Processo nº 0000124-04.2017.8.18.0036
ID: 278949489
Tribunal: TJPI
Órgão: 2ª Câmara Especializada Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0000124-04.2017.8.18.0036
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 2ª Câmara Especializada Criminal APELAÇÃO CRIMINAL (417) No 0000124-04.2017.8.18.0036 APELANTE: FRANCISCO WILSON VIEIRA APELADO: PROCURADORIA G…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 2ª Câmara Especializada Criminal APELAÇÃO CRIMINAL (417) No 0000124-04.2017.8.18.0036 APELANTE: FRANCISCO WILSON VIEIRA APELADO: PROCURADORIA GERAL DA JUSTICA DO ESTADO DO PIAUI RELATOR(A): Desembargador JOAQUIM DIAS DE SANTANA FILHO Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LESÃO CORPORAL. PRESCRIÇÃO. ERRO MATERIAL NA DOSIMETRIA. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR PROVA PERICIAL. PENA REDIMENSIONADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação criminal interposta contra sentença que condenou o réu à pena de 1 ano, 7 meses e 15 dias de detenção pela prática do crime de lesão corporal no contexto de violência doméstica (art. 129, §9º, do Código Penal). A defesa pleiteou: (i) a correção de erro material na sentença quanto à dosimetria da pena; (iii) a absolvição por insuficiência probatória; e (iv) a redução da pena em razão da exclusão de circunstâncias judiciais indevidamente valoradas na primeira fase da dosimetria. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há quatro questões em discussão: (i) verificar se há prescrição da pretensão punitiva estatal; (ii) analisar a existência de erro material na dosimetria da pena; (iii) avaliar se há provas suficientes para a condenação; e (iv) examinar a legalidade da dosimetria da pena quanto à valoração das circunstâncias judiciais. III. RAZÕES DE DECIDIR A prescrição da pretensão punitiva não se configura, pois, nos termos do art. 110, §1º, do Código Penal, a pena em concreto não pode retroagir à data do fato como termo inicial da prescrição. Considerando-se a pena definitiva de 8 meses e 15 dias, o prazo prescricional de 3 anos (art. 109, VI, do CP) não foi alcançado desde o recebimento da denúncia até a sentença, tampouco no interregno entre a sentença e a presente data. Configura-se erro material na sentença quanto à valoração da personalidade como circunstância judicial negativa, pois o juízo, em sua manifestação oral (ID nº 19413059), reconheceu que a personalidade do réu é elementar ao tipo penal e não deveria ser usada para majoração da pena, o que autoriza a correção nos termos do art. 494 do CPC. A alegação de ausência de provas não merece acolhida. A autoria e a materialidade do delito estão comprovadas por conjunto probatório harmônico e suficiente, formado pelo depoimento firme e coerente da vítima, corroborado pelo laudo pericial, conforme entendimento consolidado do STJ sobre o valor da palavra da vítima em crimes de violência doméstica. A exclusão da circunstância judicial relativa às circunstâncias do crime é cabível, pois a valoração negativa se baseou na ocorrência do fato no ambiente doméstico, o que é inerente ao tipo penal do art. 129, §9º, do CP, caracterizando bis in idem. Também deve ser neutralizada a valoração negativa das consequências do crime, pois as lesões descritas são próprias do tipo penal de lesão corporal leve e não geraram sequelas permanentes ou danos significativos adicionais. A culpabilidade do réu foi corretamente valorada de forma negativa, diante da intensidade dos golpes, da escolha de região vital (cabeça) e da desproporcionalidade da conduta, denotando maior grau de reprovabilidade. A pena definitiva foi redimensionada para 8 meses e 15 dias de detenção, em regime inicial aberto, afastando-se as circunstâncias judiciais indevidamente valoradas. Inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em razão da violência praticada contra mulher no âmbito doméstico, conforme vedação do art. 44, I, do Código Penal e da Súmula 588 do STJ. Também não é cabível o sursis, nos termos do art. 77, II, do Código Penal, por não estarem presentes todas as circunstâncias judiciais favoráveis. IV. DISPOSITIVO Recurso parcialmente provido. __________________________ Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 44, I; 59; 68; 77, II; 109, IV e VI; 110, §1º; 129, §9º. CPC, art. 494. CPP, arts. 155 e 386, VII. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 2123567/SP, Rel. Min. Olindo Menezes, T6, j. 25.10.2022, DJe 28.10.2022; TJ-MT, APR 1000697-35.2021.8.11.0018, Rel. Des. Paulo da Cunha, j. 21.03.2023; TJ-AM, APR 0000393-66.2020.8.04.2901, Rel. Des. Carla Maria dos Santos Reis, j. 15.10.2023; TJ-MG, APR 0000357-73.2019.8.13.0778, Rel. Des. Valéria Rodrigues Queiroz, j. 28.09.2022; STJ, AgRg no AgRg no AREsp 1965392/CE, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, T6, j. 07.11.2023, DJe 13.11.2023; STJ, AgRg no HC 851.788/GO, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, T5, j. 10.06.2024, DJe 12.06.2024. DECISÃO: Acordam os componentes do(a) 2ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, por unanimidade, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Relator(a). RELATÓRIO O Ministério Público denunciou FRANCISCO WILSON VIEIRA, qualificado nos autos, como incurso nas sanções do art. 129, § 9º, do Código Penal, por ter, na data de 02 de outubro de 2016, por volta das 23h, na residência localizada na Rua Anísio Lima, bairro São Luís, Altos/PI, agredido física e verbalmente sua então companheira, Leudimar Rodrigues de Oliveira, desferindo tapas e socos, derrubando-a ao chão e danificando seu aparelho celular (ID nº 19413040 - Pág. 73/77). Denúncia foi recebida em 16/08/2021 (ID nº 19413040 - Pág. 83) Após o recebimento da denúncia, o processo teve seu trâmite regular, com a prolação de sentença que condenou FRANCISCO WILSON VIEIRA como incurso nas penas do artigo 129, §9º, do Código Penal, fixando a pena em 01 (um) ano e 7 (sete) meses e 15 (quinze) dias de detenção, a serem cumpridos inicialmente em regime aberto na forma do artigo 33, §2,º c, do Código Penal; pena que não se substitui por restritiva de direitos, uma vez que o crime foi cometido com violência contra pessoa (ID nº 19413061 - Pág. 1/7). Inconformado, o apelante Francisco Wilson Vieira interpôs recurso, requerendo em suas razões recursais:a correção da transcrição da r. sentença, que estaria em desconformidade com a sentença proferida oralmente em audiência, apontando erro quanto ao número de circunstâncias judiciais negativamente valoradas na primeira fase da dosimetria da pena, requerendo sua redução para três, com a exclusão da circunstância desfavorável relativa à personalidade; b) o reconhecimento da absolvição do acusado, em razão da ausência de arcabouço probatório robusto, afastando-se o reconhecimento da ação criminosa com fundamento no art. 386, VII, do CPP; c) a fixação da pena no mínimo legal, ante a ausência de fundamentação na primeira fase da dosimetria; e d) a aplicação do patamar de exasperação de 1/6 da pena mínima para cada circunstância judicial, em conformidade com a jurisprudência do STJ.(ID nº 19413077 - Pág. 1/16). Em contrarrazões ofertadas, o parquet pugnou pelo não recebimento do recurso de apelação, por ausência de interesse recursal, e reconhecimento da prescrição retroativa (ID nº 19904762 - Pág. 1/6) A Procuradoria-Geral de Justiça emitiu parecer (ID nº 19904762 - Pág. 1/6), pugnando pelo conhecimento do presente Recurso, e declarando a prescrição da pretensão punitiva do Estado para o crime. É o relatório. Devidamente relatados, abriu-se vista à Defensora Pública Especial atuante na 2.ª Câmara Especializada. VOTO I – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. II – PRELIMINAR - DA INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – INCIDÊNCIA DO ART. 110, §1º, DO CÓDIGO PENAL Conforme se observa dos autos, tanto o Ministério Público de primeiro grau quanto a Procuradoria-Geral de Justiça manifestaram-se pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal, sob o argumento de que a pena concretamente aplicada (posteriormente redimensionada para 8 (oito) meses e 15 (quinze) dias de detenção) atrairia o prazo prescricional de 3 (três) anos, nos termos do art. 109, inciso VI, do Código Penal. Entretanto, não assiste razão ao Ministério Público quanto à existência de prescrição, seja na modalidade retroativa, seja na superveniente, pelas razões que se expõem a seguir. Inicialmente, convém lembrar que o crime imputado ao apelante é o previsto no art. 129, §9º, do Código Penal, na redação vigente à época dos fatos, cuja pena em abstrato variava de 3 (três) meses a 3 (três) anos de detenção. Com base nisso, aplica-se o prazo prescricional de 8 (oito) anos, nos termos do art. 109, inciso IV, do Código Penal. No caso concreto, o fato ocorreu em 02/10/2016 e a denúncia foi recebida em 12/08/2021. Nesse período, não transcorreu o prazo de 8 anos, razão pela qual não se reconhece prescrição com base na pena em abstrato. A seguir, verifica-se que a sentença foi prolatada em 28/02/2023, com trânsito em julgado para a acusação em março de 2023. A pena imposta foi de 1 (um) ano, 7 (sete) meses e 15 (quinze) dias, posteriormente redimensionada para 8 (oito) meses e 15 (quinze) dias. Ainda que se considere a pena concretizada, importante ressaltar que: Nos termos do art. 110, §1º, do Código Penal, a prescrição retroativa não pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia, ainda que a pena tenha sido reduzida em grau recursal: “§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.” (grifo nosso) Assim, inviável a contagem de prazo prescricional entre a data do fato (2016) e a data do recebimento da denúncia (2021) com base na pena em concreto, como equivocadamente sustentaram os pareceres ministeriais. Tal interpretação afronta a norma expressa no §1º do art. 110 do Código Penal. Portanto, considerando-se a pena definitiva de 8 meses e 15 dias, aplica-se o prazo prescricional de 3 anos (art. 109, VI, do CP). Todavia, entre o recebimento da denúncia (12/08/2021) e a sentença (28/02/2023) transcorreram apenas 1 ano e 6 meses, o que não configura prescrição nesse intervalo. Da mesma forma, a pretensão executória também não se encontra prescrita, pois não transcorreram ainda os 3 anos entre a sentença (ou o trânsito em julgado) e a presente data. Assim, a tese sustentada pelo Ministério Público de que a punibilidade está extinta pela ocorrência de prescrição não se sustenta diante da legislação penal vigente. A invocação da pena em concreto como marco para contagem da prescrição não autoriza retroagir tal prazo à data do fato, sendo esse raciocínio vedado expressamente pelo art. 110, §1º, do Código Penal. Dessa forma, não há que se falar em extinção da punibilidade pela prescrição, permanecendo hígida a pretensão punitiva do Estado. II – MÉRITO DO ERRO MATERIAL O Apelante alega que a sentença apresenta erro material na dosimetria da pena, pois a transcrição (ID nº 19413061) inclui quatro circunstâncias judiciais negativas, quando o correto seria três, conforme a sentença oral. Nesse sentido, requer a correção desse erro, com a exclusão de uma circunstância (personalidade), com base no artigo 494 do CPC, que permite a correção de inexatidões de ofício ou a pedido das partes. Assiste razão à defesa. O erro material é definido como uma inexatidão ou falha na sentença que não reflete corretamente a manifestação do juiz ou as circunstâncias do caso, sendo um erro evidente que pode ser corrigido a qualquer tempo, mesmo após o trânsito em julgado. Ele ocorre quando há enganos que não envolvem interpretação do direito, mas sim erros materiais de cálculo, transcrição, ou omissão de elementos, como no caso de inclusão indevida de uma circunstância judicial Conforme disposto no artigo 494 do Código de Processo Civil (CPC), o erro material pode ser corrigido a pedido das partes ou de ofício pelo juiz, a fim de garantir que a sentença reflita corretamente a realidade dos fatos e a decisão proferida. No presente caso, a transcrição da sentença (ID nº 19413061) inclui uma circunstância negativa de personalidade, considerada como “agressiva”, sendo utilizada para justificar a elevação da pena em 1/6. Contudo, conforme a gravação da sentença (ID nº 19413059), o juiz expressamente afirma que a personalidade é elementar, ou seja, não deve ser considerada como circunstância agravante. Portanto, trata-se de um erro material, que pode ser corrigido a qualquer tempo, uma vez que não implica em interpretação ou modificação do mérito da sentença, mas sim em retificação de uma falha material. Diante disso, deve ser feita a correção do erro material na dosimetria da pena, com a exclusão da circunstância de personalidade e a manutenção apenas das três circunstâncias judiciais desfavoráveis: culpabilidade, circunstâncias do crime e consequências do crime. DA ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA No mérito, o apelante argumenta que a acusação não apresentou provas suficientes para comprovar a autoria do delito, baseando-se exclusivamente no depoimento da vítima, o qual é inconsistente e não corroborado por outras testemunhas. O réu alega que a vítima, em seu depoimento, não soube precisar o que aconteceu, nem confirmou a versão apresentada na denúncia, e os depoimentos testemunhais não foram ouvidos. Ademais, o acusado destaca que o depoimento da vítima, dado sob a ótica emocional e subjetiva, deve ser analisado com cautela, pois pode apresentar distorções. Por fim, sustenta que, na ausência de provas robustas e claras sobre a autoria e materialidade do delito, deve ser aplicada a absolvição do acusado, com base no artigo 386, inciso VII, do CPP, pelo princípio do in dubio pro reo. Sem razão. Tanto a materialidade quanto a autoria delitiva do crime de lesão corporal qualificada restaram plenamente configuradas. A primeira, pelas provas colacionadas a exordial – inquérito policial, ID nº 19413040, pág. 1; boletim de ocorrência, ID nº 19413040, pág. 25; e laudo pericial, ID nº 19413040, pág. 7 – e a segunda, principalmente, pela prova oral colhida em juízo. Dito isso, vejamos o que foi relatado em juízo: A vítima, Leudimar Rodrigues de Oliveira, declarou em juízo que: "Que, no dia, se não me engano, havia sido dia de eleição. Que tínhamos saído e retornamos para casa, parece que foi dia de eleição. Que quando chegamos em casa, nos desentendemos e começou a agressão verbal. Que ele pegou e saiu. Que, quando voltou, veio para cima de mim. Que os vizinhos chegaram, apartaram a situação, e a viatura foi chamada e esteve no local. Que ele se evadiu. Que fui ao hospital e recebi atendimento médico. Que voltei para casa. Que, três dias depois, fiz o exame de corpo de delito e solicitei a medida protetiva. Que realmente havia dito algo no calor do momento que o desagradou, chamando-o de 'corno', mas que nunca o traí, e a ofensa foi apenas uma reação impulsiva. Que, após essa fala, por ele não ter gostado, ele voltou, estacionou a moto e partiu para cima de mim, desferindo agressões físicas. Que tentei fugir, mas caí ao chão, momento em que ele passou a me agredir com tapas, puxões de cabelo e socos, atingindo principalmente minha cabeça e meu rosto de forma repetida. Que devido a ter corrido e caído, fiquei com um ferimento no joelho. Que descreveu os golpes como intensos e numerosos, a ponto de não conseguir se recordar da quantidade exata, mas afirmou que seu olho ficou roxo por vários dias. Que, além disso, Francisco teria quebrado seu celular antes de iniciar as agressões. Que ficou com hematomas visíveis por aproximadamente 15 dias. Que chegou a ficar uma semana afastada do trabalho, onde trabalhava como vendedora. Que, por ser uma loja da família, teve apoio e solidariedade. Que, depois de muito tempo, chegaram a conversar. Que, após essa agressão, retomaram o relacionamento e tiveram um filho. Que, em decorrência do ocorrido, decidiu deixar a residência e passou a morar com sua mãe. Que já haviam ocorrido discussões anteriores entre eles. Que, no dia dos fatos, ambos haviam consumido bebida alcoólica. Por fim, informou ter solicitado medidas protetivas de urgência, as quais foram devidamente deferidas" Francisco Wilson Vieira, ouvido em Juízo, relatou em seu interrogatório o seguinte: "Que aconteceu a briga. Que cheguei bêbado e não lembro de muita coisa. Que não me recordo de nada disso. Que acho que ela não teria motivo para inventar, mas, na verdade, não sei. Que me separei por conta dessa briga. Que só lembro que cheguei em casa e a briga começou. Que as brigas não eram frequentes. Que já brigamos, mas para acontecer isso, esse tipo de briga aí, que ela falou que eu a agredi, não. Que bebo no final de semana. Que não fico agressivo quando bebo. Que, depois de três meses, voltamos a ter contato e a nos relacionar. Que, quando chegamos em casa, só estávamos eu e ela. Que não lembro o que ocorreu naquele dia. Que estávamos bebendo juntos. Que me arrependo do fato e já pedi desculpas para ela várias vezes. Que não sabia nem que tinha medida protetiva, que chegou uma vez uma notificação, mas eu nem sabia o que era, e ela nem mesmo me comunicou" Nesse contexto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é pacífica ao reconhecer a relevância e a força probatória da palavra da vítima nos crimes de violência doméstica, especialmente porque tais delitos ocorrem, quase sempre, na clandestinidade, afastado do olhar de testemunhas, o que torna difícil a existência de prova testemunhal direta. Nesse contexto, os depoimentos da vítima adquirem especial valor quando são coerentes, consistentes e respaldados por outros elementos probatórios, exatamente como ocorre no presente caso, em que são amparados pelo laudo do exame de corpo de delito. Nesse sentido : AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL. PALAVRA DA VÍTIMA NA FASE DO INQUÉRITO CORROBORADA PELA PROVA PERICIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 155 DO CPP. INVERSÃO DO ACÓRDÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. “A jurisprudência desta Corte Superior orienta que, em casos de violência doméstica, a palavra da vítima tem especial relevância, haja vista que em muitos casos ocorrem em situações de clandestinidade” ( HC 615.661/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 30/11/2020). 2. “Perícias e documentos, mesmo produzidos na fase do inquérito policial, constituem-se efetivamente em prova, com contraditório postergado para a ação penal, sem refazimento necessário na ação penal” ( AgRg no AREsp n. 1.704.610/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 20/10/2020, DJe de 26/10/2020). 3. Hipótese em que a condenação foi lastreada não apenas nas declarações da vítima, prestadas na fase policial, mas também na prova pericial, de contraditório postergado, que atestou a lesão de natureza leve narrada na denúncia, de forma que não se verifica contrariedade ao art. 155 do CPP. Outrossim, a pretendida revisão do julgado demanda reexame de provas, o que esbarra na Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 2123567 SP 2022/0139598-9, Relator: OLINDO MENEZES, Data de Julgamento: 25/10/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/10/2022) Por conseguinte, a alegação de que "não restou confirmado em juízo a alegação da vítima sobre ter sido agredida dentro da sua residência, em cima da cama" não se sustenta diante das provas constantes nos autos. No inquérito policial, a vítima relatou de forma clara que, após um desentendimento com o agressor, foi agredida fisicamente e verbalmente enquanto estava na cama, ocasião em que conseguiu sair para fora da residência, onde continuou sendo agredida com tapas e socos, chegando a ser derrubada no chão. Essa narrativa não apenas se mantém íntegra, como é corroborada pelo depoimento prestado em juízo, onde a vítima descreveu que, após o desentendimento, Francisco saiu do local, mas retornou minutos depois e, ao estacionar a moto, partiu para cima dela, desferindo agressões físicas. Tentou fugir, mas caiu ao chão, momento em que as agressões se intensificaram, com tapas, puxões de cabelo e socos, atingindo principalmente sua cabeça e seu rosto de forma repetida. O laudo pericial de ID nº 19413040 confirma a materialidade da violência, descrevendo a presença de uma mancha equimótica roxa na coxa esquerda e escoriações no joelho, ambas compatíveis com agressões. O exame concluiu que houve ofensa à integridade física da vítima, reforçando a credibilidade do relato prestado tanto no inquérito quanto em juízo. Portanto, não há contradição ou ausência de confirmação da agressão dentro da residência. O que se verifica é a coerência do relato da vítima, que detalha a progressão da violência desde o interior da casa até o lado de fora. A tentativa de desqualificar sua versão sob o argumento de falta de confirmação em juízo não resiste à análise conjunta do depoimento, do inquérito e das provas periciais, que demonstram de forma inequívoca a dinâmica das agressões. Com base no exposto, colaciono as seguintes jurisprudências: ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA GABINETE DO DES. PAULO DA CUNHA GABINETE DO DES. PAULO DA CUNHA APELAÇÃO CRIMINAL (417) APELANTE: GILBERTO SILVA DE PAULA APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO EMENTA APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LESÃO CORPORAL – ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL – PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – PROVA SUFICIENTE DA AUTORIA E DA MATERIALIDADE DELITIVAS – RELEVANTE PALAVRA DA VÍTIMA – LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO – CONDENAÇÃO MANTIDA – PLEITO DE ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS – PREJUDICADO – BENEFÍCIO JÁ CONCEDIDO NA SENTENÇA CONDENATÓRIA – RECURSO NÃO PROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL . Nos crimes de violência doméstica que, na maioria das vezes, são cometidos sem a presença de qualquer testemunha, a palavra da vítima tem grande relevância e destaque, sendo suficiente para sustentar a condenação, ainda mais, se corroborada pelo laudo de exame de corpo de delito. (TJ-MT - APR: 10006973520218110018, Relator.: PAULO DA CUNHA, Data de Julgamento: 21/03/2023, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 24/03/2023) APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (ART. 129, § 9º, DO CP). DANO QUALIFICADO (ART . 163, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DO CP). INOBSERVÂNCIA DO ENUNCIADO Nº 50 DO FONAVID. NÃO OCORRÊNCIA. ENUNCIADOS NÃO VINCULANTES . AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A LESÃO SOFRIDA. RECONHECIMENTO DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR AO CRIME DE DANO. INVIABILIDADE . CRIME PERPETRADO COM VIOLÊNCIA. APELAÇÃO CONHECIDA E NÃO PROVIDA. 1 – Ao analisar as razões expostas, tenho que a pretensão recursal não merece prosperar, pois a condenação está fundamentada em elementos de convicção legítimos, carreados nas fases inquisitoriais e judiciais. 2 – É sabido que os Enunciados do FONAVID não possuem efeito vinculante, tampouco, têm natureza de observância obrigatória, servindo, apenas, como meras orientações ou diretrizes aos Magistrados sobre como aplicar a Lei Maria da Penha . 3 - A despeito dos argumentos suscitados pela Defesa, o compulsar dos autos revela que a materialidade dos delitos restou comprovada pelo Laudo de Exame de Corpo de Delito, documentos anexos e pelo Termo de Declaração, onde a vítima informou que o apelante desferiu um soco em seu rosto e destruiu o aparelho celular. A autoria, por sua vez, é certa e recai sobre o apelante. 4 – Resta bem caracterizado o delito lesão corporal, em cenário de violência doméstica, porquanto o Exame de Corpo de Delito atestou a presença de lesão corporal, a qual estabelece nexo causal com os relatos da ofendida em sede inquisitiva. 5 - Outrossim, nos delitos de violência doméstica em âmbito familiar, a palavra da vítima recebe considerável ênfase, sobretudo quando corroborada por outros elementos probatórios . 6 - Noutro giro, quanto ao pedido de absolvição do crime de dano qualificado, sob o fundamento de ausência de materialidade, inviável acolher a tese defensiva, mesmo que inexista laudo pericial, impende frisar que restou demonstrado o dano pelas fotografias colacionadas, associadas às declarações da vítima e do réu em juízo. 7 – Consoante o disposto no art. 16 do CP, não cabe a aplicação de arrependimento posterior em crimes praticados com violência ou grave ameaça contra a pessoa, como é o caso do dano qualificado, previsto no inciso I, do parágrafo único, do artigo 163, do CP. 8 - Apelação Criminal CONHECIDA E DESPROVIDA . (TJ-AM - APR: 00003936620208042901 Beruri, Relator.: Carla Maria Santos dos Reis, Data de Julgamento: 15/10/2023, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 15/10/2023) Dessa forma, a negativa de autoria apresentada pelo apelante em sede recursal se revela isolada nos autos, uma vez que não há qualquer prova documental capaz de infirmar a narrativa acusatória ou, ao menos, gerar dúvida razoável sobre a dinâmica dos fatos. O próprio interrogatório do réu, em juízo, reforça essa conclusão. Ao afirmar que "chegou bêbado e não lembra de muita coisa" e que "não se recorda do ocorrido", o réu não apresenta uma negativa contundente das agressões, limitando-se a uma incerteza sobre os fatos. Além disso, ao declarar que "acha que a vítima não teria motivo para inventar nada, mas, na verdade, não sabe", ele não desqualifica de maneira concreta a versão da vítima, deixando sua própria defesa enfraquecida diante da ausência de uma contestação firme e fundamentada. Importante destacar que a ausência de testemunhas oculares diretas não é suficiente para afastar a condenação, especialmente em delitos de violência doméstica, que usualmente ocorrem em ambiente privado e afastado da presença de terceiros. Nessa linha, a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça reconhece que a palavra da vítima, quando firme, coerente e respaldada por outros elementos probatórios, possui especial relevância na formação do convencimento judicial, conforme já exposto. No presente caso, a versão da vítima não se mostrou contraditória ou infundada. Pelo contrário, suas declarações foram coerentes e encontram respaldo no laudo pericial, que atestou a presença de lesões compatíveis com a agressão narrada. A materialidade restou, portanto, devidamente comprovada pelos exames médicos e demais documentos constantes dos autos. Assim, os elementos informativos colhidos na fase inquisitorial foram confirmados na fase judicial, sem qualquer violação ao disposto no artigo 155 do Código de Processo Penal. O conjunto probatório é coeso, harmônico e suficiente para embasar a condenação, não havendo que se falar em insuficiência de provas ou em aplicação do princípio do in dubio pro reo. Logo, observa-se que a negativa de autoria do delito e sua materialidade encontram-se dissociadas do conjunto probatório, não passando de meras alegações, nos termos do que dispõe o artigo 156 do CPP. Não há, pois, cogitar da deficiência probatória aventada pela defesa. Ademais, não foi demonstrado nenhum vestígio de conflito entre o jus puniendi do Estado e o jus libertatis do apelante para fazer prevalecer o interesse do acusado (in dubio pro reo). O conjunto probatório apresentado pela acusação, com poder de persuasão, demonstrou a responsabilidade do apelante na prática do fato delituoso em exame, de modo que o juiz a quo, sem qualquer hesitação, constatou a autoria e a materialidade do crime Inexiste espaço, portanto, para absolvição, seja porque as provas corroboram a materialidade e autoria do crime cometido pelo apelante, seja porque não se vislumbra qualquer motivação para a absolvição do recorrente. Dessa forma, deve ser afastada a tese absolutória sustentada pela defesa, mantendo-se a condenação do réu nos exatos termos da sentença recorrida. DA DOSIMETRIA DA PENA O apelante sustenta que a culpabilidade não deve ser considerada grave na primeira fase da dosimetria da pena, pois a alegação de que a vítima sofreu uma quantidade excessiva de golpes não é corroborada por provas objetivas além do depoimento da própria vítima. A defesa destaca que o depoimento da vítima, influenciado por sentimentos de medo e raiva, pode não refletir com precisão a realidade dos fatos, podendo ser distorcido por emoções ou outros fatores. Assim, o Apelante solicita a revisão da sentença, com a exclusão da apreciação negativa da culpabilidade e o consequente aumento da pena-base. No que se refere às consequências do crime, o apelante argumenta que a consideração delas como desfavoráveis na dosimetria da pena foi inadequada. Ele afirma que as lesões resultantes da agressão são inerentes ao tipo penal de lesão corporal e, portanto, não devem ser usadas como circunstância agravante, pois são consequências previsíveis do delito, especialmente em agressões à face. Além disso, destaca que a própria vítima não apresentou traumas duradouros e voltou a se relacionar com o réu meses depois, o que demonstra a ausência de consequências graves do crime. O Apelante defende que a fundamentação do Juízo foi inadequada, configurando bis in idem, e solicita a exclusão das consequências do crime como circunstância negativa, com a consequente redução da pena. Por fim, o apelante questiona a valoração negativa da circunstância do crime, com base na vulneração do lar, alegando que o tipo penal de lesão corporal previsto no artigo 129, §9º, já pressupõe o convívio dentro do domicílio. A defesa sustenta que, ao considerar a violação do lar como circunstância desfavorável, o Juízo aplicou a mesma fundamentação duas vezes, configurando bis in idem, o que viola o princípio do non bis in idem. Além disso, o Apelante afirma que as agressões ocorreram fora do domicílio, o que torna irrelevante a inviolabilidade do lar como agravante. Assim, solicita a exclusão dessa circunstância e a consequente redução da pena-base. Pois bem Sabe-se que a individualização da pena é uma atividade na qual o julgador está vinculado aos parâmetros abstratamente cominados pela lei, sendo-lhe permitido, entretanto, atuar discricionariamente na escolha da sanção penal aplicável ao caso concreto, desde que haja um exame detalhado dos elementos do delito e uma decisão devidamente fundamentada. Assim, ressalvadas as hipóteses de manifesta ilegalidade e arbitrariedade, é inadmissível às Cortes Superiores revisar os critérios adotados na dosimetria da pena. Na primeira fase, em que são considerados os parâmetros previstos no art. 59 do Código Penal, o juízo sentenciante fixou a pena-base em 4 (quatro) meses e 6 (seis) dias de detenção, após valorar negativamente os vetores culpabilidade, antecedentes, consequências e motivos do crime. Nesta etapa, como já mencionado, a defesa alegou que a valoração das circunstâncias da culpabilidade, das consequências e dos motivos do crime foi realizada de forma equivocada. Passo, então, à análise. A culpabilidade refere-se à censurabilidade da conduta e ao grau de reprovabilidade social da ação praticada. A atribuição de uma avaliação negativa ou censurável exige uma análise criteriosa, fundamentada em elementos probatórios concretos que a justifiquem. No caso, a instância antecedente assim considerou “ Exacerbada. Além dos golpes na cabeça, região vital da vítima, eles ocorreram em quantidade demasiada. Bastava um golpe para caracterizar e consumar o tipo descrito no art. 129, §9º, do Código Penal, mas, segundo a vítima, foram golpes incontáveis, sequer consegue recordar quantos foram os socos, tapas e puxões de cabelo de acordo com ela e com o laudo. Portanto, reprovabilidade acentuada. Razão pelo qual eleva-se a pena em 1/6 (um sexto).” Verifico que agiu corretamente o magistrado ao valorar de forma negativa a culpabilidade do réu, pois deve ser reconhecida a gravidade acentuada da conduta do acusado uma vez que, tal comportamento evidencia uma reprovabilidade elevada, que extrapola os limites do desvalor já considerado pelo tipo penal. A intensidade, a repetição e a escolha das regiões atingidas demonstram não apenas o dolo na agressão, mas um grau de perversidade que justifica, de forma idônea, a majoração da pena-base. Quanto às circunstâncias do crime, estas dizem respeito a elementos externos que, embora não integrem diretamente a tipificação do delito, influenciam na sua gravidade. Envolvem fatores como o estado de ânimo do agente, o local da ação delituosa, a duração do ato, as condições e o modo de execução, o objeto utilizado, dentre outros aspectos relevantes. In casu, a respectiva circunstância foi valorada sob o seguinte fundamento “Desfavoráveis. O fato foi perpetrado no interior do domicílio do casal, em vulneração à cláusula do lar; em utilização de garantia constitucional que é concebida justamente para proteção do indivíduo, com meio justamente de impedir e dificultar apuração do fato. Perpetrou a conduta no interior do recinto do casal, onde a vítima deveria se sentir segura. Motivo pelo qual é maior reprovabilidade do comportamento. Eleva-se a pena em mais 1/6 (um sexto).” Contudo, tal entendimento não se sustenta, uma vez que o contexto de violência doméstica naturalmente pressupõe a ocorrência dos fatos no ambiente doméstico. Assim, a utilização desse fator como fundamento autônomo para majorar a pena implica bis in idem, já que o ambiente doméstico constitui justamente o núcleo da proteção penal conferida à vítima nesse tipo de crime. Nesse sentido, para que haja valoração negativa válida das circunstâncias do crime, seria necessário demonstrar elemento concreto adicional que agrave a censurabilidade da ação, o que não se verifica no caso concreto. Ausente tal excepcionalidade, impõe-se o afastamento da majoração da pena sob esse fundamento, sob pena de afronta aos princípios da legalidade e da individualização da pena. Dessa forma, afasto a valoração negativa dessa circunstância judicial das circunstâncias do crime, pois a justificativa apresentada não se sustenta. No tocante às consequências do crime, esta diz respeito aos danos causados pela infração, que podem ser de ordem material ou moral. Quanto a esta vetorial, o juízo a quo assim fundamentou: “Consequências do crime Desfavoráveis. A vítima narrou lesões aparentes, inclusive nos olhos. Disse que é pessoa que trabalha com vendas o que fez que o constrangimento somente não fosse maior, porque a sensibilidade dos donos do negócio permitiu que ela tirasse um período de uma semana de para se recuperar e ainda assim, ela disse que as lesões permaneceram por 15 dias, uma semana após sua volta ao trabalho. Motivo pelo qual as consequências são desfavoráveis. Eleva-se a pena em mais 1/6 (um sexto).” Ocorre que, verifica-se que incorreu em equívoco uma vez que, embora as lesões sofridas pela vítima estejam descritas no laudo pericial, não há nos autos qualquer comprovação de que tais lesões extrapolaram os limites próprios do tipo penal de lesão corporal leve. A caracterização desse delito já pressupõe a ocorrência de ofensa à integridade física ou à saúde, sendo, portanto, inadequado utilizar suas consequências como fundamento para agravar a pena-base. Ademais, a própria narrativa da vítima evidencia que, apesar do desconforto e do constrangimento experimentados, ela conseguiu retornar ao trabalho após um breve período de afastamento, sem registro de sequelas permanentes ou prejuízos significativos que justificassem uma análise mais gravosa das consequências. À luz da jurisprudência: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA - NÃO VERIFICAÇÃO - DOSIMETRIA - PENA-BASE - CULPABILIDADE, MOTIVOS, CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME - DECOTE - NECESSIDADE - INERENTES AO TIPO - COMPORTAMENTO DA VÍTIMA - FAVORÁVEL AO RÉU - VERIFICAÇÃO - AGRAVANTE - MOTIVO TORPE - DECOTE - RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - NECESSIDADE - SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA - CONCESSÃO - DETRAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. Não há que se falar em culpa exclusiva da vítima quando o réu poderia ter agido de forma diversa para evitar que o crime acontecesse. A pena deve ser revista e consequentemente reduzida, quando sua fixação não observa indicações concretas das provas que fundamentaram sua decisão e baseia-se em circunstâncias inerentes ao tipo penal. Não extrapolando os limites do tipo, a culpabilidade, compreendida como o juízo de reprovabilidade do comportamento do agente, não pode ser valorada negativamente. Considerando que os motivos determinantes à prática do delito não fogem aos comuns à espécie é de rigor a redução da pena-base. Quando a circunstância do delito citada pelo d. sentenciante foi somente o que ocasionou a lesão corporal, não há que se falar em exasperação da pena base, visto que não extrapolou os limites do tipo. Não existindo nos autos comprovação de que a lesão corporal resultou em incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias, as consequências do crime devem ser mantidas neutras. Considerando que a vítima se jogou parcialmente dentro do carro do acusado, o comportamento dela deve ser considerado favorável ao réu, por ter facilitado que a lesão corporal ocorresse. Imperioso o reconhecimento da confissão espontânea, ainda que parcial, quando usada para fundamentação da condenação. Tendo os fatos ocorridos dentro do que prevê o delito de lesão corporal, não há que se falar na agravante de motivo torpe. Preenchidos os requisitos do art. 77 do Código Penal, cabível a concessão da suspensão condicional da pena. A detração apenas é aplicável, no momento da condenação, quando possuir o condão de abrandar o regime prisional. (TJ-MG - APR: 00003577320198130778 Arinos, Relator: Des.(a) Valéria Rodrigues Queiroz, Data de Julgamento: 28/09/2022, 9ª Câmara Criminal Especializa, Data de Publicação: 30/09/2022). Assim, neutralizo também essa circunstância. Em razão dos argumentos acima expendidos, passo à nova dosimetria da pena: O apelante foi condenado pela prática dos delitos previstos no art. 129, §9° e no art. 163, I e IV, ambos do Código Penal: CÓDIGO PENAL Lesão corporal Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: […] Violência Doméstica § 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Anterior a alteração legislativa de 2024) 1ª FASE: Fixação da pena-base a) Culpabilidade: A culpabilidade deve ser considerada negativa devido à gravidade da conduta do réu, que agiu com extrema agressividade, desferindo vários golpes à cabeça e ao rosto da vítima, o que demonstra elevado dolo e desumanidade. b) Antecedentes: O réu não possui maus antecedentes. c) Conduta Social: Não há elementos negativos que justifiquem uma valoração desfavorável, sendo neutra. d) Personalidade: Não há elementos suficientes nos autos para uma valoração negativa da personalidade do réu. e) Circunstâncias do crime: A agressão ocorreu no ambiente doméstico, o que é inerente aos crimes de violência doméstica. f) Consequências do crime: As consequências não devem ser vistas como negativas, pois as lesões não ultrapassaram o limite de lesão corporal leve. g) Motivos: Os motivos que levaram o réu a praticar o delito não se mostram mais reprováveis do que os normalmente associados a esse tipo de crime. h) Comportamento da vítima: Não há o que valorar negativamente. Assim, ao adicionar 1/6 (equivalente a 5 meses e 15 dias) para cada circunstância judicial desfavorável – no caso concreto, apenas uma --, chega-se a uma pena-base de 8 (oito) meses e 15 (quinze) dias de detenção. 2ª FASE: Das circunstâncias agravantes e atenuantes Inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes. Portanto, a pena intermediária permanece estabelecida em 8 (oito) meses e 15 (quinze) dias de detenção. 3ª FASE: Das causas de aumento e de diminuição Inexistem causas de aumento ou de diminuição. Desse modo, fixo a pena definitiva da acusada em 8 (oito) meses e 15 (quinze) dias de detenção. Assim, a nova pena do réu fica fixada 8 (oito) meses e 15 (quinze) dias de detenção, mantenho o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade o ABERTO (art. 59 c/c art. 33, § 1º, “c”, § 2º, “c”e 3º do Código Penal). Outrossim, como bem pontuado pelo Magistrado a quo, não é possível aplicar a substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direito, tendo em vista que o crime foi praticado mediante violência, tratando-se de lesão corporal dolosa, não estando preenchido o requisito do art. 44, I do Código Penal. Ademais, conforme Súmula 588 do STJ, é incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando o delito é cometido praticado em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, in verbis: Súmula 588: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Outrossim, no caso concreto, fica impedida a concessão do sursis (art. 77, II, do CP), notadamente pelo fato de as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP não lhe serem totalmente favoráveis. Corroborando com o exposto, colaciono as seguintes jurisprudências: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO CORPORAL CONTRA COMPANHEIRA. ABSOLVIÇÃO POR LEGÍTIMA DEFESA . NEGA. 1) Resultando das provas dos autos a certeza da conduta ilícita do apelante, concernente à prática do crime de lesão corporal em âmbito doméstico, não há como ser acolhido o pleito absolutório, nem a desclassificação para a forma culposa (artigo 129, § 6º, CP). DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL CULPOSA. IMPOSSIBILIDADE . 2) Indicando as provas dos autos que o agressor empreendeu força física desproporcional na suposta reação à provocação da vítima, inviável o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa. REDUÇÃO DA PENA-BASE. CONCESSÃO PARCIAL 3) O cometimento do crime sob efeito de bebida alcoólica e na presença do filho menor justifica o incremento da pena relativamente aos vetores da culpabilidade e das circunstâncias do delito. Entretanto, não observado o critério fixado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, da aplicação da fração de 1/6 da sanção abstrata mínima para cada vetorial negativa, imperiosa a minoração da reprimenda . APLICAÇÃO DA SURSIS NÃO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS. 4) O recorrente não fez jus ao benefício do sursis (art. 77 do CP), porquanto as instâncias ordinárias indicaram a circunstância judicial desfavorável e a violência doméstica contra a mulher. ISENÇÃO DE CUSTAS PROCESSUAIS . CONCESSÃO. 5) Faz jus ao benefício da justiça gratuita o apelante representado ao longo do tramitar processual por defensor público. EXCLUSÃO DA PENA FIXADA A TÍTULO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO . DEFERIMENTO. 6) Viável o afastamento da indenização a título de danos morais, porquanto não houve pedido expresso da acusação, nos termos do art. 387, IV, do CPP. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA . (TJ-GO - APR: 04534489720138090175 GOIÂNIA, Relator.: Des(a). DESEMBARGADOR NICOMEDES DOMINGOS BORGES, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: (S/R) DJ) (Sem grifo no original) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA . DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PERSONALIDADE E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE . PLEITO DE SUSPENSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, NOS TERMOS DO ART. 77 DO CP. INVIABILIDADE. 1 . No tocante à suposta ausência de fundamentação idônea para a exasperação da basal, vale registrar que, nos termos do art. 59 do Código Penal, o magistrado sentenciante deve efetuar a dosimetria da pena "atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima". 2. Não prospera a arguida ilegalidade quanto à exasperação da pena-base, pois declinou-se motivação suficiente para o demérito da personalidade e das circunstâncias do delito . Com efeito, no presente caso, extrai-se que as instâncias ordinárias elevaram a pena-base levando em consideração o maior grau de reprovabilidade da personalidade, tendo em vista a agressividade do acusado, ressaltando-se os diversos conflitos no convívio familiar, inclusive outras ameaças à vítima, bem como o fato de que o recorrente, desconsiderando as medidas protetivas que a vítima tinha a seu favor, voltou a ameaçá-la; e as circunstâncias do crime, pois o recorrente prometeu matar o avô da ofendida caso ela fosse visitá-lo, na tentativa de restringir a liberdade e o contato familiar da vítima. 3. "Segundo dispõe o art. 77 do Código Penal, que trata sobre a suspensão condicional da pena, o benefício exige o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: I) o condenado não seja reincidente em crime doloso, II) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III) não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art . 44 deste Código" (HC 370.181/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/10/2016, DJe 20/10/2016). 4. No caso dos autos, o agravante não preencheu um dos requisitos previstos no art . 77 do Código Penal, para fazer jus à benesse da suspensão condicional da pena, uma vez que há duas circunstâncias judiciais valoradas negativamente. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no AgRg no AREsp: 1965392 CE 2021/0263410-6, Relator.: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 07/11/2023, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/11/2023)(Sem grifo no original) DO QUANTUM DE EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE Ademais, quanto à alegação de que o critério da fração mais benéfica atende aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, e, por isso, no caso em questão, deve ser redimensionada a pena-base para aplicar a fração de 1/6 para cada circunstância judicial negativa sobre a pena mínima do delito, tal entendimento não merece acolhimento. Isso porque a individualização da pena é uma atividade na qual o julgador está vinculado aos parâmetros abstratamente cominados pela lei, sendo-lhe permitido, contudo, atuar discricionariamente na escolha da sanção penal aplicável ao caso concreto, desde que o faça mediante exame percuciente dos elementos do delito e em decisão devidamente motivada. Logo, a apreciação das circunstâncias judiciais não constituem mera operação aritmética, na qual se atribuem pesos absolutos a cada uma delas, mas sim dizem respeito a um exercício de discricionariedade, restando ao julgador o dever de pautar-se pelo princípio da proporcionalidade, razoabilidade e senso de justiça. A esse respeito, o STJ já se manifestou nos seguintes termos: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CORRUPÇÃO ATIVA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A dosimetria da pena deve ser feita seguindo o critério trifásico descrito no art. 68, c/c o art. 59, ambos do Código Penal - CP, cabendo ao Magistrado aumentar a pena de forma sempre fundamentada e apenas quando identificar dados que extrapolem as circunstâncias elementares do tipo penal básico. 2. A jurisprudência desta Corte Superior permite a utilização de critério diverso de 1/6 ou de 1/8 entre a diferença do mínimo e do máximo da pena utilizada a fim de delimitar a fração a ser aplicada.Na análise dos autos, houve fundamentação concreta para o aumento da pena-base em percentual superior a 1/6, porquanto o delito de corrupção ativa viabilizou o cometimento de crimes mais graves pela paciente e os demais corréus, os quais associaram-se para a prática do tráfico de grande quantidade de entorpecentes. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 851.788/GO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 10/6/2024, DJe de 12/6/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. ABSOLVIÇÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. AUMENTO DE 1/8 PARA CADA VETORIAL DESFAVORÁVEL. DESPROPORCIONALIDADE NÃO EVIDENCIADA. AUSÊNCIA DE CRITÉRIO MATEMÁTICO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O Tribunal a quo, motivadamente, justificou a aplicação da fração que entendeu cabível para majorar os dois vetores negativados, sendo que a jurisprudência desta Corte Superior permite a utilização de critério diverso de 1/6 ou de 1/8 entre a diferença entre o mínimo e o máximo da pena utilizado a fim de delimitar a fração a ser aplicada. 2. O refazimento da dosimetria da pena em habeas corpus tem caráter excepcional, somente sendo admitido quando se verificar de plano e sem a necessidade de incursão probatória, a existência de manifesta ilegalidade ou abuso de poder, o que não ocorre no caso concreto. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 875.241/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 24/5/2024.) Portanto, verifica-se que o percentual utilizado para aumentar a pena na primeira fase da dosimetria não merece reparos, pois está de acordo com o aceito pelos Tribunais Superiores e pela doutrina vigente, além de estar devidamente fundamentado pelo Juiz a quo. III – DISPOSITIVO Isso posto, e em dissonância com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, voto pelo conhecimento do recurso e pelo seu parcial provimento, a fim de corrigir o erro material constante na sentença, excluindo a valoração negativa da circunstância judicial relativa à personalidade do réu, bem como afastando a valoração negativa das circunstâncias e consequências do crime, redimensionando a pena-base e fixando ao final a pena do apelante em 8 (oito) meses e 15 (quinze) dias de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, mantendo-se, no mais, a sentença em todos os seus demais termos. É como voto. DECISÃO: Acordam os componentes do(a) 2ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, por unanimidade, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Relator(a). Participaram do julgamento os(as) Excelentíssimos(as) Senhores(as) Desembargadores(as): JOAQUIM DIAS DE SANTANA FILHO, JOSE VIDAL DE FREITAS FILHO e Exma. Sra. Dra. VALDÊNIA MOURA MARQUES DE SÁ - juíza convocada (Portaria/Presidência 116/2025) . Acompanhou a sessão, o(a) Excelentíssimo(a) Senhor(a) Procurador(a) de Justiça, ANTONIO DE MOURA JUNIOR. SALA DAS SESSÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ, em Teresina, 23 de abril de 2025. Des. Joaquim Dias de Santana Filho Relator
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