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Aldemir Pereira Da Silva x G.A.S Consultoria & Tecnologia Ltda

ID: 281891003

Tribunal: TJDFT Órgão: Vara Cível do Guará Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0709040-19.2021.8.07.0014

Data de Disponibilização: 28/05/2025

Polo Ativo:

ALDEMIR PEREIRA DA SILVA

Polo Passivo:

G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA

Sentença

Advogados:

BRUNO GALVAO SOUZA PINTO DE REZENDE

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SERGIO ZVEITER

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RAQUEL COSTA RIBEIRO

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Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 1VARCIVGUA Vara Cível do Guará Número do processo: 0709040-19.2021.8.07.0014 Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍ… Poder Judiciário da União TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS 1VARCIVGUA Vara Cível do Guará Número do processo: 0709040-19.2021.8.07.0014 Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: ALDEMIR PEREIRA DA SILVA REU: G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA, M Y D ZERPA TECNOLOGIA LTDA SENTENÇA I - Relatório Trata-se de ação de conhecimento proposta por ALDEMIR PEREIRA DA SILVA em face de G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA, GLAIDSON ACACIO DOS SANTOS e M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI. O autor narrou uma relação jurídica com as rés, decorrente de um contrato de investimento, alegando que a relação entre as partes está submetida às regras presentes no Código de Defesa do Consumidor. Argumentou que, em razão dessa relação de consumo, o Juízo competente para processar e julgar a demanda seria o de seu domicílio, na Circunscrição Judiciária do Guará-DF, conforme preceitua o artigo 101, I do Código de Defesa do Consumidor. Sustentou a legitimidade passiva de todos os requeridos, indicando, ao analisar o contrato anexo, a possibilidade de constatá-la. Apresentou como um de seus direitos básicos a facilitação de sua defesa, incluindo a inversão do ônus da prova em seu favor no processo civil, a critério do juiz, sempre que a alegação for verossímil ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências, citando o artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Afirmou que se encontra em nítida desvantagem em relação às rés, o que, por si só, autorizaria a inversão do ônus probatório, direito básico do consumidor. Narrou que, como expresso no contrato, as rés deveriam restituir de forma imediata o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) investidos pelo autor, o que não ocorreu e foi, inclusive, assumido pela própria empresa Ré em seus comunicados. Requereu, ao final, o reconhecimento da competência da Circunscrição Judiciária do Guará – DF, do reconhecimento da responsabilidade solidária entre os réus, e a concessão de tutela de urgência para bloquear cautelarmente, via SISBAJUD, as contas dos réus no montante principal de R$ 40.000,00, com as devidas atualizações. Subsidiariamente, requereu a expedição de ofício à 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro – RJ, onde tramitava ação penal e processo de sequestro penal, solicitando a vinculação da quantia de R$ 40.000,00 no rosto dos autos ou o depósito em conta judicial vinculada ao presente processo. No mérito, requereu a procedência total da ação para declarar a nulidade do contrato, restituindo as partes ao status quo ante, e condenar os requeridos. Foram proferidas decisões no curso do processo. Uma decisão inicial deferiu parcialmente a tutela de urgência para determinar a tentativa de bloqueio cautelar de R$ 40.000,00 via SISBAJUD. Foi determinada a citação dos réus e intimação para contestar o feito, com prazo de 15 dias úteis. Frustrada a tentativa de citação por não terem sido encontrados, determinou-se a pesquisa de endereços nos sistemas BACENJUD, SIEL e INFOSEG. Em relação à ré M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI, que se encontrava em local incerto e não sabido, foi determinada a citação por edital com prazo de 20 dias para resposta. Em relação aos réus GLAIDSON ACACIO DOS SANTOS e G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA, foi determinada a citação por aviso de recebimento. Um aviso de recebimento referente ao mandado de citação foi devolvido sem cumprimento para a G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA, sob o motivo "Não procurado". Posteriormente, o autor requereu a desistência da ação relativamente ao réu GLAIDSON ACACIO DOS SANTOS, o que foi acolhido por decisão, independentemente do consentimento da parte ré. A ré G.A.S CONSULTORIA E TECNOLOGIA LTDA, agora figurando como Massa Falida de G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA, apresentou contestação através de seus administradores judiciais. Alegou que em 16/02/2023, em autos de requerimento de falência perante a 5ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro, foi proferida decisão antecipando os efeitos da falência em relação à sociedade G.A.S CONSULTORIA E TECNOLOGIA LTDA, nomeando administrador judicial. Argumentou que a decretação da falência acarreta a suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor e que todo e qualquer ativo, mesmo bloqueado antes da falência, pertence à massa falida e deve ser colocado à disposição do juízo universal da falência. Requereu a concessão da gratuidade de justiça à Massa Falida. Sustentou a perda superveniente do objeto da ação em relação à GAS Consultoria diante da decretação de falência, o que tornaria inócua a providência de aguardar o trânsito em julgado de eventual sentença de procedência em ação individual para habilitação do crédito na falência, visto que o juízo empresarial adotou forma mais célere e eficiente para satisfação dos credores. Mencionou que o juízo falimentar ressaltou que, para o reconhecimento do crédito, deve ser mantida hígida a relação contratual, não havendo interesse na declaração da rescisão do contrato e nulidade de cláusulas, pois a decretação da falência acarreta o vencimento antecipado das dívidas, incluindo obrigações contratuais. Alegou ainda a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, argumentando que o autor contratou os serviços buscando auferir lucros e incrementar atividades empresariais, e não para sua subsistência, correndo riscos inerentes aos investimentos. Sustentou que o autor tinha o dever de fiscalizar o desempenho das atividades contratadas e que, conforme documentos acostados, não há evidências de que as transferências bancárias foram feitas em nome da Ré GAS CONSULTORIA E TECNOLOGIA. Impugnou os documentos produzidos unilateralmente pelo autor, afirmando que não produzem prova inequívoca dos direitos alegados, sendo parciais e passíveis de adulteração. Reafirmou que a competência para execução e efetivação de qualquer constrição de bens da massa falida é exclusiva do juízo universal da falência. Requereu a extinção do processo sem resolução do mérito em relação à GAS Consultoria e a improcedência dos pedidos autorais. O autor apresentou réplica à contestação. Requereu o afastamento da preliminar de falta de interesse de agir arguida pela requerida. Impugnou o pedido de gratuidade de justiça para a Massa Falida, argumentando que a declaração de pobreza gera apenas presunção relativa e que a requerida não demonstrou seu estado de miserabilidade com provas evidentes, conforme entendimento do TJDFT. Defendeu que não há que se falar em perda superveniente do objeto, tendo em vista que o pedido de rescisão contratual foi anterior à decretação da falência e o processo já estava em trâmite, e que com a rescisão serão reconhecidos os valores que os requerentes têm direito de receber. Reafirmou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a inversão do ônus da prova, cabendo às rés demonstrarem provas em contrário ao que foi exposto pelo autor, mencionando que muitas provas seguem em anexo e que as demais provas necessárias deverão ser produzidas pelas rés. Reiterou a legitimidade passiva de todos os réus (G. A. S. CONSULTORIA E TECNOLOGIA LTDA, GLAIDSON ACÁCIO DOS SANTOS e M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI), justificando-a pela ligação entre eles, citando o contrato em nome da GAS e os comprovantes de depósito em nome da MYD Zerpa. Em momento posterior, a Defensoria Pública do Distrito Federal, atuando como Curadoria Especial dos interesses de M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI, informou que não havia outras provas a produzir além das que já constavam nos autos, pois não dispunha de elementos aptos a rebater os fatos apresentados pelo autor, mantendo o ônus da prova para o autor. O autor então especificou as provas que ainda pretendia produzir, indicando o acervo documental já coligido na petição inicial, consistente na comprovação de aporte de recursos financeiros, o contrato realizado, o comprovante de transferência para a M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI (agora mencionada como "EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL", embora posteriormente a falência tenha sido decretada para a GAS e a recuperação para o grupo negada), e o conjunto de notas de comunicação emitidas pela Ré G.A.S. O Administrador Judicial da Massa Falida de GAS reiterou o pedido de gratuidade de justiça, argumentando a insuficiência de recursos e a necessidade para o prosseguimento do processo falimentar, inclusive para custear a publicação de edital necessário. Informou sobre a dificuldade de transferência de valores apreendidos em autos criminais na Justiça Federal para o Juízo Falimentar e a necessidade de contratação de escritório para atuar nessa questão. Sustentou a universalidade do juízo falimentar. Foi proferido despacho deferindo a gratuidade de justiça pleiteada pela Administração Judicial, considerando que não tinha acesso aos supostos valores da empresa, sem prejuízo de revisão posterior, e reconhecendo a recalcitrância e falta de cooperação do Juízo Criminal em relação aos ofícios. Os autos vieram conclusos para julgamento. II - Fundamentação A presente demanda judicial convoca este Juízo a examinar as consequências jurídicas de uma relação que, ao que tudo indica, se insere em um cenário mais amplo de atividades financeiras irregulares, com reflexos na esfera individual de investidores, agora credores de uma massa falida. A análise dos pedidos formulados pelo autor e das defesas apresentadas pela ré impõe a aplicação de normas de direito do consumidor e civil, bem como a consideração dos efeitos de um processo de falência superveniente. Primeiramente, no tocante à competência territorial, a relação estabelecida entre as partes apresenta contornos claros de uma relação de consumo. O autor, na qualidade de destinatário final dos serviços de investimento ou gestão de valores oferecidos pelas rés, enquadra-se no conceito de consumidor, enquanto as rés, ao oferecerem tais serviços no mercado, configuram-se como fornecedoras, nos termos da Lei nº 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Em se tratando de relação de consumo, o CDC, diploma que visa proteger a parte mais vulnerável do vínculo jurídico, faculta ao consumidor a propositura da ação em seu domicílio, conforme expressamente previsto em seu artigo 101, inciso I. Esta regra processual, de caráter protetivo, sobrepõe-se a eventual cláusula de eleição de foro inserida em contrato, pois busca garantir o acesso à justiça e a efetiva defesa dos direitos do consumidor. Assim, a propositura da ação perante o Juízo da Circunscrição Judiciária do Guará-DF, domicílio do autor, mostra-se plenamente adequada e conforme a legislação consumerista aplicável à espécie. No que se refere à legitimidade passiva, o autor direcionou sua pretensão contra a G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA, GLAIDSON ACACIO DOS SANTOS e M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI. A desistência da ação em relação ao réu GLAIDSON ACACIO DOS SANTOS já foi homologada. Restam no polo passivo a G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA (representada pela Massa Falida) e a M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI. O autor argumentou a legitimidade de todos em razão da ligação entre as entidades, evidenciada pelo contrato firmado com a G.A.S e a transferência de valores para a conta da M Y D ZERPA. A defesa da Massa Falida de GAS não impugnou diretamente sua própria legitimidade para figurar na lide originária, mas focou seus argumentos nos efeitos da falência superveniente. A alegação do autor de que as entidades estavam interligadas e operavam de forma conjunta encontra respaldo na documentação apresentada e no contexto fático que envolve o grupo, amplamente noticiado e reconhecido inclusive em decisões judiciais. A decisão que antecipou os efeitos da falência, por exemplo, menciona a "sociedade G.A.S. CONSULTORIA E TECNOLOGIA LTDA. e outras sociedades coligadas" e a "Ação Cautelar Antecedente de Recuperação Judicial, distribuída, por dependência, pelas empresas G.A.S. CONSULTORIA E TECNOLOGIA LTDA, G.A.S ASSESSORIA E CONSULTORIA DIGITAL EIRELI, M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI, VGR TECNOLOGIA DA INFORMACAO EIRELI e VGR AGROPECUARIA LTDA". Embora a decretação da falência tenha sido específica para a G.A.S CONSULTORIA E TECNOLOGIA LTDA, a M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI foi identificada como parte do mesmo grupo econômico em outras ações e no pedido de recuperação judicial. A transferência do valor investido diretamente para a conta da M Y D ZERPA, apesar do contrato ser com a G.A.S, robustece a tese de que ambas as entidades atuavam de forma coordenada na recepção dos investimentos. Portanto, a legitimidade passiva tanto da Massa Falida de G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA quanto da M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI está configurada, esta última em razão de ter sido a destinatária dos valores investidos pelo autor no contexto da operação conduzida pelo grupo. Aplica-se plenamente ao caso o disposto no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que consagra o direito básico do consumidor à facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, a critério do juiz. A inversão do ônus probatório é uma ferramenta processual destinada a reequilibrar a posição das partes em juízo, considerando a hipossuficiência do consumidor frente ao fornecedor. No caso em tela, a hipossuficiência do autor é patente, tanto do ponto de vista econômico quanto técnico e informacional, diante da natureza complexa das operações financeiras e da assimetria de informações entre ele e as rés. As alegações do autor, ademais, encontram suporte em prova documental, notadamente o contrato e o comprovante de transferência. Diante desse quadro, a inversão do ônus da prova em favor do autor é medida que se impõe, cabendo às rés demonstrarem fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado. A Curadoria Especial de M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI, ao informar que não dispunha de elementos para rebater os fatos, e que a contestação por negativa geral mantinha o ônus da prova para o autor, demonstra justamente a dificuldade ou impossibilidade da ré em produzir provas contrárias. A defesa da Massa Falida de GAS, por sua vez, limitou-se a afirmar que o autor não comprovou a transferência para a GAS, e que os documentos eram unilaterais, sem, contudo, trazer aos autos qualquer elemento de prova capaz de afastar as alegações do autor ou demonstrar a licitude e regularidade de suas operações. Ao adentrar o mérito, a controvérsia central reside na natureza do contrato celebrado e nas consequências de sua execução. O autor buscou a restituição do valor investido, alegando a nulidade do contrato. O contexto fático em que a contratação ocorreu, e que levou à decretação da falência da G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA, aponta para a ilicitude da atividade desenvolvida pelo grupo. A decisão que decretou a falência, ao analisar parecer da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foi explícita ao concluir que o grupo G.A.S. não desenvolvia atividade lícita à luz da legislação vigente, pois realizava oferta pública de valor mobiliário (identificado como Contrato de Investimento Coletivo - CIC) sem autorização ou dispensa da CVM. Além disso, a CVM caracterizou a operação como fraudulenta, baseada em ardil ou artifício para induzir terceiros em erro visando vantagem ilícita, com desvio dos valores investidos para contas pessoais dos responsáveis e empresas relacionadas. O juízo falimentar também observou que a G.A.S ofertava ganhos que eram, no mínimo, suspeitos, infinitamente superiores aos do mercado tradicional e legalizado. Um contrato que tem por objeto atividade ilícita é nulo de pleno direito, por força do disposto no artigo 166, inciso II, do Código Civil, que considera nulo o negócio jurídico cujo objeto seja ilícito, impossível, indeterminado ou indeterminável. A atividade de captação de recursos e gestão de investimentos, especialmente sob a forma de Contratos de Investimento Coletivo, sem a devida autorização dos órgãos reguladores competentes, como a CVM, constitui ilícito administrativo e penal, conforme reconhecido nas investigações e decisões mencionadas. Assim, o contrato celebrado entre o autor e a G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA, e que resultou na transferência de valores para M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI, possui um objeto ilícito, o que o torna nulo desde a sua origem. A declaração de nulidade do contrato impõe o retorno das partes ao estado em que se encontravam antes da celebração do negócio, ou seja, ao status quo ante, conforme requerido pelo autor. Isso significa que os valores investidos pelo autor, no montante de R$ 40.000,00, devem ser a ele restituídos. A alegação da defesa de que o autor não comprovou a transferência para a G.A.S, mas sim para a M Y D ZERPA, não afasta a obrigação de restituir. Conforme já analisado, as entidades G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA e M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI atuavam de forma interligada na captação dos recursos, configurando-se, no mínimo, como integrantes do mesmo grupo econômico que prometia os rendimentos e recebia os valores. A transferência para a conta de M Y D ZERPA, nesse contexto, equivale a uma transferência para o próprio grupo que celebrou o contrato e prometeu os retornos. A defesa da Massa Falida de GAS argumentou a perda superveniente do objeto da demanda em razão da decretação da falência e a necessidade de habilitação do crédito no juízo universal. De fato, a Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falência - LRF) estabelece o juízo da falência como universal e competente para todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido. A decretação da falência, em regra, suspende as execuções ajuizadas contra o devedor. Contudo, a ação individual de conhecimento que visa apenas a constituição, o reconhecimento e a liquidação de um crédito contra o falido pode prosseguir perante o juízo onde tramitava, pois não envolve atos de constrição ou expropriação patrimonial. A pretensão do autor de declarar a nulidade do contrato e obter a condenação das rés à restituição do valor investido é justamente uma ação de conhecimento para reconhecimento de crédito. O resultado desta ação servirá como título a ser apresentado para habilitação no quadro geral de credores da Massa Falida, perante o juízo universal da falência. Assim, não há perda superveniente do objeto em relação à Massa Falida de G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA, mas sim a necessidade de que a satisfação do crédito, após reconhecido nesta sentença, seja buscada nos autos da falência. A alegação da defesa de que o juízo falimentar admitiu habilitação por outros meios, sem necessidade de sentença transitada em julgado, é uma facilidade oferecida naquele juízo concursal, mas não retira do credor o direito de obter uma sentença judicial para constituir formalmente seu crédito, especialmente quando há outros réus na lide. A pretensão de declaração de nulidade e restituição do capital investido deve, portanto, ser julgada procedente. A alegação de que não haveria interesse na declaração de rescisão ou nulidade por força do vencimento antecipado das dívidas na falência também não merece acolhida. A nulidade contratual por ilicitude é um vício de origem que fulmina o contrato desde o princípio, não se confundindo com a rescisão ou o vencimento antecipado das obrigações decorrentes do estado falimentar. O reconhecimento judicial da nulidade é essencial para determinar a obrigação de restituição do valor, base para o crédito na falência. Em relação à M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI, a situação processual é distinta. Embora faça parte do mesmo grupo econômico, a decretação da falência nos autos mencionados foi expressamente direcionada à G.A.S CONSULTORIA E TECNOLOGIA LTDA e seus sócios (na responsabilidade solidária ilimitada). A decisão falimentar indicou a necessidade de procedimentos específicos (incidentes processuais) para identificar a correlação com outras sociedades do grupo e eventual desconsideração da personalidade jurídica. Enquanto tais procedimentos não resultarem na inclusão formal da M Y D ZERPA na Massa Falida, ela permanece como entidade jurídica distinta e sujeita à jurisdição deste Juízo na presente ação. Tendo sido reconhecida sua legitimidade passiva e sua participação na recepção dos valores ilicitamente captados do autor, a condenação à restituição do valor investido também a alcança. Neste caso, a satisfação do crédito reconhecido poderá ser buscada diretamente contra a M Y D ZERPA neste próprio processo, mediante cumprimento de sentença, ressalvada, obviamente, qualquer determinação futura do juízo universal da falência que venha a incluí-la formalmente na massa falida ou impactar seu patrimônio. A alegação de perda superveniente do objeto não se aplica à M Y D ZERPA, pois ela não foi formalmente incluída no decreto falimentar da G.A.S neste momento processual, conforme as informações disponíveis nos autos. A alegação do autor de que o pedido de rescisão/nulidade foi anterior à falência e que o processo já tramitava reforça a ausência de perda de objeto para este feito individual contra os réus aqui demandados. Quanto ao pedido de gratuidade de justiça formulado pela Massa Falida de G.A.S CONSULTORIA E TECNOLOGIA LTDA, embora o autor tenha inicialmente impugnado a falta de provas de hipossuficiência, os autos da falência, cujas informações foram tangencialmente trazidas para este feito (e inclusive anexadas em parte), demonstram a notória ausência de recursos da massa, a ponto de o próprio administrador judicial alegar a impossibilidade de custear atos processuais essenciais, como a publicação de edital. O juízo universal da falência, ciente da situação, já deferiu o benefício. Diante da gravidade da situação financeira da massa falida, que sequer possui recursos para as despesas básicas do processo concursal, a concessão da gratuidade de justiça é medida que se impõe para garantir o próprio andamento do processo falimentar e, por via reflexa, a possibilidade futura de satisfação dos credores. Reconsiderar a decisão que deferiu a gratuidade seria ir de encontro à realidade fática e jurídica do processo de falência. Por fim, a pretensão de compensação por danos morais não foi expressamente formulada no pedido principal do autor, embora tenha sido mencionada a reparação dos danos patrimoniais e morais em decisões de ações civis públicas envolvendo o grupo. A demanda foi proposta por Aldemir Pereira da Silva em desfavor de G.A.S. Consultoria & Tecnologia Ltda., Glaidson Acácio dos Santos e M Y D Zerpa Tecnologia Eireli. A petição inicial e outros documentos relacionados foram protocolados em 09/12/2021. Entre os documentos que instruíram a ação, encontram-se a petição inicial propriamente dita, procurações, documento de identificação do autor, guias de custas iniciais e comprovantes de pagamento, um contrato, comprovantes de inscrição e situação cadastral das rés na Receita Federal, quadros de sócios das empresas G.A.S. e MYDZ Tecnologia, e um comprovante de transferência de R$ 40.000,00 para a conta da 3ª Requerida. O valor atribuído à causa, em um processo correlato mencionado, é de R$ 620.400,00. O pedido formulado inicialmente incluía uma solicitação de liminar ou antecipação de tutela. O autor da ação cível, Aldemir Pereira da Silva, afirma ter investido o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) por meio de transferência bancária, a partir de sua conta no Banco do Brasil, para uma conta bancária pertencente à 1ª Ré, G.A.S. Consultoria & Tecnologia Ltda., relacionada a um contrato de investimento. A defesa da entidade que veio a ser declarada falida alega que houve lesão a direitos do autor e que ele teve a oportunidade de obter ganhos financeiros oriundos de investimentos em criptomoedas. A G.A.S. Consultoria & Tecnologia Ltda. e pessoas a ela ligadas estão sob intensa investigação e enfrentam inúmeros procedimentos judiciais. A empresa, sediada em Cabo Frio, é frequentemente associada a um grande esquema, publicamente conhecido e investigado pelas autoridades. Glaidson Acácio dos Santos, um dos réus na ação cível e sócio-administrador da G.A.S. Consultoria & Tecnologia Ltda., é referido na imprensa como o “faraó dos bitcoins”. A G.A.S. Consultoria Bitcoin é descrita como uma empresa de investimentos. O Ministério Público Federal (MPF) e a Justiça afirmam que Glaidson e outras pessoas montaram um esquema financeiro disfarçado de investimentos em bitcoin em Cabo Frio. Como se nota, suposta organização movimentou valores extremamente elevados, com uma fonte mencionando R$ 38 bilhões ao longo de vários anos de operação, enquanto outra reporta um bloqueio judicial de R$ 38 bilhões de Capital da Empresa, conforme comunicado da própria G.A.S. em 16/09/2021. O esquema prometia rendimentos elevados aos investidores, como lucros de 10% ao mês através de supostos investimentos em bitcoin. Contudo, há indícios de que o dinheiro dos clientes não era integralmente aplicado em criptomoeda. Essa operação é descrita como uma fraude bilionária com a utilização de criptomoedas e suspeitas de pirâmide financeira. Além de Glaidson Acácio dos Santos e Mirelis Yoseline Diaz Zerpa (sócia da G.A.S. e titular da M Y D Zerpa Tecnologia Eireli), diversos outros indivíduos são apontados como participantes no pretenso esquema em um processo penal (5105179-28.2021.4.02.5101), onde o MPF recebeu a denúncia. Foi concedida tutela de urgência para determinar o bloqueio de valores via Sisbajud nas contas dos réus até o montante de R$ 64.000,00. Outra decisão deferiu tutela provisória de urgência para o arresto eletrônico imediato via SISBAJUD de R$ 40.000,00 em contas bancárias dos réus. Caso o bloqueio fosse frustrado, determinou-se o sequestro de valores a ser realizado nos autos do processo criminal (5091855-68.2021.4.02.5101) em trâmite na 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Neste cenário, a procedência dos pedidos de declaração de nulidade contratual e condenação à restituição do valor de R$ 40.000,00, com as devidas atualizações, é medida que se impõe, com base na ilicitude do objeto do contrato e na consequente nulidade do negócio jurídico, o que obriga as partes a retornarem ao status quo ante. Houve a comprovação no Id 110931649 e demais sobre o contrato. A responsabilidade pela restituição recai sobre a Massa Falida de G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA e sobre a M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI, solidariamente. III - Dispositivo Diante de todo o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil e nos artigos 6º, VIII e 101, I do Código de Defesa do Consumidor, bem como no artigo 166, II do Código Civil, e considerando as peculiaridades processuais decorrentes da decretação da falência de uma das rés, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para: 1. Declarar a nulidade do contrato celebrado entre o autor ALDEMIR PEREIRA DA SILVA e a G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA. 2. Condenar a Massa Falida de G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA e M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI, solidariamente, a restituírem ao autor ALDEMIR PEREIRA DA SILVA a quantia de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), corrigida monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) desde a data do desembolso (comprovante de transferência) e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação (considerando a citação válida mais antiga nos autos em relação a cada ré), e observando-se as suspensões da falência, eventualmente. Concedo à Massa Falida de G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA os benefícios da gratuidade de justiça, nos termos da fundamentação. Fica o autor advertido de que a satisfação do crédito reconhecido contra a Massa Falida de G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA deverá ser buscada mediante habilitação no processo de falência nº 0011072-77.2022.8.19.0011, em trâmite perante a 5ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro, na forma e prazos estabelecidos pela Lei nº 11.101/2005. A presente sentença servirá como título para instruir o pedido de habilitação de crédito perante aquele juízo universal. Quanto à M Y D ZERPA TECNOLOGIA EIRELI, a satisfação do crédito reconhecido nesta sentença poderá ser buscada mediante pedido de cumprimento de sentença nestes próprios autos, ressalvadas eventuais determinações do juízo universal da falência que venham a impactar a esfera patrimonial desta ré. Condeno as rés, solidariamente, ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do Código de Processo Civil. Fica suspensa a exigibilidade da sucumbência em relação à Massa Falida de G.A.S CONSULTORIA & TECNOLOGIA LTDA, em razão da gratuidade de justiça concedida. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Documento datado e assinado pelo(a) magistrado(a) conforme certificação digital. Alex Costa de Oliveira Juiz de Direito

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