ee8dcb), enumeraram os seguintes pontos incontroversos: 1 - Ficava a critério do motorista o início e término do horário de utilização da plataforma; 2 - O motorista poderia alterar a rota definida pelo aplicativo em comum acordo com o passageiro, o que pode ou não gerar alteração de valor; 3 - Não havia exigência quanto ao número mínimo de viagens diárias; 4 - Ficava a critério do motorista a participação ou não em promoções; 5 - O motorista apenas fez o cadastro por meio do aplicativo, não sendo realizado nenhum processo seletivo; 6 - É critério do motorista utilizar outras plataformas; 7 - O motorista decide os dias de folga e nos dias de folga, não era necessário justificar a ausência na plataforma; 8 - Poderia receber o valor da viagem diretamente do passageiro, quando pago em dinheiro; 9 - O motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro; 10 - a reclamada não garante remuneração mínima ao final do dia/mês; 11 - A reclamada aceita que dois ou mais parceiros utilizem o mesmo veículo; 12 - Não é obrigatório o fornecimento de água e bala, ficando a critério do motorista, bem como prova emprestada os processos de depoimento da testemunha Vitor de Lalor Rodrigues da Silva , no processo 0100776-82.2017.5.01.0026 ID b6a0795 e Walter Martins, ID 90c4a14. Também concordaram em utilizar prova emprestada, que passo a transcrever a seguir: A) Prova emprestada indicada pelo reclamante (idd5cfac2) - depoimento da testemunha Denílson Nascimento Silva, Termo de Audiência Relativo ao Processo 0000549-57.2020.5.22.0006: "que prestou serviço de 2016 a 2019, para a parte reclamada, aqui em Teresina, como motorista de aplicativo; que isso também ocorreu com a parte reclamante, porém, não sabe ao certo o período trabalhado pelo reclamante; que também não sabe dizer o valor exato de quanto o reclamante apurava por mês, mas afirma que era um valor muito bom; que não trabalhava conjuntamente com o reclamante e nem chegou a trabalhar com o reclamante no mesmo veículo; que a parte reclamante trabalhava a partir das 16h, indo em média até as 9h da manhã do dia seguinte, todos os dias da semana (geralmente com folgas às terça-feiras), com intervalos de descanso entre uma viagem e outra que perduravam mais de 2h; que presta esta informação porque fazia parte de um grupo de whatsap de motoristas Uber do qual a parte reclamante também fazia parte e pelo qual todos os motoristas ali integrantes se intercomunicavam; que o reclamante deixou de prestar serviços para a reclamada em razão de um passageiro ter reclamado dele reclamante junto à Uber e aí a Uber bloqueou o acesso do reclamante ao aplicativo respectivo; que a Uber cobra dos seus motoristas percentuais variados por corridas (15%, 30% e no máximo 40%); que quando os motoristas buscam contato com a Uber para saber o "porquê" da variação desses percentuais nunca obtém resposta; que quando os passageiros pagam uma corrida em dinheiro, os motoristas ficam com tal valor, mas a Uber já lança no sistema o percentual que lhe caberá de tal corrida e será deduzido dos valores que estarão por ser repassados ao motorista quando das corridas pagas em cartão de crédito ou débito, que os motoristas Uber não pagam taxas mensais para utilização do respectivo aplicativo, mas, tão somente, um percentual do valor de cada corrida efetivada, que os motoristas não podem dar descontos nos valores das corridas e diz que tais valores são fixados pela própria Uber; que todos os custos de manutenção do veículo (combustível, consertos, impostos etc) são de responsabilidade exclusiva dos motoristas; que os motoristas não recebem mensagens da Uber com estipulação de metas e/ou prêmios; que os motoristas podem cancelar corridas até um certo número fixado pela Uber e se passar de tal número a Uber procede com o bloqueio temporário do aplicativo do motorista; que os motoristas Uber não podem se fazer substituir por outrem no exercício de suas atividades, pois se a Uber detectar tal fato procede, de imediato, com o bloqueio do aplicativo respectivo; que o motorista Uber somente pode trabalhar em suas corridas com o veículo devidamente cadastrado junto ao sistema Uber e se pretender trocar de veículo para fazer tais corridas tem que cadastrar previamente esse outro veículo; que a Uber exige dos motoristas que o veículo cadastrado tenha 4 portas, ar condicionado e no máximo 10 anos de uso; que a Uber avalia a condição de tal veículo, também, de acordo com as indicações/avaliações dos passageiros lançadas no aplicativo Uber; que a Uber só permite o transporte do passageiro que solicitou a corrida, afirmando que o motorista não pode aceitar outros solicitantes enquanto estiver no transporte daquele primeiro passageiro; que o sistema Uber admite o transporte de mais de um passageiro solicitante quando as corridas são "compartilhadas", não sabendo afirmar se nessas ocasiões há ou não redução de tarifas cobradas dos usuários Uber; que a época que trabalhou para a Uber não existia esse sistema de corridas compartilhadas; que a época em que trabalhou para a reclamada, os motoristas só ficavam sabendo do destino da corrida quando o passageiro entrava no veículo e iniciavam a viagem; que a Uber enviava mensagens para os motoristas recomendando que fossem cordiais com os passageiros, inclusive oferecendo água e/ou balinhas; que a Uber não exigia informações dos motoristas sobre seus respectivos antecedentes criminais quando os contratava/permitia que esses motoristas utilizassem de seu aplicativo Uber; que a Uber somente exigia, para cadastro dos motoristas no sistema, os seguintes documentos: CNH, comprovante de residência e documento do veículo; que os passageiros Uber não tem a possibilidade de escolher o motorista para a sua corrida, não tendo como dar preferência a fazer tal corrida com o motorista de seu agrado; que ele depoente trabalhava todos os dias da semana, como motorista Uber, geralmente folgando nas terças e trabalhando mais nos finais de semana; que nos finais de semana aumentava o número de passageiros e também o valor de cada corrida." B) Prova emprestada indicada pela reclamada: depoimento da testemunha Vinicius dos Anjos Alves Feitosa (0011886-26.2020.5.15.0010 - id82b79cf): "que o depoente é motorista das empresas aplicativo Uber e 99; que na reclamada, o depoente trabalha desde julho ou agosto de 2019, quando fez o cadastramento; que o depoente trabalha em várias cidades, pois a reclamada assim permite, porém, na maioria das vezes, o depoente trabalha em Rio Claro; que na hipótese do motorista se ter uma avaliação ruim pelos usuários, sofre como consequências não receber corridas boas ou receber menos corridas; que as empresas aplicativo não deixam claro as consequências da avaliação ruim, mas é possível perceber as consequências no dia a dia; que quando o motorista faz o seu cadastramento, a empresa aplicativo fornece um tutorial explicando como se logar, como fazer uma corrida, porém de modo superficial e o valor da corrida varia de acordo com as condições do momento; que a reclamada paga ao motorista em conformidade com a cidade da prestação de serviços; que em Rio Claro, a reclamada paga R$ 0,82 por km e R$ 0,14 por minuto; que antes a Uber pagava uma taxa fixa ao motorista, deduzindo a parcela que era devida para a empresa aplicativo; que nos últimos tempos, a empresa paga em conformidade com os valores por quilometro e por minuto, acrescendo uma taxa variável pelo deslocamento do motorista até o local de embarque do usuário; que geralmente a Uber paga esta taxa quando nenhum motorista se habilita para buscar o passageiro; que a Uber age dessa forma para estimular a corrida; que o valor varia em conformidade com a demanda é o que se chama de tarifa dinâmica; que o motorista pode conceder descontos desde que pague a empresa aplicativo em conformidade com o valor por ela estipulado, ou seja, se o motorista conceder descontos, sairá no prejuízo; que a reclamada trabalha com as taxas de aceitação e de cancelamento e os motoristas devem aceitar a maior quantidade possível de corridas e cancelar o mínimo possível, pois caso aceite poucas corridas e cancele muitas corridas, o motorista começará a receber poucas corridas como penalidade imposta pelo algorítimo; que a Uber permite o cancelamento caso o usuário não embarque em 5 minutos, pois nesta hipótese a Uber cobra do passageiro; que o motorista também pode cancelar a corrida na hipótese do local de embarque não ser seguro, devendo clicar na opção correta; que existem outras opções como criança e o veículo não ter cadeirinha, porém, todas as opções, com exceção dos 5 minutos de atraso, afetam a taxa de cancelamento; que a média da nota do motorista tem como base as últimas 500 avaliações feitas pelos usuários que não são identificados; que o motorista não tem acesso aos dados dos usuários; que o motorista pode entrar em contato com a Uber com assuntos predefinidos em que basta clicar em um deles ou pode ainda clicar na opção outros e digitar o assunto; que a empresa sempre responde ao motorista, mesmo quando o assunto é digitado; que a Uber classifica os motoristas em conformidade com o desempenho e apenas os motoristas classificados como diamantes tem acesso ao telefone para comunicar-se com a Uber. Nada mais." Embora a prova testemunhal emprestada tenha demonstrado que os motoristas que trabalham utilizando a plataforma digital da Uber podem escolher quando iniciam e quando finalizam o horário de trabalho, que podem alterar a rota definida pelo aplicativo, que não estão obrigados a fazerem um determinado número de viagens, que não são obrigados a aderirem às promoções do aplicativo, que podem utilizar outras plataformas semelhantes à Uber, que não são obrigados a oferecer balinhas e água aos passageiros, entre outras possibilidades de escolha,é irrefutável que a política e regras para adesão e permanência na utilização da plataforma são ditadas pela própria Uber, de forma unilateral. Assim, para continuar utilizando a plataforma e permanecer trabalhando no transporte de passageiros e de encomendas, é necessário se manter sujeito aos termos de uso impostas pela reclamada, tais como percentual pago a cada corrida, o sistema de avaliação do motorista, exigências de documentação, emissão de nota fiscal pela Uber, sistema de cadastramento para habilitação para prestação de serviços, sujeição a descadastramento em caso de aferição de nota abaixo da média definida para a cidade de atuação, modelos de promoções e incentivos aos motoristas e clientes, entre outros. Desse modo, revela-se a existência de subordinação do motoristas às regras impostas pela empresa Uber. Além disso, também existe a subordinação ao gerenciamento algorítmico, como bem fundamentado pelos integrantes da comissão temática da 3ª Jornada de Direito Material e Processual: GERENCIAMENTO ALGORÍTMICO E SUBORDINAÇÃO. I - Algoritmos são conjuntos de etapas de um processo em que o objetivo é a solução de um problema ou a execução de uma tarefa. II - O gerenciamento algorítmico, do ponto de vista da organização do trabalho, implica a transferência da administração da mão de obra para os algoritmos. III - Trata-se da automação de atividades anteriormente atribuídas a gerentes, contadores, atendentes e trabalhadores do setor de recursos humanos. Por meio da programação algorítmica ocorre a distribuição de atividades entre os trabalhadores, a fixação do valor do trabalho, a indicação do tempo para realização de dada tarefa, a duração de pausas, a avaliação dos trabalhadores, a aplicação de sanções, dentre outras formas de controle. IV - Subordinação configurada. V - Aplicação do parágrafo único do art. 6º da CLT. Nesse contexto, entendo presente a subordinação dos motoristas que utilizam a plataforma Uber para prestação de serviços de transportes de passageiros. Considerando que a mesma matéria foi apreciada pela Exma. Juíza do Trabalho Natalia Luiza Alves Martins, em ação que apresentava idêntica situação e por compartilhar o entendimento por ela abraçado, adoto as razões de decidir na sentença proferida no processo 0000150-65.2023.5.10.0003: "Muito embora a reclamada tenha negado o vínculo empregatício, admitiu a prestação de serviço autônomo, atraindo para si o ônus de demonstrar fato impeditivo do direito, ou seja, incumbia-lhe desconstituir os pressupostos da relação de emprego, elencados nos artigos 2º e 3º da CLT. Durante a audiência as partes decidiram fixar os pontos "controvertidos" e requereram, de comum acordo, a utilização de provas emprestadas em substituição a produção de provas orais, conforme se verifica na Ata de Audiência de fls. 1109/1110, com a indicação dos seguintes pontos: 1- ficava a critério do motorista o início e término do horário de utilização da plataforma; 2- o motorista poderia alterar a rota definida pelo aplicativo em comum acordo com o passageiro, o que pode ou não gerar alteração de valor; 3- não havia exigência quanto ao número mínimo de viagens diárias; 4- ficava a critério do motorista a participação ou não em promoções; 5- o motorista apenas fez o cadastro por meio do aplicativo, não sendo realizado nenhum processo seletivo; 6- é critério do motorista utilizar outras plataformas; 7- o motorista decide os dias de folga e nos dias de folga, não era necessário justificar a ausência na plataforma; 8- poderia receber o valor da viagem diretamente do passageiro, quando pago em dinheiro; 9- o motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro; 10- a reclamada não garante remuneração mínima ao final do dia /mês; 11- a reclamada aceita que dois motoristas usem o mesmo carro; 12- não é obrigatório o fornecimento de água e bala, ficando a critério do motorista. Para comprovação das teses as partes indicaram, como prova emprestada, os depoimentos das testemunhas Chrystinni Andrade Sousa, ocorrido no Processo 0010075-53-2019.5.03.0025 (fl.447), Pedro Pacce Prochno, prestado no Processo 1001906-63.2016.5.02.0067 (fl. 986) e Vitor de Lalor Rodrigues da Silva, depoimento colhido nos autos do Processo 0100776-82.2017.5.01.0026 (fl. 990). Vejamos os depoimentos. A testemunha Chrystinni Andrade Sousa, prestou depoimento perante o MM Juízo da 25ª VTB de Belo Horizonte, nos autos do Processo nº 010075- 53.2019.5.03.0025, tendo declarado que: "é empregada da Uber desde abril de 2017, inicialmente como agente de atendimento e posteriormente como supervisora de atendimento; a depoente tem um ponto fixo de trabalho, situado na Avenida Getulio Vargas; no aplicativo podem se cadastrar somente pessoas físicas; a Uber não determina para os motoristas uma zona específica onde possa dirigir, nem o horário respectivo; o motorista parceiro pode ter outros motoristas vinculados a sua conta; se o motorista parceiro não quiser oferecer bala e água, não sofre punição; o motorista pode usar aplicativos concorrentes; o GPS já indica uma rota, mas fica a cargo do motorista e do passageiro, em comum acordo, escolherem a melhor rota; a Uber emite nota fiscal para o motorista; o motorista não tem autonomia de fazer cadastro de outros motoristas; cada motorista que roda tem que ter um login e uma senha pessoais; não conhece o reclamante; quando o passageiro dá nota e faz comentário sobre o motorista, este último tem acesso a nota e ao comentário, mas não ao passageiro que os deu; a nota serve para avaliar a qualidade do serviço prestado ao passageiro; se o motorista tiver uma nota baixa, ele recebe um e-mail automático informando que a nota dele está abaixo da média da região; se o motorista tiver sucessivas notas baixas, pode ser encerrada a parceria; existem promoções e incentivos para o motorista rodar em determinado local; não sabe dizer exatamente quem apura as notas mencionadas (fls. 447 - grifos nossos) No depoimento da testemunha Pedro Pacce Prochno, indicada pela reclamada e prestado perante o MM Juízo da 67ª Vara do Trabalho de São Paulo, 1001906-63.2016.5.02.0067, o depoente declarou: "1) que trabalha na Uber, registrado, como gerente de comunicação; 2) que tem conhecimento sobre como funciona a plataforma e o contato com os motoristas; 3) que não entra em contato com os motoristas, apenas raramente quando há alguma solicitação da imprensa para dar entrevistas por exemplo; 4) que a plataforma e o funcionamento são os mesmos em todo o territorio nacional; 5) que qualquer pessoa pode entrar no site da uber e preencher informações para se tornar um motorista da uber; 6) que a uber apenas solicita documentos pessoais, carteira de motorista com observação de que exerce atividade remunerada; 7) que com o cadastramento do motorista, o mesmo recebe as informações sobre funcionamento da Documento assinado eletronicamente por MARIA JOSE RIGOTTI BORGES, em 19/12/2024, às 19:04:01 - 53ebbdd plataforma por e-mail, pelo site e pelo próprio aplicativo; 8) que o motorista precisa concordar com essas regras; 9) que o "de acordo" com as normas é realizado pelo motorista parceiro no próprio site da uber ou no aplicativo; 10) que não há treinamentos ou entrevistas com o motorista; 11) que o próprio motorista arca com valores de combustível, multas e afins; 12) que o motorista parceiro pode ter outras pessoas cadastradas para utilização do mesmo carro; 13) que nesse caso, os valores pagos caem na conta da pessoa principal que fez o cadastro, sendo responsável pela divisão posterior; 14) que a reclamada não obrigada o motorista a comprar carro, podendo este ser alugado, de amigo ou de familiar, devendo apenas ter acesso à documentação do veículo ; 15) que quem decide os dias e horários em que irá ligar o aplicativo é o próprio motorista, podendo desligar sempre que desejar; 16) que o motorista pode negar corrida, pode deixar o aplicativo desligado; 17) que para segurança da plataforma, se o motorista ficar inativo por longo período, não sabendo especificar quanto, há o descadastramento, mas o mesmo pode ser recadastrado imediatamente quando solicitado;18) que não há penalidade se o motorista desligar o aplicativo; 19) que o motorista não recebe ordens diretas de ninguém da Uber, nem é fiscalizado por ninguém quanto à sua jornada ou seu dia a dia; 20) que o motorista não tem que prestar contas para ninguém da uber; 21) que a reclamada não fixa jornada ou corridas mínimas ; 22) que quem avalia a viagem são os próprios usuários e os motoristas avaliam os usuários; 23) que se a avaliação for ruim, os dois lados podem ser descadastrados; 24) que a divisão da corrida é variável, sendo do uber black 20% para a uber e o restante para o parceiro e no uberX 25% para a uber; 25) que o motorista pode dirigir para outros aplicativos ou particular; 26) que o motorista pode dar desconto, pelo próprio aplicativo; 27) que não é necessário uso de uniforme ou terno, não havendo qualquer norma de etiqueta; 28) que a reclamada não obriga a fornecer água e bala; 29) que a reclamada envia mensagens aos motoristas (dicas de outros motoristas para inspirar outros motoristas parceiros); 30) que nas mensagens podem também haver indicação de promocao ou grandes eventos na cidade para que os motoristas possam optar por cobri-los ou não ; 31) que a uber não fixa metas, não avalia os motoristas; 32) que quem decide o trajeto são as partes dentro do veículo ou através de GPS; 33) que não tem certeza se é gerada nota fiscal do serviço; 34) que se não houver água e bala não há punição; 35) que se o motorista recusar corridas em dinheiro, de maneira recorrente, pode ser descadastrado; 36) que acredita que em tal caso não poderá se cadastrar novamente; 37) que não ocorre exclusão através de uma única avaliação negativa; 38) que o uber tem acesso às viagens realizadas, com sua duração, para que seja realizado o pagamento ao parceiro; 39) que se o pagamento é realizado em dinheiro o próprio cliente faz o pagamento e, se for cartão, a uber repassa; 40) que o repasse ocorre através de depósito em conta indicada pelo motorista, com frequência semanal sempre que houver saldo a receber; 41) que a única indicação da uber é que haja respeito entre motorista e usuário, o que consta nos próprios termos de uso; 42) que não tem como especificar quantas horas o reclamante trabalhava. (grifos nossos) Como se vê, as afirmações da testemunha Vitor de Lalor Rodrigues da Silva, vão de encontro ao depoimento da Sra. Chrystinni Andrade Sousa, e, especialmente, contra os próprios documentos apresentados pela ré, pelo que considero o mesmo inválido como meio de prova, pois nitidamente voltado a beneficiar a ré. Aliado a isto, observo que apesar de o obreiro ter iniciado a prestação de serviços em agosto de 2019, a ré trouxe aos autos um documento intitulado "termos e condições gerais dos serviços de tecnologia" (fls. 950/963), atualizado em abril de 2020. Muito embora as cláusulas constantes no referido documento em diferentes momentos apontem que a empresa "não gerencia" o trabalho do motorista e que ele é "livre para ligar o aplicativo quando quiser", as provas dos autos evidenciam que não há essa liberdade indicada pela ré. Ora, os próprios termos de uso estabelecem inúmeras regras a serem observadas pelos motoristas "parceiros", sob pena de serem sumariamente "descadastrados". Além das provas documentais, os depoimentos colhidos nos autos também indicam que: o serviço é prestado por pessoa física, de forma pessoal, com onerosidade, e que, não sendo observadas as regras estabelecidas, unilateralmente pela ré, os mesmos serão descadastrados. Indicam, ainda, que o simples fato de o motorista ficar determinado período sem acessar o aplicativo é considerado como motivo de descadastramento (semelhante ao que acontece nas relações laborais tradicionais, quando o trabalhador não comparece ao serviço). Também se extrai dos depoimentos que a UBER tem total controle das viagens realizadas, bem como é ela a responsável pelo direcionamento das respectivas tarefas a serem realizadas. O Contrato firmado tem cláusulas expressas que demonstram estar o trabalhador diretamente vinculado aos critérios de avaliação da ré, sendo válido realçar, especialmente, o teor do item 2.6.2 (fl. 933), que assim prevê: 2.6.2. O(A) Cliente reconhece que a Uber deseja que os(as) Usuários(as) tenham acesso a serviços de alta qualidade por meio do aplicativo móvel da Uber. Para continuar a receber acesso ao Aplicativo de Motorista e aos Serviços da Uber, o(a) Motorista reconhece que precisará manter uma avaliação média, dada pelos (as) Usuários(as), que exceda a avaliação média mínima aceitável pela Uber para o Território, conforme for atualizada pela Uber, a qualquer momento e a seu exclusivo critério ("Avaliação Média Mínima"). Caso a média de avaliação do(a) Motorista fique abaixo da Avaliação Média Mínima, a Uber notificará o(a) Cliente poderá dar ao(à) Motorista, a critério da Uber, um prazo limitado para que eleve sua média de avaliação para acima da Avaliação Média Mínima. Caso o(a) Motorista não eleve sua média de avaliação acima da Avaliação Média Mínima no prazo que lhe foi concedido (se for o caso), a Uber poderá desativar o acesso desse(a) Motorista ao Aplicativo de Motorista e Documento assinado eletronicamente por MARIA JOSE RIGOTTI BORGES, em 19/12/2024, às 19:04:01 - 53ebbdd aos Serviços da Uber. Ademais, o(a) Motorista reconhece e concorda que se o Motorista deixar reiteradamente de aceitar solicitações de Usuário(a) para Serviços de Transporte enquanto o(a) Motorista estiver conectado(a) ao Aplicativo de Motorista isso cria uma experiência negativa para os(as) Usuários do Aplicativo móvel Uber. Assim sendo, o(a) Cliente concorda e assegura que, caso um(a) Motorista não deseje aceitar solicitações de Usuários para Serviços de Transporte por um período de tempo, esse(a) Motorista deverá se desconectar do Aplicativo de Motorista. Importante destacar que o contrato em questão é um "contrato de adesão", no qual o trabalhador não detém nenhuma margem de negociação, conforme declararam as testemunhas, não assistindo razão à ré quando afirma tratar- se de uma "mera empresa de tecnologia", tendo os motoristas ampla liberdade. Resta claro pelos termos do contrato em questão que se trata de uma relação contratual voltada para a prestação de um serviço (transporte de passageiros e mercadorias), não havendo que se falar em adesão para "mero uso de uma plataforma digital", sendo indiscutível a necessidade de aplicação do princípio do contrato realidade, a ser analisado caso a caso. Ademais, também não merecem acolhida os argumentos de que os motoristas poderiam se cadastrar em outros aplicativos, e que a ré não detém relação com o motorista, pois além da exclusividade não ser um critério necessário para o reconhecimento do vínculo de emprego, é indubitável que para o funcionamento da ré a mesma depende diretamente da mão de obra dos motoristas "parceiros", o que denota, inclusive, uma nítida subordinação estrutural. Afinal, se não houvesse "parceiros" interessados, como a ré manteria em operação a sua atividade econômica? De igual modo, não assiste razão à ré quando afirma ter o obreiro "confessado" a ausência de subordinação, apenas porque indicou ser necessária a avaliação do requisito sob um novo prisma, em especial considerando-se as alterações promovidas com a revolução 4.0. Sobre este ponto, não é demais destacar que a CLT data de 1943, sendo indiscutível, portanto, que a interpretação das normas trabalhistas devem se adequar às mudanças sociais vivenciadas, estando entre essas as operadas pelas novas formas de pactuação laboral, incluídas aí a "uberização". Ainda com relação às provas documentais, os relatórios de corrida anexados às fls. 542/925 demonstram a não eventualidade do serviço prestado pelo obreiro, sendo válido destacar que a flexibilidade de horários não impede a caracterização da habitualidade, comprovada no caso. Como se vê, o reclamante era submetido a uma relação totalmente gerenciada pela plataforma, não tendo controle dos meios da própria produção, sem sequer poder opinar quanto à determinação dos valores e percentuais aplicáveis em razão do serviço executado. Ressalto, para que não restem dúvidas, que vários dos pontos definidos pelas partes como questões controvertidas não detém capacidade para afastar ou enfraquecer as conclusões aqui apontadas, sendo indiferente, por exemplo, se a ré determina ou não o fornecimento de água e balas ou se o motorista adere ou não as promoções. No mesmo sentido o c. TST já tem se pronunciado, por meio de diferentes turmas, conforme se extrai dos acórdãos abaixo colacionados: RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015 /2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE "OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO Documento assinado eletronicamente por MARIA JOSE RIGOTTI BORGES, em 19/12/2024, às 19:04:01 - 53ebbdd NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada - Uber do Brasil Tecnologia Ltda. - configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet , propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica no sistema capitalista. Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado - neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se, dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a Súmula 126 do TST . Nesse exame, sem negligenciar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado - regido pela Constituição da Republica (art. 7º) e pela CLT, portanto - , desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da Republica de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput ; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto empregador/tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego, considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova - definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT). No caso dos autos , a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas - e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo - e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital. Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade , o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes /passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho - ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica , em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva , tendo em vista o trabalho executado inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima , que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas - são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada . Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial , já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório . Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 1003530220175010066, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 06/04 /2022, 3ª Turma, Data de Publicação: 11/04/2022). A UBER, EMPRESA AMERICANA QUE ORIGINALMENTE SE CHAMAVA UBERTAXI, NÃO É EMPRESA DE APLICATIVOS PORQUE NÃO VIVE DE VENDER TECNOLOGIA DIGITAL PARA TERCEIROS. O QUE ELA VENDE É TRANSPORTE, EM TROCA DE PERCENTUAL SOBRE AS CORRIDAS E POR MEIO DE APLICATIVO DESENVOLVIDO PARA ELA PRÓPRIA. CABELEIREIROS E MANICURES, QUANDO MUDAM DE SALÃO, A CLIENTELA VAI ATRÁS. OS MOTORISTAS DE TÁXI BUSCAM PASSAGEIROS E FORMAM CLIENTELA. MOTORISTAS DE UBER TÊM SEUS VEÍCULOS POR ELA CLASSIFICADOS, SEGUEM REGRAS RÍGIDAS, NÃO FORMAM CLIENTELA, NÃO FIXAM PREÇO, TÊM SU de trabalho às quais se submete. Assim, a subordinação clássica, histórica ou administrativa a que se refere a CLT no art. 3º é a dependência econômica derivada da impossibilidade obreira de controle dos meios produtivos. A subordinação a que alude o art. 2º é a subordinação executiva, que confere maior ou menor autonomia ao trabalhador conforme a atividade desenvolvida ou as características da prestação de serviços. 4. Com o passar do tempo, os estudos abandonaram a ideia da fragilidade fundada na dependência econômica pela impossibilidade de controle da produção, para centrar a proteção trabalhista unicamente na subordinação, que de subjetiva a centrada na pessoa do trabalhador, adquiriu caráter objetivo voltado à prestação de serviços. Uma vertente dessa teoria desenvolveu a ideia da proteção fundada na dinâmica do processo produtivo (subordinação estrutural), cuja característica mais visível é presumir a existência da relação de emprego. 5. Vieram a Terceira e Quarta Revoluções Industriais ou Tecnológicas, alterando gradativamente o processo produtivo. Hoje, o trabalho é comumente realizado num ambiente descentralizado, automatizado, informatizado, globalizado e cada vez mais flexível, trazendo para o ambiente empresarial novos modelos de negócios e, consequentemente, novas formas e modos de prestação de serviços e de relacionamento. Em tal contexto, conceitos que balizam a relação de emprego demandam uma necessária releitura, à luz das novas perspectivas de direção laboral, controle da atividade econômica ou meios produtivos e caracterização do tipo de vínculo de trabalho. 6 . Com os avanços tecnológicos, nasce na década de 90, já na era do conhecimento e do pleno domínio da informática, da rede e dos aplicativos móveis, a "economia compartilhada", compreendida como um novo modelo econômico organizado, baseado no consumo colaborativo e em atividades que permitem que bens e serviços sejam compartilhados mediante troca de dados pela rede, principalmente on line , em tempo real. A criação de Smartphones , a disponibilização de redes móveis de internet, wi-fi público em diversos locais e pacotes de dados acessíveis são aliados na expansão dessa nova tendência que vem reorganizando o mercado. Nesse cenário, surgem as plataformas digitais, que revelam uma nova forma de prestação de serviços, organizada por meio de aplicativos que conectam o usuário à empresa prestadora, que pode, à distância e de forma automática, prestar o serviço ou se servir de um intermediário para, na ponta, fisicamente executar o trabalho que constitui o objeto da atividade proposta pela empresa de aplicativo. A título meramente exemplificativo são empresas como Netlix, Rappi, Loggi, Enjoei, OLX, Peguei Bode, Desapego, Mercado Livre, Breshop, Uber Eats, IFOOD, Exponenciais, Google Maps e Wase, Airbn, Pethub, Um 99, Buser, GetNinjas, Wikipédia, Amazon Mechanical Turk (MTurk) e Blablacar, expoentes a partir desse perfil de mercado. 7 . Nos deparamos então com um fenômeno mundial, que faz parte de novo modelo de negócios, do qual resulta uma nova organização do trabalho decorrente de inovações tecnológicas ainda não abarcada por muitas legislações, inclusive a nossa, que provoca uma ruptura nos padrões até então estabelecidos no mercado. São as denominadas "tecnologias disruptivas" ou "inovações disruptivas", próprias de revoluções industriais, no caso, a quarta. A disrupção do mercado em si, do inglês "disrupt" (interromper, desmoronar ou interrupção do curso normal de um processo), não necessariamente é causada pela nova tecnologia, mas sim pelo modo como ela é aplicada. É nesse cenário que nasce a empresa ora recorrente (UBER), com sede nos EUA e braços espalhados pelo mundo, que fornece, mediante um aplicativo para smartphones , a contratação de serviço de motorista. Trata-se, na verdade, de uma TNC (Transportation Network Company), ou seja, uma companhia que, por meio de uma plataforma digital on line, conecta passageiros a motoristas ditos "parceiros", que utilizam seus automóveis particulares para o transporte contratado. Por meio do aplicativo da UBER, essa conexão "passageiro-motorista" ocorre de forma rápida e segura, quer quanto ao valor do pagamento da corrida, quer no tocante à qualidade e à confiabilidade da viagem. No entanto, como já referido, essa inovação disruptiva afeta as estruturas sociais e econômicas existentes. Ao difundir o seu modelo de negócios no Brasil, a UBER, inevitavelmente, alterou o status quo do mercado de transporte privado individual urbano, acarretando consequências à modalidade pública do transporte de passageiros. Estamos falando dos táxis espalhados pelo País, com os quais diretamente concorre. Só que em vez do taxista procurar o cliente, o cliente procura pelo aplicativo da UBER um motorista. Essa nova modalidade de prestação de serviços de transporte privado individual urbano introduzido pela UBER no Brasil, mediante uma "economia compartilhada" (shared economy), resultou no alavancamento de uma massa considerável de trabalhadores até então parcial ou totalmente ociosos. Em consequência (aí o que nos interessa), a UBER fez surgir um acalorado debate no meio jurídico sobre questões como: a) A UBER é uma empresa de tecnologia ou de transporte? b ) os motoristas da UBER necessitam de proteção jurídica diferenciada? c) A relação da UBER com seus empreendedores individuais denominados de "parceiros" caracteriza subordinação clássica? e d) como os automóveis utilizados no transporte são dos próprios motoristas "parceiros", que podem estar logados ou não ao sistema da UBER conforme a sua conveniência, eles são empregados ou autônomos? 8. Nos autos do processo TST-, oriundo da eg. Terceira Turma, da qual sou egresso, manifestei naquela oportunidade o entendimento (cf. publicação no DEJT em 17/11/21) de que a Uber efetivamente organiza atividade de transporte por meio de plataforma digital e oferece o serviço público de transporte por meio de motoristas cadastrados em seu aplicativo . A Uber não fabrica tecnologia e aplicativo não é atividade. A atividade dessa empresa é, exclusivamente, propiciar o transporte, cujo aplicativo tecnológico de que se serve é o meio de conexão entre ela, o motorista "parceiro" e o usuário para efetivá-lo. É, enfim, uma transportadora que utiliza veículos de motoristas contratados para realizar o transporte de passageiros. Considerar a UBER (que no país de onde se origina é classificada como empresa de transporte por aplicativo e que inicialmente se autodenominava UBERTAXI) como empresa de tecnologia ou de aplicativo, uma vez que não produz nenhum dos dois, corresponderia a fazer do quadrado redondo e isentá-la de qualquer responsabilidade no trânsito quanto à sua efetiva atividade, o transporte que organiza e oferece , e para o qual o motorista é apenas o longa manus ou prestador contratado. Se fosse apenas Documento assinado eletronicamente por MARIA JOSE RIGOTTI BORGES, em 19/12/2024, às 19:04:01 - 53ebbdd uma plataforma digital não estipularia preço de corridas; não receberia valores e os repassaria aos motoristas; não classificaria o tipo de transporte fornecido e o preço correspondente; não estabeleceria padrões; não receberia reclamações sobre os motoristas e não os pontuaria. Enfim, como empresa de aplicativo e não como empresa de transporte que é, estaria atuando no mercado em desvio de finalidade. 9. Não se olvida que o fenômeno "Uberização" compreende novo modelo de inserção no mercado de trabalho e que deve ser incentivado não apenas porque é inovador, mas também porque permite concorrer com outros modelos de prestação de serviço de transporte para a mesma finalidade. No Brasil, quiçá mundialmente, o cenário de alto e crescente índice de desemprego e exclusão em decorrência do avanço da tecnologia, da automação e da incapacidade de geração de novas oportunidades no mesmo ritmo, atinge todos os níveis de instrução da força de trabalho e, portanto, de privação e precariedade econômica. Tal se potencializou com a recente pandemia do COVID 19, pelo que, além de outros fatores como alternativa flexível para gerar renda extra; necessidade de renda para ajudar na sobrevivência ou custear os estudos; espera pela realocação no mercado em emprego formal; não exigência de qualificação técnica ou formação acadêmica mínima, a migração de uma considerável camada da sociedade para essa nova modalidade de trabalho tornou-se uma realidade. Contudo, não passa despercebido que essa nova forma de prestação de serviços é caracterizada pela precariedade de condições de trabalho dos motoristas cadastrados. Entre outras intempéries, marcadas por jornadas extenuantes, remuneração incerta, submissão direta do próprio prestador aos riscos do trânsito. Doenças e acidentes do trabalho são capazes de eliminar toda a pontuação obtida na classificação do motorista perante o usuário e perante a distribuição do serviço feita automaticamente pelo algorítmo. A falta de regulamentação específica para o setor e, portanto, a inércia do Poder Público, se por um lado propicia aos motoristas que sequer precisam conhecer os trajetos, porque guiados pelo Waze, maior possibilidade de inclusão sem os custos e as limitações numéricas das autonomias municipais dos taxis, por outro propicia às empresas do ramo estratosféricos ganhos pelo retorno lucrativo com mínimo de investimento e o vilipêndio de direitos básicos oriundos da exploração do trabalho. Dois polos da relação jurídica, em balanças desiguais. Isso porque a baixa remuneração impõe aos motoristas parceiros, sem alternativa, diante do contexto já retratado, o cumprimento de jornadas excessivas de trabalho, a fim de assegurar-lhes ao menos ganhos mínimos para garantir a própria subsistência e/ou de sua família, aniquilando assim o lazer e a convivência social e familiar, em menoscabo inclusive às normas de saúde e segurança do trabalho, além da cobrança ostensiva por produtividade e cumprimento de tarefas no menor tempo possível, que de modo insofismável lhes gera danos físicos e psicológicos. 10 . Impende salientar que recentemente foi editada a Lei 14.297/22, publicada em 6/1/22, cuja mens legislatoris não foi colocar pá de cal na cizânia acerca do vínculo empregatício entre as plataformas digitais e seus prestadores de serviço, mas tão somente assegurar medidas de proteção especificamente ao trabalhador (entregador) que presta serviço de retirada e entrega de produtos e serviços contratados por meio da plataforma eletrônica de aplicativo de entrega, durante a vigência, no território nacional, da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus responsável pela covid-19, donde se destaca o art. 10 da referida lei, in verbis: "Art. 10. Os benefícios e as conceituações previstos nesta Lei não servirão de base para caracterização da natureza jurídica da relação entre os entregadores e as empresas de aplicativo de entrega ." Da análise da lei fica clara a fragilidade dos entregadores por afastamento do trabalho por doenças, o risco de acidentes no trânsito, a dependência do trabalhador à inserção e à manutenção no aplicativo e a necessidade de proteção para além do coronavírus. Comparativamente, os motoristas de plataformas digitais, ao menos em relação a esses itens, necessitariam, por aplicação analógica, de igual proteção. 11. Tem-se por outro lado que o conceito de subordinação é novamente colocado em confronto com a atual realidade das relações de trabalho, assim como ocorreu no desenvolvimento das teorias subjetiva, objetiva e estrutural. Surge assim a chamada "subordinação jurídica algorítmica", que, conforme a compreensão da Corte Regional, que aqui se reproduz, dá-se pela codificação do "comportamento dos motoristas, por meio da programação do seu algoritmo, no qual insere suas estratégias de gestão, sendo que referida programação fica armazenada em seu código-fonte. Em outros termos, realiza, portanto, controle, fiscalização e comando por programação neo-fordista". (pág. 628). Nessa toada, os algoritmos atuariam como verdadeiros "supervisores", de forma que os requisitos que caracterizam o vínculo empregatício não mais comportariam a análise da forma tradicional. Mas é lógico que subordinação algorítmica é licença poética. O trabalhador não estabelece relações de trabalho com fórmulas matemáticas ou mecanismos empresariais utilizados na prestação do trabalho e sim com pessoas físicas ou jurídicas detentoras dos meios produtivos e que podem ou não se servir de algoritmos no controle da prestação de serviços. Atenta a esse aspecto, em adequação às novas conformações do mercado, há mais de 10 (dez) anos a CLT estabelece, no parágrafo único do art. 6º, com redação dada pela Lei 12.551/11, que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Assim, o fato do trabalhador não ter horário de trabalho consta da CLT em relação ao teletrabalhador empregado, exatamente quando remunerado por produção. 12. Feitas essas considerações, da análise detida do v. acórdão recorrido é possível concluir, para o exame dessa terceira indagação, que: 1) quem organiza a atividade e controla o meio produtivo de sua realização com regras, diretrizes e dinâmica próprias é a UBER; 2 ) Quem fixa o preço da corrida, cadastra e fideliza o cliente é a UBER, sem nenhuma ingerência do motorista prestador; 3 ) Quem aceita /defere o cadastramento e o descredenciamento do motorista é a UBER, após uma análise dos dados e documentos enviados, sendo que há exigência de carteira de motorista profissional, e veículos a partir de determinado ano de fabricação; 4 ) O motorista não tem nenhum controle sobre o preço da corrida, não podendo fixar outro. Quem estabelece o valor de cada corrida, a porcentagem devida, a concessão de descontos aos clientes é a UBER, tudo sem a interferência do motorista dito parceiro, ou seja, de forma unilateral, por meio da plataforma digital; 5 ) A autonomia do motorista restringe-se a definir seus horários e se aceita ou não a corrida; 6 ) A UBER opera unilateralmente o desligamento de motoristas quando descumprem alguma norma interna ou reiteradamente cancelam corridas; 7 ) O credenciamento do motorista é feito on line (site ou aplicativo) ou presencialmente em agências / lojas da UBER; 8) a classificação do veículo utilizado e o preço cobrado conforme essa classificação é definida pela empresa; 9 ) O motorista não escolhe o cliente e sim as corridas. 13. O mundo dá voltas e a história termina se repetindo, com outros contornos. E nessa repetição verifica-se que estamos diante de situação que nos traz de volta ao nascedouro do Direito do Trabalho, ou seja, da razão de ser da proteção trabalhista: a impossibilidade do trabalhador ter acesso ou controle dos meios produtivos. Em outras palavras, frente à UBER, estamos diante da dependência econômica clássica que remete aos primórdios do Direito do Trabalho e que propiciou o seu nascedouro. O trabalhador da UBER não controla os meios de produção porque não tem nenhuma ingerência sobre a dinâmica da atividade, a formação própria de clientela, o preço da corrida, a forma de prestação do trabalho, o percentual do repasse, a classificação do seu automóvel em relação ao preço a ser cobrado, o próprio credenciamento ou descredenciamento na plataforma digital. Diferentemente dos taxis, em que o vínculo é estabelecido com os passageiros, o vínculo tanto dos passageiros, como dos motoristas credenciados, é com a UBER. Os motoristas "logados" atendem aos chamados endereçados pelos passageiros à UBER. E diferentemente das cooperativas dos antigos táxis especiais, os preços das corridas eram previamente acertados em assembleia dos associados e as cooperativas não controlavam os trajetos e nem recebiam parte do lucro e sim contribuição fixa. Nessa toada, o argumento empresarial contestatório é desimportante, porque para a UBER pouco importa que o motorista tenha "autonomia" para estar logado e deslogado, ou recusar corridas. As corridas recusadas são de interesse da própria UBER, delas economicamente participantes por dizerem respeito, evidentemente, a trajetos não compensatórios em horários de muita demanda. E quanto ao fato de ter autonomia para se logar ou deslogar do sistema, isso não traz para a UBER qualquer impacto (e por isso não é procedimento vedado) diante do número de motoristas na praça e do fato de que o próprio motorista sofre do próprio remédio, a partir do momento em que fora do sistema não pontua. 14 . Sobreleva notar, ademais, que, de acordo com os arts. 818, I e II, da CLT e 373, I e II, do CPC, incumbe ao autor o ônus da prova quanto a fato constitutivo de seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Para a hipótese de prova dividida, o Juízo não decide sob o enfoque de melhor prova, uma vez que ambas se equivalem, impondo-lhe julgar contra aquela parte a quem a lei atribui o encargo probatório. 15. Soma-se a isso o fato de que jurisprudência e doutrina modernas se alinham no sentido de que a mera prestação de serviços gera presunção relativa de vínculo empregatício. Desse modo, quando o empregador admite a prestação de serviços, negando, contudo, o vínculo empregatício, atrai para si o ônus da prova de que aquela ostenta natureza jurídica diversa da trabalhista, fato impeditivo do direito vindicado. Precedentes. 16 . Cabe também citar outros países como Inglaterra (case n. 2202550 /2015), Suíça, França, dentre outros, e cidades como Nova York e Seatle, que também vêm reconhecendo vínculo empregatício entre os motoristas ditos parceiros da Uber enquadrando-os como empregados. A regência trabalhista das plataformas digitais já deveria ter sido objeto de apreciação pelo Parlamento. A ele cabe decidir, auscultando a sociedade como um todo, pela melhor opção para a regulação dos motoristas de aplicativos, ou seja, decretando o vínculo total de emprego; ou a concessão apenas parcial de direitos, na condição de trabalhadores economicamente dependentes, mas semiautônomos. Na falta de regulação pelo Congresso, cabe ao Poder Judiciário decidir a questão de fato, de acordo com a situação jurídica apresentada e ela, como apresentada, remete, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT, ao reconhecimento do vínculo empregatício, tal como vem sendo decidido no direito comparado. 17. In casu, a controvérsia foi dirimida com lastro no robusto acervo probatório dos autos, em que a Corte Regional, traçando um paralelo com o conceito de "fordismo" e apresentando ainda a subordinação em suas várias dimensões, foi enfática em asseverar que identificou na relação jurídica mantida entre a autora e a ré a presença dos elementos que caracterizam o vínculo empregatício, na forma dos arts. 2º e 3º da CLT. a) No tocante à pessoalidade, ficou evidenciado o caráter "intuitu personae" da relação jurídica entre as litigantes. b) Na esteira do princípio da primazia da realidade, concluiu- se pela onerosidade, sob a dimensão objetiva . Diante da conclusão de evidência de que a Uber é que estabelece o valor das corridas, bem como a porcentagem devida, de acordo com o trajeto percorrido e da maneira que lhe convier, e concede descontos aos clientes, tudo sem a interferência do motorista parceiro, ou seja, de forma unilateral, por meio da plataforma digital, intermediando o processo, uma vez que recebe do cliente final em seu nome, retira sua comissão em percentual predefinido e repassa a ele (motorista parceiro) o que sobra, decidiu-se que, da forma como procede, efetivamente remunera seus ditos motoristas parceiros e, portanto, a autora pelos serviços prestados, pelo que manifesta a onerosidade . c) Quanto à não eventualidade, em resposta à argumentação da Uber de que não havia habitualidade na prestação de serviços, a Corte Regional declarou que "não existem dias e horários obrigatórios para a realização das atividades do Motorista Parceiro" e que "a flexibilidade de horários não é elemento, em si, descaracterizador da"não eventualidade"e tampouco incompatível com a regulação da atividade pelo Direito do Trabalho", além de registrar o labor semanal pela autora, conforme se extrai do seguinte excerto: "O número de horas trabalhadas pela autora semanalmente era acompanhado pela ré, vez que todos os dados ficam armazenados no aplicativo, assim como o número de viagens concluídas, a taxa de aceitação e de cancelamento". Assim, reconheceu-se o caráter habitual da prestação de serviços. d) Verificou-se, finalmente, a subordinação. A Corte Regional consignou que a Uber exerce controle, por meio de programação neo-fordista e, portanto, pela presença da subordinação jurídica algorítmica. Para tanto, adotou o conceito de "subordinação jurídica disruptiva", desenvolvido pelo Exmo. Sr. Desembargador do TRT/17ª Região, Fausto Siqueira Gaia, em sua tese de doutorado. Como dito antes, subordinação algorítmica é, ao nosso ver, licença poética. Trabalhador, quando subordinado, é a pessoa física ou jurídica, ainda que ela se sirva do controle por meio do algoritmo, do GPS e de outros meios tecnológicos, como a internet e o smartphone. Como o mundo dá voltas e a história se repete com outros contornos, verifica-se que estamos aqui diante de situação que remete ao nascedouro do Direito do Trabalho, ou seja, da razão de ser da proteção trabalhista: a impossibilidade do trabalhador de acesso ou controle por meios produtivos. Em outras palavras, frente à UBER, estamos diante da subordinação clássica ou subjetiva, também chamada de dependência. O trabalhador é empregado porque não tem nenhum controle sobre o preço da corrida, o percentual do repasse, a apresentação e a forma da prestação do trabalho. Até a classificação do veículo utilizado é definida pela empresa, que pode, a seu exclusivo talante, baixar, remunerar, aumentar, parcelar ou não repassar o valor destinado ao motorista pela corrida. Numa situação como essa, pouco importa se o trabalhador pode recusar corrida ou se deslogar. A recusa ou o deslogamento se refletem na pontuação e na preferência, pelo que penalizam o motorista. Diante do denso quadro fático apresentado pela Corte Regional e, considerando-se, portanto, que a ré admitiu a prestação de serviços, mas não logrou, contudo, desvencilhar-se do ônus da prova quanto à inexistência de vínculo empregatício com a autora, bem como presentes todos os requisitos do vínculo de emprego, tal como fartamente demonstrado acima, a conclusão da existência do vínculo entre a autora e a Uber não afronta os arts. 2º e 3º da CLT. Ileso ainda o art. 170, "caput" e IV, da Constituição Federal, na medida em que os princípios da livre iniciativa e da ampla concorrência não podem se traduzir em salvo-conduto nem tampouco em autorização para a sonegação deliberada de direitos trabalhistas. Recurso de revista não conhecido. (... omissis ...) (TST - RRAg: 01008539420195010067, Relator: Alexandre De Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 19/12/2022, 8ª Turma, Data de Publicação: 03/02/2023) Isto posto, presentes os elementos necessários ao reconhecimento do vínculo, inclusive quanto à subordinação, e não tendo a ré se desvinculado do seu ônus de demonstrar a ocorrência de relação jurídica diversa da empregatícia, a medida que se impõe é o reconhecimento do vínculo. Quanto à extinção contratual, restou incontroverso que o obreiro foi desvinculado da plataforma, pela ré, em 21/01/2023, não havendo prova nos autos de estabilidade provisória, tampouco de justa causa cometida pelo obreiro. Logo, não há que se falar em nulidade e reintegração, sendo reconhecida a dispensa imotivada. Por fim, registro que, todo o fundamento jurídico utilizado pelo autor remonta à existência de relação empregatícia tradicional, embora permeada pela tecnologia, não havendo que se falar em proporcionalidade de parcelas decorrente de intermitência. Assim sendo, julgo procedente o pedido para declarar a existência do vínculo de emprego entre as partes, no período (...)" Portanto, julgo procedente o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício entre o reclamante e a reclamada, que ora fixo como data de admissão o dia 10/09/2022 e data de dispensa imotivada em 08/10/2023. Não tendo a reclamada produzido prova em sentido contrário, fixo a remuneração média mensal do reclamante em R$3.500,00, considerando a informação da petição inicial. Julgo procedente o pedido para, reconhecendo o vínculo de emprego, determinar a anotação da CTPS para constar os seguintes dados: data de admissão 10/09/2022, data de saída 10/11/2023 (computada a projeção do aviso prévio de 33 dias), função de motorista de aplicativo, salário de R$ 3.500,00. Em consequência, julgo procedentes os pedidos: - aviso prévio indenizado (33dias); - 13º salário proporcional de 2022 (4/12); - 13º salário proporcional de 2023 (10/12); - férias integrais com1/3 (2022/2023); - férias proporcionais (2/12) com1/3 (2023/2024). Deverá a reclamada efetuar os depósitos do FGTS de todo o vínculo empregatício, com o acréscimo da multa de 40% e entregar as guias TRCT e a chave de conectividade, para levantamento do valor depositado na conta fundiária, assegurada a integralidade dos depósitos, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença. Caso a reclamada descumpra a obrigação de fazer, fica autorizada a expedição do alvará substitutivo, sem prejuízo das diferenças a serem apuradas e da execução do valor correspondente". Conheço e nego provimento ao recurso da reclamada para manter a sentença pelos seus fundamentos antes transcritos literalmente. BRASILIA/DF, 15 de abril de 2025. PEDRO JUNQUEIRA PESSOA, Servidor de Secretaria
Intimado(s) / Citado(s)
- SIMAO CORREA DE CASTRO
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