Uber Do Brasil Tecnologia Ltda. x Igor Fabrizio Xavier Lima
ID: 327901181
Tribunal: TRT22
Órgão: OJ de Análise de Recurso
Classe: RECURSO ORDINáRIO - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0000519-29.2023.5.22.0002
Data de Disponibilização:
17/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PEDRO ZATTAR EUGENIO
OAB/MG XXXXXX
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PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA
OAB/MG XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relatora: BASILICA ALVES DA SILVA RORSum 0000519-29.2023.5.22.0002 RECORRENTE: UBER DO…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relatora: BASILICA ALVES DA SILVA RORSum 0000519-29.2023.5.22.0002 RECORRENTE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. RECORRIDO: IGOR FABRIZIO XAVIER LIMA INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Decisão ID 9b08bf2 proferida nos autos. RORSum 0000519-29.2023.5.22.0002 - 2ª Turma Recorrente: Advogado(s): 1. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. RAFAEL ALFREDI DE MATOS (BA23739) Recorrido: Advogado(s): IGOR FABRIZIO XAVIER LIMA PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA (MG124974) PEDRO ZATTAR EUGENIO (MG128404) RECURSO DE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS Recurso tempestivo (decisão publicada em 30/06/2025 - Id 03f9aa8; recurso apresentado em 10/07/2025 - Id 4966e41). Representação processual regular (Id id 56b5809). Preparo satisfeito. Condenação fixada na sentença, id Id b49dad0: R$ 37.493,44; Custas fixadas, id Id b49dad0: R$ 749,87; Depósito recursal recolhido no RO, id Id efe6c26: R$ 12.665,14; Custas pagas no RO: id Id ecfffba; Depósito recursal recolhido no RR, id Id 129ecba: R$ 24.828,30. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS TRANSCENDÊNCIA Cabe ao Tribunal Superior do Trabalho analisar se a causa oferece transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica (art. 896-A da CLT), dispondo o § 6º do referido artigo que "O juízo de admissibilidade do recurso de revista exercido pela Presidência dos Tribunais Regionais do Trabalho limita-se à análise dos pressupostos intrínsecos e extrínsecos do apelo, não abrangendo o critério da transcendência das questões nele veiculadas." 1.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / ATOS PROCESSUAIS (8893) / NULIDADE (8919) / NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL Alegação(ões): - violação do(s) inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal. - violação da(o) artigo 489 do Código de Processo Civil de 2015; §3º do artigo 941 do Código de Processo Civil de 2015; artigo 1022 do Código de Processo Civil de 2015. A parte recorrente suscita a preliminar de nulidade do acórdão por negativa de prestação jurisdicional, com fundamento no art. 93, IX, da Constituição Federal, alegando que o Tribunal Regional não teria enfrentado questões essenciais ao deslinde da controvérsia, mesmo após a oposição de embargos de declaração. Afirma que houve omissão ou obscuridade quanto aos seguintes pontos: (a) competência da Justiça do Trabalho; (b) liberdade de iniciativa e de concorrência; (c) modelo de negócios da recorrente; (d) necessidade de esclarecimento do quadro fático; (e) subordinação algorítmica e o art. 6º da CLT; (f) supressão de instância; (g) exigibilidade das obrigações de fazer; (h) remuneração e critérios relacionados ao período “off-line”. Nesse cenário, observa-se que a decisão recorrida adotou tese válida e fundamentada, contendo elementos suficientes à apreciação da matéria posta, declinando as premissas de fato e de direito adotadas no sentido de que de reconhecer o vínculo empregatício entre as partes. Assim, o Colegiado se manifestou sobre as questões necessárias à resolução da demanda, não se observando negativa de prestação jurisdicional e, via de consequência, violação ao art. 93, IX, da CF, até porque é sabido que a oferta desta, embora não satisfatória à parte recorrente, não pode ser confundida com a sua ausência. Ressalte-se que o STF, ao decidir Questão de Ordem no Agravo de Instrumento n. 791.292/PE, firmou o entendimento de que "o art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão". Ante o exposto, não admito o recurso de revista quanto ao tema. 2.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA (8828) / COMPETÊNCIA (8829) / COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO Alegação(ões): - violação do(s) inciso I do artigo 114 da Constituição Federal. - divergência jurisprudencial. A empresa recorrente aponta violação ao art. 114, I, da CF/19888, em face da incompetência material da Justiça do Trabalho, alegando se tratar de discussão acerca de relação civil, e não de relação de trabalho ou de emprego, sendo matéria afeta à Justiça Comum. Afirma que a relação jurídica travada entre as partes é unicamente comercial, decorrente da prestação de serviços de intermediação digital pela plataforma Uber ao motorista autônomo, que agora reclama a existência de vínculo de emprego. Retira-se do r. julgado (Id. 162393d): "PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO A empresa recorrente reprisa a preliminar de incompetência desta Justiça Especializada para apreciar e julgar o presente feito, eis que a relação jurídica travada entre os litigantes é unicamente comercial, pois decorrente da prestação de serviços de intermediação digital disponibilizado pela Uber do Brasil ao motorista de aplicativo autônomo. Sem razão. A Justiça do Trabalho é competente para julgamento das causas cujo pedido e causa de pedir denotem a existência de uma relação laboral que se subsuma a uma das hipóteses do art. 114 da CRFB/88, com exceção da parte final do inciso I deste artigo, que se refere às causas que sejam instauradas entre o poder público e seus servidores, entre si vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo, eis que esta parte fora declarada inconstitucional pelo STF, na apreciação da ADIN n. 3395-6. Sabe-se que a fixação da competência se faz com base na situação abstrata exposta pelo propositor da ação, ou seja, deve se basear na causa de pedir e nos pedidos efetuados na exordial. Assim, como a parte autora ingressou neste Juízo alegando ter mantido com a empresa Ré uma relação de trabalho regida pela CLT, compete à Justiça Obreira analisar a matéria, consoante define o art. 114 da CRFB/88 e vindica sua responsabilidade pelos créditos trabalhistas daí decorrentes. Em razão da natureza do pleito deduzido, a lide atrai a competência desta Justiça Especial, a teor do que se dispõe a norma constante no art. 114, I, da Constituição da República. Diante de tal contexto, rejeita-se a preliminar." (Rel. Desa. BASILICA ALVES DA SILVA) Como já assinalado, em trâmite sob o procedimento sumaríssimo, inconcebível o recurso de revista por divergência jurisprudencial, na forma do art. 896, § 9º, da CLT, remanescendo o exame da alegação de ofensa direta à Constituição Federal. Verifica-se que ao concluir pela competência da Justiça do Trabalho para julgar a demanda, a Turma do Regional decidiu em consonância com a jurisprudência do TST, não se vislumbrando violação ao dispositivo constitucional indicado. Neste sentido, apresentam-se os seguintes julgados daquela Corte: [...] II-AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. EM RECURSO DE REVISTA ADESIVO. ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RELAÇÃO DE TRABALHO. 1. A competência material da Justiça do Trabalho é fixada pelo pedido e pela causa de pedir. É definida a partir da existência de relação de trabalho ( lato sensu ) mantida pelos litigantes, quanto aos conflitos dela decorrentes, considerando a ampliação trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que atribuiu a esta Justiça especializada a competência para processar e julgar todas as ações oriundas da relação de trabalho, inclusive as que versem sobre indenização por danos moral e material (art. 114, I e VI, da CR).(...) (RRAg - 849-82.2019.5.07.0002, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, Publicação: 17/12/2021) [...] RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ACESSO IRRESTRITO À PLATAFORMA. RELAÇÃO DE TRABALHO AUTÔNOMO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, rompendo a antiga ideia de que apenas as lides envolvendo relação de emprego, nos estritos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT, seriam dirimidas por esta Justiça Especializada. No caso, o demandante, que trabalha como motorista para a Uber, afirma que a empresa tem restringido o livre exercício de seu ofício, bem como seu direito de escolher o local em que prefere praticar sua atividade laborativa, diminuindo, com isso, sua receita. Em que pese o reclamante não ter pleiteado o reconhecimento do vínculo empregatício, mas, somente, que a parte reclamada seja compelida a suspender os bloqueios territoriais impostos pelo aplicativo, em especial quanto ao acesso ao Aeroporto Internacional de Confins-MG, verifica-se tratar de demanda que decorre de relação de trabalho, ainda que autônomo. A obrigação de fazer pretendida, concernente ao acesso irrestrito ao aplicativo, cuja última finalidade é o incremento da remuneração, está diretamente relacionada às condições de trabalho oferecidas pela Uber aos motoristas parceiros da marca, por meio de seu aplicativo, sobressaindo, assim, a competência desta Justiça para apreciá-la, à luz do inciso I do art. 114 da CF/88. Transcendência jurídica reconhecida. Recurso de revista conhecido e provido.(RR - 10141-93.2021.5.03.0144, 8ª Turma, Relator Ministro Aloysio Correa da Veiga, Publicação: 26/08/2022) Desta forma, estando a decisão recorrida amparada na jurisprudência do TST, conforme julgados acima, inviável o processamento da revista. Inteligência do art. 896, §7º, da CLT, e Súmula 333 do TST. Ante o exposto, nega-se seguimento. 3.1 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO (13707) / RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO Alegação(ões): - violação do(s) inciso IV do artigo 1º; artigo 170; incisos II, LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal. - violação da(o) artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho; artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho; artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho. - divergência jurisprudencial. Sustenta, preliminarmente, nulidade processual por ofensa aos princípios da legalidade, do contraditório e da ampla defesa, ao argumento de que, uma vez reconhecido o vínculo empregatício, a instância ad quem não devolveu os autos ao juízo de origem para análise das demais matérias, usurpando, assim, a competência da primeira instância. No mérito, refuta a presença dos elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego (art. 3º da CLT), notadamente a pessoalidade, a não eventualidade, a onerosidade e, sobretudo, a subordinação jurídica. Alega que sua atividade empresarial consiste na disponibilização de uma plataforma digital para intermediação de serviços de transporte, sendo notório que não possui frota própria nem presta serviço de transporte, direta ou indiretamente. Destaca, especificamente: a) quanto à habitualidade, a possibilidade de os motoristas se conectarem à plataforma de forma esporádica e intermitente; b) quanto à onerosidade, que os motoristas remuneram a empresa pelo uso da plataforma, inexistindo pagamento direto por parte da empresa, tampouco configuração de salário; c) quanto à pessoalidade, a possibilidade de substituição por outro motorista previamente cadastrado; d) quanto à subordinação, que inexiste comando direto ou jurídico, sendo descabida a invocação da chamada “subordinação algorítmica”, instituto sem respaldo legal nos artigos 2º e 3º da CLT. Por fim, registra que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria no RE 1.446.336 (Tema 1291), no qual se discute o reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista de aplicativo e empresa administradora de plataforma digital, com possível violação aos artigos 1º, IV, e 170, IV, da Constituição Federal. Requer, ao final, a reforma do acórdão para afastar o reconhecimento do vínculo de emprego, com a consequente exclusão das obrigações de pagar e de fazer dele decorrentes. Decota-se do v. Acórdão (Id. 162393d ): "VÍNCULO DE EMPREGO A controvérsia cinge-se à existência ou não de vínculo empregatício entre as partes. A parte reclamante requer que seja reconhecido o vínculo de emprego com a empresa reclamada. Aduz que trabalhava para a demandada, sem registro em CTPS, no período de 20/06/2020 até sua dispensa em 20/04/2023, quando foi bloqueado no aplicativo Uber, software desenvolvido, fornecido e controlado pela parte ré. Segue afirmando que a parte reclamada controlava sua jornada de trabalho e que exercia a atividade em caráter personalíssimo, sem autonomia, estando presentes, no seu entender, os elementos caracterizadores da relação de emprego previstos no art. 3º da CLT. A empresa reclamada, por sua vez, nega o vínculo, sustentando não estarem presentes os elementos previstos nos arts. 2º e 3º da Consolidação Trabalhista. Argumenta que a relação mantida entre as partes era de natureza civil, consubstanciada na contratação do uso de plataforma própria e que os motoristas que utilizam a plataforma são profissionais autônomos que prestam serviços em qualquer tipo de relação hierárquica, sem horários preestabelecidos e sem salário fixo. Amparada sobre a prova produzida, a decisão de origem reconhece como de emprego a relação jurídica travada entre os contendores, por entender presentes os requisitos da relação de emprego. Assenta os seguintes fundamentos: "MÉRITO: -Reconhecimento de vínculo empregatício entre as partes, nulidade da dispensa (reintegração)/Demissão por Justa Causa O reclamante (IGOR FABRIZIO XAVIER LIMA) aduz que foi contratado pela reclamada (UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA) para exercer a função de motorista, no período de 20/06/2020 a 20/04/2023, quando teria sido bloqueado no aplicativo. Assevera que realizava jornada diária de trabalho, observados os termos do § 3º do art. 443 da CLT, recebendo, a título de remuneração, uma média mensal no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Prossegue, relatando, que laborava com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação por programação ou algorítimica, a qual imputava ao obreiro as corridas que deveria fazer, controlava o seu desempenho por meio de sistema de avaliação de performance, sujeitando o autor ao risco de ser bloqueado da plataforma, bem como controlava a oferta e a procura dos serviços pelos usuários para fins de estabelecimento do valor dos serviços ofertados. Além disso, o obreiro sustenta que o algoritmo utilizado pelo aplicativo da reclamada promovia o monitoramento em tempo real do mesmo através de sistema de geolocalização. Pugna, o autor, pelo reconhecimento de vínculo empregatício com a reclamada (contrato intermitente) e a consequente anotação de sua CTPS, ao argumento de que trabalhou regularmente cumprindo todos os requisitos de uma relação de emprego (contrato intermitente), nos termos do artigo 3º da CLT e, ainda, em não reconhecido o vínculo, que seja declarado nulo o seu desligamento, por ter sido feito de forma sumária e automatizada, sem direito de defesa, com a sua consequente reintegração ao emprego. Em sua defesa, a reclamada, nega a existência de qualquer relação de trabalho ou de emprego entre as partes, aduzindo que estariam ausentes tanto os requisitos dos artigos 2º e 3º, quanto os do artigo 443, § 3º, da CLT e sustentando que a relação havida entre as partes foi de natureza civil, cujo liame se dava por intermédio do aplicativo "UBER", que permite a conexão entre passageiros e motoristas em razão do software desenvolvido pela reclamada. Afirma, a reclamada, que se constitui como uma empresa de tecnologia, utilizada pelos motoristas parceiros para a localização e captação de usuários visando o seu deslocamento. Nesta senda, o usuário, sabendo da eficiência da tecnologia, utiliza o mesmo aplicativo para encontrar motoristas, tendo como atividade principal a intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários (consoante CNPJ em anexo). Assevera ser inquestionável que a relação jurídica firmada entre o autor e a demandada é meramente comercial, decorrente da prestação de serviços de intermediação digital pela Uber ao motorista independente, lógica inversa da relação de trabalho, na qual o trabalhador é quem presta o serviço à entidade empresarial. Aduz, ainda, ser descabida a tese autoral de existência de contrato de caráter intermitente, seja porque os motoristas-parceiros gozam de total independência sob a sua atividade, seja porque não há o atendimento aos pressupostos de existência de tal modalidade contratual, tais como condição expressa no contrato e aplicação de multas no caso de desistência de solicitação já aceita pelo obreiro. É que as ofertas de viagens não se equiparam às convocações típicas do contrato intermitente, posto que as ofertas de viagens disponibilizadas aos motorista-parceiro possuem imediata necessidade de atendimento, fato este que obsta o cumprimento do prazo de "um dia útil para responder ao chamado", e, por consequência, revela a incompatibilidade com o preceito preconizado pelo § 2º, do art. 452-A, consolidado. A reclamada reconheceu, ainda, que o autor fora cadastrado na plataforma em 20/06/2020, com última corrida em 17/04/2023, ao que impugna a data fim indicada na peça de ingresso. A ré aduziu, por fim, que caso reconhecido o vínculo, seja reconhecida a demissão por justa causa do autor, nos termos do artigo 482, "b" da CLT, alegando que o demandante adotou condutas que violaram os termos de uso da UBER. Requereu, ao final, que as verbas eventualmente deferidas devem considerar os dias efetivamente laborados, sendo apuradas de forma proporcional. Por ser fato constitutivo do direito autoral, cabia ao autor a prova de suas alegações (inteligência dos artigos 818, I da CLT e 373, I do CPC/2015). Contudo, admitida pela reclamada a prestação do serviço e negada a condição de empregado, é da demandada o ônus de provar o fato impeditivo do direito pleiteado, consoante os artigos 818, II, da CLT e 373, II, do CPC/2015. Nesta senda, o ônus de provar a justa causa pertence ao empregador e, nesse sentido, colaciona-se a jurisprudência abaixo transcrita: "JUSTA CAUSA. ÔNUS DA PROVA. É do empregador o ônus da prova da justa causa, a qual deve ser robusta, haja vista que no sistema jurídico brasileiro a dispensa do empregado pode ocorrer a qualquer momento, sem que seja necessária qualquer justificativa para o ato. Restando comprovada nos autos a prática de ato de improbidade pela empregada, impõe-se a manutenção da dispensa por justa causa. TRT-12 - RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA RO 00010101320145120040 SC 0001010-13.2014.5.12.0040 (TRT-12) Data de publicação: 20/05/2016". Compulsando os autos, tem-se que a prova testemunhal trazida pelo reclamante a título de prova emprestada (processo n º 0010075-53.2019.5.03.0025, fls. 447 a 449, id. c827fc8), afirmou que "o GPS já indica uma rota, mas fica a cargo do motorista e do passageiro, em comum acordo, escolherem a melhor rota; a Uber emite nota fiscal para o motorista; o motorista não tem autonomia de fazer cadastro de outros motoristas; cada motorista que roda tem que ter um login e uma senha pessoais; não conhece o reclamante; quando o passageiro dá nota e faz comentário sobre o motorista, este último tem acesso a nota e ao comentário, mas não ao passageiro que os deu; a nota serve para avaliar a qualidade do serviço prestado ao passageiro; se o motorista tiver uma nota baixa, ele recebe um e-mail automático informando que a nota dele está abaixo da média da região; se o motorista tiver sucessivas notas baixas, pode ser encerrada a parceria; existem promoções e incentivos para o motorista rodar em determinado local; não sabe dizer exatamente quem apura as notas mencionadas. Nada mais". Cumpre, ressalvar, que o depoimento trazido à baila é de uma testemunha da reclamada, que labora na empresa desde abril de 2017, como supervisora de atendimento. Além disso, embora, em tese, o autor pudesse se recusar a fazer corridas, neste caso o mesmo sofria punição, que era a diminuição do valor da taxa de desempenho (impactando negativamente a sua remuneração, portanto). Depreende-se das provas dos autos, inclusive, que quando o motorista aceita uma corrida e depois a cancela, repetindo este comportamento várias vezes, a reclamada tem um sistema de punição, que consiste em impedir que um motorista receba chamadas por algum tempo, sendo, ainda, monitorados durante as corridas através de GPS, pela reclamada, o que também consta no documento da política de descadastramento da UBER (fls. 768 a 772 dos autos, id. 9498f01), em que há previsão dos critérios de descredenciamento da plataforma. A par disso tudo, constitui fato notório que o valor atribuído às corridas engendradas por meio de plataformas digitais, como é o caso da "UBER", não podem ser negociados entre o passageiro e o motorista, o que evidencia a falta de autonomia deste último na prestação de serviços. Além disso, não restam dúvidas de que o obreiro estava constantemente submetido à fiscalização por parte da reclamada, o que se dava tanto por meio das avaliações dos usuários do serviço, quanto pela geolocalização e rastreamento via GPS, como pela redução da taxa de desempenho e bloqueio do motorista no aplicativo quando aquele cancelava viagens, era mal avaliado ou era reincidente em alguma destas duas situações. Neste diapasão, e ao nosso sentir, no caso dos autos a prova produzida revela a ausência de autonomia do autor no desempenho de suas funções, bem como mostra a existência de subordinação algorítmica, termo que significa a subordinaçao mediante o controle por meio de aplicativos, na modalidade chamada algoritmica, por comandos ou por programaçao. Nela, ainda que inexista o direcionamento de comandos diretos e expressos partidos de um superior hierarquico (subordinaçao classica), a consolidaçao do controle via aplicativo revela um direcionamento ainda mais intenso, posto que ha uma gestao algoritmica de dados coletados pelos aplicativos. Inversamente, os trabalhadores te#m pouco acesso as informaçoes sobre o sistema, sendo que contato com a empresa revela-se bastante limitado. Assim, pode-se concluir que o conjunto probatório carreado aos autos atesta que o obreiro trabalhava para a reclamada dentro dos requisitos do artigo 3º da CLT, pelo qual forçoso concluir que assiste razão ao demandante, tendo em vista, ainda, a inconsistência das alegações feitas pela própria ré, e a ausência de prova nos autos em contrário. Reconheço, ainda, que não se trata o vínculo de contrato intermitente (modalidade de vínculo de emprego), nos termos do art. 443, §3º, da CLT, já que a escolha dos dias de trabalho é feita pelo próprio motorista, não estando presentes todos os requisitos necessários para o reconhecimento desta modalidade laboral, consoante o permissivo legal, pelo que reputo o vínculo ora firmado como por prazo indeterminado. Contudo, quanto ao pedido de reintegração, este não merece prosperar, haja vista que o autor não é detentor de nenhuma modalidade de estabilidade provisória no emprego. Nesta senda, o mesmo ocorre com o pedido de reconhecimento de demissão motivada (artigo 482, "b" da CLT), haja vista que a reclamada limitou-se a alegar os fatos, não trazendo aos autos qualquer prova a endossar a sua tese. Vale ressaltar que este juízo reconhece a data de admissão informada pela ré (17/04/2023), haja vista não haver prova, ainda que testemunhal, de labor anterior ao período por esta reconhecido. Diante do exposto, defiro em parte o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício entre as partes, bem como a demissão imotivada do obreiro, condenando a ré a proceder à anotação e baixa do contrato de trabalho na CTPS do autor, com data de admissão em 20/06/2020 e de demissão em 17/04/2023. Para cumprir a referida obrigação de fazer (anotação e baixa da CTPS), determino seja o documento entregue pelo reclamante ou seu causídico na parte reclamada em até 10 dias, ficando esta última obrigada a realizar o registro, mediante recibo, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais) até o limite de 1.000,00 (um mil reais). - Verbas Pleiteadas Haja vista o reconhecimento em parte do vínculo (20/06/2020 a 17/04/2023), condeno a reclamada, ao pagamento das parcelas a título de: aviso prévio indenizado (30 dias); 13º terceiro salário proporcional de 2020 (06/12), integral de 2021, integral de 2022 e proporcional de 2023 (04/12); férias integrais vencidas (2020/2021 e 2021/2022) e proporcionais (2022/2023 - 10/12), todas acrescidas de 1/3; FGTS de todo o período; multa de 40% sobre o FGTS e multa do artigo 477 da CLT. Por fim, consoante análise dos autos, arbitro o valor do salário do obreiro em R$ 2.000,00 (dois mil reais), para fins de cálculo das verbas ora deferidas. - Dano Moral A causa de pedir do dano moral vindicado pelo autor escuda-se na alegação de que a reclamada teria incorrido na hipótese de dispensa arbitrária (decisões automatizadas), vedada pela LGPD. O dano moral é aquele que causa danos à esfera íntima do indivíduo, causando-lhe sensação de impotência, desânimo, afetando-lhe a honra e a dignidade. Para a configuração da responsabilidade civil por danos, faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: ação ou omissão do agente; ocorrência de dano; culpa e nexo de causalidade. No caso ora apreciado, o autor não comprovou o dano, posto que não restou configurada lesão à sua esfera moral, haja vista não haver nos autos comprovação de que a sua dispensa tenha sido na modalidade de decisão automatizada. Ademais, a outra causa de pedir do dano moral (ausência de cobertura previdenciária), por si só não acarreta dano à esfera moral do autor, devendo ter sido comprovada de forma concreta nos autos, o que não ocorreu. Isto posto, indefiro o pedido de indenização por danos morais. Revendo posicionamento anterior em sentido contrário, verifica-se que a sentença não merece reforma quanto ao reconhecimento do vínculo de emprego entre os motoristas de aplicativo e a plataforma digital Uber. Explica-se. É fato público e notório que a empresa ré consiste numa plataforma virtual em que são cadastrados passageiros e motoristas com vistas, respectivamente, a usufruir e prestar um serviço de transporte, mediante adesão às normas de uso definidas pelo aplicativo, sendo que o rendimento da empresa advém de um percentual do valor cobrado pela efetiva realização do serviço de transporte. Portanto, o objetivo da plataforma não é simplesmente promover o contato entre os interessados, mas sim a efetiva realização do serviço de transporte. Não se alegue que a única atividade da parte Ré seja promover o contato entre clientes, porque se assim o fosse era de se esperar que auferisse renda pelo próprio uso do aplicativo, cobrando por sua instalação ou pelo cadastramento na plataforma; entretanto a empresa ré cobra sobre a efetiva realização do serviço de transporte do passageiro. Embora a parte reclamada alegue que tanto passageiros quanto motoristas são seus clientes e, portanto, contratantes dos seus serviços, trata-se de um contrato de adesão, com todos os termos fixados unilateralmente pela parte reclamada, inclusive quanto à forma de prestação de serviço e ao veículo utilizado. Além disso, a empresa reclamada efetua um constante controle acerca da qualidade do serviço prestado, mediante mecanismos de avaliação dos motoristas pelos passageiros, bloqueios de motorista conforme a reclamação do passageiro, o que evidencia que a parte reclamada prioriza a qualidade do serviço prestado pelo motorista e a satisfação do passageiro, tornando certo o ramo de atuação da empresa ré como sendo o da prestação de serviço de transporte. Portanto, tem-se que a parte reclamada oferece aos usuários passageiros um serviço de transporte a ser executado pelos usuários motoristas, ambos cadastrados em sua plataforma digital. Dito isso, importa dizer que o princípio da primazia da realidade é uma premissa das mais importantes no âmbito do Direito do Trabalho e, com base neste princípio, o julgador deve verificar se, no caso concreto em análise, estão configurados os requisitos do art. 3º da CLT, de maneira que o conjunto probatório que evidencie a existência de relação de emprego prevalece sobre documentos que formalizem a relação de trabalho de forma diversa e até mesmo afasta a aplicação de outra legislação que não a CLT. Assinala-se, ainda, que, uma vez admitida à prestação de serviço, como no caso, cabe a parte reclamada o ônus de provar a inexistência do vínculo empregatício, porquanto aduz fato que impede a formação da relação de emprego (fato impeditivo), atraindo para si o encargo probatório nos termos do art. 818, II, da CLT, presumindo-se, caso não se desonere deste encargo processual, tratar-se, de fato, de relação de emprego. No caso concreto, em contestação, a empresa reclamada admite que a parte obreira prestou serviços através de contrato firmado de cunho eminentemente civil, através de cadastro como Motorista na plataforma digital da empresa. Afirma, pois, tratar-se de relação de parceria e não de uma relação de trabalho e muito menos de emprego. Assim, como se disse, admitida a prestação de serviços em seu favor, cumpre à parte reclamada o ônus de provar que a relação estabelecida entre as partes não era revestida dos elementos caracterizadores do vínculo e que se tratava de trabalho autônomo e eventual consoante apregoa a defesa. Tem-se que, salvo melhor juízo, deste ônus não conseguiu se desvencilhar a parte ré. Conforme os bem lançados fundamentos da sentença, extrai-se das provas emprestadas, que havia controle da reclamada na prestação laboral pela parte reclamante. Some-se a isso o fato de que o valor da corrida não era definido pelo trabalhador, o que afasta a aludida autonomia. Da análise dos depoimentos testemunhais e pessoais, é possível ver que estão presentes todos os requisitos da relação empregatícia acima ditos. A prova produzida nos autos corrobora a configuração da relação de emprego, evidenciando que o suposto trabalho autônomo constitui forma de mascarar o trabalho subordinado, atraindo a incidência do princípio da primazia da realidade e a aplicação do art. 9º da CLT, segundo o qual são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos da legislação do trabalho. Logicamente a prestação de serviços é pessoal, vez que os motoristas são submetidos a avaliação prévia, com análise de documentos pessoais, como RG, carteira de motorista, etc. Não há elementos aptos a demonstrar a falta de habitualidade na prestação de serviços - o que a empresa poderia comprovar através dos relatórios dos serviços feitos pelo reclamante, gerados pelo próprio aplicativo, ressaltando-se que a configuração da habitualidade não exige prestação de serviços todos os dias, mas de modo frequente e compatível com a forma de funcionamento da empresa: habitual. Importante salientar que a execução naturalmente intermitente das corridas não afasta o requisito da não eventualidade, pois a delimitação prévia e/ou fixa de jornada não é requisito da relação de emprego, nos termos dos artigos 2º, 3º e 62 da CLT. O controle de jornada é meramente acessório ao contrato de emprego, sendo que o controle do labor, pela parte ré, dá-se de outra forma que não pela aferição do cumprimento da jornada de trabalho. A onerosidade evidente que está presente, pois o valor do serviço e o mecanismo de recebimento de valores dos passageiros é fixado pela empresa Ré e, na maioria das vezes, arrecadado pelo sistema, com automática separação de um percentual para a empresa e outro para o motorista quando o pagamento é feito eletronicamente. Ficou comprovado também que, quando o passageiro paga em dinheiro, a empresa debita a parte que lhe cabe na próxima corrida, de modo que toda a prestação de serviço é remunerada. Neste particular, tem-se que, apesar de maior o percentual do valor do serviço cabível ao motorista, isso se deve ao fato de que os maiores custos da atividade (IPVA, combustível, limpeza e manutenção do veículo) também eram contratualmente deixados a cargo deste, não por opção, mas por condição da contratação, como um contrato de adesão. Relativamente à subordinação, de resto, sobejamente demonstrada em sua forma direta e estrutural, encontram lugar as lições de Maurício Godinho Delgado que, citando Paulo Emilio Ribeiro de Vilhena, a explica como sendo "A subordinação que se expressa pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento". Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços (DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, obra revista e atualizada - 19ª Ed - São Paulo: LTr, 2020, pp. 360-361). A diferenciação entre trabalhador autônomo e empregado é bastante sutil, e o principal fator de distinção é a subordinação jurídica ou dependência hierárquica. Desta forma, no caso presente, cabe-nos averiguar o grau de ingerência da parte reclamada na atividade da parte reclamante. A empresa reclamada vale-se de algoritmo programado e constantemente reprogramado no sentido do direcionamento das atividades laborais de seus motoristas, estratégia empresarial de plataformas digitais que se presta a mascarar relações de emprego e submeter o trabalhador a formas manifestamente precários de trabalho. No particular, sequer minimamente se desenha autônoma a prestação de serviços de motorista de aplicativo, máxime por se tratar de uma liberdade programada por algoritmo que despreza o trabalhador como figura humana. A subordinação verificada, no caso, decorre do controle automatizado realizado por um código de programação: os algoritmos. Ficou comprovado que, ao motorista cabe apenas aceitar os termos de uso da plataforma, por adesão às cláusulas do contrato disponibilizado quando do cadastramento na plataforma digital. A empresa reclamada ainda define, padroniza todo o serviço que é disponibilizado através do aplicativo de celular mediante critérios inseridos no funcionamento do próprio aplicativo (algoritmo), tais como a definição da rota, dos critérios de cálculo do valor do serviço, dos itens a serem avaliados pelos passageiros em relação aos motoristas, dos critérios adotados para diminuir ou aumentar o número de clientes direcionados para o motorista. Em verdade, a partir do momento em que o motorista se conecta à plataforma, a empresa consegue efetuar um controle altamente sofisticado e tecnológico da prestação de serviços, de forma até mesmo mais pormenorizada, constante e eficaz do que qualquer supervisão presencial de atividades desempenhadas em outros moldes. Neste particular, perfeitamente cabível o parágrafo único de seu artigo 6º da CLT, que prevê a possibilidade de organização do trabalho informatizada, para fins de caracterização do vínculo empregatício: "Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio." Essa norma positiva a ideia de que a tecnologia desenvolvida pela empresa é instrumento para viabilizar a subordinação jurídica típica da relação empregatícia, pois tanto o envio das orientações da forma de realização do trabalho quanto à fiscalização do local e da forma do desenvolvimento da atividade, através, por exemplo, das ferramentas de geolocalização e de avaliação do motorista servem como balizador da prestação de serviços. Traço dessa relação subordinada, decorre também da determinação encaminhada aos motoristas para evitarem o cancelamento de solicitações de viagens enquanto estiverem conectados ao aplicativo. Da relação jurídica, também resta claro o poder disciplinar patronal por meio de advertências, suspensões e desligamento da plataforma. A parte reclamada, sem qualquer ingerência da parte autora, fixa o preço a ser pago pelo usuário pelo serviço prestado pelo motorista e estabelece a forma de pagamento, sendo inquestionável tratar-se de um trabalho por conta alheia em detrimento do trabalho por conta própria, este típico dos trabalhadores autônomos. É também de se enfatizar que a liberdade do motorista na escolha dos horários de trabalho, como argumenta a parte reclamada, não constitui motivo relevante para a descaracterização da relação jurídica de emprego, máxime quando o trabalhador não possuía meios de eleger quais clientes atender, para quais destinos se dirigir ou qual o preço cobrar pelas viagens. O cenário até aqui examinado não deixa dúvidas de que a parte autora prestou serviços de forma pessoal, não eventual e mediante contraprestação à empresa reclamada, transportando os usuários cadastrados na plataforma digital. A empresa explora uma atividade econômica e busca, de forma fraudulenta, transferir todos os riscos e custos dessa atividade para os trabalhadores, que, nesse formato contratual, não gozam de qualquer proteção legal. O empreendimento ou o negócio, portanto, foi e é todo idealizado, constituído, estruturado e estabelecido pela empresa ré. O prestador de serviço da parte ré não cria nada, apenas se cadastra no sítio da plataforma digital pronta e acabada, sujeitando-se a suas regras, em busca de uma oportunidade de trabalho. O fato de o motorista poder escolher o horário em que trabalha ou de aceitar corridas (assumindo os riscos da punição), ou, ainda, de ter a ferramenta de trabalho (o veículo), não tem o condão de tornar a prestação de serviço autônoma, especialmente quando sequer há liberdade de escolher clientela, destino, tempo de execução ou valor da corrida. Ademais, a escolha do horário de trabalho é algo que está cada vez mais flexibilizada, sobretudo após a previsão do teletrabalho na CLT, não havendo, necessariamente, rigidez de horários praticados nos moldes tradicionalmente concebidos, especialmente em contexto em que a necessidade de trabalho, para garantia de renda mínima de subsistência, é reconhecidamente de jornada integral e de vinculação permanente à plataforma. Importante observar que o cliente é da empresa ré e não do motorista, sendo vedado qualquer contato direto, conforme relatado que era inaceitável. Evidente, portanto, que a situação ora analisada envolve a prestação de trabalho subordinado, uma vez que todos os aspectos, procedimentos e diretrizes do negócio são definidos unilateralmente pela empresa, que os fiscaliza, mantendo o controle de seu cumprimento. Assim, o TST já decidiu recentemente: "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA CONTRATANTE. RITO SUMARÍSSIMO. PLATAFORMA DIGITAL. MOTORISTA DE APLICATIVO. PRINCÍPIOS DA PRIMAZIA DA REALIDADE E DA PROTEÇÃO AO EMPREGO. VÍNCULO DE EMPREGO. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, CENTRALIDADE DA PESSOA HUMANA NO VALOR SOCIAL DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA, ORDEM ECONÔMICA E SOCIAL. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS (CF/88, ARTIGOS 1º, 3º, 5º, 6º, 7º e 170). DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL ( CAPUT DO ART. 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). Cinge-se a controvérsia em definir a relação jurídica do serviço prestado pelo motorista de aplicativo em plataforma digital. Tal relação é estabelecida por economia sob demanda ("on-demand economy"), por meio de plataforma conectada à internet, à qual os usuários - clientes cadastrados digitalmente - requerem a prestação serviços de locomoção pessoal ou de entrega de bens e serviços. Está claro que houve evolução das relações de trabalho muito mais rápida e maior do que a evolução da lei. Assim, nos casos de contratação por intermédio de plataformas digitais, cumpre analisar a controvérsia sobre a relação estabelecida entre as partes e, nos casos submetidos a esta justiça especializada, a constatação, ou não, dos requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT. Na prestação desses serviços, tem-se que a atuação do profissional pode ser acompanhada em tempo real pela plataforma eletrônica da empresa (subordinação algorítmica), que verifica o trajeto, a velocidade desenvolvida e a avaliação do cliente. Podemos considerar ainda outras condições do controle da atividade laboral, entre as quais o fato de o contratado sofrer punição pelo cancelamento de corridas ou não manter o carro nas condições pré-determinadas, não haver liberdade de escolher sua clientela, destino, tempo de execução ou valor do serviço. No que se refere à pessoalidade, temos que a prestação de serviços para a empresa é realizada pelo motorista que preencheu os pré-requisitos empresariais de contratação - "termos de uso". Ademais, é impertinente o fundamento de que o motorista não assume os riscos do negócio, visto que, além de arcar com os custos da prestação do serviço (manutenção do carro, combustível, IPVA), cabe a ele a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos e naturais ocorridos, entre outros. Ressalta-se que a exclusividade com a contratante não é característica essencial do contrato de trabalho , e a habitualidade pode ser constatada pela continuidade da prestação de serviço. Analisando o direito internacional comparado, temos que a tendência mundial é de que os contratados por plataformas digitais tenham direitos mínimos assegurados ou até mesmo direitos trabalhistas reconhecidos. No Brasil, não existem normas específicas para regular esse tipo de contrato, contudo, existe extensa controvérsia jurisprudencial e doutrinária sobre a natureza jurídica dessa relação. Dessa forma, não pode o trabalhador ficar desamparado dos direitos mínimos consagrados em nossa Carta Magna e na vasta legislação celetista . Dadas as características dos atuais contratos, passamos ainda à problemática da previdência social, que seria responsável pelas possíveis eventualidades acometidas com os prestadores de serviços, sem a contribuição paritária das partes envolvidas no negócio jurídico, uma vez que o contratado não ostenta a qualidade de contribuinte previdenciário direto, o que traz insegurança jurídica ao próprio sistema garantidor social - SUS. Assim, no caso, demonstrada a prestação dos serviços em prol da empresa reclamada, a subordinação jurídica, a habitualidade e considerando a fragilidade e a insegurança suportada pelo prestador de serviços, correto o vínculo reconhecido. Incólumes, portanto, os dispositivos invocados. Precedentes e publicações específicas. Agravo de instrumento a que se nega provimento " (AIRR-31-63.2023.5.13.0022, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 22/11/2024). AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. Para além da pungência socioeconômica que envolve a questão, o debate acerca da natureza do vínculo entre "motorista de aplicativo" e empresa gerenciadora da plataforma digital por meio da qual era prestado o serviço, não foi, ainda, equacionado na jurisprudência trabalhista nacional. Aspecto suficiente para a configuração da transcendência jurídica. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. RITO SUMARÍSSMO. requisitos do artigo 896, § 1º-A da CLT não atendidos. MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. A despeito do entendimento do e. TRT, os aspectos factuais da relação desenvolvida entre reclamante e reclamado, registrados no acórdão de recurso ordinário, mostram-se suficientes ao reconhecimento de relação empregatícia, cuja camuflagem sob o epíteto de parceria, tem clara intenção de supressão dos direitos sociais e trabalhistas elencados no art. 7º da Carta Magna, em evidente ofensa à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, fundamentos insculpidos no art. 1º, incisos III e IV da Constituição Federal. Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/17. RITO SUMARÍSSMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. O tema relacionado à natureza do vínculo entre empresas gestoras de plataformas digitais que intermedeiam o serviço de motoristas demanda análise e decisão, pelas instâncias ordinárias, sobre as condições factuais em que esse trabalho concretamente se realiza, somente se configurando o vínculo de emprego quando contratados os motoristas, por essa via digital, para conduzirem veículos sob o comando de algoritmos preordenados por inteligência artificial. A flexibilidade de horário ou mesmo de jornada de trabalho é comum ao emprego que se desenvolve fora dos limites topográficos da empresa, razão pela qual não é aspecto decisivo para aferir a natureza da relação laboral. Importa verificar se o trabalho é estruturado, gerenciado e precificado por comando algorítmico, sujeitando-se a sanções premiais ou disciplinares o trabalhador obediente ou insubordinado, respectivamente. Presentes essas condições factuais, está o motorista a protagonizar um contrato de emprego relacionado a transporte de passageiros, figurando a plataforma digital como instrumento para a consecução dessa prestação laboral. Não se apresenta tal trabalhador como um sujeito, apenas, de parceria tecnológica, ainda que a instância regional, frente a esses mesmos fatos, tenha intuído ser outra a natureza jurídica do vínculo. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 00007999220215080120, Relator: Augusto Cesar Leite De Carvalho, Data de Julgamento: 12/04/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: 19/05/2023) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE " OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO ". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada - Uber do Brasil Tecnologia Ltda. - configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet , propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica no sistema capitalista. Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado - neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se, dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a Súmula 126 do TST . Nesse exame, sem negligenciar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado - regido pela Constituição da República (art. 7º) e pela CLT, portanto - , desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da República de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput ; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto empregador/tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego, considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova - definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT ). No caso dos autos , a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas - e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo - e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital. Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade , o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho - ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica , em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva , tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural , mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima , que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas - são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada . Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial , já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório . Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-100353-02.2017.5.01.0066, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11/04/2022)." Nesse sentido, precedentes recentes da 1ª Turma deste Regional (RO 1194-77.2023.5.22.0006, Relator Francisco Meton Marques de Lima, j. 16/12/2024 e RO 601-26.2024.5.22.0002, Relator Arnaldo Boson Paes, j. 16/12/2024). Desse modo, ante o quadro acima delineado e o princípio da proteção do trabalhador, conclui-se estarem presentes os elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego, na forma do art. 3º da CLT. Quanto à forma de extinção do contrato de trabalho, não foram apresentadas provas de que o reclamante tenha incorrido em descumprimento dos termos de uso do aplicativo, a ensejar a justa causa arguida pela empresa. Assim, e em decorrência do princípio da continuidade da relação de emprego, presume-se que a rescisão contratual se deu por iniciativa da parte reclamada, sem justa causa e sem a devida comunicação prévia ao empregado. Consequentemente, são devidas à parte trabalhadora as parcelas rescisórias típicas dessa modalidade de desligamento. Assim, restam mantidas as verbas reconhecidas em sentença, inclusive a multa do art. 477, § 8º, da CLT, conforme entendimento consolidado na Súmula 462 do C. TST. No tocante ao pedido de verificação dos períodos offline ou de inatividade do trabalhador, inclusive para afastar as férias postuladas pela parte obreira, não prospera, tendo em conta que foram considerados os períodos de efetivo labor, conforme histórico de viagens do reclamante, que demonstram o início de atividade em 20/06/2020, aliado às disposições do contrato de trabalho intermitente, em que algumas verbas deveriam ter sido pagas ao final de cada período, nos termos do art. 452-A, § 6º, da CLT, o que não ocorreu. Desse modo, mantidas as verbas objeto da condenação, inclusive as férias, integrais vencidas e proporcionais, ali deferidas. Ademais, a insurgência da reclamada quanto à média salarial igualmente não prospera, tendo em conta que a decisão recorrida considerou a média de R$ 2.000,00 apontada pelo reclamante, cujo valor é inferior ao apurado no relatório apresentado pela empresa." (Rela. Desa. BASILICA ALVES DA SILVA) Sem razão. Quanto à preliminar de nulidade processual, verifica-se que a decisão impugnada não incorreu em vício. Nos termos do art. 1.013, §3º, III, do CPC, uma vez reconhecido o vínculo empregatício, mostra-se possível e adequado o julgamento imediato das pretensões acessórias, ausente qualquer violação à legalidade, ao contraditório ou à ampla defesa. A atuação do colegiado encontra respaldo na sistemática processual vigente, não havendo que se falar em supressão de instância. No mérito, a decisão recorrida encontra-se em consonância com o conjunto probatório dos autos e com a jurisprudência majoritária deste Tribunal Superior do Trabalho. O acórdão recorrido bem delineou a presença dos elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego — pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação —, inclusive sob a perspectiva da chamada subordinação estrutural e algorítmica, conforme entendimento já sufragado pela 3ª e 6ª Turmas desta Corte. A tese recursal de que a reclamada é mera gestora de plataforma tecnológica não se sustenta diante do modelo de negócio descrito nos autos, no qual restou evidenciado controle da prestação dos serviços, padronização de condutas, fiscalização por mecanismos tecnológicos e repasse de valores segundo critérios fixados unilateralmente pela empresa. A alegação de repercussão geral reconhecida no STF (RE 1.446.336, Tema 1291) não tem o condão, por si só, de suspender o processamento do feito ou justificar o juízo de admissibilidade do recurso, notadamente porque não há decisão de mérito ou determinação de sobrestamento vinculante no referido precedente. Ausente demonstração de violação direta e literal de dispositivo constitucional ou de contrariedade a súmula ou jurisprudência pacificada do TST, nos termos dos arts. 896, §1º-A, I a III, da CLT e da Súmula 296/TST, impõe-se a denegação do seguimento. Diante do exposto, nego seguimento ao recurso de revista. CONCLUSÃO DENEGO seguimento ao recurso de revista. Publique-se. Teresina-PI, data da assinatura digital. TÉSSIO DA SILVA TÔRRES Desembargador-Presidente
Intimado(s) / Citado(s)
- IGOR FABRIZIO XAVIER LIMA
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