Processo nº 0029731-09.2022.8.27.2729
ID: 276588397
Tribunal: TJTO
Órgão: Vara de Execuções Fiscais e Saúde de Palmas
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 0029731-09.2022.8.27.2729
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Passivo:
Advogados:
DANIEL DE SOUSA FERREIRA
OAB/SP XXXXXX
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Mandado de Segurança Cível Nº 0029731-09.2022.8.27.2729/TO
AUTOR
: ROJAS & ROJAS COMERCIO DE APARELHOS NAUTICOS LTDA
ADVOGADO(A)
: DANIEL DE SOUSA FERREIRA (OAB SP322350)
SENTENÇA
Trata-se de
MAND…
Mandado de Segurança Cível Nº 0029731-09.2022.8.27.2729/TO
AUTOR
: ROJAS & ROJAS COMERCIO DE APARELHOS NAUTICOS LTDA
ADVOGADO(A)
: DANIEL DE SOUSA FERREIRA (OAB SP322350)
SENTENÇA
Trata-se de
MANDADO DE SEGURANÇA
com pedido de liminar impetrado por
ROJAS & ROJAS COMERCIO DE APARELHOS NÁUTICOS LTDA.
, devidamente qualificada nos autos, por intermédio de advogado legalmente constituído, em face de suposto ato ilegal atribuído ao
DELEGADO REGIONAL TRIBUTÁRIO
.
Narra a inicial que a parte impetrante no exercício das suas atividades comercializa produtos para consumidores finais não contribuintes situados no Estado do Tocantins, no qual se submete ao recolhimento do ICMS DIFAL.
Relata que no julgamento do Tema 1093 da Repercussão Geral o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da regulamentação da cobrança do Diferencial de Alíquota do ICMS (ICMS-DIFAL) pelo CONFAZ e aponta que em 05/01/2022 foi publicada a Lei Complementar n° 190/2022 para dispor acerca do referido tributo.
Assevera ainda a necessidade de observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal contados a partir da Lei Complementar n° 190/2022 para cobrança do tributo no território nacional.
Ao final, requer a concessão da segurança para declarar a inexigibilidade do ICMS-DIFAL, referentes às competências de janeiro a dezembro, do ano de 2022, e, com os depósitos judiciais efetivamente comprovados, a Impetrante requer, ainda, o direito ao levantamento final dos citados valores depositados, transformando-os em receita da Impetrante, além da declaração judicial ao direito à compensação (Súmula 213 – STJ), dos valores eventual e efetivamente pagos a título de ICMS-DIFAL, referentes às competências de janeiro a dezembro, do ano de 2022.
A análise do pedido de antecipação da tutela foi postergada, nos termos da decisão proferida no
evento 12, DECDESPA1
, em razão de ordem judicial proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins.
O Estado do Tocantins requereu o ingresso no feito, ocasião na qual suscitou que o objetivo da EC n° 87/2015 foi corrigir os desequilíbrios econômicos existentes entre as Unidades Federativas; defendeu a validade da legislação estadual anterior à LC n° 190/2022; asseverou a inaplicabilidade dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal para cobrança do ICMS-DIFAL; teceu ponderações acerca dos impactos da impossibilidade de cobrança do tributo; e por fim sustentou a existência de fundamentos constitucionais para cobrança do DIFAL (
evento 18, MANIFESTACAO1
).
A autoridade apontada como coatora foi devidamente notificada (
evento 27, CERT2
).
Sobreveio decisão que determinou a suspensão do feito até o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n°
7066, 7070, 7075 e 7078 (
evento 34, DECDESPA1
).
Intimadas para se manifestar acerca do julgamento das ADI's, a parte impetrante requereu a manutenção da suspensão até o trânsito em julgado das ADI's 7066 e 7070 (
evento 52, PET1
), enquanto o Estado do Tocantins ratificou seus argumentos e suscitou a ausência de interesse de agir da parte impetrante em relação ao período de janeiro à março de 2022 por ausência de cobrança voluntária do ICMS-DIFAL (
evento 54, MANIFESTACAO1
).
O Ministério Público se manifestou pela desnecessidade de intervenção no feito (
evento 55, PAREC1
).
Os autos vieram conclusos para julgamento.
É o relato do essencial.
DECIDO
.
FUNDAMENTOS
O artigo 5°, inciso LXIX, da Carta Política e o artigo 1°, da Lei 12.016/09, que disciplinam o mandado de segurança, assim dispõem:
Art. 5º LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
Art. 1° Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas corpus" ou "habeas data", sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
É esclarecedora a doutrina de Humberto Theodoro Júnior (In O Mandado de Segurança segundo a Lei n. 12.016, de 07 de agosto de 2009. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pág. 3.) sobre a natureza jurídica desse remédio constitucional, consoante preleção a seguir transcrita,
in verbis
:
"O mandado de segurança não é um simples processo de conhecimento para declaração de direitos individuais. Nem se limita à condenação para preparar futura execução forçada contra o Poder Público. É procedimento especial com imediata e implícita força executiva contra atos administrativos. Acolhida a segurança impetrada, o juiz vai além da simples declaração e condenação. Expede ordem de autoridade para cumprimento imediato. Fala-se, por isso, em ação mandamental".
A concessão de segurança na ação mandamental requer a existência de direito líquido e certo que ampare a pretensão do impetrante e que esteja sendo ferido por ato ilegal ou abusivo de autoridade investida de função pública.
Em outras palavras, o direito líquido e certo deve ser cristalino, ou seja, deve saltar aos olhos por meio de prova documental pré-constituída, sem que reste qualquer sombra de dúvida a seu respeito. Por sua vez, o ato a ferir este direito deve ir contra preceito legal ou ser praticado com arbitrariedade ou abuso pela autoridade que alcunha-se de coatora.
da realização de depósitos judiciais
A parte impetrante requer a autorização para realizar depósitos judicias do montante integral, ainda que o art. 151, II do CTN autorize a referida medida, mas requer tão somente a autorização judicial, para que não sofra nenhum tipo de sanção, de natureza administrativa.
Imperioso destacar que diante das atividades desenvolvidas pela impetrante, ela está qualificada como contribuinte habitual do ICMS, ou seja, prática de forma constante e reiterada a comercialização de produtos sobre os quais incide o imposto de circulação de mercadorias, de maneira que continuamente se vê obrigada ao recolhimento do tributo.
Sob essa perspectiva, a apuração mensal do imposto pode variar de acordo com o volume de mercadorias comercializadas, o que depende da dinâmica das atividades da impetrante, razão pela qual se torna inviável determinar, com absoluta precisão, o valor efetivo do crédito tributário a ser suspenso.
Nesse sentido, os valores depositados judicialmente ao longo do trâmite processual com a finalidade a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, II, do CTN, não implicam, por si só, o reconhecimento ou a consolidação do
quantum
devido.
Além disso, o art. 156, VI, do CTN condiciona a extinção do crédito tributário à efetiva conversão dos valores depositados judicialmente em renda do ente tributante, o que pressupõe que o valor depositado corresponda, de forma inequívoca, ao montante do débito tributário. Tal condição não se encontra atendida no presente caso, tornando impossível o acolhimento do pleito da impetrante.
Revela-se necessário reforçar que o mandado de segurança é uma via estreita, a qual é apta para tutelar direitos líquidos e certos comprovados por prova meramente documentais pré-constituídas.
Assim, como a conversão dos depósitos judiciais em renda, com a consequente extinção do crédito tributário, exige a existência de certeza quanto ao valor total devido, o qual varia mensalmente, resta evidente a inadequação do pedido neste instrumento processual, o qual não comporta dilação probatória.
A propósito:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. A agravante não logrou demonstrar a existência de direito líquido e certo, uma vez que os fatos se mostram controversos e necessitam de comprovação. 2. Assim, falta à impetração a demonstração clara e inequívoca do direito alegado, sendo necessária dilação probatória ampla, a confrontar as alegações e provas colacionadas por ambas as partes. A hipótese não se coaduna com a via do mandado de segurança. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no RMS: 36414 DF 2011/0265574-9, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 24/08/2020, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/08/2020)
Nesse sentido, a medida que se impõe é o indeferimento do pedido, porquanto incabível, no caso concreto, a aferição acerca de sua correspondência com o valor devido do tributo sem dilação probatória.
MÉRITO
O cerne da controvérsia constante nos autos cinge-se quanto a análise acerca da legalidade da cobrança do Diferencial de Alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços no exercício financeiro de 2022, tendo em vista os princípios da anterioridade anual e nonagesimal considerados a partir da Lei Complementar n° 190/2022, e o consequente direito à restituição.
Pois bem.
A Emenda Constitucional n° 87 de 2015 alterou o art. 155, §2°, incisos VII e VIII, da Carta Magna para prever de forma expressa a incidência do Diferencial de Alíquota do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais não contribuintes do imposto, o qual fica ao encargo do remetente.
In verbis
:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
[...]
VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
VIII - a responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:
a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;
b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto;
Desde sua instituição, a constitucionalidade e legalidade do ICMS-DIFAL foi amplamente discutida nos tribunais pátrios e finalmente apreciada em sede de controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 1287019 (
Leading Case
do Tema 1093), cuja ementa transcrevo a seguir:
Recurso extraordinário. Repercussão geral. Direito tributário. Emenda Constitucional nº 87/2015. ICMS. Operações e prestações em que haja a destinação de bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS localizado em estado distinto daquele do remetente. Inovação constitucional. Matéria reservada a lei complementar (art. 146, I e III, a e b; e art. 155, § 2º, XII, a, b, c, d e i, da CF/88). Cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do Convênio ICMS nº 93/15. Inconstitucionalidade. Tratamento tributário diferenciado e favorecido destinado a microempresas e empresas de pequeno porte. Simples Nacional. Matéria reservada a lei complementar (art. 146, III, d, e parágrafo único, da CF/88). Cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/15. Inconstitucionalidade. 1. A EC nº 87/15 criou nova relação jurídico-tributária entre o remetente do bem ou serviço (contribuinte) e o estado de destino nas operações com bens e serviços destinados a consumidor final não contribuinte do ICMS. O imposto incidente nessas operações e prestações, que antes era devido totalmente ao estado de origem, passou a ser dividido entre dois sujeitos ativos, cabendo ao estado de origem o ICMS calculado com base na alíquota interestadual e ao estado de destino, o diferencial entre a alíquota interestadual e sua alíquota interna. 2. Convênio interestadual não pode suprir a ausência de lei complementar dispondo sobre obrigação tributária, contribuintes, bases de cálculo/alíquotas e créditos de ICMS nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto, como fizeram as cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do Convênio ICMS nº 93/15. 3. A cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/15, ao determinar a extensão da sistemática da EC nº 87/2015 aos optantes do Simples Nacional, adentra no campo material de incidência da LC nº 123/06, que estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e às empresas de pequeno porte, à luz do art. 146, inciso III, d, e parágrafo único, da Constituição Federal.
4. Tese fixada para o Tema nº 1.093: “A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”.
5. Recurso extraordinário provido, assentando-se a invalidade da cobrança do diferencial de alíquota do ICMS, na forma do Convênio nº 93/1, em operação interestadual envolvendo mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte.
6. Modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do convênio questionado, de modo que a decisão produza efeitos, quanto à cláusula nona, desde a data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI nº 5.464/DF e, quanto às cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta, a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento (2022), aplicando-se a mesma solução em relação às respectivas leis dos estados e do Distrito Federal, para as quais a decisão deverá produzir efeitos a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento (2022), exceto no que diz respeito às normas legais que versarem sobre a cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/15, cujos efeitos deverão retroagir à data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI nº 5.464/DF. Ficam ressalvadas da modulação as ações judiciais em curso.
(STF, Tema 1093, RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.287.019, RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO, REDATOR DO ACÓRDÃO: MIN. DIAS TOFFOLI, Data do Julgamento: 24/02/2021, Data da Publicação: DJE 25/05/2021) (Grifei).
Importante registar que a Suprema Corte modulou os efeitos de forma que a decisão é eficaz i)
a partir de 01/01/2022 (exercício financeiro seguinte à data do julgamento), relativamente às cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do Convênio 93/2015;
e ii)
da data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI 5.464/DF, que ocorreu em fevereiro de 2016, relativamente à cláusula nona
.
No entanto, ressalvou da modulação dos efeitos as ações judiciais em curso, o que não é o caso desta demanda, porquanto ajuizada após o julgamento do referido tema.
Em síntese, tem-se que a cobrança do DIFAL seria indevida a partir de 01/01/2022 até o advento de Lei Complementar Federal que disciplinasse a matéria.
Nesse sentido, cumpre salientar que a LC n° 190/2022, publicada em 05 de janeiro de 2022, supriu a omissão legislativa mencionada pela Suprema Corte e estabeleceu normas gerais atinentes à cobrança do DIFAL, com expressa menção à necessidade de observância da anterioridade nonagesimal prevista no art. 150, inciso III, alínea “c” da Constituição Federal.
In verbis
:
Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.
Após o advento da referida Lei Complementar, os debates se centraram na necessidade de observância ao princípio da anterioridade anual; contudo, a despeito das diversas teses apresentadas nos tribunais pátrios, a Suprema Corte reconheceu a validade da cobrança do tributo no exercício financeiro de 2022, com respeito apenas à anterioridade nonagesimal, ao julgar as ADI’s n° 7066, 7078 e 7070, senão vejamos:
Decisão:
O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta, reconhecendo a constitucionalidade da cláusula de vigência prevista no art. 3º da Lei Complementar 190, no que estabeleceu que a lei complementar passasse a produzir efeitos noventa dias da data de sua publicação, nos termos do voto do Relator
, vencidos os Ministros Edson Fachin, André Mendonça, Cármen Lúcia e os Ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que votaram em assentada anterior ao pedido de destaque. Não votou o Ministro Cristiano Zanin, sucessor do Ministro Ricardo Lewandowski. Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 29.11.2023. (Grifei).
Não se olvida ao fato de que o tema permanece objeto de polêmica e que o STF reconheceu a índole constitucional da matéria e a existência de Repercussão Geral do debate por meio do Tema 1266. Não obstante, nota-se que não houve determinação de suspensão dos processos correlatos pela Suprema Corte.
Ademais, importa mencionar que as Ações Diretas de Inconstitucionalidades já julgadas pelo Supremo constituem precedentes de observância obrigatória, nos termos do art. 927, inciso I, do Código de Processo Civil.
In verbis
:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
Por fim, impende destacar que o Ministro Dias Toffoli em seu voto no RE n° 1287019, acompanhou o voto do relator o Ministro Marco Aurélio e acrescentou o entendimento no sentido de que as leis dos estados e do Distrito Federal referentes ao tema editadas após a EC 87/2015 são válidas, apenas não produzindo efeitos enquanto não editada lei complementar nacional. Confira-se:
"Declaro, ainda, que
são válidas as leis dos estados e do Distrito Federal editadas após a EC 87/2015 que preveem o ICMS correspondente ao diferencial de alíquotas
nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto, exceto no que versarem sobre a cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/2015,
não produzindo efeitos enquanto não for editada lei complementar dispondo sobre o assunto
".
Nesse diapasão, não há que se falar em inconstitucionalidade da Lei Estadual n° 3.019/2015, que alterou a Lei Estadual n° 1.287/2001 (Código Tributário Estadual) para instituir a cobrança do ICMS-DIFAL, após a edição da EC nº 87/2015, ou seja, não é necessária a edição de nova Lei Estadual instituindo a cobrança do DIFAL nesta Unidade Federativa após a publicação da Lei Complementar n° 190/2022.
Portanto, a medida que se impõe é a procedência parcial dos pedidos formulados na peça inicial, de maneira a reconhecer a impossibilidade de cobrança do DIFAL apenas no período de 01/01/2022 a 04/04/2022, data na qual se encerrou o prazo da anterioridade nonagesimal disposto no art. 3° da LC n° 190/2022.
Nesse ponto, destaco que a impetrante logrou êxito em comprovar por meio de provas pré-constituídas a existência de cobrança do tributo no interregno temporal em que estaria vedada a sua exação (
evento 1, OUT5
e
evento 1, OUT6
), o que afasta as alegações do ente estadual acerca da ausência de cobrança.
DO DIREITO À COMPENSAÇÃO
Superada a análise acerca da legalidade da cobrança do ICMS-DIFAL e FECP no exercício financeiro de 2022, cumpre analisar o pedido de compensação tributária formulado pelas impetrantes.
Como supramencionado, a impetrante demonstrou ter recolhido valores decorrentes da cobrança dos referidos tributos, o que se constata a partir da Nota Fiscal constante nos
evento 1, OUT5
e
evento 1, OUT6
, o que lhe gera o direito à compensação da quantia paga indevidamente.
Cumpre destacar que os valores recolhidos indevidamente deverão ser corrigidos monetariamente a partir do pagamento, nos termos da Súmula 162 do Superior Tribunal de Justiça, enquanto os juros de mora só serão devidos a partir do trânsito em julgado desta sentença, nos termos da Súmula 188 da Corte Cidadã. Por sua relevância, destaco os precedentes a seguir:
Na repetição de indébito tributário, a correção monetária incide a partir do pagamento indevido. (SÚMULA 162, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/06/1996, DJ 19/06/1996, p. 21940)
Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença. (SÚMULA 188, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/06/1997, REPDJ 21/11/1997, p. 60721, DJ 23/06/1997, p. 29331)
Não se olvida ao fato de que após as alterações promovidas pela Emenda Constitucional n° 113/2021, as condenações da Fazenda Pública, independente de sua natureza, devem ser corrigidas pela Taxa Selic. Contudo, aponto ser inviável a utilização deste índice, uma vez que ele engloba a atualização monetária e os juros de mora, sendo que este último encargo financeiro não é devido até ao trânsito em julgado da sentença, conforme supramencionado.
Com efeito, destaca-se que, por critério de paridade, a Corte Cidadã definiu no julgamento do Tema Repetitivo n° 905 que a correção monetária do tributo pago indevidamente deve ser realizada com espeque no mesmo índice utilizado pela Fazenda Pública, senão vejamos:
1. Correção monetária:
o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com redação dada pela Lei 11.960/2009), para fins de correção monetária, não é aplicável nas condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza.
1.1 Impossibilidade de fixação apriorística da taxa de correção monetária.
No presente julgamento, o estabelecimento de índices que devem ser aplicados a título de correção monetária não implica pré-fixação (ou fixação apriorística) de taxa de atualização monetária.
Do contrário, a decisão baseia-se em índices que, atualmente, refletem a correção monetária ocorrida no período correspondente. Nesse contexto, em relação às situações futuras, a aplicação dos índices em comento, sobretudo o INPC e o IPCA-E, é legítima enquanto tais índices sejam capazes de captar o fenômeno inflacionário.
[...]
3.3 Condenações judiciais de natureza tributária.
A correção monetária
e a taxa de juros de mora
incidentes na repetição de indébitos tributários
devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso.
Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.
Sob essa perspectiva, destaca-se que até 30/04/2023 o Estado do Tocantins utilizava o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) para remunerar seus créditos tributários e, a partir de 01/05/2023, em razão das alterações formuladas pela Lei n. 4.148/2023, a Fazenda Pública passou a utilizar a Taxa Selic.
Impende esclarecer, nesse ponto, que a utilização da Taxa Selic pela Fazenda Pública é viável, eis que, na vigência de sua exigibilidade, incidem juros moratórios e atualização monetária sobre o crédito tributário. Doutra banda, como supramencionado, este índice não pode ser utilizado para adequação da compensação do indébito pois, repise-se, é incabível a incidência de juros até o trânsito em julgado.
A propósito:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. PRESCRIÇÃO DE PARCELAS. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. CORREÇÃO MONETÁRIA, JUROS DE MORA E ÍNDICES A SEREM ADOTADOS QUANDO DA LIQUIDAÇÃO DO JULGADO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Ao sentenciar o magistrado a quo julgou procedente a pretensão deduzida na inicial e condenou o Estado Do Tocantins, mas deixou claro o reconhecimento da prescrição de eventuais parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precedeu o ajuizamento da ação. Vê-se, pois, que o ente público carece de interesse recursal, uma vez que a sentença determina exatamente o quanto requerido - declaração da prescrição de eventuais parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precedeu o ajuizamento da ação. 2. Tanto a correção monetária quanto os juros de mora são devidos e os índices a ser adotados são os seguintes: (i) até 08/12/2021, aqueles definidos pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947/SE, Rel. Min. Luiz Fux, j. 20/09/2017 (repercussão geral), a saber, (a) em relações jurídicas não tributárias, os juros de mora devem seguir o índice de caderneta de poupança e a correção monetária, o índice do IPCA-E, e (b), em relações jurídicas tributárias, os juros de mora devem seguir o índice aplicado pela Fazenda na cobrança de seus créditos tributários e, não havendo previsão legal, a taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN) e a correção monetária, desde que não incluída no índice aplicado anteriormente (a exemplo da SELIC, que afasta a acumulação com outros índices Tema nº 905/STJ), o índice do IPCA-E; e (ii) a partir de 09/12/2021, os juros de mora e a correção monetária serão aplicados de acordo com a Emenda Constitucional nº 113/2021, a saber: nos termos do art. 3° da EC nº 113/21, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
3. No primeiro caso, o termo inicial da incidência da correção monetária é o do pagamento devido (ou indevido no caso de repetição de indébito tributário); e o termo inicial dos juros de mora é a citação nas relações jurídicas não tributárias, consoante art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação da Lei nº 11.960/09, e o trânsito em julgado no caso das relações jurídicas tributárias (art. 167, parágrafo único, CTN). No segundo caso (quando se tratar de verba devida posteriormente à entrada em vigor da EC nº 113/2021), o termo inicial de aplicação da SELIC é o do pagamento devido (ou indevido no caso de repetição de indébito), com a ressalva para as relações jurídicas tributárias, caso em que a SELIC deverá ser aplicada a partir do trânsito em julgado (art. 167, parágrafo único, CTN), aplicando-se apenas o índice de correção monetária do IPCA-E até então.
4. Recurso parcialmente conhecido e, na parte conhecida, parcialmente provido. (TJTO , Apelação Cível, 0023833-83.2020.8.27.2729, Rel. PEDRO NELSON DE MIRANDA COUTINHO , julgado em 07/08/2024, juntado aos autos em 08/08/2024 17:29:58) (Grifei).
Remessa necessária e apelação – "Ação anulatória de lançamento c/c repetição de indébito" – Município de Mogi Guaçu – Discussão a respeito da regularidade de lançamentos de IPTU de lotes não murados, com alíquota superior (6%) a dos lotes murados (2%), com fundamento no art. 147, I e II, do CTM local (LM nº 2.993/92, alterada pela LCM nº 1.086/10) – Demanda questionando os lançamentos de IPTU dos exercícios de 2018 a 2022 de mais de 700 (setecentos) imóveis – Sentenciante que julgou a ação procedente entendendo em resumo que "o tratamento distinto para lotes murados ou não configura penalidade e não progressividade instituída nos limites autorizados pelo legislador constitucional", concluindo que, na hipótese, houve violação ao disposto no art. 150, II, da CF, reproduzido no art. 163, II, da CE – Juízo a quo declarando "nulos os lançamentos de IPTU referente aos imóveis apontados na inicial", autorizando "o lançamento referente ao mesmo período com a utilização da hipótese de incidência para terrenos não edificados devidamente murados", bem como condenando a Municipalidade "a devolver os valores recolhidos a maior, nos termos expostos, respeitada à prescrição quinquenal", consignando que "tratando de repetição de indébito de natureza tributária, os juros de mora são devidos desde o trânsito em julgado da decisão (§ único do art. 167, do CTN e Súmula 188 do STJ) e a correção monetária deve ser calculada desde o desembolso. Quanto à atualização dos valores, tendo em vista a conclusão do julgamento do Tema 810 do STF no dia 03.10.2019, a correção monetária e os juros moratórios deverão seguir o quanto determinado pelo C. STF no julgamento do RE 870947/ SE (tema 810)", arbitrando verba honorária "em 10% (dez por cento) do valor da condenação" – Remessa necessária conhecida de ofício, na forma do art. 496, I, e § 3º, III, do CPC, tendo em vista que a condenação imposta ao ente político é ilíquida e o valor do proveito econômico discutido supera os 200 (duzentos) salários mínimos – Cabimento parcial apenas para o fim de ajustar a verba honorária devida pelo réu e os encargos incidentes sobre o indébito – Insurgência da Municipalidade – Não cabimento – Violação ao princípio da dialeticidade afastada – Aplicação de alíquotas diferenciadas que não tem respaldo na CF e não visam atender a função social da propriedade, já que, obviamente, a simples consecução de um muro não permite reconhecer, por si só, que um terreno já cumpre a sua função social e, assim, faz jus à alíquota reduzida – Precedentes – Manutenção da declaração de nulidade dos lançamentos de IPTU questionados, amparada em ADin. análoga já julgada pelo Órgão Especial deste Tribunal (ADin. nº 2215114-39.2015.8.26.0000, rel. Des. Borelli Thomaz, j. 17/02/2016), com a possibilidade de cobrança do imposto municipal pela alíquota mínima (2%), como expressamente pretendido na peça vestibular – Pleito de repetição de indébito que deve observar a prescrição quinquenal parcelar, nos termos da Súmula nº 85, do C. STJ, já que é indevida, nesta ação, promover a devolução dos valores já pagos há mais de 05 (cinco) anos (art. 168, I, do CTN) –
Quantia recolhida a maior que deve ser devolvida com incidência da correção monetária a partir do desembolso e juros de mora a partir do trânsito em julgado da sentença, nos termos do invocado art. 167, parágrafo único, do CTN, e da Súmula nº 188, do C. STJ
, pelos mesmos índices aplicados pela Municipalidade na cobrança de seus tributos, em atenção aos temas de repercussão geral nº 810 e de recursos repetitivos nº 905 – Ocorre que após o advento da EC nº 113/21, previu-se a aplicação da taxa Selic (art. 3º), que já contempla correção monetária e juros de mora (nessa direção: EDcl no AgInt. no REsp. nº 1.997.532/MS, rel. Min. Marco Buzzi, j. 28/11/2022) –
Logo, se a taxa Selic já contempla juros de mora, devidos apenas após o trânsito em julgado, os valores a serem restituídos devem ser corrigidos pelo mesmo índice de correção monetária aplicado pela Municipalidade desde o desembolso até o trânsito em julgado, e, só após, haverá a incidência da taxa Selic
– Precedente – Proveito econômico obtido pelo autor que supera os 200 (duzentos) salários mínimos, inviabilizando o arbitramento da verba honorária em percentual fixo, como estipulado em primeiro grau ("10% do valor da condenação"), devendo ser respeitado o "escalonamento" previsto no art. 85, § 5º, do CPC, observando-se cada faixa do art. 85, § 3º, I a V, do mesmo código, na fase de liquidação, em atenção ao art. 85, § 4º, II, do CPC, uma vez que a sentença não impôs condenação líquida ao réu – Sentença reformada parcialmente apenas para o fim de ajustar a verba honorária devida pelo réu e os encargos incidentes sobre o indébito – Verba honorária a ser majorada na fase de liquidação, na forma do art. 85, § 11, do CPC – Remessa necessária parcialmente provida, recurso de apelação do Município de Mogi Guaçu não provido. (TJSP; Apelação Cível 1007605-58.2023.8.26.0362; Relator (a): Fernando Figueiredo Bartoletti; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Público; Foro de Mogi Guaçu - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/08/2024; Data de Registro: 28/08/2024) (Grifei).
Assim, observados os precedentes e normas acima destacadas, conclui-se que o valor recolhido indevidamente deverá ser atualizado observados os seguintes parâmetros e recortes temporais:
1 -
Até o trânsito em julgado desta sentença
deverá ser atualizado monetariamente pelo
IGP-DI
;
2 -
A partir do trânsito em julgado
da sentença de mérito, a incidência exclusiva da
SELIC
, a qual engloba a atualização monetária e os juros de mora.
DISPOSITIVO
Ante o exposto,
ACOLHO PARCIALMENTE
os pedidos formulados na exordial, motivo pelo qual
CONCEDO
a segurança tão somente para o efeito de
1)
afastar a exigibilidade do ICMS-DIFAL entre 01/01/2022 e 04/04/2022,
relativamente às operações interestaduais com mercadorias vendidas a consumidores finais não contribuintes do ICMS localizados no Estado de Tocantins, regulamentada pela Lei Complementar nº 190/2022 e;
2) Reconhecer o direito da impetrante à
compensação
tributária
de eventual quantia recolhida a no período destacado,
com a ressalva de que eventual pedido deverá ser processado nas vias adequadas
, administrativa ou judicial, conforme Súmula 271 do STF.
INDEFIRO
o pedido de autorização judicial para realização de depósitos judiciais nos autos.
Anote-se que o valor da compensação deverá ser corrigido desde o efetivo dispêndio
(Súmula 162 do STJ),
enquanto os juros moratórios só incidirão a partir do trânsito em julgado da sentença
(Súmula 188 do STJ), de maneira que
o montante deverá observar os seguintes parâmetros e interregnos temporais
:
1 -
Até o trânsito em julgado desta sentença
deverá ser atualizado monetariamente pelo
IGP-DI
;
2 -
A partir do trânsito em julgado
da sentença de mérito, a incidência exclusiva da
SELIC
, a qual engloba a atualização monetária e os juros de mora.
Com efeito,
RESOLVO o mérito da lide
, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Outrossim, em face da sucumbência recíproca,
CONDENO ambas as partes ao pagamento das custas processuais e taxas judiciárias de maneira equânime
, ou seja, 50% para cada litigante.
Deixo de condenar as partes no pagamento dos honorários sucumbenciais
em razão do entendimento já consolidado pelas Cortes Superiores através das Súmulas 512/STF e 105/STJ.
Após o decurso do prazo para interposição do recurso voluntário, remetam-se os autos à Superior Instância para o reexame necessário (art. 14, § 1º, Lei n° 12.016/2009).
Por fim, depois de cumpridas as formalidades legais, deem-se baixa nos autos.
Intimo. Cumpra-se.
Palmas - TO, data certificada pelo sistema e-Proc.
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