Sony Anderson Santos Teixeira x Uber Do Brasil Tecnologia Ltda.
ID: 326990903
Tribunal: TRT22
Órgão: OJ de Análise de Recurso
Classe: RECURSO ORDINáRIO - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0000783-34.2023.5.22.0006
Data de Disponibilização:
16/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PEDRO ZATTAR EUGENIO
OAB/MG XXXXXX
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PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA
OAB/MG XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relatora: BASILICA ALVES DA SILVA RORSum 0000783-34.2023.5.22.0006 RECORRENTE: SONY AN…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relatora: BASILICA ALVES DA SILVA RORSum 0000783-34.2023.5.22.0006 RECORRENTE: SONY ANDERSON SANTOS TEIXEIRA RECORRIDO: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Decisão ID b212d4d proferida nos autos. RORSum 0000783-34.2023.5.22.0006 - 2ª Turma Recorrente: Advogado(s): 1. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. RAFAEL ALFREDI DE MATOS (BA23739) Recorrido: Advogado(s): SONY ANDERSON SANTOS TEIXEIRA PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA (MG124974) PEDRO ZATTAR EUGENIO (MG128404) RECURSO DE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS Recurso tempestivo (decisão publicada em 30/06/2025 - Id 3e37a78; recurso apresentado em 10/07/2025 - Id 1d330a6). Representação processual regular (Id b7dc871). Preparo satisfeito. Condenação fixada na sentença, id d517436: R$ 20.000,00; Custas fixadas, id d517436: R$ 400,00; Depósito recursal recolhido no RR, id ffeede7 : R$ 20.000,00. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS TRANSCENDÊNCIA Cabe ao Tribunal Superior do Trabalho analisar se a causa oferece transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica (art. 896-A da CLT), dispondo o § 6º do referido artigo que "O juízo de admissibilidade do recurso de revista exercido pela Presidência dos Tribunais Regionais do Trabalho limita-se à análise dos pressupostos intrínsecos e extrínsecos do apelo, não abrangendo o critério da transcendência das questões nele veiculadas." 1.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA (8828) / COMPETÊNCIA (8829) / COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO Alegação(ões): - violação do(s) inciso I do artigo 114 da Constituição Federal. A empresa recorrente aponta violação ao art. 114, I, da CF/19888, em face da incompetência material da Justiça do Trabalho, alegando se tratar de discussão acerca de relação civil, e não de relação de trabalho ou de emprego, sendo matéria afeta à Justiça Comum. Afirma que a relação jurídica travada entre as partes é unicamente comercial, decorrente da prestação de serviços de intermediação digital pela plataforma Uber ao motorista autônomo, que agora reclama a existência de vínculo de emprego. Consta da r.decisão (Id, d517436 ): "PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - ARGUIDA PELA RECORRIDA EM CONTRARRAZÕES A reclamada/recorrida, em contrarrazões suscita a preliminar de incompetência material da Justiça do Trabalho, por entender tratar-se de relação jurídica de natureza eminentemente civil, invocando, para tanto, decisões proferidas em julgamentos realizados pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Conflito de Competência nº 164.544/MG, nos quais restou definida a competência da Justiça Comum Estadual. Sem razão. A Justiça do Trabalho é competente para julgamento das causas cujo pedido e causa de pedir denotem a existência de uma relação laboral que se subsuma a uma das hipóteses do art. 114 da CRFB/88, com exceção da parte final do inciso I deste artigo, que se refere às causas que sejam instauradas entre o poder público e seus servidores, entre si vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo, eis que esta parte fora declarada inconstitucional pelo STF, na apreciação da ADIN n. 3395-6. Sabe-se que a fixação da competência se faz com base na situação abstrata exposta pelo propositor da ação, ou seja, deve se basear na causa de pedir e nos pedidos efetuados na exordial. Assim, como a parte autora ingressou neste Juízo alegando ter mantido com a empresa Ré uma relação de trabalho regida pela CLT, compete à Justiça Obreira analisar a matéria, consoante define o art. 114 da CRFB/88 e vindica sua responsabilidade pelos créditos trabalhistas daí decorrentes. Em razão da natureza do pleito deduzido, a lide atrai a competência desta Justiça Especial, a teor do que se dispõe a norma constante no art. 114, I, da Constituição da República. Diante de tal contexto, rejeita-se a preliminar." (Relatora Desembargadora Basiliça Alves da Silva). Não merece seguimento o recurso de revista. Nos termos do art. 114, I, da CF/88, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho. A jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho é pacífica no sentido de que a competência material se define pela causa de pedir e pelo pedido da petição inicial, independentemente do desfecho da análise de mérito quanto à existência (ou não) do vínculo de emprego. Na hipótese, o autor pleiteia o reconhecimento da existência de relação empregatícia com a empresa ré, com fundamento na prestação pessoal e habitual de serviços, mediante remuneração e subordinação – elementos caracterizadores do vínculo de emprego previstos no art. 3º da CLT. Dessa forma, considerando que a controvérsia envolve pedido de reconhecimento de relação de emprego e verbas trabalhistas supostamente dela decorrentes, é manifestamente competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente ação, conforme entendimento pacífico do TST e da Súmula 363 do STF (inaplicabilidade da decisão na ADI 3395 ao setor privado). A invocação de precedentes do Superior Tribunal de Justiça, oriundos de conflitos negativos de competência (ex.: CC 164.544/MG), não se sobrepõe à orientação do Supremo Tribunal Federal no que tange à competência da Justiça do Trabalho para julgar pedidos que se fundam em alegada relação de emprego, conforme o decidido, por exemplo, no RE 958.252, com repercussão geral reconhecida (Tema 725/STF). Não há, pois, violação direta e literal ao art. 114, I, da Constituição Federal, sendo certo que a tese recursal esbarra também no óbice da Súmula 126 do TST, por demandar o revolvimento do conjunto fático-probatório quanto à real natureza da relação jurídica mantida entre as partes. Diante do exposto, nego seguimento ao recurso de revista. 2.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / ATOS PROCESSUAIS (8893) / NULIDADE Alegação(ões): - violação do(s) incisos II, LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal. - violação da(o) §3º do artigo 1013 do Código de Processo Civil de 2015. A parte recorrente alega violação ao art. 5º, II, LIV e LV da Constituição Federal, sustentando a ocorrência de nulidade processual por supressão de instância e julgamento surpresa, vez que o acórdão reconheceu a relação de emprego e prosseguiu com o julgamento das matérias acessórias, sem prévia apreciação pelo juízo de origem. Aponta também ofensa ao art. 1.013, §3º do CPC, sob o fundamento de que não estavam presentes as hipóteses excepcionais que autorizam o julgamento imediato do mérito. Aduz que a supressão de instância comprometeu o devido processo legal e o contraditório, impedindo a interposição de recurso ordinário contra a decisão que deferiu verbas decorrentes do reconhecimento do vínculo empregatício. Consta da r.decisão (Id, c9b9dfa): ".Omissão por Supressão de Instância A empresa alega, ainda, omissão quanto à supressão de instância, uma vez que o acórdão teria julgado diretamente as questões de mérito decorrentes do reconhecimento do vínculo sem devolução dos autos à primeira instância, violando o disposto no artigo 1.013, §3º, do CPC. Rejeito. Nos termos do artigo 1.013, §3º, inciso II, do Código de Processo Civil, o Tribunal pode decidir desde logo o mérito, quando a causa versar sobre matéria exclusivamente de direito ou estiver em condições de imediato julgamento. No presente caso, o reconhecimento do vínculo empregatício, após a análise do conjunto fático-probatório dos autos, tornou madura a lide, autorizando o imediato julgamento das verbas decorrentes, sem necessidade de retorno dos autos à instância de origem. O prosseguimento do julgamento pela Turma, fixando os consectários do vínculo empregatício reconhecido, não configurou qualquer nulidade, tampouco violação ao princípio do devido processo legal ou da ampla defesa. Trata-se de medida que visa conferir maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, em conformidade com o disposto no artigo 932, inciso III, e no próprio artigo 1.013, § 3º, inciso II, ambos do CPC. Outrossim, ressalte-se que não houve cerceamento de defesa, pois as partes tiveram ampla oportunidade de manifestação sobre todos os pedidos formulados, desde a petição inicial até o encerramento da instrução processual. Diante do exposto, não se verifica a alegada omissão ou violação legal, razão pela qual rejeito os embargos de declaração neste ponto." (Relatora Desembargadora Basiliça Alves da Silva). Não merece trânsito o recurso de revista. O art. 1.013, § 3º, do CPC autoriza o julgamento imediato do mérito pelo Tribunal, nas hipóteses em que a causa esteja em condições de imediato julgamento, sobretudo quando se tratar de matéria unicamente de direito ou quando o processo encontrar-se suficientemente instruído, como na hipótese. Consoante o acórdão recorrido, o Tribunal, após reconhecer o vínculo empregatício com base na análise do conjunto fático-probatório, entendeu estarem presentes os pressupostos legais para julgamento das verbas decorrentes da relação, aplicando-se adequadamente a técnica do julgamento por substituição prevista no art. 1.013, §3º, II, do CPC/2015. Não há falar, portanto, em violação ao devido processo legal, ao contraditório ou à ampla defesa (art. 5º, incisos II, LIV e LV, da CF/88), pois, em nenhum momento houve cerceamento de defesa ou decisão surpresa: os pedidos constantes da petição inicial foram regularmente controvertidos e enfrentados ao longo da instrução processual, inclusive com manifestação das partes. A decisão colegiada encontra respaldo na jurisprudência pacífica do TST, no sentido de que, reconhecido o vínculo de emprego e estando a causa madura, é possível o julgamento direto dos consectários legais pelo Tribunal Regional, sem que isso configure supressão de instância ou nulidade processual (inteligência da Súmula 393, I, do TST e art. 932, III, do CPC/2015). Por fim, a controvérsia está fundada essencialmente na valoração da prova e na interpretação do alcance da norma processual infraconstitucional, não havendo ofensa direta e literal aos dispositivos constitucionais invocados, conforme exige o art. 896, §2º, da CLT e a Súmula 266 do TST. Diante do exposto, nego seguimento ao recurso de revista. 3.1 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO (13707) / RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO Alegação(ões): - violação do(s) inciso IV do artigo 1º; artigo 170; incisos II, LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal. - violação da(o) artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho; artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho; artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho. - Tema 1291 de repercussão geral do STF. A parte recorrente insurge-se contra o acórdão que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre as partes, alegando que a relação jurídica estabelecida seria de natureza civil, caracterizando parceria comercial voltada à intermediação digital, sem preenchimento dos requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. Refuta a configuração da pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação jurídica, argumentando que os motoristas-parceiros utilizam a plataforma mediante adesão aos “Termos de Uso”, com liberdade de horários, remuneração decorrente de percentual sobre corridas e possibilidade de substituição por terceiros previamente cadastrados. Alega, ainda, que a subordinação algorítmica não possui amparo legal. Aponta repercussão geral reconhecida no RE 1.446.336 (Tema 1291/STF), que trata da controvérsia sobre vínculo de emprego entre plataformas digitais e motoristas, sob a perspectiva dos arts. 1º, IV, e 170, IV, da CF/88. Assim decidiu o r. acórdão (Id, d517436): "MÉRITO Vínculo de Emprego A parte reclamante requer que seja reconhecido o vínculo de emprego com a empresa reclamada. Alega que trabalhava para a demandada, sem registro em CTPS, no período de 15/12/2019 até que foi bloqueado no dia 16/04/2023 pelo aplicativo "UBER", software desenvolvido, fornecido e controlado pela ré. Segue afirmando que a reclamada controlava sua jornada de trabalho e que exercia a atividade em caráter personalíssimo, sem autonomia, estando presentes, no seu entender, os elementos caracterizadores da relação de emprego previstos no art. 3º da CLT. A reclamada, por sua vez, nega o vínculo, sustentando não estarem presentes os elementos previstos nos arts. 3º e 2º da Consolidação Trabalhista. Argumenta que a relação mantida entre as partes é de natureza civil, consubstanciada na contratação do uso de plataforma própria e que os motoristas que utilizam a plataforma são profissionais autônomos que prestam serviços em qualquer tipo de relação hierárquica, sem horários preestabelecidos e sem salário fixo. Analisa-se. É fato público e notório que a empresa ré consiste numa plataforma virtual em que são cadastrados passageiros e motoristas com vistas, respectivamente, a usufruir e prestar um serviço de transporte, mediante adesão às normas de uso definidas pelo aplicativo, sendo que o rendimento da empresa advém de um percentual do valor cobrado pela efetiva realização do serviço de transporte. Portanto, o objetivo da plataforma não é simplesmente promover o contato entre os interessados, mas sim a efetiva realização do serviço de transporte. Não se alegue que a única atividade da parte Ré seja promover o contato entre clientes, porque se assim o fosse era de se esperar que auferisse renda pelo próprio uso do aplicativo, cobrando por sua instalação ou pelo cadastramento na plataforma; entretanto a empresa ré cobra sobre a efetiva realização do serviço de transporte do passageiro. Embora a parte reclamada alegue que tanto passageiros quanto motoristas são seus clientes e, portanto, contratantes dos seus serviços, trata-se de um contrato de adesão, com todos os termos fixados unilateralmente pela parte reclamada, inclusive quanto à forma de prestação de serviço e ao veículo utilizado. Além disso, a empresa reclamada efetua um constante controle acerca da qualidade do serviço prestado, mediante mecanismos de avaliação dos motoristas pelos passageiros, bloqueios de motorista conforme a reclamação do passageiro, o que evidencia que a parte reclamada prioriza a qualidade do serviço prestado pelo motorista e a satisfação do passageiro, tornando certo o ramo de atuação da empresa ré como sendo o da prestação de serviço de transporte. Portanto, tem-se que a parte reclamada oferece aos usuários passageiros um serviço de transporte a ser executado pelos usuários motoristas, ambos cadastrados em sua plataforma digital. Dito isso, importa dizer que o princípio da primazia da realidade é uma premissa das mais importantes no âmbito do Direito do Trabalho e, com base neste princípio, o julgador deve verificar se, no caso concreto em análise, estão configurados os requisitos do art. 3º da CLT, de maneira que o conjunto probatório que evidencie a existência de relação de emprego prevalece sobre documentos que formalizem a relação de trabalho de forma diversa e até mesmo afasta a aplicação de outra legislação que não a CLT. Assinala-se, ainda, que, uma vez admitida a prestação de serviço, como no caso, cabe a parte reclamada o ônus de provar a inexistência do vínculo empregatício, porquanto aduz fato que impede a formação da relação de emprego (fato impeditivo), atraindo para si o encargo probatório nos termos do art. 818, II, da CLT, presumindo-se, caso não se desonere deste encargo processual, tratar-se, de fato, de relação de emprego. No caso concreto, em contestação, a empresa reclamada admite que a parte obreira prestou serviços através de contrato firmado de cunho eminentemente civil, através de cadastro como Motorista na plataforma digital da empresa. Afirma, pois, tratar-se de relação de parceria e não de uma relação de trabalho e muito menos de emprego. Assim, como se disse, admitida a prestação de serviços em seu favor, cumpre à parte reclamada o ônus de provar que a relação estabelecida entre as partes não era revestida dos elementos caracterizadores do vínculo e que se tratava de trabalho autônomo e eventual consoante apregoa a defesa. Tem-se que, salvo melhor juízo, deste ônus não conseguiu se desvencilhar a parte ré. Extrai-se da prova dos autos e das provas contidas em processos similares (princípio da conexão), trechos do depoimento de prepostos da reclamada UBER em provas emprestadas: "(...) que a reclamada retém 25% do valor da corrida no UberX e 20% no Uber Black; que a reclamada não aplica treinamento aos motoristas cadastrados; que as orientações ao motorista constam no termo de uso do aplicativo (...) que o motorista e o passageiro que ficarem abaixo da média regional de avaliação podem ser descadastrados"; "que a vinculação à ré é feita por meio do site, enviando documentação pertinente; que não houve redução do valor inicial da corrida; que se o motorista tiver avaliação baixa pelo usuário pode ser desativado do uso da plataforma; que o usuário avalia o motorista e nessa análise subjetiva pode também levar em consideração as condições do veículo". Da análise dos depoimentos testemunhais e pessoais, é possível ver que estão presentes todos os requisitos da relação empregatícia acima ditos. A prova produzida nos autos corrobora a configuração da relação de emprego, evidenciando que o suposto trabalho autônomo constitui forma de mascarar o trabalho subordinado, atraindo a incidência do princípio da primazia da realidade e a aplicação do art. 9º da CLT, segundo o qual são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos da legislação do trabalho. Logicamente a prestação de serviços é pessoal, vez que os Motoristas são submetidos a avaliação prévia, com análise de documentos pessoais, como RG, carteira de motorista, etc. Não há elementos aptos a demonstrar a falta de habitualidade na prestação de serviços - o que a empresa poderia comprovar através dos relatórios dos serviços feitos pelo Reclamante gerados pelo próprio aplicativo, ressaltando-se que a configuração da habitualidade não exige prestação de serviços todos os dias, mas de modo frequente e compatível com a forma de funcionamento da empresa: habitual. Importante salientar que a execução naturalmente intermitente das corridas não afasta o requisito da não eventualidade, pois a delimitação prévia e/ou fixa de jornada não é requisito da relação de emprego, nos termos dos artigos 2º, 3º e 62 da CLT. O controle de jornada é meramente acessório ao contrato de emprego, sendo que o controle do labor, pela parte ré, dá-se de outra forma que não pela aferição do cumprimento da jornada de trabalho. A onerosidade evidente que está presente, pois o valor do serviço e o mecanismo de recebimento de valores dos passageiros é fixado pela empresa Ré e, na maioria das vezes, arrecadado pelo sistema, com automática separação de um percentual para a empresa e outro para o motorista quando o pagamento é feito eletronicamente. Ficou comprovado também que, quando o passageiro paga em dinheiro, a empresa debita a parte que lhe cabe na próxima corrida, de modo que toda a prestação de serviço é remunerada. Neste particular, tem-se que, apesar de maior o percentual do valor do serviço cabível ao motorista, isso se deve ao fato de que os maiores custos da atividade (IPVA, combustível, limpeza e manutenção do veículo) também eram contratualmente deixados a cargo deste, não por opção, mas por condição da contratação, como um contrato de adesão. Relativamente à subordinação, de resto, sobejamente demonstrada em sua forma direta e estrutural, encontram lugar as lições de Maurício Godinho Delgado que, citando Paulo Emilio Ribeiro de Vilhena, a explica como sendo "A subordinação que se expressa pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento". Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços(DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, obra revista e atualizada - 19ª Ed - São Paulo: LTr, 2020, pp. 360-361). A diferenciação entre trabalhador autônomo e empregado é bastante sutil, e o principal fator de distinção é a subordinação jurídica ou dependência hierárquica. Desta forma, no caso presente, cabe-nos averiguar o grau de ingerência da reclamada na atividade do reclamante. A empresa reclamada vale-se de algoritmo programado e constantemente reprogramado no sentido do direcionamento das atividades laborais de seus Motoristas, estratégia empresarial de plataformas digitais que se presta a mascarar relações de emprego e submeter o trabalhador a formas manifestamente precários de trabalho. No particular, sequer minimamente se desenha autônoma a prestação de serviços de Motorista de aplicativo, máxime por se tratar de uma liberdade programada por algoritmo que despreza o trabalhador como figura humana. A subordinação verificada, no caso, decorre do controle automatizado realizado por um código de programação: os algoritmos. Ficou comprovado que, ao motorista cabe apenas aceitar os termos de uso da plataforma, por adesão às cláusulas do contrato disponibilizado quando do cadastramento na plataforma digital. A empresa Reclamada ainda define, padroniza todo o serviço que é disponibilizado através do aplicativo de celular mediante critérios inseridos no funcionamento do próprio aplicativo (algoritmo), tais como a definição da rota, dos critérios de cálculo do valor do serviço, dos itens a serem avaliados pelos passageiros em relação aos motoristas, dos critérios adotados para diminuir ou aumentar o número de clientes direcionados para o motorista. Em verdade, a partir do momento em que o motorista se conecta à plataforma, a empresa consegue efetuar um controle altamente sofisticado e tecnológico da prestação de serviços, de forma até mesmo mais pormenorizada, constante e eficaz do que qualquer supervisão presencial de atividades desempenhadas em outros moldes. Neste particular, perfeitamente cabível o parágrafo único de seu artigo 6º da CLT, que prevê a possibilidade de organização do trabalho informatizada, para fins de caracterização do vínculo empregatício: "Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio." (com grifo nosso acrescido) Essa norma positiva a ideia de que a tecnologia desenvolvida pela empresa é instrumento para viabilizar a subordinação jurídica típica da relação empregatícia, pois tanto o envio das orientações da forma de realização do trabalho quanto à fiscalização do local e da forma do desenvolvimento da atividade, através, por exemplo, das ferramentas de geolocalização e de avaliação do motorista servem como balizador da prestação de serviços. Traço dessa relação subordinada, decorre também da determinação encaminhada aos Motoristas para evitarem o cancelamento de solicitações de viagens enquanto estiverem conectados ao aplicativo. Da relação jurídica, também resta claro o poder disciplinar patronal por meio de advertências, suspensões e desligamento da plataforma. A parte reclamada, sem qualquer ingerência da parte autora, fixa o preço a ser pago pelo usuário pelo serviço prestado pelo Motorista e estabelece a forma de pagamento, sendo inquestionável tratar-se de um trabalho por conta alheia em detrimento do trabalho por conta própria, este típico dos trabalhadores autônomos. É também de se enfatizar que a liberdade do Motorista na escolha dos horários de trabalho, como argumenta a parte reclamada, não constitui motivo relevante para a descaracterização da relação jurídica de emprego, máxime quando o trabalhador não possuía meios de eleger quais clientes atender, para quais destinos se dirigir ou qual o preço cobrar pelas viagens. O cenário até aqui examinado não deixa dúvidas de que a parte autora prestou serviços de forma pessoal, não eventual e mediante contraprestação à empresa reclamada, transportando os usuários cadastrados na plataforma digital. A empresa explora uma atividade econômica e busca, de forma fraudulenta, transferir todos os riscos e custos dessa atividade para os trabalhadores, que, nesse formato contratual, não gozam de qualquer proteção legal. O empreendimento ou o negócio, portanto, foi e é todo idealizado, constituído, estruturado e estabelecido pela empresa ré. O prestador de serviço da parte ré não cria nada, apenas se cadastra no sítio da plataforma digital pronta e acabada, sujeitando-se a suas regras, em busca de uma oportunidade de trabalho. O fato de o motorista poder escolher o horário em que trabalha ou de aceitar corridas (assumindo os riscos da punição), ou, ainda, de ter a ferramenta de trabalho (o veículo), não tem o condão de tornar a prestação de serviço autônoma, especialmente quando sequer há liberdade de escolher clientela, destino, tempo de execução ou valor da corrida. Ademais, a escolha do horário de trabalho é algo que está cada vez mais flexibilizada, sobretudo após a previsão do teletrabalho na CLT, não havendo, necessariamente, rigidez de horários praticados nos moldes tradicionalmente concebidos, especialmente em contexto em que a necessidade de trabalho, para garantia de renda mínima de subsistência, é reconhecidamente de jornada integral e de vinculação permanente à plataforma. Importante observar que o cliente é da empresa ré e não do Motorista, sendo vedado qualquer contato direto, conforme relatado que era inaceitável. Evidente, portanto, que a situação ora analisada envolve a prestação de trabalho subordinado, uma vez que todos os aspectos, procedimentos e diretrizes do negócio são definidos unilateralmente pela empresa, que os fiscaliza, mantendo o controle de seu cumprimento. Assim, o TST já decidiu: AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA.Para além da pungência socioeconômica que envolve a questão, o debate acerca da natureza do vínculo entre "motorista de aplicativo" e empresa gerenciadora da plataforma digital por meio da qual era prestado o serviço, não foi, ainda, equacionado na jurisprudência trabalhista nacional. Aspecto suficiente para a configuração da transcendência jurídica. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. RITO SUMARÍSSMO. requisitos do artigo 896, § 1º-A da CLT não atendidos MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. A despeito do entendimento do e. TRT, os aspectos factuais da relação desenvolvida entre reclamante e reclamado, registrados no acórdão de recurso ordinário, mostram-se suficientes ao reconhecimento de relação empregatícia, cuja camuflagem sob o epíteto de parceria, tem clara intenção de supressão dos direitos sociais e trabalhistas elencados no art. 7º da Carta Magna, em evidente ofensa à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho, fundamentos insculpidos no art. 1º, incisos III e IV da Constituição Federal. Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/17. RITO SUMARÍSSMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. NATUREZA DO VÍNCULO. O tema relacionado à natureza do vínculo entre empresas gestoras de plataformas digitais que intermedeiam o serviço de motoristas demanda análise e decisão, pelas instâncias ordinárias, sobre as condições factuais em que esse trabalho concretamente se realiza, somente se configurando o vínculo de emprego quando contratados os motoristas, por essa via digital, para conduzirem veículos sob o comando de algoritmos preordenados por inteligência artificial. A flexibilidade de horário ou mesmo de jornada de trabalho é comum ao emprego que se desenvolve fora dos limites topográficos da empresa, razão pela qual não é aspecto decisivo para aferir a natureza da relação laboral. Importa verificar se o trabalho é estruturado, gerenciado e precificado por comando algorítmico, sujeitando-se a sanções premiais ou disciplinares o trabalhador obediente ou insubordinado, respectivamente. Presentes essas condições factuais, está o motorista a protagonizar um contrato de emprego relacionado a transporte de passageiros, figurando a plataforma digital como instrumento para a consecução dessa prestação laboral. Não se apresenta tal trabalhador como um sujeito, apenas, de parceria tecnológica, ainda que a instância regional, frente a esses mesmos fatos, tenha intuído ser outra a natureza jurídica do vínculo. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 00007999220215080120, Relator: Augusto Cesar Leite De Carvalho, Data de Julgamento: 12/04/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: 19/05/2023) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE " OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO ". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada - Uber do Brasil Tecnologia Ltda. - configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet , propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica no sistema capitalista. Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado - neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se, dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a Súmula 126 do TST . Nesse exame, sem negligenciar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado - regido pela Constituição da República (art. 7º) e pela CLT, portanto - , desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da República de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput ; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto empregador/tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego, considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova - definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT ). No caso dos autos , a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas - e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo - e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital. Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade , o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho - ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica , em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva , tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural , mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima , que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas - são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada . Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial , já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório . Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-100353-02.2017.5.01.0066, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11/04/2022). Desse modo, ante o quadro acima delineado e o princípio da proteção do trabalhador, conclui-se estarem presentes os elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego, na forma do art. 3º da CLT. Reconhecido, portanto, o vínculo empregatício." (Relatora Desembargadora Basiliça Alves da Silva). Sem razão. O acórdão recorrido, com ampla análise fático-probatória, reconheceu a presença de todos os elementos configuradores da relação empregatícia, com base no princípio da primazia da realidade. Foram destacados, entre outros, os seguintes aspectos: a) Controle direto e indireto da empresa sobre os motoristas, inclusive por algoritmos; b) Inexistência de liberdade real quanto à definição de preços, clientela e dinâmica de trabalho; c) Poder disciplinar exercido pela plataforma, mediante bloqueios e avaliações; d) Inserção estrutural do trabalhador na dinâmica empresarial da plataforma digital, que aufere renda com o serviço de transporte efetivamente prestado; e) Presunção de vínculo empregatício diante da prestação de serviços pessoais, contínuos e onerosos, não desconstituída pela empresa, nos termos do art. 818, II, da CLT. A jurisprudência do TST, inclusive sob a égide da Lei nº 13.467/2017, tem reconhecido o vínculo empregatício em situações análogas, desde que demonstrada a ingerência empresarial nos moldes relatados (v.g., RR-100353-02.2017.5.01.0066, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado; RR-0000799-92.2021.5.08.0120, Rel. Min. Augusto César de Carvalho). Também é pacífica a orientação de que a chamada “subordinação algorítmica” – prevista inclusive no art. 6º, parágrafo único, da CLT – configura espécie válida de comando empregatício. Quanto à alegada repercussão geral no RE 1.446.336, não houve suspensão nacional dos processos sobre a matéria, tampouco exime o Tribunal de exercer o controle difuso da constitucionalidade no caso concreto. Ausente, portanto, violação direta e literal aos dispositivos constitucionais e legais apontados (arts. 1º, IV; 5º, II; 7º, CF/88; arts. 2º e 3º da CLT), conforme exigido pelo art. 896, §2º, da CLT e Súmula 266 do TST. O recurso de revista encontra óbice, ainda, na Súmula 126 do TST, por demandar revolvimento do conjunto fático-probatório. Diante do exposto, nego seguimento ao recurso de revista. CONCLUSÃO DENEGO seguimento ao recurso de revista. Publique-se. Teresina-PI, data da assinatura digital. TÉSSIO DA SILVA TÔRRES Desembargador-Presidente
Intimado(s) / Citado(s)
- SONY ANDERSON SANTOS TEIXEIRA
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