Ministério Público Do Estado Do Paraná x Renata Aparecida Monteiro
ID: 312706260
Tribunal: TJPR
Órgão: 1ª Vara Criminal de Umuarama
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 0010145-94.2022.8.16.0173
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RONALDO CAMILO
OAB/PR XXXXXX
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AUTOS DE PROCESSO-CRIMINAL Nº 0010145-94.2022.8.16.0173 AUTOR: Ministério Público RÉ: Renata Aparecida Monteiro S E N T E N Ç A I. RELATÓRIO RENATA APARECIDA MONTEIRO, já qualificada nos autos, foi d…
AUTOS DE PROCESSO-CRIMINAL Nº 0010145-94.2022.8.16.0173 AUTOR: Ministério Público RÉ: Renata Aparecida Monteiro S E N T E N Ç A I. RELATÓRIO RENATA APARECIDA MONTEIRO, já qualificada nos autos, foi denunciada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, acusada da prática do seguinte fato: “ No dia 29 de setembro de 2022, por volta das 22:00 horas, num bar situado na Rua Oito de Março nº 29, Jardim Alvorada, nesta cidade de Umuarama/PR, a denunciada RENATA APARECIDA MONTEIRO, agindo dolosamente e sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, trazia consigo, escondida nas partes íntimas, a quantia de 1,3 gramas de ‘ crack ’ , disposta na forma de 08 (oito) pedras, embaladas em papel-alumínio, para fins de entrega a consumo de terceiros, substância esta capaz de causar dependência física e psíquica (cf. Portaria nº 344, de 12/05/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária Nacional), consoante auto de exibição e apreensão de seq. 1.8, auto de constatação provisória de drogas de seq. 1.9, boletim de ocorrência de seq. 1.3 e laudo pericial n° 111.013/2022, de seq. 53.1. Segundo se apurou, os policiais militares receberam a informação de que uma mulher, trajando camiseta azul e shorts jeans estava comercializando drogas num bar situado no Conjunto Mutirão Alvorada. Diante disso, a equipe realizou monitoramento na localidade e visualizou a denunciada entregando a droga aos usuários e pegando algo em troca (dinheiro). Observaram também, que a denunciada se deslocava até uma residência, que não foi possível identificar, colocava algono bolso e retornava ao bar, razão pela qual, procedeu-se à abordagem, sendo apreendida a quantia de R$ 20,00 (vinte reais), bem como a droga acima referida na posse da denunciada, que foi presa em flagrante delito” (seq. 56). Assim, imputou-se à acusada a prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. O Ministério Público arrolou 02 (duas) testemunhas (seq. 56). A denúncia veio instruída com o competente Inquérito Policial (seqs. 1 a 58). A ré foi pessoalmente notificada (seq. 72) e apresentou defesa preliminar (seq. 81), por meio da Defensoria Pública Estadual, sem requerer a oitiva de novas testemunhas. Em decisão fundamentada, a denúncia foi recebida no dia 21 de julho de 2024 (seq. 83). Depois da citação pessoal (seq. 95), em resposta à acusação, ratificou-se o teor da defesa preliminar (sem aventar teses de absolvição sumária – seq. 106.1 1 ). Durante a instrução, inquiriram-se todas as testemunhas arroladas e a ré foi interrogada (seq. 138). O Ministério Público, em alegações finais, por entender comprovados a materialidade, a autoria e os demais elementos do fato típico, postulou a condenação da acusada, nos termos da denúncia (seq. 141). A defesa, na mesma fase, requereu a absolvição, ante a precariedade probatória (in dubio pro reo). Como teses alternativas, demandou a desclassificação da imputação para o delito do art. 28 da Lei nº 11.343/2006; a imposição da pena mínima, reconhecida forma privilegiada do tráfico; a fixação do regime “aberto e/ou semiaberto”; e a substituição da sanção corporal por restritiva de direitos (seq. 145). 1 Por advogado constituído (seqs. 106.2 e 138).Vieram conclusos para sentença. É o relatório. DECIDO. II. FUNDAMENTAÇÃO Não há preliminares. O processo teve constituição regular, desenvolveu-se validamente, estão presentes os pressupostos processuais e as condições da ação penal. Cabível a análise direta do mérito. Trata-se de ação penal pública incondicionada, pela qual o Ministério Público atribuiu à acusada Renata Aparecida Monteiro a prática do crime de tráfico de drogas, previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, in verbis: “ Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa”. Não há dúvida quanto à materialidade. A comprovação da ocorrência do fato está consubstanciada nos Autos de Exibição e Apreensão (seq. 1.8) e de Constatação Provisória de Droga (seq. 1.9); no Boletim de Ocorrência (seq. 1.3); e definitivamente no laudo pericial (seq. 53), pois atestou que o material apreendido era composto de “Eritroxylum coca”, substância utilizada na fabricação de “crack”. Com relação à natureza da droga (“crack”), há uma aparente e justificada discrepância entre o resultado do laudo pericial (seq. 53) e do Auto de Constatação Provisória (seq. 1.9). Pericialmente, atestou-se a apreensão de “cocaína”, enquanto nos demais documentos encartados ao feito sempre se fez referência a “crack”. Isso porque ambos são extraídos da planta “ Eritroxylum coca” e compostos de “benzoilmetilecgonina”, substância-base da “ cocaína” e que, na forma de base livre, é popularmente conhecida como “crack”.Inegável também a autoria. Com efeito, a acusada Renata Aparecida Monteiro admitiu que trazia consigo o entorpecente para fins de uso pessoal (seqs. 1.6 e 138). Não há indícios de autoincriminação forjada ou obtida mediante coação. “ [...] 2. Ainda que a confissão não possa ser considerada a rainha das provas, inegável é seu valor probatório, mormente quando em consonância com o restante das evidências colhidas durante a instrução criminal. [...]”. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC - 1008697-6 - Cascavel - Rel.: Rogério Etzel - Unânime - J. 20.06.2013). Ademais, a confissão encontrou respaldo no todo probatório, sobretudo nas declarações dos policiais militares Odair Rodrigues de Abreu e Daniel Cardoso Morais (seqs. 1.4, 1.6 e 138), responsáveis pelo flagrante e pela apreensão da substância em poder da denunciada. “ [...] 2. Com a prisão em flagrante do réu, há uma presunção relativa acerca da autoria do fato, incumbindo à defesa, a teor da regra do art. 156 do CPP, produzir as provas tendentes a demonstrar a sua inocência e a inverossimilhança da tese acusatória. [...]. (Fonte: www.jf.jus.com.br – TRF – 4ª Região; Ap. Crim. 200870020047394; 8ª Turma. j. 14.1.09. Rel.: Cláudia Cristina Cristofani – negritei). “ [...] 1. O depoimento de policial, harmônico ao conjunto probatório, é apto à comprovação da autoria do delito de tráfico, máxime na hipótese de ter sido realizado sob o crivo da ampla defesa e do contraditório. [...]”. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC - 1127879-2 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Luís Carlos Gabardo - Unânime - J. 06.03.2014). “ [...] Não há qualquer impedimento legal de que as autoridades policiais prestem declarações naqueles processos de cuja fase investigatória tenham participado, sendo válida a condenação pautada em tais provas, quando estas se apresentarem coerentes com os demais elementos probantes colhidos no decorrer do feito”. (TJPR - 4ª C. Criminal - AC 846140-1 - Londrina - Rel.: Antônio Martelozzo - Unânime - J. 30.08.2012 – negritei). Destarte, nenhuma dúvida da autoria. Os elementosinformativos e as provas obtidos no feito com certeza servem de suporte a escorar um édito criminal condenatório contra Renata Aparecida Monteiro. Estão presentes os demais elementos do fato típico. Com relação ao dolo, como parâmetro objetivo para a qualificação da conduta como voltada para o tráfico, estabelece a Lei de Drogas a seguinte orientação, contraiu sensu: “para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente” (art. 28, § 2º). “ [...] 2.3. Devido à corriqueira dificuldade dos operadores do direito para distinguir os crimes de tráfico ilícito de drogas e os de posse de drogas para uso pessoal, o legislador estipulou critérios para auxiliar essa distinção (§ 2º do art. 28 da Lei nº 11.343/06), os quais devem ser observados na apreciação do caso concreto. Assim, ao analisar a prova dos autos, o magistrado deve levar em consideração para a distinção entre as condutas de tráfico de drogas e de posse de drogas para uso pessoal: (a) a natureza da droga; (b) a quantidade da substância aprendida; (c) o local e as condições em que se desenvolveu a ação; (d) circunstâncias sociais e pessoais do agente; (e) sua conduta e antecedentes. [...]”. (TJRS, Ap. Crime nº 70034568790, Terceira Câmara Criminal, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 16/09/2010 – negritei). São, portanto, oito os elementos a serem sopesados, in concreto, para se aferir quanto à existência (ou não) de tráfico. Neste exame caberá à ré demonstrar sua condição de usuária, pois a alegou em interrogatório e como matéria de defesa técnica (álibi – seqs. 138 e 145). Ao contrário do que acontece em regra no sistema processual-penal (CPP, art. 156, caput 2 ), aqui a denunciada Renata Aparecida Monteiro deslocou o ônus probandi. Ao se dizer usuária da substância apreendida 2 “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: [...]”.em seu poder (autoria), a ré atraiu o dever de comprovar o álibi, sob pena de dar azo à procedência da pretensão inserida na denúncia. “ [...] A regra, artigo 156 do Código de Processo Penal, é a de que o ônus probatório cabe ao autor da tese apresentada. A Acusação demonstrará a existência do delito e quem foi o seu autor. A Defesa, por sua vez, se incumbe provar eventual alegação de exclusão da antijuridicidade do fato típico ou o álibi invocado. [...]”. (TJRS, Ap. Crim. nº 70051169514, 1ª Câmara Criminal, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 05/12/2012 - negritei). É válido ressaltar que a confissão da autoria (seqs. 1.6 e 138), aliada às circunstâncias do caso (se desfavoráveis, conforme previsão legal acima) e à palavra dos policiais no sentido de que a denunciada seria traficante (seqs. 1.4, 1.6 e 138), já é suficiente para a condenação. TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PALAVRA DOS POLICIAIS QUE EFETUARAM O FLAGRANTE EM HARMONIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE SE DEU O FLAGRANTE DEMONSTRAM A INTENÇÃO DE COMERCIALIZAÇÃO DO TÓXICO APREENDIDO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE USO. HONORÁRIOS FIXADOS EM PRIMEIRO GRAU SUFICIENTES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 4ª C. Criminal - AC - 1065623-2 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Miguel Pessoa - Unânime - J. 07.11.2013 – negritei). Pois bem, neste particular, a acusada não se desincumbiu do encargo que lhe competia. A tese desclassificatória se baseia exclusivamente na negativa de dolo, mas foi contrariada pelas particularidades do caso e não veio acompanhada de uma justificativa plausível que pudesse eventualmente lhe beneficiar. A denunciada não produziu qualquer prova de sua condição de usuária, de modo que a tese não tem credibilidade e deve ser recebida com muita cautela, pois há outros fatores que demonstram a traficância (vistos em seguida).A propósito, sequer fora aviado pedido de submissão da acusada a exame pericial, a evidenciar a total falta de empenho em se demonstrar o álibi – ônus da defesa (CPP, art. 156, caput). Feita esta análise, do minucioso cotejo das provas é possível asseverar que a acusada não logrou demonstrar sua condição de simples usuária de drogas. Ao mesmo tempo, também se verifica que Renata efetivamente realizou ao menos uma das condutas nucleares previstas no tipo penal a ela atribuído, não sendo viável a desclassificação da imputação. Destarte, conclui-se que a pretensão desclassificatória se encontra isolada no arcabouço probatório. Não existe qualquer elemento cognitivo produzido pela ré (ou pela defesa) que indique a veracidade da tese articulada, apesar da aparente facilidade de se obter a prova. “ Não comprovada a finalidade específica de consumo próprio da substância entorpecente, não pode haver a desclassificação do delito de tráfico para uso de drogas pela falta de prova cabal desta condição. (TJPR, AC. 663.449-9, 5ª C.C, Rel. Des. Marcus Vinicius de Lacerda Costa, unânime, DJ 03/09/2010). [...]”. (TJPR - 4ª C. Criminal - AC - 1007626-3 - Apucarana - Rel.: Jefferson Alberto Johnsson - Unânime - J. 27.02.2014 – negritei). [...] CONDIÇÃO DE USUÁRIO DE ENTORPECENTES. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. ÔNUS QUE INCUMBE, EM REGRA, À DEFESA. “ Somente se apresenta juridicamente possível desclassificar a condição de traficante em uma das hipóteses do art. 33, para a de usuário prevista no art. 28, ambos da Lei 11.343/2006, quando o réu comprove efetivamente essa situação ou dos elementos de informação contidos nos autos seja permitido tal aferição, o que não ocorre no caso em análise”. [...]. (TJPR - 4ª C. Criminal - AC - 857068-1 - Ubiratã - Rel.: Luiz Cezar Nicolau - Unânime - J. 12.07.2012 – negritei). “[...] ÁLIBI NÃO COMPROVADO - PROVAS ROBUSTAS DA AUTORIA DELITIVA - IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO CLÁSSICO IN DUBIO PRO REO - CONDENAÇÃO MANTIDA [...]. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC 777118-0 - Foro Regional de Fazenda Rio Grande da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Raul Vaz da Silva Portugal - Unânime - J. 26.01.2012 – negritei).Rechaçada a tese defensiva, passa-se à análise acerca da “ natureza” e da “quantidade” da droga apreendida; do “local” e das “condições em que se desenvolveu a ação”; das “circunstâncias sociais e pessoais”; da “ conduta” e dos “antecedentes” da ré, nos moldes previstos no art. 28, § 2º, da Lei nº 11.343/2006. A abordagem à ré foi precedida de monitoramento realizado pelo setor de inteligência da Polícia Militar. Ao que consta, após o recebimento de denúncias anônimas dando conta de que uma mulher, vestida com shorts jeans e camiseta azul escura, estaria traficando na Rua 8 de Maio, no Jardim Alvorada, em Umuarama/PR, a equipe policial se deslocou até aquelas imediações, identificou a suspeita e vigiou sua conduta. Durante a incursão, constatou-se que tal mulher “saia do bar e ia até pessoas na rua que chegavam ao local a pé, de bicicleta ou moto e que a mulher entregava a droga e pegava algo em troca, o que seria o dinheiro. O monitoramento também observou que Renata também saia do bar e entrava em uma casa e logo na sequência saia com algo na mão e colocava no bolso, porém não foi possível identificar qual a residência exata” (seq. 1.3). Realizada a abordagem, a suspeita foi identificada como Renata Aparecida Monteiro, que de início negou a posse de psicotrópicos ilícitos. Porém, realizada revista por policial feminina, apreenderam-se 08 (oito) pedras de “crack” nas partes íntimas da acusada, que acabou confessando o tráfico e explicando que vendia cada pedra por R$ 10,00 (dez) reais (seqs. 1.4, 1.6 e 138). A propósito, ao defender que o entorpecente se destinava ao consumo próprio, Renata se contradisse. Primeiro alegou ter pagado R$ 80,00 (oitenta reais) pela droga (seq. 1.6). Depois, sem qualquer justificativa, disse que desembolsou R$ 60,00 (sessenta reais – seq. 138). Ou seja, certamente alterou a verdade em algum momento para se beneficiar. Além disso, a denunciada está desempregada, é mãe de 04 (quatro) filhos menores de idade, todos sob seus cuidados; e só recebe 01 (uma) pensão alimentícia, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais – seq. 138). Logo, é totalmente incoerente aduzir que, apesar de sua precária condição financeira, usou seus escassos recursos para adquirir drogas.No mais, a ré detinha R$ 20,00 (vinte reais) em espécie. Como álibi, articulou ser proveniente de “uma diária” (seq. 138), mas não produziu prova dessa assertiva (CPP, art. 156, caput). De outro lado, quando da abordagem policial, Renata confessou que vendia crack e admitiu já ter comercializado 02 (duas) pedras da droga, cada uma no valor de R$ 10,00 (dez reais – seqs. 1.4, 1.6 e 138). Essa última versão está em total sintonia com a prova, com as circunstâncias fáticas e com as condições pessoais da acusada, reforçando que trazia crack consigo para fins de traficância. No mais, a denunciada já possui uma condenação provisória por tráfico de drogas (PC nº 0000503-29.2024.8.16.0173 – seq. 87). Para encerrar o ponto, Renata não portava isqueiro, cachimbo ou qualquer outro objeto utilizado para o consumo de crack, mais uma clara evidência de que o entorpecente se destinava ao comércio. Repisa-se que, com a apreensão de droga em posse da agente e sua consequente prisão em flagrante, exsurge uma presunção (relativa) da autoria delitiva. Cabe à suspeita, neste caso, produzir provas de sua inocência ou de eventual tese desclassificatória. Confira: “ [...] 2. Com a prisão em flagrante do réu, há uma presunção relativa acerca da autoria do fato, incumbindo à defesa, a teor da regra do art. 156 do CPP, produzir as provas tendentes a demonstrar a sua inocência e a inverossimilhança da tese acusatória. [...]”. (Fonte: www.jf.jus.com.br – TRF – 4ª Região; Ap. Crim. 200870020047394; 8ª Turma. j. 14.1.09. Rel.: Cláudia Cristina Cristofani – negritei). Todavia, Renata não se desincumbiu do encargo que lhe competia. Sua versão se baseia na negativa de dolo, mas foi contrariada pelas circunstâncias do caso e não veio acompanhada de uma justificativa plausível que pudesse eventualmente lhe beneficiar. Assim, tem-se em favor da pretensão defensiva apenas as avulsas palavras da ré, o que é muito pouco para embasar a desclassificação. Inclusive, “É da defesa o ônus de comprovar a realidade do álibi apontado peloréu, nos termos do artigo 156, do Código de Processo Penal” (TJPR, AC nº 1250735-8); e “Não desrespeita a regra da distribuição do ônus da prova a sentença que afasta tese defensiva de negativa de autoria por não ter a defesa comprovado o álibi levantado” (STJ, AgRg no REsp nº 1367491/PR – negritei). Portanto, sopesados os parâmetros objetivos estabelecidos pelo art. 28, § 2º, da Lei nº 11.343/2006, depreende-se que todas as moduladoras militam em desfavor da acusada, provando de forma cabal que a ré Renata Aparecida Monteiro cometeu o tráfico de drogas. APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 33, "CAPUT", DA LEI 11.343/06 - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO PUGNANDO PELA ABSOLVIÇÃO SOB A ARGUMENTAÇÃO DE QUE A DROGA APREENDIDA DESTINAVA-SE AO CONSUMO PRÓPRIO DO ACUSADO E, ALTERNATIVAMENTE, PLEITEIANDO REDUÇÃO DA PENA APLICADA E APONTADA COMO DESPROPORCIONAL - IMPOSSIBILIDADE - TRÁFICO CARACTERIZADO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - TESTEMUNHO DOS POLICIAIS - VALIDADE - CONJUNTO PROBATÓRIO EFICAZ - DECISÃO SINGULAR CONDENATÓRIA QUE DEVE SER MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. “‘Apelação 1 - Tráfico de entorpecentes - Autoria e materialidade devidamente comprovadas Pleito de desclassificação para uso - Falta de prova idônea a demonstrar a finalidade de consumo próprio Recurso a que se nega provimento. Apelação 2. Crime de tráfico - Dosimetria da pena Consideração da culpabilidade como circunstância judicial desfavorável Causa de diminuição da pena na metade (1/2) - Possibilidade Quantidade e natureza da droga - Recurso a que se dá parcial provimento - 1. Não comprovada a finalidade específica do consumo próprio da substância entorpecente, não pode haver a desclassificação do delito de tráfico para uso de drogas pela falta de prova cabal desta c o n d i ç ã o ’ . (TJPR - AC 663.449-9 - Rel. Des. Marcus Vinicius de Lacerda Costa - 5ª C. Criminal - Unânime - DJ 03/09/2010)”. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC - 1195423-3 - Foro Regional de Colombo da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Eduardo Fagundes - Unânime - J. 03.07.2014 – negritei). A propósito, o fato de a acusada eventualmente ser usuária de drogas não elide a possibilidade de igualmente praticar o tráfico, visto que afigura do traficante se sobrepõe à do mero usuário, consoante entendimento jurisprudencial que vem sendo edificado há anos no cenário jurídico: “ Quando a condição de viciado se mescla à de traficante, este tem preponderância com relação à outra na aplicação da lei penal”. (TACrimSP, AP. 182.109, 5ª Câm., rel. Juiz designado Onei Raphael, j. 16-5-1978). “ O fato de ser o réu viciado em drogas não impede que seja ele traficante, nem lhe reduz a capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta”. (3ª Câm. Crim. do extinto TAPR - Rel. Sônia Regina de Castro - Acórdão: 9755). “ O fato de o agente ser dependente, ou não, de drogas, é indiferente para configurar o crime de tráfico, porquanto o sujeito viciado também pode ser traficante”. (TJPR - AC 0700694-6, 5ª Câm., rel. Des. Eduardo Fagundes, DJ 15-12-2010). APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO. ART. 33, DA LEI N.º 11.343/2006. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DEPOIMENTO DE POLICIAIS MILITARES. CONSONÂNCIA COM O CONJUNTO PROBATÓRIO. CREDIBILIDADE. CONDENAÇÃO. MANUTENÇÃO. CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE NÃO EXCLUI A DE TRAFICANTE. CONDENAÇÃO CORRETA. “1. Os depoimentos de policiais militares, realizados sob o crivo da ampla defesa e do contraditório, são aptos à comprovação da autoria do delito de tráfico ilícito de entorpecentes, quando em consonância com os demais elementos de prova. 2.2. A condição de usuário de drogas não exclui, necessariamente, a de traficante. 3. Apelação crime conhecida e não provida”. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC - 1145962-0 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Luiz Carlos Gabardo - Unânime - J. 06.03.2014 – negritei). Mesmo que a condição de usuária ou dependente pudesse recair sobre a ré 3 , tal não se mostraria incompatível com a da traficância de drogas ou mesmo a afastaria, porquanto não raros são os casos enfrentados atualmente pelo Poder Judiciário de consumidores de entorpecentes que 3 O que não ficou comprovado.ingressam na seara do comércio clandestino de drogas para financiar o próprio vício. Neste sentido: “ [...] o traficante pode também ser viciado e, concomitantemente, guardar ou trazer consigo para uso próprio e para a disseminação do vício; por outro lado, o viciado também pode ser instrumento de difusão do mal, quando fornece a droga a outrem comercialmente. Em ambas as hipóteses acima referidas, prevalecerá o deito mais grave, ficando absorvido o delito do artigo agora comentado (artigo 28). Tanto no caso de um traficante que traz consigo a droga para uso próprio como no caso de alguém que, trazendo originariamente para uso próprio, vem a desviar essa destinação, fornecendo-a a outrem, o bem jurídico atingido é a saúde pública em sua forma substancialmente mais grave, não podendo o que dissemina o vício beneficiar-se, argüindo sua condição de usuário da droga [...]”. (FILHO, Vicente Greco; RASSI, João Daniel; Lei de drogas anotada. Lei nº 11.343/2006; São Paulo: Saraiva, 2007. p. 46/47 – negritei). Vale lembrar que é impossível ingressar na mente da agente para averiguar qual sua real intenção. Por isso, são as circunstâncias que comprovam ou não a existência do elemento subjetivo. E neste particular o titular da ação penal conseguiu reunir provas suficientes para ensejar no Juízo a certeza da procedência do pedido condenatório intrínseco à inicial. Acrescenta-se que o traficante não é apenas aquele que comercializa entorpecente, mas qualquer pessoa que, de algum modo, participa da produção e da circulação de drogas, como, por exemplo, quem traz consigo psicotrópico ilícito, como ocorreu na espécie. Provado, pois, que a denunciada realizou ao menos 01 (um) dos verbos nucleares do tipo do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, sem autorização legal ou regulamentar, tendo inequívoca ciência da ilicitude de seu comportamento, caracterizado está o crime de tráfico de drogas. “ A conduta típica do delito de tráfico ilícito de entorpecente, prevista no art. 33, da Lei nº 11.343/2006, exige que o agente tenha o animus de praticar pelo menos um dos verbos integrantesdo tipo delitivo [...]”. (in TJPR - 3ª C. Criminal - AC 897866-9 - Apucarana - Rel.: José Cichocki Neto - Unânime - J. 27.09.2012). Importa também repisar que a ré Renata Aparecida Monteiro não provou que o estupefaciente se destinava ao consumo próprio. Ao lado disso, pela análise das circunstâncias do art. 28, § 2º, da Lei Antidrogas, ficou sobejamente provado que a droga tinha fins comerciais. TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PALAVRA DOS POLICIAIS QUE EFETUARAM O FLAGRANTE EM HARMONIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA. CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE SE DEU O FLAGRANTE DEMONSTRAM A INTENÇÃO DE COMERCIALIZAÇÃO DO TÓXICO APREENDIDO. IMPOSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE USO. HONORÁRIOS FIXADOS EM PRIMEIRO GRAU SUFICIENTES. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR - 4ª C. Criminal - AC - 1065623-2 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Miguel Pessoa - Unânime - J. 07.11.2013 – negritei). Para encerrar o ponto (tipicidade), diante da primariedade, da ausência de antecedentes e da falta de provas de que a ré se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa, incide neste particular a causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 4 . Aliás, embora Renata possua condenação posterior por tráfico (ainda não definitiva), tal fator não pode ser utilizado para afastar a minorante em debate, assim como acontece com os inquéritos policiais e as ações penais em curso (vide: STJ, AgRg no HC n. 720.431/SC, AgRg no AREsp n. 2.073.778/RS, REsp n. 1.977.180/PR e REsp n. 1.977.027/PR). Quanto à antijuridicidade, ensinava DAMÁSIO DE JESUS 5 que é a relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico. A conduta descrita em norma penal será ilícita quando não for expressamente declarada lícita. Assim, o conceito de ilicitude de um fato típico é encontrado por exclusão: é ilícito quando não declarado lícito por causas de exclusão da antijuridicidade 4 Trata-se de direito subjetivo do réu, não obstante a redação da Lei (Nesse sentido: GOMES, Luiz Flávio. Lei de drogas comentada. 2ª ed., São Paulo: RT, 2007, p. 197). 5 In “Direito Penal – Parte Geral”, vol.1, pág.137, Ed. Saraiva/1985.(CP, art. 23, ou normas permissivas encontradas em sua parte especial ou em leis especiais). Presente a causa de exclusão o fato é típico, mas não antijurídico, e, em consequência, não há que se falar em crime, por lhe faltar um de seus requisitos. Pois bem, na hipótese sub judice não se vislumbra a presença de qualquer causa de exclusão de antijuridicidade. A culpabilidade, ao seu turno, é a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o agente a um fato típico e antijurídico, sendo, segundo a teoria predominante, o último requisito do delito. Além disso, de acordo com a teoria finalista da ação, adotada pela reforma penal de 1984, é composta dos seguintes elementos: imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude. Na espécie, a ré, à época do fato, já havia atingido a maioridade penal (CP, art. 27) e, portanto, imputável, sujeita no gozo de suas perfeitas faculdades mentais, capaz de entender o caráter ilícito do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento, não se vislumbrando as causas excludentes previstas nos arts. 26, caput, e 28, § 1º, ambos do Código Penal. Pelas condições pessoais da acusada, tinha ao menos potencial consciência da antijuridicidade de sua conduta, isto é, era perfeitamente possível a ela conhecer o caráter ilícito do fato cometido, não ocorrendo a excludente de culpabilidade prevista no art. 21, segunda parte, do Código Penal, lembrando que o desconhecimento da lei é inescusável (CP, art. 21, primeira parte). Também pelas circunstâncias do fato, tinha a denunciada a possibilidade de realizar comportamento diverso do praticado e compatível com o ordenamento, não se verificando neste particular as dirimentes de coação moral irresistível e obediência hierárquica (CP, art. 22). Portanto, inexistindo causas excludentes de culpabilidade, tem-se como reprovável a conduta perpetrada pela ré.III. DISPOSITIVO POSTO ISSO, julgo procedente, em parte, o pedido inserido na denúncia, para o fim de CONDENAR a acusada RENATA APARECIDA MONTEIRO, já qualificada nos autos, pela prática do crime de tráfico de drogas privilegiado (art. 33, caput e § 4º, da Lei nº 11.343/2006). IV. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA Circunstâncias judiciais A pena mínima abstratamente prevista para o delito de tráfico (Lei nº 11.343/2006, art. 33, caput) é de 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa. A partir desse mínimo, passa-se à análise das circunstâncias judiciais (CP, art. 59), observadas as circunstâncias “ preponderantes” estabelecidas no art. 42 da Lei de Tóxicos: a) a conduta da acusada não enseja um maior juízo de culpabilidade (reprovação), além daquele já inerente ao tipo em análise; b) a ré não tem antecedente criminal (seq. 87); c) no tocante à conduta social e à personalidade (previstas tanto no art. 59 do Código Penal quanto no art. 42 da Lei de Drogas), não há elementos que permitam fazer um juízo desfavorável à denunciada; d) os motivos são os peculiares a esta espécie de delito: buscar, pela via ilícita e supostamente mais branda, lucro fácil à custa do vício alheio; e) as circunstâncias pesam contra a ré, na medida em que, como foi ressaltado na fundamentação, trazia “crack” consigo, substância com natureza altamente nociva à saúde humana e capaz de causar dependência química rapidamente 6 . 6 Repisa-se que o art. 42 da nº 11.343/2006 estabelece a “natureza” da substância entorpecente como circunstância preponderante a ser considerada pelo julgador.Além disso, Renata cometeu o tráfico num bar, onde há maior facilidade de disseminação de drogas, em razão da constante concentração de pessoas, o que acaba por representar maior risco à saúde pública (neste sentido: BRASILEIRO, Renato; Legislação Criminal Especial Comentada; ed. 8; Salvador: JusPodivm, 2020, p. 1.098/1.099). A rigor, seria caso de aplicação da causa especial de aumento de pena do art. 40, III, da Lei nº 11.343/2006. Porém, como a majorante não constou na descrição do fato na denúncia, não pode ser reconhecida em sentença (princípio da correlação), sem prejuízo de sua utilização nas circunstâncias judiciais, na forma como aqui se procede. Destarte, aumenta-se a pena-base em 01 (um) ano, 03 (três) meses de reclusão 7 e 100 (cem) dias-multa; f) as consequências do crime não foram graves, notadamente diante da apreensão do entorpecente; e, g) não há que se cogitar quanto ao comportamento da vítima, pois se trata da coletividade. Sopesadas todas as circunstâncias abstratamente previstas no art. 59 do Código Penal e no art. 42 da Lei de Drogas com os dados do caso concreto, na forma acima realizada, fixo a pena-base em 06 (seis) anos, 03 (três) meses de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa, quantum que reputo necessário e suficiente para a prevenção e repressão do delito. Circunstâncias legais (agravantes e atenuantes) Não há agravantes ou atenuantes. O e. Tribunal de Justiça do Paraná e o c. Superior Tribunal de Justiça firmaram jurisprudência no sentido de que, ao se dizer mera usuária de drogas e negar a traficância em delitos de tráfico (caso dos autos), deve-se afastar a incidência da atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, “d” – neste sentido: STJ, HC 373.054/SP; TJPR - 3ª C. Criminal - AC - 1602758-2). 7 Aumento que não é desproporcional, pois correspondente à diferença entre as penas mínima e máxima (dez anos), dividida pelo número de circunstâncias judiciais (oito).Esse entendimento foi positivado em súmula: “ STJ, súmula 630: A incidência da atenuante da confissão espontânea no crime de tráfico ilícito de entorpecentes exige o reconhecimento da traficância pelo acusado, não bastando a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio”. Causas de aumento ou diminuição de pena Não há causas de aumento de pena. De outro giro, reconhecido o tráfico privilegiado, aplica-se a causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, para o fim de reduzir a pena acima fixada (pena provisória) em 2/3 (dois terços). PENA DEFINITIVA Cumpridas as fases do art. 68 do Código Penal e porque ausentes outras circunstâncias modificativas, fixo a pena privativa de liberdade à acusada Renata Aparecida Monteiro, DEFINITIVAMENTE, em 02 (dois) anos e 01 (um) mês de reclusão; e a pena de multa em 200 (duzentos) dias-multa. Valor do dia-multa Em função da situação econômica da denunciada, fixo cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo federal vigente por ocasião dos fatos e atualizado até a data do pagamento, cujo valor deverá ser revertido em favor do Fundo Penitenciário (CP, art. 49, §§ 1º e 2º, c/c o art. 60). A pena de multa deverá ser paga nos termos e no prazo previstos no art. 50 do Código Penal, sob pena de execução civil (CP, art. 51). Detração e regime inicial de cumprimento de pena Primeiramente, deixa-se de realizar a detração, pois na espécie não irá impor qualquer alteração ao regime de cumprimento de pena. A propósito, “A detração penal, preconizada no artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, incluído pela Lei nº 12.736/2012, deve ser realizada pelo Juiz do processo de conhecimento com o único escopo de definir oregime inicial para cumprimento da pena privativa de liberdade imposta, e não para reduzir a pena do sentenciado descontando o período de sua prisão provisória. Logo, se a detração não importar em alteração do regime prisional, tal operação não pode ser aplicada, devendo deixá-la a cargo do juízo da execução”. (TJPR - 4ª C. Criminal - AC - 1457925-4 - Uraí - Rel.: Celso Jair Mainardi - Unânime - J. 28.04.2016 – negritei). Outrossim, é vedada a detração neste particular porque há circunstância judicial desfavorável (STJ, AgRg no HC n. 736.349/PR, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 10/5/2022, DJe de 16/5/2022). Assim, considerando o montante da reprimenda aplicada e restante a ser cumprida (CPP, art. 387, § 2º), as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e a primariedade técnica, estabelece-se o regime ABERTO para o início do cumprimento da pena, o que se faz com fulcro no art. 33, §§ 2º, “c”, e 3º, do Código Penal 8 , mediante o cumprimento das seguintes condições: a) comprovar nos autos, no prazo de 60 (sessenta dias) dias, que está exercendo trabalho lícito, com a indicação do respectivo local; b) recolhimento e permanência em sua residência, todos os dias, entre 23h e 05h; c) sair para o trabalho e retornar dentro dos horários fixados acima; d) não se ausentar da cidade onde reside por prazo superior a 08 (oito) dias, sem prévia autorização judicial; e) não mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade judiciária; f) comparecer perante o Juízo de Direito da comarca de sua residência, mensalmente, para informar e justificar suas atividades; e, 8 “[...] 6. Regime inicial fixado somente em razão da hediondez do delito, na forma do artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/2007. Superada a obrigatoriedade de início do cumprimento de pena no regime fechado aos condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados a partir do julgamento do HC 111.840/ES, relatoria do Ministro Dias Toffoli. [...]” (STF, RHC 116001, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/02/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-055 DIVULG 19- 03-2014 PUBLIC 20-03-2014).g) não portar ou trazer armas ofensivas ou instrumentos capazes de ofender a integridade física. Substituição por restritiva de direitos e da SURSIS No julgamento do HC nº 97.256/RS, o e. Supremo Tribunal Federal declarou incidentalmente a inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06; e da expressão “vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”, do art. 44 da mesma Lei. Esse entendimento prevaleceu. Hoje a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em casos como este (tráfico) é pacífica, desde que preenchidos os requisitos legais. PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDIQUEM A DEDICAÇÃO DO RÉU EM ATIVIDADES CRIMINOSAS. APLICAÇÃO DEVIDA. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. MODO ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. POSSIBILIDADE. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA POR ESTA CORTE. RECURSO NÃO PROVIDO. “[...] 3. Estabelecida a pena em patamar inferior a 4 anos, verificada a primariedade do agente e sendo favoráveis as circunstâncias do art. 59 do CP, o regime inicial aberto é o adequado à prevenção e à reparação do delito, nos termos do art. 33, § 2º, "c", do Código Penal. 4. Preenchidos os requisitos legais do art. 44 do Código Penal, é cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. 5. Agravo regimental não provido”. (STJ, AgRg no HC 612.733/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/04/2021, DJe 26/04/2021 – negritei). Pois bem. O delito foi praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa. A acusada não é reincidente. A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade da ré; os motivos e as circunstâncias do crime, conforme analisado, indicam que a substituição se mostra suficiente.A pena privativa de liberdade fixada em definitivo à acusada não supera a 04 (quatro) anos. Destarte, atendidos os requisitos do artigo 44, incisos I a III, do Código Penal, torna-se viável a substituição da pena privativa de liberdade imposta por restritivas de direitos. A ré foi condenada a 02 (dois) anos e 01 (um) mês de reclusão. Logo, a pena de prisão pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou duas penas restritivas de direitos (CP, art. 44, § 2º). Em razão da natureza do delito (tráfico) e das condições pessoais da denunciada (com baixo grau de escolaridade, sem instrução profissional, vínculo político ou com a Administração Pública), não é caso de interdição temporária de direitos (CP, art. 47). Outrossim, como nesta comarca não existe casa de albergado ou congênere, situação que é recorrente em todos os Estados da Federação, não é viável a limitação de fim de semana (CP, art. 48). Dessa forma, considerando os aspectos objetivos e subjetivos já mencionados, substituo a pena privativa de liberdade 9 aplicada à acusada por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na realização de tarefas gratuitas pela ré, prestadas perante entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos ou estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. As tarefas ou entidades beneficiárias serão estabelecidas por ocasião da execução, tendo em vista as aptidões da acusada, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a sua jornada normal de trabalho. Fica, no entanto, facultado à denunciada cumprir esta pena em menor tempo, porém nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada, nos termos do § 4º do artigo 46 do CP. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro a entidade a ser oportunamente apontada, na importância correspondente a 01 9 A presente substituição atinge apenas e tão somente a pena privativa de liberdade, não excluindo a pena de multa acima fixada.(um) salário-mínimo federal vigente, podendo este valor ser parcelado em até 10 (dez) prestações mensais, iguais e sucessivas. Havendo aceitação da entidade beneficiária, a prestação pecuniária poderá consistir em prestação de outra natureza, nos termos do art. 45, § 2º, do Código Penal. Ressalto que a presente prestação não exclui a pena de multa acima fixada, prevista no preceito secundário da norma penal. O descumprimento de qualquer das penas restritivas de direitos aplicadas acima ensejará a revogação do benefício e a execução da pena privativa de liberdade pela denunciada. Em face da substituição feita acima, incabível a aplicação da SURSIS, conforme estabelece o art. 77, III, do Código Penal. V. PERDIMENTO DE DINHEIRO APREENDIDO É efeito genérico da condenação o perdimento, em favor da União, “do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso” (CP, art. 91, II, “b”). A medida constritiva tem previsão em foro constitucional 10 e deve decorrer de sentença penal condenatória, conforme regulamentado no art. 63 da Lei nº 11.343/2006 11 . In casu, houve a apreensão de dinheiro por ocasião do flagrante de Renata (seq. 1.8). Essa pecúnia não foi alvo de pedido de restituição e a acusada não provou sua origem lícita (já visto). De outro lado, o numerário foi apreendido em incursão policial que resultou na apreensão de “crack” e na prisão em flagrante (e condenação) de Renata pela prática do crime de tráfico de drogas. Pelas circunstâncias do caso, com o provado cometimento do delito de tráfico e a confissão informal, é certo que o montante pecuniário foi 10 CR/88, art. 243. [...]. Parágrafo único. “Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias”. 11 “Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor apreendido, seqüestrado ou declarado indisponível”.obtido por meio da traficância, de modo que o dinheiro se trata de produto de crime e deve ser perdido em favor da União. A propósito, “A jurisprudência desta Corte estabeleceu-se no sentido de considerar a expropriação de bens em favor da União pela prática de tráfico ilícito de entorpecentes um efeito automático da condenação, já que encontra previsão em foro constitucional (art. 243) e decorre da sentença condenatória, conforme regulamentado no art. 63 da Lei 11.343/2006. [...]”. (STJ, AgRg no AREsp 507.029/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/10/2017, DJe 18/10/2017 - negritei). Diante disso, inexistindo o menor indício de que a acusada Renata Aparecida Monteiro tivesse renda lícita, conclui-se que o dinheiro apreendido em sua posse (junto com a droga) era produto do tráfico que realizava, o que autoriza seu perdimento. “ [...] Não provada a origem lícita do dinheiro apreendido juntamente com a droga, opera-se o perdimento em prol do Fundo Nacional Antidrogas”. (TJPR - 5ª C. Criminal - AC - 813608-7 - Ponta Grossa - Rel.: Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso – Unânime - J. 06.09.2012 – negritei). “ [...] Perdimento de dinheiro em favor da União deferida considerando a comprovação da prática do tráfico e a não demonstração da origem lícita do valor apreendido. APELO IMPROVIDO. (TJRS, Apelação Crime Nº 70053532917, Segunda Câmara Criminal, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em 25/06/2015 – negritei). Assim, com base no art. 63 da Lei nº 11.343/2006, DECRETO o perdimento em favor da União do valor pecuniário em espécie apreendido (R$ 20,00 - seq. 1.8), com os acréscimos de eventual depósito judicial. VI. DISPOSIÇÕES FINAIS Condeno a ré também ao pagamento das custas, ressaltando que eventuais isenção e/ou suspensão são matérias afetas ao Juízo da Execução (TJPR - 2ª Câmara Criminal - 0003585-67.2018.8.16.0112 - Marechal Cândido Rondon - Rel.: DESEMBARGADOR MARIO HELTON JORGE - J. 27.11.2022).Autorizo a incineração da droga, mediante a lavratura de auto circunstanciado e a preservação de amostra da substância para eventual contraprova (Lei nº 11.343/2006, art. 50, § 3º). Comunique-se. Destrua-se o telefone celular (seq. 1.8), pois não houve pedido de restituição, nem há prova da propriedade ou da aquisição com recursos lícitos. Ademais, pelas circunstâncias do caso, com certeza o objeto estava sendo utilizado para o tráfico. A denunciada Renata Aparecida Monteiro foi solta pela decisão da seq. 26, mediante o cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão. Destarte, por ora, não é caso de imposição da prisão preventiva, sem prejuízo de nova análise na hipótese de alteração na situação jurídica ou fática. Contudo, ficam mantidas as medidas cautelares (seq. 26), as quais deverão ser observadas e cumpridas até ulterior decisão. Após o trânsito em julgado: a) façam-se as devidas comunicações, inclusive ao Juízo Eleitoral, para fins do art. 15, III, da Constituição Federal; b) remetam-se os autos ao contador judicial para o cálculo das custas e da pena de multa aplicada, intimando-se, em seguida, a condenada para pagamento, encaminhando-se as respectivas guias; c) oficie-se à Autoridade Policial para que proceda à incineração da droga preservada a título de contraprova, com certidão nos autos, na forma do art. 72 da Lei nº 11.343/2006 (com redação dada pela Lei nº 12.961/2014); d) expeça-se guia de execução, observadas as formalidades do art. 12, §§ 1º e 2º, da Instrução Normativa nº 02/2013-TJPR. Em seguida, encaminhe-se à Segunda Vara Criminal desta comarca, a competente para a execução (arts. 28, IV, da Resolução nº 93/2013-TJPR; e art. 14 da Instrução Normativa acima); e) transfira-se o dinheiro apreendido ao FUNAD;f) comunique-se a SENAD sobre o perdimento de valores em favor da União (Lei nº 11.343/2006, art. 63, § 4º); e, g) voltem conclusos para novas deliberações. Cumpram-se, no que forem pertinentes, as disposições contidas no Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Umuarama/PR, datado e assinado digitalmente. ADRIANO CEZAR MOREIRA Juiz de Direito
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