Processo nº 0801522-73.2020.8.10.0131
ID: 294996097
Tribunal: TJMA
Órgão: Vara Única de Senador La Roque
Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nº Processo: 0801522-73.2020.8.10.0131
Data de Disponibilização:
10/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RAFAEL FERRAZ MARTINS
OAB/MA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO COMARCA DE SENADOR LA ROCQUE Rua Teresinha Mota, 720, Senador La Rocque/MA, CEP 65935-000 Fone: (99) 2055-1139| E-mail: vara1_slr@tjma.jus.b…
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO COMARCA DE SENADOR LA ROCQUE Rua Teresinha Mota, 720, Senador La Rocque/MA, CEP 65935-000 Fone: (99) 2055-1139| E-mail: vara1_slr@tjma.jus.br Processo Judicial Eletrônico n.º 0801522-73.2020.8.10.0131 AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (64) - [Dano ao Erário] REQUERENTE(S): MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MARANHAO REQUERIDO(S): VAGTONIO BRANDAO DOS SANTOS e outros (2) Advogado do(a) REU: RAFAEL FERRAZ MARTINS - MA7552-A SENTENÇA I. RELATÓRIO Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Maranhão em face de Vagtônio Brandão dos Santos, Raimundo José Andrade Costa e Osiran Santos Sousa, imputando-lhes a prática de atos ímprobos relacionados à dispensa indevida de licitação no exercício de cargos públicos no Município de Buritirana/MA, durante a vigência do regime jurídico excepcional decorrente da pandemia de COVID-19. Segundo narra a inicial, os requeridos, à época ocupantes dos cargos de Prefeito Municipal, Secretário Municipal de Saúde e Presidente da Comissão Permanente de Licitação, teriam viabilizado a contratação direta da empresa Gráfica e Editora Brasil EIRELI, para fornecimento de materiais gráficos utilizados em campanhas educativas de combate ao coronavírus, sem a prévia instauração de processo licitatório e em momento anterior à decretação oficial de calamidade pública no município. Sustenta o Parquet que tal conduta afrontaria os dispositivos da Lei nº 13.979/2020, notadamente quanto à exigência de declaração formal de calamidade pública como condição para autorizar a contratação emergencial, o que, segundo a inicial, somente teria ocorrido com a publicação do Decreto Municipal nº 019/2020, datado de 1º de junho de 2020. Requer, com fundamento nos arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992 (na redação anterior à Lei nº 14.230/2021), a condenação dos réus às sanções de natureza civil, inclusive com o pedido de indisponibilidade de bens no valor estimado de R$ 31.240,00, correspondente ao valor do contrato. A inicial foi instruída com documentos, dentre os quais o procedimento de contratação direta, notas fiscais e justificativas administrativas. Em decisão inicial, foi indeferido o pedido de indisponibilidade de bens dos réus, sob o fundamento de que, à época da contratação, já havia vigência do Decreto Estadual nº 35.672/2020, que declarava situação de calamidade pública no âmbito do Estado do Maranhão, o que, aliado à pertinência do objeto contratado (serviço gráfico voltado à campanha sanitária), afastaria, em cognição sumária, o fumus boni iuris necessário para a constrição liminar. Contra essa decisão, o Ministério Público interpôs Agravo de Instrumento (Proc. nº 0815215-95.2021.8.10.0000), o qual foi provido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Maranhão, que determinou o bloqueio de bens e valores dos requeridos, restabelecendo o juízo cautelar sob a premissa de que existiriam indícios suficientes da prática de ato de improbidade administrativa. Em cumprimento à decisão da instância superior, foi determinada a indisponibilidade de bens e valores dos requeridos, tendo havido, posteriormente, decisão que deferiu o desbloqueio dos ativos de Osiran Santos Sousa, mas manteve o bloqueio dos valores de Raimundo José Andrade Costa por ausência de comprovação de impenhorabilidade. Devidamente citados, os réus apresentaram suas contestações. Osiran Santos Sousa, em sua contestação, argumenta preliminarmente pela sua ilegitimidade passiva, sustentando que, enquanto Presidente da Comissão Permanente de Licitação, não teria praticado qualquer ato comissivo ou omissivo que justificasse sua responsabilização, tampouco teria autorizado ou formalizado a contratação direta questionada. Aduz ainda a inexistência de ato ímprobo e ausência de dolo específico, destacando que, à época da contratação, já se encontrava em vigor o Decreto Municipal nº 007/2020, o qual reconheceu a situação de emergência em saúde pública no município, com fulcro na Lei Federal nº 13.979/2020, autorizando, portanto, a dispensa de licitação. Requer, por fim, o indeferimento da inicial e, subsidiariamente, a aplicação das penalidades de forma proporcional e razoável, caso ultrapassada a fase de admissibilidade. Vagtônio Brandão dos Santos e Raimundo José Andrade Costa, em peça conjunta, também arguem preliminares de inépcia da inicial e ausência de justa causa, com fundamento nos §§ 6º e 6º-B do art. 17 da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, por entenderem não haver demonstração mínima de dolo específico. Alegam que a contratação emergencial obedeceu aos ditames legais, pois, à época dos fatos, já estava em vigor o Decreto Municipal nº 007/2020, que reconheceu formalmente a situação de emergência no Município de Buritirana. Sustentam ainda que os materiais gráficos foram efetivamente entregues e utilizados em campanha de utilidade pública, não havendo lesão ao erário ou enriquecimento ilícito. Requerem a improcedência da ação e, subsidiariamente, a mitigação de eventual reprimenda à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Em réplica, o Ministério Público rebateu as alegações preliminares, sustentando a validade da petição inicial, a individualização das condutas e a presença de indícios suficientes da prática de ato ímprobo, inclusive com dolo específico, a ser apurado na instrução probatória. Requereu, ainda, a intimação dos requeridos para apresentar a íntegra do procedimento de contratação direta, em razão da ausência de disponibilização no portal da transparência do Município. Posteriormente, em manifestação complementar, o Parquet reiterou os termos da inicial e da réplica, afirmando que a suposta validade do Decreto Municipal nº 007/2020 não se sustenta juridicamente, pois o instrumento sequer teria sido publicado em meio oficial dotado de requisitos formais de autenticidade e publicidade, conforme exigências normativas. Asseverou, ademais, que os requeridos agiram de forma dolosa, promovendo contratação direta com desvio das regras legais, o que gerou dano ao erário e violação aos princípios constitucionais da Administração Pública. É o relatório. Fundamento e decido. II. FUNDAMENTAÇÃO. Procedo ao julgamento antecipado da lide, haja vista que a questão fático jurídica a decidir prescinde de produção de provas orais em audiência, bastando apenas a análise documental já constante nos autos, conforme autoriza o art. 355, I do Código de Processo Civil. Nos termos do art. 434 do mesmo diploma, cumpre às partes instruir a petição inicial e a contestação com os documentos destinados à prova de suas alegações, operando-se a preclusão para juntada posterior, ressalvadas as hipóteses do art. 435 do CPC. Pois bem. Na presente Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Maranhão em face de Vagtônio Brandão dos Santos, Raimundo José Andrade Costa e Osiran Santos Sousa, constata-se que o objeto central da controvérsia reside na regularidade da contratação direta da empresa Gráfica e Editora Brasil EIRELI, mediante dispensa de licitação, supostamente amparada na emergência pública decorrente da pandemia de COVID-19. O Ministério Público sustenta que os réus, agindo de forma dolosa e concertada, promoveram a contratação direta de maneira irregular, em afronta aos ditames da Lei nº 8.666/1993 e da Lei nº 13.979/2020, causando prejuízo ao erário e atentando contra os princípios da Administração Pública. A controvérsia se instala, de forma mais precisa, quanto à existência e validade jurídica do Decreto Municipal nº 007/2020, que, segundo os réus, teria declarado situação de emergência em saúde pública no Município de Buritirana em data anterior à contratação, conferindo, assim, fundamento legal para a dispensa de licitação. O Ministério Público, por sua vez, impugna a autenticidade e a eficácia jurídica do referido decreto, afirmando que o mesmo não foi validamente publicado em órgão oficial que atendesse às exigências legais e normativas, especialmente quanto à certificação digital, carimbo de tempo e ISSN, conforme previsão da Instrução Normativa nº 70/2021 do TCE/MA. Esta discussão, portanto, reflete o núcleo central do dissenso: a validade formal do decreto e sua aptidão para legitimar a contratação emergencial. É incontroverso nos autos que houve, de fato, contratação direta da referida empresa gráfica pelo Município de Buritirana, sem prévia licitação, em abril de 2020, e que os serviços contratados tinham como objeto a produção de materiais gráficos voltados a campanhas informativas e educativas relacionadas à pandemia de COVID-19. Também não há disputa sobre o vínculo funcional dos réus à época dos fatos, sendo Vagtônio Brandão prefeito municipal, Raimundo José Andrade secretário municipal de saúde, e Osiran Santos presidente da Comissão Permanente de Licitação. Ainda, não se nega que foram pagos recursos públicos à contratada, e que os valores envolvidos giram em torno de R$ 31.240,00. Permanece, contudo, controvertido se a contratação se deu com observância das formalidades legais, particularmente no tocante à existência de situação jurídica que autorizasse a dispensa de licitação, bem como a demonstração do elemento subjetivo indispensável à configuração do ato de improbidade administrativa à luz da Lei nº 14.230/2021, isto é, o dolo específico. Não se pacificou, igualmente, se houve prejuízo efetivo ao erário. Por fim, permanece em aberto a controvérsia acerca da ausência de juntada integral do procedimento administrativo de contratação direta aos autos, o qual, segundo o Ministério Público, não consta do Portal da Transparência e não foi disponibilizado pelos réus, prejudicando, assim, a completa aferição da regularidade do ato administrativo questionado. A) DO PEDIDO PENDENTE - JUNTADA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE CONTRATAÇÃO DIRETA O Ministério Público, reiterou pedido de intimação dos requeridos para apresentação da íntegra do procedimento administrativo correspondente à Dispensa de Licitação nº 10.014/2020, sob o argumento de que a documentação juntada aos autos seria insuficiente para completa avaliação da regularidade da contratação emergencial. Alegou, ainda, que o referido processo não se encontraria disponível no Portal da Transparência do Município de Buritirana, postulando a adoção de diligência judicial para suprir a alegada lacuna probatória. Entretanto, tal requerimento não merece acolhimento. Em primeiro lugar, deve-se observar que, nos termos do art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil, incumbe ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito. Tratando-se de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, cuja natureza sancionatória é hoje inequívoca à luz da jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 1.199 da repercussão geral), impõe-se ao Ministério Público, na condição de autor da ação e parte ativa da relação processual, o dever de instruir adequadamente a peça inaugural com os documentos necessários à formação da convicção judicial, não se admitindo que tal encargo seja transferido à parte demandada ou ao juízo. Não cabe, portanto, à defesa o ônus de produzir provas que visem suprir eventuais deficiências da tese acusatória ou mesmo ao juízo complementar a função acusatória. Ao contrário, trata-se de hipótese em que vigora o postulado da inércia da jurisdição, sendo absolutamente incompatível qualquer atuação do juízo que se revele substitutiva da função instrutória do autor da ação. Permitir que o magistrado ordene diligências com o objetivo de complementar a atuação do Ministério Público violaria flagrantemente os princípios da imparcialidade judicial e da igualdade processual. Ademais, a jurisprudência já pacificou que o processo por ato de improbidade deve ser interpretado à luz das garantias do Direito Administrativo Sancionador, as quais exigem rigor instrutório equivalente ao dos processos penais, sobretudo quanto à delimitação clara das imputações e à produção da prova pela parte acusadora. Nesse sentido, a ausência de documentos indispensáveis ao convencimento da tese autoral não pode ser suprida mediante ordem judicial ou deslocamento do ônus da prova à parte demandada, sob pena de manifesta afronta à legalidade processual e ao devido processo legal substancial. Ademais, não se ignora que os autos já se encontram suficientemente instruídos com os elementos coligidos pelo próprio Ministério Público durante a fase investigatória e que serviram de base para o ajuizamento da ação. Por essas razões, não acolho o pedido de intimação dos réus para apresentação da íntegra do procedimento de contratação direta, porquanto cabia ao autor, desde a propositura da ação, apresentar todos os elementos probatórios necessários à comprovação de suas alegações, sendo vedado ao juízo suprir a atuação da parte acusadora. B) DO MÉRITO B.1) DA VALIDADE DA PUBLICAÇÃO DO DECRETO MUNICIPAL Nº 007/2020 Sustenta o Ministério Público, em réplica e manifestações subsequentes, que o Decreto Municipal nº 007/2020, utilizado pelos réus como fundamento jurídico para a contratação direta da empresa Gráfica e Editora Brasil EIRELI, não teria sido validamente publicado em órgão oficial, uma vez que o documento acostado aos autos careceria dos requisitos técnicos mínimos exigidos para garantir sua autenticidade, integridade e eficácia jurídica. Fundamenta tal alegação na Instrução Normativa nº 70/2021 do TCE/MA, que dispõe sobre os critérios de validade para publicações oficiais em meio eletrônico, como a exigência de certificação digital emitida no âmbito da ICP-Brasil, carimbo de tempo e referência ao ISSN. Contudo, tais alegações não encontram respaldo suficiente nos autos, pois a publicação e a validade da assinatura é fato notório, nos termos do art. 374 do CPC. Vejamos. Verifica-se que o referido Decreto Municipal nº 007/2020 foi validamente publicado em 25 de março de 2020, no Diário Oficial do Município de Buritirana, disponível no endereço eletrônico: https://buritirana.ma.gov.br/upload/diario_oficial/36290.pdf. A consulta a essa publicação, acessível a qualquer interessado, revela que o decreto em questão encontra-se devidamente assinado digitalmente com certificação compatível com os padrões da ICP-Brasil, conforme verificado por meio de consulta ao validador oficial do governo pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação – ITI (https://validar.iti.gov.br/), o qual confirmou a autenticidade e integridade do documento eletrônico, atestando a conformidade com os requisitos legais de publicidade administrativa. Ademais, verifica-se que a contratação direta impugnada pelo Ministério Público somente se materializou posteriormente, no mês de abril de 2020, sendo, portanto, subsequente à edição e publicação válida do decreto municipal. Logo, não há como sustentar que a contratação foi realizada à margem de decreto válido ou à revelia de fundamento jurídico que autorizasse, no âmbito do Município de Buritirana, a adoção das medidas excepcionais previstas no art. 4º da Lei nº 13.979/2020, em resposta à emergência de saúde pública decorrente da pandemia da COVID-19. Assim, verifica-se que o Decreto Municipal nº 007/2020 atendeu plenamente aos requisitos legais e constitucionais de publicidade, sendo publicado no órgão oficial do Município, dotado de fé pública, com assinatura digital reconhecida e acessibilidade irrestrita, o que satisfaz os critérios exigidos pelo ordenamento jurídico. Por conseguinte, não subsiste a tese de nulidade do referido ato normativo, tampouco sua ineficácia para fundamentar a contratação direta ora questionada. B.2) DAS CONDUTAS IMPUTADAS AOS RÉUS A expressão improbidade administrativa designa, tecnicamente, a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e de seus preceitos basilares de moralidade, legalidade e impessoalidade, ferindo de morte os princípios da Carta Republicana, ou como prefere JOSÉ AFONSO DA SILVA, para quem improbidade administrativa “é uma imoralidade qualificada” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 668-669). De seu turno, o conceito de “improbidade” é bem mais amplo do que o de “ato lesivo ou ilegal” em si. É o contrário de probidade, que significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo que incorreção, falta de probidade, má conduta. Com efeito, a Lei Federal nº. 8.429/92 é o diploma legal que regula a matéria em questão, estabelecendo como ato de improbidade administrativa todo aquele, praticado por agente público, que importe: (i) enriquecimento ilícito, (ii) prejuízo ao erário e/ou (iii) violação aos princípios da administração pública (arts. 9, 10 e 11 da Lei nº. 8.429/92, respectivamente). MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO aduz que um ato administrativo somente implicará a incidência das penalidades estabelecidas na Lei de Improbidade Administrativa ao seu autor quando presentes os seguintes elementos: a) sujeito passivo: uma das entidades mencionadas no art. 1º da Lei nº 8.429; b) sujeito ativo: o agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (arts. 1º e 3º); c) ocorrência do ato danoso descrito na lei, causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contra os princípios da Administração Pública; o enquadramento do ato pode dar-se isoladamente, em uma das três hipóteses, ou, cumulativamente, em duas ou nas três; d) elemento subjetivo: dolo ou culpa (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 813). No que concerne ao tema, o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 843.989, com repercussão geral, quanto aos limites de aplicabilidade da nova Lei de Improbidade Administrativa, firmou as seguintes teses, in verbis: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º,inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Como se vê, o STF fixou entendimento quanto à irretroatividade da nova lei, ressalvando, contudo, a sua retroação benéfica apenas em relação à revogação da modalidade culposa do ato de improbidade, para que seja verificada a presença de dolo, e limitada tal retroatividade aos casos pendentes de julgamento ou, já resolvidos, mas sem condenação transitada em julgado. Registra-se que a Lei de Improbidade compreende o direito administrativo sancionador, positivado no art. 1º, §4º, da Lei 8.429/1992, e por isso deve obedecer ao princípio constitucional da retroatividade da lei mais benéfica. Dessa forma, a partir dessa orientação, tenho que é aplicável na presente hipótese as disposições constantes da Lei 14.230/2021. A partir das premissas acima fixadas, verifico a inocorrência de ato ímprobo no caso em tela, uma vez que o novo regramento legal exige a comprovação de que os réus agiram efetivamente com dolo, o que não restou demonstrado na hipótese dos autos. No caso dos autos, verifica-se que o Ministério Público funda sua acusação, em essência, na alegação de que houve dispensa indevida de licitação, por suposta ausência de decreto válido de calamidade pública à época da contratação direta. Ocorre que, apesar de ter incluído formalmente o incisos I, II e VI do art. 10 da Lei nº 8.429/1992 entre os dispositivos legais invocados, não houve na exordial qualquer descrição ou fundamentação específica relacionada à sua incidência. Assim, ausente descrição fática concreta da conduta típica prevista nos referidos incisos, deixando o Ministério Público de individualizar os elementos normativos do tipo, não é possível reconhecer a subsunção da conduta dos réus aos referidos incisos, razão pela qual impõe-se, neste ponto, a improcedência do pedido. Em reforço à isso, passo à analisar todos os incisos considerando a suposta conduta de dispensa indevida de licitação. No que tange ao inciso I do art. 10 da Lei nº 8.429/1992, observa-se que, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, o tipo passou a exigir, expressamente, que a incorporação ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica seja "indevida", o que reforça a exigência de dolo específico voltado à produção de resultado lesivo ao erário. Trata-se de qualificação normativa que evidencia a adoção de critérios mais restritivos no âmbito do Direito Administrativo Sancionador, de modo a afastar a responsabilização objetiva ou por mera irregularidade formal. No caso concreto, não se comprova que os requeridos tenham concorrido para qualquer incorporação indevida de valores públicos ao patrimônio da empresa contratada ou de terceiros. Ao contrário, o próprio Ministério Público reconhece na petição inicial que houve o efetivo fornecimento dos materiais contratados, conforme demonstra o termo de recebimento de material datado de 30 de abril de 2020, emitido pela Secretaria Municipal de Administração (ID 8572534 / 04). Tal circunstância, por si só, demonstra que o objeto da contratação foi entregue e que a contraprestação foi realizada, afastando a configuração de desvio, apropriação ou enriquecimento ilícito. Sem a demonstração de que a incorporação ao patrimônio da empresa contratada foi indevida e dolosamente provocada pelos agentes públicos e não se identificando desvio de finalidade nem apropriação de recursos públicos por parte dos agentes envolvidos, ausente o elemento essencial do tipo — qual seja, a transferência ilícita de recursos públicos ao patrimônio privado. Portanto, não se verifica a tipicidade da conduta sob o prisma do inciso I do art. 10 da LIA. No que concerne ao inciso II do mesmo artigo, igualmente não se pode afirmar que tenha havido permissão ou facilitação indevida para o uso de verbas públicas sem observância das formalidades legais. Isso porque, conforme demonstrado nos autos, a contratação foi precedida da edição e publicação válida do Decreto Municipal nº 007/2020, em 25/03/2020, o qual declarou situação de emergência em saúde pública e autorizou, nos termos da Lei nº 13.979/2020, a adoção de medidas excepcionais, inclusive a dispensa de licitação. A contratação direta ocorreu após a edição do decreto, não se constatando afronta às formalidades essenciais ou dolo específico dos agentes. Em relação ao inciso VI do art. 10 da Lei nº 8.429/1992, que descreve como ato de improbidade administrativa a realização de operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares, não se evidencia nos autos qualquer violação concreta e dolosa ao ordenamento jurídico que configure tal hipótese típica. Com efeito, o que se verifica no caso sub judice é que a contratação direta da empresa Gráfica e Editora Brasil EIRELI foi precedida de procedimento administrativo formal de dispensa de licitação, instaurado com base no Decreto Municipal nº 007/2020. O procedimento, ainda que posteriormente fosse considerado nulo, à época foi realizado e publicado, conferindo aparência de legalidade ao ato administrativo. Desse modo, poderia ser cogitada a conduta culposa dos agentes, caso fosse declarada a dispensa indevida do processo licitatório. Contudo, o tipo legal exige, além da ofensa objetiva à norma regulamentar, a existência de dolo específico na condução da operação financeira, dirigida à afronta consciente do regramento legal e com reflexos danosos à esfera patrimonial pública. Diante disso, não há falar em operação financeira irregular nos moldes sancionatórios exigidos pela atual redação da LIA, razão pela qual se impõe a rejeição da imputação com fundamento no art. 10, inciso VI. Quanto ao inciso VIII do art. 10, que trata da frustração da licitude de processo licitatório ou sua dispensa indevida com resultado danoso ao erário, também não se evidenciou qualquer perda patrimonial efetiva decorrente da contratação impugnada. A contratação direta, como já fundamentado, foi precedida de decreto de emergência regularmente publicado no órgão oficial do Município, com assinatura válida e verificável. Ademais, com as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, o dispositivo passou a exigir expressamente que a conduta descrita acarrete “perda patrimonial efetiva”, o que impõe ao órgão acusador o ônus de demonstrar, de forma concreta, prejuízo econômico ao erário, o que não restou demonstrado pelo Ministério Público, que não indicou qualquer ocorrência de superfaturamento, desvio de verbas, simulação contratual ou pagamento por serviço não executado. Além disso, os serviços foram efetivamente prestados, conforme mencionado pelo próprio Ministério Público em sua inicial. A ausência de dano concreto, aliada à inexistência de prova de dolo específico na conduta dos agentes, afasta a tipicidade do ato sob o prisma do inciso em questão. Por fim, quanto à imputação ao caput do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, com a alteração promovida pela Lei nº 14.230/2021, o referido artigo passou a conter rol taxativo de condutas que configuram ato de improbidade por ofensa aos princípios da Administração Pública. Diferentemente do regime anterior, não é mais possível a subsunção direta ao caput do artigo, sendo indispensável o enquadramento específico da conduta do agente em um dos incisos expressamente previstos. Essa limitação decorre do princípio da legalidade estrita aplicável ao Direito Administrativo Sancionador, que exigem demonstração objetiva de ilegalidade com indicação da norma violada, além de dolo específico com finalidade ilícita. Assim, ausente subsunção a um dos incisos, não há que se falar em responsabilização com fundamento no art. 11 da LIA. B.3) DA AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO E DA NOVATIO LEGIS IN MELLIUS Em razão do advento da Lei nº 14.230/2021 há de se reconhecer a novatio legis in mellius, uma vez que a nova lei trouxe interpretação de norma mais benéfica aos réus. Os Tribunais Pátrios, adotando o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº 843.989, já vem decidindo dessa maneira: CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TEMA 1.199, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INCIDÊNCIA SUPERVENIENTE DA LEI Nº 14.230/2021. PRESCRIÇÃO. IRRETROATIVIDADE. APLICAÇÃO DE SANÇÃO. PROCEDÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. - O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 1.199, por unanimidade fixou a seguinte tese: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei"- Firmado o entendimento de que o novo regime prescricional é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporárias a partir da publicação da Lei 14.230/2021, deve ser reformada a sentença que pronunciou a prescrição e deixou de aplicar as sanção previstas no art. 12 da LIA - Afastada a prescrição e reconhecida a prática da conduta descrita no art. 10, inciso IX, da LIA, deve ser acrescida a condenação de ressarcimento ao erário a sanção de suspensão dos direitos políticos do réu por 8 (oito) anos. (TJ-MG - AC: 10000221565138001 MG, Relator: Roberto Apolinário de Castro (JD Convocado), Data de Julgamento: 22/11/2022, Câmaras Cíveis / 1ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 24/11/2022) (grifei) Ainda, conforme já mencionado, inexiste nos autos comprovação de dolo específico em relação aos réus, não podendo serem condenados nos moldes das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021. Vejamos. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS SEM LICITAÇÃO – DANO AO ERÁRIO E OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – DOLO – SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 14.230/21 – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR AO SISTEMA DE IMPROBIDADE – RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA. 1. O propósito da Lei de Improbidade Administrativa é coibir atos praticados com manifesta intenção lesiva à Administração Pública e não apenas atos que, embora ilegais ou irregulares, tenham sido praticados por administradores inábeis sem a comprovação de má-fé. Ausência de dolo. 2. Da ilegalidade ou irregularidade em si não decorre a improbidade. Para caracterização do ato de improbidade administrativa exige-se a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público. 3. Ação civil pública por improbidade administrativa. A Lei n.º 14.230/2021 promoveu profundas alterações na Lei de Improbidade Administrativa, dentre as quais a supressão das modalidades culposas nos atos de improbidade. Novatio legis in mellius. Retroatividade. Aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (art. 1º, § 4º, da Lei nº 8.429/1992). 4. Para caracterização do ato de improbidade administrativa faz-se necessário dolo do agente, assim entendido como a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA, não bastando a voluntariedade do agente ou o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas. Ausência de prova de dolo dos réus. Ação civil pública improcedente. Sentença reformada. Recursos providos. (TJ-SP - AC: 10012716120188260498 SP 1001271-61.2018.8.26.0498, Relator: Décio Notarangeli, Data de Julgamento: 18/04/2022, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 18/04/2022) (grifei) Imperioso, novamente, lembrar que, conforme disposição inserta no artigo 1º, parágrafo 4º, da Lei nº 8.429/1992, com redação incluída pela Lei nº 14.230/2021, adotam-se no sistema de improbidade os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. Assim, a norma mais benéfica retroage e se aplica ao presente caso. Nessa toada, colaciona-se: APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – FRAUDE À LICITAÇÃO –DIRECIONAMENTO - DANO AO ERÁRIO E OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – DOLO – SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 14.230/21 – APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVOS SANCIONADOR AO SISTEMA DE IMPROBIDADE –RETROATIVIDADE DA NORMA MAIS BENÉFICA - O propósito da Lei de Improbidade Administrativa é coibir atos praticados com manifesta intenção lesiva à Administração Pública e não apenas atos que, embora ilegais ou irregulares, tenham sido praticados por administradores inábeis sem a comprovação de má-fé - Ausência de dolo- Da ilegalidade ou irregularidade em si não decorre a improbidade -Para caracterização do ato de improbidade administrativa exige-se a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público - Ação civil pública por improbidade administrativa - A Lei n.º 14.230/2021 promoveu profundas alterações na Lei de Improbidade Administrativa,dentre as quais a supressão das modalidades culposas nos atos de improbidade - Novatio legis in mellius -Retroatividade - Aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador (art. 1º,§ 4º, da Lei nº 8.429/1992)- Para caracterização do ato de improbidade administrativa faz-se necessário dolo do agente, assim entendido como a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 da LIA, não bastando a voluntariedade do agente ou o mero exercício da função ou desempenho de competências públicas -Ausência de prova de dolo dos réus - Sentença reformada - Recursos de apelação providos. (TJSP; Apelação Cível 0003735-30.2012.8.26.0581;Relator (a): Ponte Neto; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público;Foro de São Manuel - 2ª Vara; Data do Julgamento: 12/04/2023; Data de Registro: 12/04/2023) (grifei) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA . REmessa NECESSÁRIa. ARTIGO 17, § 9º, INCISO IV E ARTIGO 17-C, § 3º, DA LIA, INCLUÍDOS PELA LEI Nº 14.230/2021. NÃO CONHECIDa . PRESCRIÇÃO. NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 23 DA LIA, DADA PELA LEI Nº 14.230/2021. APLICÁVEL ÀS PENALIDADES PREVISTAS NO ART . 12. RETROATIVIDADE DA NORMA. MARCO INTERRUPTIVO. PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA . LEGITIMIDADE PASSIVA. RECEBIMENTO DA INICIAL. ATO DOLOSO TIPIFICADO. CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO MINISTÉRIO DA SAÚDE . RECEBIMENTO DE VANTAGENS. NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO, MA-FÉ E ERRO INTENCIONAL. ILEGALIDADES . CONDUTA NEGLIGENTE. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CONFIGURADO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA - (...omissis...) A improbidade administrativa constitui: “uma violação ao princípio constitucional da moralidade, princípio basilar da Administração Pública, estabelecido no caput do art . 37 da CF (...) na qualidade de “corolário da moralidade administrativa, temos a probidade administrativa (art. 37, § 4.º, da CF). Dever do agente público de servir à ‘coisa pública’, à Administração, com honestidade, com boa-fé, exercendo suas funções de modo lícito, sem aproveitar-se do Estado, ou das facilidades do cargo, quer para si, quer para terceiros” ( ...) é conceito jurídico indeterminado vazado em cláusulas gerais, que exige, portanto, esforço de sistematização e concreção por parte do intérprete. Reveste-se de ilicitude acentuadamente grave e exige – o ato ímprobo – requisitos de tipicidade objetiva e subjetiva, acentuadamente o dolo (nos casos de enriquecimento ilícito e prática atentatória aos princípios) e a culpa grave (nos casos de lesão ao erário)” (Gajardoni Fernando da Fonseca, Cruz, Luana Pedrosa de Figueiredo, Cerqueira, Luís Otávio Sequeira de e Favreto, Rogério. Comentários à Lei de Improbidade Administrativa. Ed . 2020. Capítulo I Artigo 1º. Página RL-1.2 . Thomson Reuters Brasil. Disponível em https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/100959444/v4/page/RL-1 .2) - Marçal Justen Filho define improbidade como: "uma ação ou omissão dolosa, violadora do dever constitucional de probidade no exercício da função pública ou na gestão de recursos públicos, que acarreta a imposição pelo Poder Judiciário de sanções políticas diferenciadas, tal como definido em lei" (Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021, 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p . 250-251) - O caput do artigo 37 da Carta Magna estabelece que: "a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [..]."O parágrafo 4º do dispositivo constitucional prevê a punição por atos de improbidade administrativa a serem especificados em lei (no caso, a Lei nº 8.429/1992), sem prejuízo da ação penal. - A Lei nº 8 .429/1992, na esteira do disposto no artigo 37 e seu § 4º da Constituição Federal, estabelece, em seu artigo 1º, § 1º, que são considerados atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos artigos 9º ao 11º da lei e enumera as condutas dos agentes públicos que configuram atos ímprobos, discriminados entre os que: importem em enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11) . Impõe aos responsáveis, independentemente do ressarcimento integral do dano efetivo e das sanções penais, civis e administrativas, as cominações que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato (art. 12, caput) e considerados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a natureza, gravidade e o impacto da infração cometida, a extensão do dano causado, o proveito patrimonial obtido pelo agente, as circunstâncias agravantes ou atenuantes, a atuação do agente em minorar os prejuízos e as consequências advindas de sua conduta omissiva ou comissiva e os antecedentes do acusado (artigo 17-C, inciso IV) - As penas pela prática do ímprobo, independentemente do ressarcimento integral do dano e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, estão discriminadas no artigo 12, entre a quais, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário (...omissis…) Nesse sentido, jurisprudência já reconhecia, antes do advento das alterações legislativas, que para a tipificação do ato de improbidade administrativa, que importasse prejuízo ao erário, era imprescindível a demonstração de efetivo dano ao patrimônio público. Precedentes - De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, os atos de improbidade descritos nos artigos 9 e 11 da LIA exigiam a comprovação da conduta dolosa do agente e nas hipóteses do artigo 10 o comportamento culposo . A Lei nº 14.230/2021 passou a exigir a comprovação da prática de conduta dolosa do acusado (artigo 1º, §§ 3º e 8º, artigo 9º, caput, artigo 10, caput e § 2º, artigo 11, caput e §§ 1º, 3º e 5º, artigo 17, § 6º, inciso II, e artigo 17-C, § 1º) e afastou expressamente a aplicação da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia e a imposição de ônus de prova ao réu (artigo 17, § 19, incisos I e II). Trouxe, ainda, a seguinte definição de dolo: “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente” (artigo 1º, § 2º) - O ato de improbidade considerado doloso depende da consciência da ilicitude por parte do agente e do desejo de praticar o ato, ou seja, da vontade explícita e clara de lesar os cofres públicos. Caracteriza-se como ato intencional, consciente, eivado de má-fé e praticado com vontade livre e deliberada de lesar o erário, o que não se confunde com atitudes negligentes, desleixadas e imprudentes ou executadas sem cuidado ou cautela. Nesse sentido, consoante entendimento jurisprudencial, não configura dolo o comportamento negligente ou irregularidades administrativas, sem a comprovação da má-fé do acusado. Precedentes (...omissis…) Relativamente à retroatividade da norma, no que se refere à prescrição intercorrente, instituto de direito processual, parte da doutrina e jurisprudência tem se posicionado pela aplicação imediata e retroativa da Lei nº 14.230/2021 aos processos em andamento, desde que para beneficiar o réu (artigo 5º, inciso XL, da CF), ao fundamento de que o artigo 1º, § 4º, da lei determina a aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador ao sistema da improbidade, entre os quais se destaca o princípio da retroatividade da lei mais benéfica. A retroação das normas sancionatórias mais benéficas tem sido reconhecida pelos Tribunais Superiores. Precedentes (...omissis…) O recebimento da inicial foi analisado sob a égide da Lei nº 8.429/92, na redação anterior à dada pela Lei nº 14.230/2021 . Vigorava o entendimento de que a prova definitiva da conduta ímproba (artigos 9º, 10 e 11 da LIA) não era condição necessária para o recebimento da petição inicial da ação de improbidade administrativa. Bastavam indícios verossímeis de sua ocorrência no plano material e de autoria (Lei nº 8.429/1992, artigo 17, § 6º), os quais poderiam ser confirmados ou desqualificados no transcorrer da instrução probatória, a qual tinham, obviamente, a finalidade de apresentação de provas e o exercício do contraditório e da ampla defesa, bem como a verificação da existência dos elementos subjetivos (dolo, má-fé e culpa). Destaca-se, ademais, que na fase inicial da ação de improbidade vigorava o princípio do in dubio pro societate, a fim de preservar o interesse público . Precedentes. - O § 6º do artigo 17 da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, determina que a ação de improbidade deve seguir o procedimento comum, previsto no CPC, e a petição inicial individualizar a conduta do acusado, apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência dos atos ímprobos previstos nos artigos 9º ao 10º e ser instruída com documentos que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado, ou exposição das razões fundamentadas da impossibilidade de sua apresentação. - O § 6-B do artigo 17 prevê que a inicial será rejeitada quando for inepta, a parte manifestamente ilegítima, o autor carecer de interesse processual, não forem atendidas as determinações de suprir a omissão (artigo 106 CPC) ou emendar/complementar a exordial (artigo 321 CPC), não estiverem preenchidos os requisitos previstos no § 6º ou quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado - Não obstante parte dos procedimentos das licitações tenham sido irregulares, a existência de inconformidades nos editais, a não comprovação da realização das pesquisas de preços de mercado e as demais irregularidades descritas acima, o dolo e a má-fé da entidade não foram comprovados, o que afasta a caracterização do ato de improbidade, como prevê o § 1ª do artigo 17-C da LIA, segundo o qual: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade” . Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Os atos praticados configuram a conduta negligente e culposa da entidade e evidenciam a existência de irregularidades administrativas, mas não autorizam a aplicação da LIA. Precedentes . - O § 2º da LIA, com redação dada pela Lei nº 14.230/2021, exige a comprovação do dolo específico, consubstanciado na: “vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Ademais, o § 3º exclui de responsabilização: “O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa” . A jurisprudência, anterior às alterações legislativas, já reconhecia que a lei de improbidade não tem como finalidade a punição do inábil, mas do desonesto, corrupto e daquele que age com má-fé. Precedentes - Consoante entendimento jurisprudencial, para que a inicial da ação de improbidade seja recebida deve ser comprovada a justa causa para o ajuizamento por meio de elementos concretos que demonstrem a existência de indícios suficientes acerca da autoria (responsabilidade do agente) e materialidade da conduta desonesta. Precedentes - Remessa necessária não conhecida. Apelação parcialmente provida para afastar a prescrição e a ilegitimidade passiva . (TRF-3 - ApelRemNec: 00302444220084036100 SP, Relator.: Juiz Federal Convocado MARCELO GUERRA MARTINS, Data de Julgamento: 22/02/2022, 4ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 25/02/2022) Diante de todo o exposto, considerando-se a ausência de subsunção fática das condutas imputadas aos tipos legais invocados — tanto no art. 10, incisos I, II, VI e VIII, quanto no art. 11, da Lei nº 8.429/1992 — e observando-se, ainda, a nova disciplina introduzida pela Lei nº 14.230/2021, que exige dolo específico, dano efetivo ao erário e tipicidade estrita, impõe-se, por consequência lógica e jurídica, o reconhecimento da atipicidade das condutas narradas. Não havendo nos autos demonstração concreta de finalidade ilícita, nem de prejuízo patrimonial ao ente público ou violação dolosa aos princípios da Administração Pública, e tendo em vista a aplicação retroativa da norma mais benéfica, nos moldes do que decidiu o Supremo Tribunal Federal no RE nº 843.989 (Tema 1.199 da repercussão geral), a improcedência dos pedidos autorais revela-se medida impositiva. III. DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento nos arts. 5º, inciso XL, e 37, caput e §4º, da Constituição da República, e disposições da Lei nº 8.429/1992 (com a redação alterada pela Lei nº 14.230/2021) e na jurisprudência, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, com fulcro no art. 487, I do CPC. Sem condenação em custas, despesas ou honorários, considerando a atuação do Município de Senador La Rocque no polo ativo da demanda e a ausência de má-fé na propositura da ação, ex vi do artigo 23-B, § 2º, da Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.320/2021. Sentença não sujeita à remessa necessária, nos termos do artigo 17-C, § 3º, da Lei nº 8.429/1992, incluído pela Lei nº 14.320/2021. Certificado o trânsito em julgado, ARQUIVEM-SE os autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Notifique-se. Senador La Rocque/MA, data certificada eletronicamente. Dayan Jerff Martins Viana Juiz de Direito Titular da Comarca de Senador La Rocque
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