Barreto Adega Gastronomia & Bar Ltda x Yumir Coromoto Martinez Correa
ID: 262284300
Tribunal: TRT10
Órgão: 1ª Turma
Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA
Nº Processo: 0001283-11.2024.5.10.0003
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
THAYRONY SULLIVAN CASTRO DE MOURA
OAB/DF XXXXXX
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ANGIE RAPOSO LOPES
OAB/DF XXXXXX
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BIANCA DE SOUSA TORRES
OAB/DF XXXXXX
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ALDENOR FERREIRA DA SILVA
OAB/DF XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA 0001283-11.2024.5.10.0003 : BARRETO ADEGA GASTRONOMIA & BAR LT…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA 0001283-11.2024.5.10.0003 : BARRETO ADEGA GASTRONOMIA & BAR LTDA : YUMIR COROMOTO MARTINEZ CORREA PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO PROCESSO n.º 0001283-11.2024.5.10.0003 - RECURSO ORDINÁRIO TRABALHISTA (1009) RELATOR:JUIZ CONVOCADO LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA RECORRENTE: BARRETO ADEGA GASTRONOMIA & BAR LTDA ADVOGADO: THAYRONY SULLIVAN CASTRO DE MOURA RECORRIDO: YUMIR COROMOTO MARTINEZ CORREA ADVOGADO: ANGIE RAPOSO LOPES ADVOGADO: BIANCA DE SOUSA TORRES ADVOGADO:ALDENOR FERREIRA DA SILVA EMV08 EMENTA DIREITO DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. LIMITES DA ATUAÇÃO JURISDICIONAL. POSSIBILIDADE DE HOMOLOGAÇÃO. RECURSO PROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso ordinário interposto contra sentença que indeferiu a homologação de acordo extrajudicial firmado entre empregado e empregador, sob fundamento de ausência de requisitos formais e inadequação material da transação. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) verificar se o acordo extrajudicial apresentado cumpre os requisitos formais exigidos pela CLT; (ii) estabelecer se a discriminação das verbas transacionadas e a inexistência de vícios justificam a homologação judicial. III. RAZÕES DE DECIDIR A exigência de advogados distintos para cada parte no acordo extrajudicial, prevista no art. 855-B, § 1º, da CLT, encontra-se atendida no caso concreto. A impossibilidade técnica de assinatura simultânea no Sistema PJe justifica a forma adotada para a protocolização do acordo, sendo suficiente a posterior ratificação da reclamada para sanar eventual irregularidade formal. A homologação de acordo extrajudicial trabalhista deve se limitar à análise da existência de vícios, fraudes ou lesividade excessiva, não cabendo ao juízo alterar as cláusulas ou exigir requisitos não previstos em lei, desde que presentes a livre manifestação de vontade e a assistência de advogados distintos. A cláusula 11ª da petição inicial discrimina as verbas transacionadas, atendendo ao requisito essencial para a homologação do acordo, não havendo evidências de prejuízo ao trabalhador ou violação a direitos indisponíveis. A homologação do acordo extrajudicial deve ser acolhida quando presentes os requisitos formais e materiais, resguardando-se a autonomia negocial das partes, conforme previsto no art. 855-D da CLT. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso ordinário conhecido e provido. Tese de julgamento: Na homologação de acordo extrajudicial trabalhista, a atuação jurisdicional limita-se à análise da existência de vícios, fraudes ou lesividade excessiva, não cabendo ao juízo alterar as cláusulas ou homologar parcialmente o acordo, desde que as partes estejam representadas por advogados distintos e não haja indícios de simulação ou coação. A impossibilidade técnica de assinatura simultânea no Sistema PJe não configura vício formal insanável, sendo suficiente a posterior ratificação do acordo para sua regularidade. A discriminação das verbas transacionadas em cláusula específica atende ao requisito essencial para a homologação do acordo, desde que ausentes indícios de prejuízo ao trabalhador ou violação a direitos indisponíveis. Dispositivos relevantes citados: CLT, arts. 855-B, 855-D; CPC, art. 723, parágrafo único. Jurisprudência relevante citada: TST, Súmula 418; TRT-10ª Região, Ac. 1ª Turma, ROT-0000168-43.2024.5.10.010, Rel. Juiz Denilson Bandeira Coêlho, julgado em 30/09/2024, publicado em 08/10/2024. RELATÓRIO A Exm.ª Juíza Shirley Costa Pinheiro, da 3ª Vara do Trabalho de Brasília-DF, por meio da sentença de IDa64f0de, complementada de pela decisão de ID7635dc9, prolatada em sede de embargos declaratórios, indeferiu o pedido de homologação de acordo extrajudicial entabulado por YUMIR COROMOTO MARTINEZ CORREA e BARRETO ADEGA GASTRONOMIA & BAR LTDA. Inconformada a reclamada interpõe recurso ordinário (ID6f01758). O recolhimento das custas foi comprovado no IDe40d683. Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho, na forma regimental. É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso ordinário. MÉRITO A Juíza de origem entendeu que o acordo apresentado pelas partes não atende aos requisitos mínimos necessários por se limitar ao pagamento de verbas rescisórias sem clara discriminação de valores e verbas específicas, não se justificando a intervenção judicial. A decisão está assim fundamentada: "Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial, formulado nos termos dos artigos 855-B a 855-E da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No aspecto formal, verifico que as partes estão devidamente representadas por advogados distintos, em conformidade com a exigência prevista no art. 855-B, §1º, da CLT. O acordo apresentado tem como objetivo o pagamento da importância total de R$ 3.787,19, parcelado em duas prestações, com a extinção do contrato de trabalho e de toda e qualquer relação jurídica entre as partes. Além disso, requerem a expedição de alvarás para levantamento de FGTS e liberação de guias de seguro-desemprego. Pois bem. Constato, inicialmente, que a petição inicial apresentada não foi devidamente assinada pela requerida e/ou por seu patrono, o que compromete a regularidade do ato processual, sendo requisito indispensável para a validade do pedido conjunto de homologação de acordo extrajudicial. Ademais, este Juízo adota o entendimento de que a homologação de acordo extrajudicial com eficácia liberatória geral é incompatível com os princípios que regem o Direito do Trabalho. A quitação deve ser limitada às parcelas discriminadas e efetivamente incluídas no valor acordado, conforme previsto no termo apresentado e na petição inicial. Ressalto, ainda, que, embora a Reforma Trabalhista tenha introduzido a possibilidade de homologação de acordos extrajudiciais pela Justiça do Trabalho, esta prerrogativa não transforma o Judiciário em um órgão homologador automático. É indispensável que o acordo respeite os requisitos legais e as normas trabalhistas, devendo o magistrado analisar a viabilidade e a adequação da transação proposta. No caso concreto, o ajuste apresentado não atende aos requisitos mínimos necessários, tanto formais quanto materiais, sobretudo por se limitar ao pagamento de verbas rescisórias sem clara discriminação de valores e verbas específicas, nem apresentar elementos que garantam a preservação dos direitos mínimos do trabalhador. Além disso, o pedido de homologação vincula-se a obrigações já previstas em lei, como a liberação de guias de FGTS e seguro-desemprego, o que não justifica a intervenção judicial. Dispositivo Diante do exposto, INDEFIRO o pedido e DEIXO DE HOMOLOGAR o acordo extrajudicial entabulado pelas partes, considerando a ausência de requisitos formais, bem como a inadequação material da transação, nos termos da súmula 418 do C. TST e art. 723, parágrafo único do CPC/2015 c/c art. 855-D da CLT, tudo nos termos da fundamentação supra. Custas processuais rateadas entre os requerentes (art. 88, CPC), no importe de R$ 75,74, nos termos do art. 789, inciso II, da CLT." (IDa64f0de, Pág.28/29 do PDF) A reclamada insurge-se contra tal decisão, sustentando que o Sistema PJE não permite assinatura simultânea de dois advogados na mesma petição, o que motivou a empregada devidamente assistida pelo Sindicato da categoria a assinar a petição de acordo e protocolá-la nos autos para que em seguida a ora recorrente peticionasse ratificando os termos conforme se observa na Petição Inicial. Alega, ainda, que na petição inicial constou na cláusula 11ª a devida discriminação das verbas transacionadas, sendo equivocada a conclusão de que não houve tal discriminação. O artigo 855-B da CLT estabelece: "Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado. § 1o As partes não poderão ser representadas por advogado comum. § 2o Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria." A norma consolidada é no sentido de que a representação por advogados distintos e a manifestação de vontade das partes, sem vícios aparentes, são suficientes para a homologação do acordo, respeitando-se a autonomia negocial dos envolvidos. Nesse sentido, na homologação de acordo extrajudicial trabalhista, a atuação jurisdicional limita-se à análise da existência de vícios, fraudes ou lesividade excessiva, não cabendo ao juízo alterar as cláusulas ou homologar parcialmente o acordo, desde que as partes estejam representadas por advogados distintos e não haja indícios de simulação ou coação. Nesse sentido, bem ilustra o Precedente desta Egrégia 1ª Turma: ."DIREITO DO TRABALHO E PROCESSUAL DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. LIMITES DA ATUAÇÃO JURISDICIONAL. PROVIMENTO I. CASO EM EXAME 1. Recurso ordinário interposto contra sentença que extinguiu o feito, sem resolução do mérito, rejeitando a homologação de acordo extrajudicial firmado entre empregado e empregador. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão central consiste em determinar os limites da atuação jurisdicional na homologação de acordos extrajudiciais trabalhistas, conforme previsto nos artigos 855-B e seguintes da CLT. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A introdução do procedimento de homologação de transação extrajudicial (HTE) na CLT concede liberdade negocial aos sujeitos do contrato de emprego, desde que representados por advogados distintos. 4. A atuação do Judiciário Trabalhista na jurisdição voluntária é binária: homologar ou não a transação, sem possibilidade de homologação parcial ou alteração das cláusulas apresentadas. 5. O juiz não está obrigado a homologar o acordo, devendo avaliar a pactuação proposta para evitar eventuais vícios, atos simulados, fraudes ou excesso de lesividade a alguma das partes. 6. A ausência de litígio judicial não pode ser motivo para não homologação da pretensão comum, visto que o intento da ação é justamente evitar o litígio. 7. A representação por advogados distintos e a manifestação de vontade das partes, sem vícios aparentes, são suficientes para a homologação do acordo, respeitando-se a autonomia negocial dos envolvidos. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso ordinário provido. Tese de julgamento: 1. Na homologação de acordo extrajudicial trabalhista, a atuação jurisdicional limita-se à análise da existência de vícios, fraudes ou lesividade excessiva, não cabendo ao juízo alterar as cláusulas ou homologar parcialmente o acordo, desde que as partes estejam representadas por advogados distintos e não haja indícios de simulação ou coação. Dispositivos relevantes citados: CLT, arts. 652, "f", 765, 855-B e seguintes; CPC, arts. 142, 487, III, "b", 1.013, § 3º, I. Jurisprudência relevante citada: TST, Súmula 418.(TRT-10ªRegião, Ac.1ªTurma, ROT- 0000168-43.2024.5.10.010, Rel. Juiz Denilson Bandeira Coêlho, Julgado em 30/09/2024 e Publicado em 08/10/2024) No caso dos autos, diversamente do entendimento de origem, no aspecto formal, verifico que as partes estão devidamente representadas por advogados distintos, conforme exigido pelo art. 855-B, §1º, da CLT, sendo que quanto à assinatura da petição inicial, efetivamente a impossibilidade técnica apontada no Sistema PJE justifica a forma adotada para protocolização, sendo que a posterior ratificação pela parte reclamada, conforme a petição protocolada no ID9566cf4, Pág.26, revelou-se suficiente para sanar qualquer irregularidade formal. No mérito, de igual sorte, constato que a cláusula 11ª da petição inicial apresenta a discriminação das verbas transacionadas, atendendo ao requisito essencial para a homologação do acordo, não havendo elementos que evidenciem prejuízo ao trabalhador ou violação a direitos indisponíveis, cumprindo-se, assim, os requisitos legais para a homologação. Portanto, dou provimento ao recurso ordinário para homologar o acordo extrajudicial firmado entre as partes, conferindo-lhe validade e eficácia, nos termos do art. 855-D da CLT. CONCLUSÃO Em face do exposto, conheço do recurso ordinário e, no mérito, dou-lhe provimento para homologar o acordo extrajudicial firmado entre as partes, conferindo-lhe validade e eficácia, nos termos do art. 855-D da CLT, nos termos da fundamentação. ACÓRDÃO Por tais fundamentos, ACORDAM os integrantes da Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, por unanimidade, aprovar o relatório, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento para homologar o acordo extrajudicial firmado entre as partes, conferindo-lhe validade e eficácia, nos termos do art. 855-D da CLT, nos termos do voto do Juiz Relator. Vencido o Des. Grijalbo Coutinho, que juntará declaração de voto. Ementa aprovada. Julgamento ocorrido sob a Presidência do Desembargador Grijalbo Coutinho, com a participação dos Juízes convocados Denilson B. Coêlho e Luiz Henrique Marques da Rocha. Ausentes, justificadamente, os Desembargadores Flávia Falcão (na direção da Escola Judicial), Elaine Vasconcelos (em licença médica), André R. P. V. Damasceno (em gozo de férias) e Dorival Borges (compromissos junto à ouvidoria). Pelo MPT, o Dr. Alessandro Santos de Miranda (Procurador Regional do Trabalho). Sessão Extraordinária Presencial de 25 de abril de 2025 (data do julgamento). LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA Juiz Convocado Relator EMV08 DECLARAÇÃO DE VOTO Voto do(a) Des(a). GRIJALBO FERNANDES COUTINHO / Desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO. QUITAÇÃO. ABRANGÊNCIA EMENTA: 1. "AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO PARCIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 418/TST. O Juiz não está obrigado a homologar acordo extrajudicial apenas porque há manifestação de vontades das partes nesse sentido. É poder-dever do Magistrado evitar eventuais vícios, atos simulados, fraudes ou excesso de lesividade a alguma das partes, em transação que lhe é submetida. Assim sendo, ao Juízo incumbe não só propor a conciliação, mas também avaliar a pactuação proposta. Deve, pois, firmar seu livre convencimento para, só então, homologar ou não a avença (artigo 765 da CLT). A Súmula 418 do TST ressalta, inclusive, que a homologação de acordo proposto pelas partes não constitui seu direito líquido e certo. Dessa forma, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput , do CPC/1973; arts. 14 e 932, III e IV, "a", do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravo desprovido" (Ag-RR-1000479-75.2019.5.02.0083, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 07/05/2021). 2. Recurso ordinário conhecido e desprovido. No recurso ordinário, a reclamada sustenta a necessidade de homologação da cláusula que extinguiu o contrato de trabalho. À análise. As relações trabalhistas são norteadas pela desigualdade jurídica entre empregados e empregadores, sendo necessária a equalização das posições pelo direito do trabalho e processual do trabalho. Na verdade, visa-se à aplicação do princípio constitucional da isonomia material, à luz da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Para tanto, a ordem jurídica trabalhista está baseada em normas jurídicas próprias (princípios e regras), cujo pressuposto maior funda-se na proteção. Por certo, o direito do trabalho, com gênese nos direitos humanos, impõe a indisponibilidade de interesses e a observância do princípio tuitivo nas relações laborais. Com isso, não pode o trabalhador dispor dos seus direitos, seja antes, durante ou após a relação de trabalho. Dessa forma, considerando o modelo de intervencionismo estatal norteador das relações de emprego no Brasil, eventual submissão de acordo extrajudicial à homologação pelo magistrado trabalhista deve ser realizada com reservas, com base na interpretação restritiva e na indisponibilidade dos direitos do trabalhador. E o princípio da indisponibilidade dos direitos do trabalho norteia a atuação da jurisdição laboral. O Direito do Trabalho, após a sua concepção gerada materialmente da luta operária contra o capital durante dois séculos, passou a ser objeto de produção doutrinária e legislativa por intermédio de diversos instrumentos, sempre fundado o laboralismo na âncora do estabelecimento da desigualdade jurídica para minimizar as desigualdades econômicas e materiais entre os dois sujeitos da relação central do regime do lucro e da mais-valia. Nas palavras de Plá Rodriguez: "O Direito do Trabalho surge como consequência de uma desigualdade: a decorrente da inferioridade econômica do trabalhador. Essa é a origem da questão social e do Direito do Trabalho. As desigualdades somente se corrigem com desigualdades de sentido oposto. Durante certo tempo, conseguiu-se a desigualdade compensatória porque o Estado colocou a favor do trabalhador o peso da lei. Surgiu assim a legislação do trabalho" (in Princípios de Direito do Trabalho, LTR, 1993, São Paulo, p. 25). Firmada na observância sem tréguas da principiologia nuclear protetiva ao hipossuficiente, desdobrada na aplicação de vários outros princípios, normatizados ou não, os quais constituem o alicerce seguro do Direito e do Processo do Trabalho. O viés principiológico é algo inerente a qualquer ramo do direito comprometido com o seu sentido ético e humanístico. Aliás, já o era para Aristóteles na Antiguidade, ao buscar a fórmula para o conhecimento além do mundo mítico, fundado o novo saber racional em princípios e causas. Após externar a complexidade da qual se reveste a Ciência Jurídica, Maurício Godinho Delgado assinala que "a premissa orientativa consubstanciada no princípio favorece à correta percepção do sentido ou instituto e da regra no conjunto do sistema normativo em que se integra (e também do sentido de outros princípios, é claro). Por essa razão, os princípios, na Ciência Jurídica, não somente preservam irrefutável validade, como se destacam pela qualidade de importantes contributos à compreensão global e integrada de qualquer universo normativo" (in Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho, LTR, 2ª Edição, São Paulo, 2004. p. 31). Não obstante as reviravoltas notadas em diferentes expressões da sociedade e da vida nas quatro últimas décadas, a principiologia protetiva do direito laboral, o que inclui o processo como instrumento para conferir efetividade à substância jurídica das relações de trabalho, continua funcionando como seu verdadeiro suporte e também oxigênio necessário para manter a vitalidade de um corpo frequentemente sufocado por tentativas variadas de aniquilamento das conquistas sociais alcançadas depois de sangue, suor e lágrimas. Em outras palavras, não há Direito do Trabalho sem aplicação de seus princípios orientadores. Figurativamente, quando se despreza o princípio da regra mais favorável ao empregado, encaminha-se o direito do trabalho à UTI- Unidade de Terapia Intensiva. Se ao mesmo tempo relega-se, além da norma mais favorável e da condição mais benéfica, os princípios da primazia da realidade e da irrenunciabilidade de direitos, teremos qualquer coisa, menos algo que possa se chamar de Direito do Trabalho, pois este terá sucumbido de maneira sutil ou não. O Estado existe, entre outras razões, para não tolerar o intolerável, para dar aos cidadãos dignidade e respeito, para cumprir e fazer cumprir os mandamentos constitucionais e para não permitir que a desigualdade material entre as partes seja reproduzida nas demais relações sociais. O Direito do Trabalho, reitere-se, surgiu para minimizar a força do capital diante do trabalho, reconhecendo o Estado que a liberdade absoluta da contratação, por parte do poder econômico, não é verdadeiramente uma liberdade, ou, como dizia Lacordaire, "entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é a liberdade que escraviza, é a lei que liberta". Entre outros princípios que orientam o Direito do Trabalho, encontram-se o da irrenunciabilidade, o da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador e o da condição mais benéfica, os quais devem ser tomados como de absoluto caráter imperativo. Existem tais mandamentos para dar sentido ao princípio basilar do Direito do Trabalho, o da proteção. Convém lembrar, mais uma vez, que o princípio de maior envergadura do Direito do Trabalho, o da proteção, mantém-se vivo para assegurar ao hipossuficiente o respeito ao conjunto de garantias sociais previstas nos mais diversos instrumentos jurídicos. Princípio não tem força de norma. Princípio é norma ou, como declaram alguns juristas, é mais importante do que qualquer norma legislada. É o que dá sustentação ao Direito. Um Direito sem princípios não é ciência no verdadeiro sentido da referida expressão, mas apenas um conjunto de regras postas pela autoridade legislativa ou por outros atores. Citado pelo jurista Carlos Henrique Bezerra Leite, o constitucionalista Celso Antônio Bandeira de Melo, declara que princípio: "é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido humano. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremessível a seu arcabouço e corrosão de sua estrutura mestra" (Curso de Direito Processual do Trabalho, Ed. Ltr, 5ª Edição, São Paulo, 2007). Na mesma linha, Jorge Miranda destaca que: "O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produtos de atos de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si, o Direito é ordenamento ou conjunto significativo e não conjunção resultada de vigência simultânea; é coerência ou, talvez mais rigorosamente, consistência; é unidade de sentido, e valor incorporado em regra. E esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor, projeta-se ou traduz-se em princípios, logicamente anteriores aos preceitos. Os princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito (ou do próprio direito positivo); também eles - numa visão ampla, superadora de concepções positivistas, literalistas a absolutizantes das fontes legais - fazem parte do complexo ordanamental. Não se contrapõem-se tão somente aos preceitos; as normas jurídicas é que se dividem em normas-princípios e normas-disposições" (obra citada de Bezerra Leite). Assim é o Direito do Trabalho, pronto, a partir dos seus princípios, da sua gênese, dos seus fundamentos históricos, constitucionais e legais, e da ação dos seus operadores, para reagir contra toda e qualquer operação destinada ao seu descumprimento, por mais inventivos que sejam os autores da obra. Se algum dia for esse o caminho adotado pelo Parlamento brasileiro, de desconstrução do Direito do Trabalho, até mesmo o constituinte derivado não terá carta branca para destruir as bases sobre as quais se assentam a matéria. Em termos de direitos sociais, direitos humanos que são por excelência, é inadmissível qualquer retrocesso. Plá Rodriguez, em sua clássica obra "Princípios de Direito do Trabalho", publicada e republicada recentemente pela Editora LTR, quando discute a necessidade de incluir expressamente ou não os princípios orientadores do juslaboralismo nos textos legais, opta pela segunda alternativa. E assim o faz de maneira motivada para declarar que a função interpretativa dos princípios é mais relevante do que a própria função normativa ou aquela que inspira o legislador a eventualmente seguir determinado princípio. A função interpretativa, dizia o saudoso mestre uruguaio, também serve para afastar do mundo jurídico atitudes legislativas contrárias aos postulados do Direito do Trabalho. Ora, o Direito do Trabalho encontra-se fundado em princípios, tendo a mais absoluta compatibilidade com toda e qualquer diretriz principiológica afirmativa dos Direitos Humanos da classe trabalhadora, como se nota, por exemplo, da essência do princípio da vedação do retrocesso social (Pacto de San José da Costa Rica, art. 26). A observância desse princípio pelo intérprete preserva o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados, de modo que esses direitos são constitucionalmente garantidos (CANOTILHO, 2003, p. 475). Por incidência desse princípio, extraem-se, também, o princípio da progressividade social e os princípios da proteção e da norma mais favorável (REIS, 2010, p. 10), bem como que se afastam do ordenamento jurídico todas e quaisquer normas violadoras da função do Direito do Trabalho (RODRIGUEZ,1993). Para Canotilho, o princípio do não retrocesso é o instrumento jurídico apto a evitar contrarrevoluções no campo social, preservando, por via de consequência, "(...)o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados através de medidas legislativas ('lei da segurança social', 'lei do subsídio de desemprego', 'lei do serviço de saúde') deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estatais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa 'anulação', 'revogação' ou 'aniquilação' pura a simples desse núcleo essencial. Daniela Muradas Antunes compreende que: "O progresso e não retrocesso social ainda relaciona-se ao princípio da proteção do trabalhador, pedra angular do Direito do Trabalho. O princípio da proteção ao trabalhador, como se sabe, grava a originalidade do Direito do Trabalho, enunciando o seu sentido teleológico. Com lastro na dignidade da pessoa humana e no valor ínsito ao trabalho humano, o princípio tutelar enuncia ser a missão deste ramo jurídico a proteção do trabalhador, com a retificação jurídica da desigualdade socioeconômica inerente à relação entre o capital e o trabalho. O sentido tuitivo, em uma perspectiva dinâmica, se relaciona à ideia de ampliação e aperfeiçoamento de institutos e normas trabalhistas. Assim, afiança-se o compromisso da ordem jurídica promover, quantitativamente e qualitativamente,o avanço das condições de pactuação da força de trabalho, bem como a garantia de que não serão estabelecidos recuos na situação sociojurídica dos trabalhadores. Por conseguinte, são consectários lógicos do princípio da proteção, o princípio da norma mais favorável e o princípio da progressividade dos direitos sociais." Em tal seara, portanto, a interpretação ao conteúdo da mais radical reforma da CLT já promovida pelo Parlamento precisa ser realizada dando atenção às balizas fundadoras do Direito do Trabalho, aos princípios que o orientam, os quais, embora não demandem normatização para a sua respectiva aplicação, por força de suas funções, têm parte considerável do seu arcabouço teórico assegurada pelo Direito Internacional do Trabalho, em pactos e declarações de Direitos Humanos, bem como nas convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Não é a nomenclatura que por si só assegura a existência do direito laboral, mas a sua base principiológica exercitada antes de tudo. E na feliz expressão de Pinho Pedreira, "a proteção do trabalhador é a causa e o fim do Direito do Trabalho"(in Principiologia do Direito do Trabalho, Ltr, 1999, São Paulo, p. 26). De mais a mais, a Justiça do Trabalho não foi concebida para julgar litígios de pessoas iguais, do ponto de vista econômico, senão de pessoas que estão na estratificada pirâmide social em posições diametralmente e geograficamente opostas. Tratá-los, capital e trabalho, juridicamente de forma igual, inclusive quanto às despesas processuais e honorários advocatícios, é o começo do fim da Justiça da Trabalho e do juslaboralismo. Sem relegar o papel relevante da Justiça do Trabalho como instituição pública integrante do Poder Judiciário, a sua história e a sua existência estão intrinsecamente vinculadas ao Direito do Trabalho, a um direito de natureza principiológica protetiva, o qual sempre exigiu a ação do Estado-Juiz especialista para a sua efetividade. Em outras palavras, a razão de ser da Justiça do Trabalho é o Direito do Trabalho fundado em sua principiologia. E, por último, nunca demais é relembrar pela enésima vez a função interpretativa que os princípios do Direito do Trabalho possuem, estejam eles normatizados ou não, aptos, portanto, a afastar do mundo jurídico eventuais disposições legais que os contrariem, na qualidade de força mandamental indisponível. Analisemos, a partir de agora, o caso concreto dos autos no qual se discute a quitação geral pretendida pela empregadora em acordo extrajudicial celebrado com a parte obreira, trazido o referido tema ao exame do Poder Judiciário. Como requisito de validade da transação extrajudicial, é necessária a homologação do Juízo do Trabalho, via reclamação trabalhista ou procedimento de jurisdição voluntária. Vejamos as novas regras para esse último mecanismo: "CAPÍTULO III-A (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) DO PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado. § 1o As partes não poderão ser representadas por advogado comum. § 2o Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria. Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação. Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença. Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados. Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo." Do exposto, vê-se que é imprescindível a presença dos advogados (diferentes) de ambas as partes, sobretudo do empregado, que pode ser do sindicato, dada a manifesta desigualdade jurídica. Ademais, o dispositivo expressamente aduz que o juiz, no prazo de quinze dias, "analisará" a petição de acordo, o que, indubitavelmente, confere ao magistrado o poder-dever de examinar a conformidade da transação aos ditames da ordem jurídica trabalhista, podendo, inclusive, negar o pedido homologatório (art. 855-E, parágrafo único). Nos dispositivos acima, não há menção aos efeitos da quitação desse acordo, devendo essa dúvida ser sanada à luz da interpretação sistemática das normas trabalhistas. Contudo, rememore-se que a regra no direito do trabalho é a quitação das parcelas e valores objetos do termo rescisório (CLT, art. 477, §2º e TST, Súmula 330). Deveras, muito embora este relator entenda pela impossibilidade de qualquer eficácia liberatória geral, quando o legislador pretendeu impor a quitação plena do extinto contrato de trabalho, assim o fez de modo expresso, como nos artigos celetistas 477-B (PDV) e 625-E, p.u. (CCP). À vista disso, os demais termos rescisórios (TRCT, quitação anual e acordo extrajudicial de extinção do contrato) devem limitar-se às parcelas e valores consignados. Aplica-se à espécie a regra do art. 477, §2º, e do art. 507-B da CLT, valendo registrar que esse último, ao tratar da questionável quitação anual, assim enunciou: "Art. 507-B. É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria. Parágrafo único. O termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas." (Grifei). Denota-se, portanto, que não pode o julgador, ao analisar o pedido de homologação de acordo extrajudicial, conferir a quitação plena do extinto contrato de trabalho, ainda que haja pleito dos convenentes, dada a interpretação sistemática do direito do trabalho, a indisponibilidade desses interesses e o princípio protetor. Reitere-se que a norma de regência que dispõe sobre a homologação judicial dos acordos extrajudiciais (CLT, art. 855-B e seguintes) não autoriza a quitação geral e genérica como pretende a reclamada. Corroborando tal entendimento, novamente, traz-se à tona outras relevantes deliberações tomadas durante a 2ª Jornada de Direito e Material e Processual do Trabalho (Anamatra), as quais rechaçam a quitação geral aqui reivindicada pela parte empregadora: "2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho-Anamatra - "TERMO DE QUITAÇÃO ANUAL Ementa I) OS PAGAMENTOS EFETUADOS POR CONTA DE TERMO DE COMPROMISSO ARBITRAL, "QUITAÇÃO ANUAL" DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS, EXTINÇÃO DO CONTRATO POR "MÚTUO ACORDO" E PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA OU INCENTIVADA SÓ PODEM PRODUZIR EFICÁCIA LIBERATÓRIA LIMITADA AOS VALORES EFETIVAMENTE ADIMPLIDOS DAS PARCELAS DISCRIMINADAS. EM RESPEITO À GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À JURISDIÇÃO (ART. 5º, XXXV) E AO ARTIGO 25 DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, MANTÉM-SE O PLENO DIREITO DE ACESSO AO JUDICIÁRIO PARA SOLUCIONAR SITUAÇÕES CONFLITUOSAS, INCLUSIVE PARA SATISFAÇÃO DE DIFERENÇAS SOBRE RUBRICAS PARCIALMENTE PAGAS. II) O TERMO DE QUITAÇÃO DEVERÁ ESTAR NECESSARIAMENTE ACOMPANHADO DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS, SOB ASSISTÊNCIA EFETIVA DO SINDICATO. III) O TERMO DE QUITAÇÃO DEVE, POIS, SER INTERPRETADO RESTRITIVAMENTE, COM EFICÁCIA LIBERATÓRIA DE ALCANCE LIMITADO AOS VALORES DAS PARCELAS EXPRESSAMENTE ESPECIFICADAS NO DOCUMENTO, SEM IMPLICAR RENÚNCIA OU EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO E NEM IMPEDIR O EXERCÍCIO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE AÇÃO. IV) O REFERIDO TERMO SERÁ NULO DE PLENO DIREITO SE DESVIRTUAR, IMPEDIR OU FRAUDAR AS DISPOSIÇÕES DE PROTEÇÃO AO TRABALHO, OS CONTRATOS COLETIVOS E AS DECISÕES DAS AUTORIDADES TRABALHISTAS COMPETENTES. TERMO ANUAL DE QUITAÇÃO. EFEITO EM JUÍZO. Ementa QUITAÇÃO, CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO E RENÚNCIA. EFICÁCIA LIBERATÓRIA DO TERMO DE QUITAÇÃO PREVISTO NO ART.507-B DA CLT. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VALIDADE, NÃO ALCANÇANDO PARCELAS INADIMPLIDAS OU PAGAS A MENOR. O TERMO EM QUESTÃO NÃO SUBSTITUI OS RECIBOS E COMPROVANTES DE RECOLHIMENTO LEGALMENTE EXIGIDOS, QUANDO A PARCELA É COBRADA JUDICIALMENTE. OBRIGAÇÃO DO EMPREGADOR EM FORNECER AO EMPREGADO E ENTIDADE SINDICAL A COMPROVAÇÃO DO EFETIVO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES INDICADAS NO TERMO. Comissão 5 - Comissões de representação de empregados. Dispensas individuais e coletivas. Procedimento de quitação anual. Programas de demissão voluntária. Tese individual EMENTA: Quitação, Cumprimento de Obrigação e Renúncia. Eficácia Liberatória do Termo de Quitação previsto no art.507-B da CLT. Presunção relativa de validade, não alcançando parcelas inadimplidas ou pagas a menor. O termo em questão não substitui os recibos e comprovantes de recolhimento legalmente exigidos. Obrigação do empregador em fornecer ao empregado e entidade sindical a comprovação do efetivo cumprimento das obrigações indicadas no termo. A quitação é considerada a prova do pagamento, ou seja, do efetivo cumprimento de uma obrigação decorrente de Lei ou de contrato. Segundo o Artigo 319 do Código Civil brasileiro, o devedor que paga tem direito à quitação regular. Já o art.322 do mesmo código, indica que quando a obrigação envolver cotas periódicas, o pagamento da última gera presunção apenas relativa de pagamento das cotas anteriores. Isso decorre da própria definição de quitação, que pressupõe o efetivo pagamento da dívida em dinheiro ou a realização da obrigação de fazer e/ou não fazer pactuada, em outras palavras, a quitação não se presume, depende do efetivo cumprimento da obrigação a ela relacionada. Trata-se, pois, da liberação do devedor, mediante efetiva prestação do obrigado. A mais clássica doutrina em Direito Civil ensina que: "em todos os casos, o devedor somente fica forro, de modo pleno, se presta tudo que é devido, na forma devida e no tempo devido (...) "Em todos os casos, contudo, em que se façam pagamentos parciais, autorizados pela convenção entre as partes ou vontade legal, as garantias que eventualmente acompanham a obrigação permanecem inteiras até a final e definitiva extinção da obrigação. "Tendo o credor direito à coisa devida na sua integralidade, não é obrigado a qualquer encargo para recebe-la. Daí presumirem-se a cargo do devedor as despesas com o pagamento e a quitação. (...) "Mas não é sempre que o recibo faz prova da liberação. Constitui, em todos os casos, demonstração de que o devedor cumpriu a obrigação, mas não é em todos os casos que traduz, a parte creditoris, de que a prestação recebida seja efetivamente o cumprimento devido. Embora normalmente seja, poderá acontecer que as circunstancias autorizem a reabertura do débito, quando a liberação dependa de uma verificação da res debita que, feita posteriormente ao recibo, demonstram não ter sido entregue". PEREIRA, Caio Mário da Silva In Instituições de Direito Civil, vol.II. Rio de Janeiro : Forense, 1993. p 113/135. Quando o credor abre mão de um crédito, ou seja, libera o devedor de uma obrigação sem o seu efetivo cumprimento, opera-se a renúncia e não de quitação, sendo necessário distinguir e identificar tais situações no caso concreto. Nota-se que o art.507-B trata de quitação, logo, não tem validade a liberação ali prevista, caso se constate a existência de verdadeira renúncia ao invés do efetivo cumprimento das obrigações discriminadas no termo. Além do conceito legal de pagamento e quitação, é necessário aplicar o art.507-B, introduzido na CLT, com as exigências legais relativas à exibição dos comprovantes de recolhimento previdenciários - art. 32 e 32-A Lei 8.212/91; comprovantes de depósito de FGTS - art. 17 da Lei 8.036/9090 e art. 43 e 45 do Dec. 99.684/90; recibos ou comprovante de depósito individualizado de pagamento de salários e demais parcelas contratuais - art.464, caput e §1º da CLT. Conclui-se, portanto, que a eficácia liberatória do termo de quitação anual previsto no parágrafo único do art.507-B, quando questionado judicialmente, somente se confirmará com a prova da regularidade dos recibos e demais documentos apresentados ao sindicato, sob pena de se configurar renúncia ao invés de quitação de obrigação trabalhista." "TERMO DE QUITAÇÃO ANUAL DE ANUAL DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. NULIDADES Ementa O TERMO PREVISTO NO ART. 507-B DA CLT É NEGÓCIO JURÍDICO CONSTITUTIVO NEGATIVO, PODENDO SER CONSIDERADO NULO DE PLENO DE DIREITO SE DESVIRTUAR, IMPEDIR OU FRAUDAR AS DISPOSIÇÕES DE PROTEÇÃO AO TRABALHO, OS CONTRATOS COLETIVOS E ÀS DECISÕES DAS AUTORIDADES TRABALHISTAS COMPETENTES (ART. 9º C/C ART. 444, CAPUT, DA CLT), APLICANDO-SE, SUBSIDIARIAMENTE, O CÓDIGO CIVIL QUANTO AOS VÍCIOS DE CONSENTIMENTO. II. A EXPRESSÃO VIGÊNCIA OU NÃO DO CONTRATO CONSTANTE DO CAPUT DO ART. 507-B DA CLT SE REFERE À DURAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO (INCLUSIVE INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO CONTRATUAIS). III. O TERMO PODE TAMBÉM SER FIRMADA PELO EMPREGADOR DADA A BILATERALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO, SENDO APLICÁVEIS EM QUALQUER HIPÓTESE AS DIRETRIZES FIXADAS NA SÚMULA Nº 330 DO TST." PROCEDIMENTO DE QUITAÇÃO ANUAL Ementa EMENTA: PROCEDIMENTO DE QUITAÇÃO ANUAL. EFICÁCIA LIBERATÓRIA RESTRITA. GARANTIA DO DIREITO FUNDAMENTAL DE AÇÃO. O TERMO DE QUITAÇÃO A QUE ALUDE O ART. 507-B DA CLT DEVE SER INTERPRETADO RESTRITIVAMENTE, COM EFICÁCIA LIBERATÓRIA DE ALCANCE LIMITADO AOS VALORES E PARCELAS EXPRESSAMENTE ESPECIFICADOS NO DOCUMENTO, SEM IMPLICAR RENÚNCIA OU EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO, E NEM IMPEDIR O EXERCÍCIO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE AÇÃO. QUITAÇÃO ANUAL. INVALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO PARA ALCANÇAR DIREITOS INDISPONÍVEIS. Ementa QUITAÇÃO ANUAL. INVALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO PARA ALCANÇAR DIREITOS INDISPONÍVEIS. I - É INVÁLIDA A QUITAÇÃO ANUAL MESMO COM A ASSISTÊNCIA DO SINDICATO DA CATEGORIA PROFISSIONAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 5º, XXXV E 8º, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL; II - DIREITOS INDISPONÍVEIS INERENTES À RELAÇÃO DE EMPREGO NÃO PODERÃO SER TRANSACIONADOS, SENDO NULO O TERMO DE QUITAÇÃO COM ESSE OBJETIVO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 9º DA CLT C/C O ARTIGO 166, VI, DO CÓDIGO CIVIL. EFEITOS DE PAGAMENTOS EFETUADOS FORA DA ESFERA JUDICIAL. ARBITRAGEM INDIVIDUAL. QUITAÇÃO PERIÓDICA, DISTRATO. PROGRAMA DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA. QUITAÇÃO APENAS DE VALORES EFETIVAMENTE PAGOS. POSSIBILIDADE DE COBRANÇA JUDICIAL DE DIFERENÇAS. Ementa OS PAGAMENTOS EFETUADOS POR CONTA DE TERMO DE COMPROMISSO ARBITRAL, QUITAÇÃO ANUAL DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS, EXTINÇÃO DO CONTRATO POR MÚTUO ACORDO E PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA OU INCENTIVADA PODEM PRODUZIR EFICÁCIA LIBERATÓRIA LIMITADA AOS VALORES EFETIVAMENTE ADIMPLIDOS. EM APLICAÇÃO À GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À JURISDIÇÃO (ART. 5º, XXXV), MANTÉM-SE PLENO DIREITO DE ACESSO AO JUDICIÁRIO PARA SOLUCIONAR SITUAÇÕES CONFLITUOSAS, INCLUSIVE PARA SATISFAÇÃO DE DIFERENÇAS SOBRE RUBRICAS PARCIALMENTE PAGAS.EFEITOS DE PAGAMENTOS EFETUADOS FORA DA ESFERA JUDICIAL. INDECLINABILIDADE DE JURISDIÇÃO. ART. 5º, XXXV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARBITRAGEM INDIVIDUAL. QUITAÇÃO PERIÓDICA, DISTRATO. PROGRAMA DE DEMISSÃO INCENTIVADA. ARTS. DA CLT 507-A, 507-B, 484-A E 477-B. EFEITOS LIMITADOS AOS VALORES PAGOS. AUSÊNCIA DE QUITAÇÃO GERAL. QUITAÇÃO LIMITADA A VALORES. DIREITO DE ACIONAMENTO DO JUDICIÁRIO TRABALHISTA PARA RESGUARDO DE LESÕES. Os pagamentos efetuados por conta de termo de compromisso arbitral, quitação anual de obrigações trabalhistas, extinção do contrato por mútuo acordo e plano de demissão voluntária ou incentivada podem produzir eficácia liberatória limitada aos valores efetivamente adimplidos. Em aplicação à garantia constitucional de acesso à jurisdição (art. 5º, XXXV), mantém-se pleno direito de acesso ao Judiciário para solucionar situações conflituosas, inclusive para satisfação de diferenças sobre rubricas parcialmente pagas. JUSTIFICATIVA A lei n. 13.467/2017 ressuscita a pretensão de buscar segurança jurídica em pagamentos de verbas trabalhistas fora de ambiente de litígio judicial. Aparentemente, busca dar efetividade à parte final do inciso IX, do artigo 114 da Constituição e traz possibilidade de homologação de acordo extrajudicial pela Justiça Especializada do Trabalho. Além da necessidade de expressa previsão legal, grande preocupação dos intérpretes refere-se à probabilidade ou possibilidade de vício de vontade em procedimentos extrajudiciais por conta de termo de compromisso arbitral, quitação anual de obrigações trabalhistas, extinção do contrato por mútuo acordo e plano de demissão voluntária ou incentivada. Tipicidades da relação de emprego nacional formam ambiente propício para fraudes. Desigualdade de potências entre empregado e empregador, corriqueiras práticas de inadimplemento de verbas rescisórias e dificuldades de cobranças de empregadores delinquentes são elementos que tendem a privilegiar composições fraudatórias. De igual forma, historicamente, tentativas de instrumentos extrajudiciais para pagamento de parcelas justrabalhistas servem à busca de simples inadimplementos. Não é difícil imaginar empregado ver-se compelido a dar quitação integral de relação de emprego, a partir dos instrumentos introduzidos pela Lei n. 13.467/2017 e, sem instrução necessária ou premido para receber valores de sobrevivência no desemprego, aceitar receber muito menos que tem direito. Eis o grande risco que reclama da Justiça do Trabalho atenção redobrada e sensibilidade para detectar vícios de consentimento presentes nos novos procedimentos. Na conciliação judicial, o magistrado participa do procedimento tendente à quitação da relação de emprego, intermediando e acompanhando as concessões recíprocas feitas pelas partes e, assim, tem maiores condições de aferir a ausência de vício de consentimento. Já nos procedimentos de arbitragem individual, quitação anual de obrigações trabalhistas, extinção do contrato por mútuo acordo e plano de demissão voluntária ou incentivada, resta mais difícil para o julgador aferir os requisitos de validade, vez que não participou do momento em que as partes entabularam. Esses procedimentos, portanto, demandam maior atenção e interpretação restritiva de seus efeitos. Em grande parte, os acordos extrajudiciais equivalem no Direito do Trabalho ao instituto civilista da transação, prevista no artigo 840 e 843 do Código Civil. Para ser considerado negócio jurídico válido, demanda necessariamente a presença de requisitos essenciais, tais como agente capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei, conforme consubstancia o artigo 166 do Código Civil. Nessa senda, transações que visem suprimir direitos fundamentais e que nitidamente causem prejuízos injustificáveis ao trabalhador não poderão receber a chancela do Judiciário. Os novos textos normativos (arts. da CLT 507-A, 507-B, 484-A E 477-B) não trouxeram grandes regulações ou especificidades relativamente aos procedimentos e seus efeitos, o que implica esforço do intérprete quanto aos limites da negociação e abrangência de efeitos jurídicos. No que diz respeito ao aspecto material, embora a alteração legislativa não delimite ou refira, direitos indisponíveis dos trabalhadores não poderão ser objeto de acordo extrajudicial levado à homologação judicial. Esse tem sido o entendimento jurisprudencial corrente quando da análise do mérito de acordos levados à homologação no curso das reclamatórias trabalhistas. Se os direitos indisponíveis dos trabalhadores, assegurados em lei, não são passiveis de negociação coletiva que os suprima, à similitude, também se pode entender a impossibilidade de serem objeto de transação em desfavor do trabalhador. Uma questão que a lei não esclarece, e que provavelmente gerará divergências de entendimento, é o efeito e a abrangência dos pagamentos efetuados nos procedimentos em análise. A doutrina, relativamente aos meios alternativos de resolução de conflito, assegura que os meios extrajudiciais não possuem eficácia liberatória. (PINTO MARTINS, 2004, p. 60). Poderia se tentar aproximação com o sistema de homologação de acordo extrajudicial nos juizados especiais cíveis, como modelo. Deve-se, todavia, ter clara a lógica predominantemente patrimonial-disponível dos direitos discutidos no órgão de jurisdição cível, enquanto que a Justiça do Trabalho cuida essencialmente de relações economicamente desiguais e busca a preservação da dignidade do trabalhador como objetivo maior. Para Martins, fazendo leitura do artigo 320 do Código Civil, a transação resulta em quitação unicamente das parcelas a que se refere o acordo, salvo se de modo diverso as partes estabelecerem: "A eficácia liberatória geral só pode dizer respeito ao que foi pago e não ao contrato de trabalho, salvo se assim for descrito no termo" (MARTINS, 2004, p. 60). Leciona Barros no mesmo sentido, de que o a quitação em transação extrajudicial não pode abranger valores eventualmente não pagos, os quais devem ser reivindicados no Judiciário: "O só fato de o empregado encontrar-se assistido pelo sindicato no momento da rescisão não tem o condão de estender a quitação a valores não pagos, embora a parcela esteja discriminada no recibo" (BARROS, 2006, p. 191). Sobre o alcance de transação, é longa a discussão na jurisprudência e doutrina. Diverge-se, por exemplo, se os valores quitados nas comissões de conciliação prévia, poderiam abarcar toda e qualquer parcela oriunda do vínculo empregatício extinto. A maior parte da doutrina, especialmente Martins e Barros, convergem no sentido de que a quitação dada pela transação compreenderia apenas as parcelas e valores pagos, não aos títulos. (MARTINS, 2004, p. 60) Ademais, Barros complementa o entendimento referindo que não necessariamente seria obrigatória a presença de ressalva para reclamar eventuais outros direitos não abrangidos na transação. (BARROS, 2006, p.191) Relativamente à eficácia liberatória, o Tribunal Superior do Trabalho, na tentativa de pacificar o entendimento acerca dos limites e alcance da quitação dada em acordos extrajudiciais, editou a Súmula 330, que revisa o antigo enunciado de nº 41 da Corte. O entendimento consubstanciado no texto da Súmula 330 do TST é de que, justamente pela inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário (artigo 5º, inciso XXXV da Constituição), a quitação dada pelo empregado devidamente assistido, somente tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo e aos valores ali contidos. No que toca a direitos oriundos do contrato de trabalho, a quitação somente reflete sobre o período expressamente especificado no recibo. Logo, a chamada eficácia liberatória total apenas incide no acordo, consoante o que dispõe a Súmula 330, relativamente às parcelas especificadas e aos valores, nunca sobre a totalidade de eventuais direitos ou títulos decorrentes de todo o período contratual. Ou seja, somente o Judiciário, dotado de imparcialidade, é capaz de aferir se efetivamente o valor pago dado na quitação corresponde ao que de direito é devido, observadas eventuais divergências e incertezas das partes. Pela transação extrajudicial, nos termos da jurisprudência consolidada, a incidência da transação deve se dar de forma restrita, quitando-se apenas aquilo que foi pago, sem impedir posterior discussão judicial de diferenças. Assim, a transação homologada em juízo produz coisa julgada, e portanto a atribuição de quitação total do contrato de trabalho produz efeitos muito mais sérios e irreversíveis. Ponderando-se o fato de produção de coisa julgada em relação aos pedidos ou parcelas constantes na petição de acordo, a eficácia liberatória deve incidir unicamente sobre valores da parcela objeto da transação. Não há impedimento de reclamar, dentro do prazo prescricional, outros direitos que se entenda devidos. No que toca à eficácia produzida pelos procedimentos objeto de análise, conforme entendimento jurisprudencial corrente e em analogia ao entendimento da Súmula 330 do TST, ainda adotada, pode-se dizer que em regra, a quitação será exclusivamente sobre as parcelas e valores estabelecidos no acordo extrajudicial homologado, incidindo eficácia liberatória apenas em relação a elas. Ante a complexidade de obrigações contratuais e extra contratuais que podem surgir da relação de emprego, consideramos improvável considerar uma ampla eficácia liberatória de todo o contrato de emprego. Fugindo do utilitarismo econômico, o mais importante será analisar se as transações efetivamente atuaram com justiça. Os institutos não devem se prestar a simples desconstituições de direitos e perpetuação de insegurança social. Também porque transações relacionadas com fraudes de direitos trabalhistas apenas levarão a processos trabalhistas ainda mais complexos e caros. Em suma, o resultado de um acordo, que se deu mediante concessões recíprocas agrada muito mais às partes do que decisão imposta por sentença pondo fim a um litígio. Mas isso apenas ocorre quando as partes não são lesadas, especialmente pela imposição de transações fraudulentas pelo ente mais poderoso". Devo ressaltar que os Enunciados da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela Anamatra, bem com os seus fundamentos aqui citados, incluindo a identificação dos respectivos autores das teses aprovadas, estão disponíveis no endereço eletrônico http://www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados.asp. Não concebo a ideia de que a simples referência no acordo homologado à quitação pelo extinto contrato de trabalho possa produzir os efeitos elásticos e genéricos almejados pela reclamada. Tampouco seria razoável aceitar a utilização do acordo extrajudicial unicamente como forma de pagamento do acerto rescisório, pois não é esse o objetivo da norma. Admitir a quitação nessas circunstâncias, sem nenhuma dúvida, configura absoluto desprezo ao conjunto de garantias fundamentais asseguradas aos trabalhadores brasileiros (CRFB, artigos 5º e 7º). Não bastasse isso, estabelece o artigo 843, do Código Civil, que deve ser restritiva a interpretação conferida às transações celebradas entre as partes. Ora, a quitação geral pretendida pela reclamada não encontra amparo jurídico sequer na Lei nº 13.467/2017, que cuidou da introdução da figura da homologação judicial dos acordos extrajudiciais celebrados entre empregado e empregador (CLT, art. 855-B, e seguintes, sendo certo que nem o Direito Civil, ao tratar das transações entre partes guardadas por muito menos assimetrias econômicas, traz essa hipótese de quitação geral, genérica e irrevogável. Com todo o respeito às opiniões em sentido contrário, o art. 484-A, da CLT, cuida de hipótese bem distinta daquela relativa à homologação de acordo extrajudicial pela Justiça do Trabalho. Trata o art. 484-A, da CLT, de contrato de trabalho extinto por comum acordo entre empregado e empregador, com a redução dos valores de diversas verbas, na esfera administrativa, sem jamais existir ali a cláusula da intocabilidade do debate judicial futuro a respeito da quitação de qualquer parcela. Em outras palavras, a extinção regulada por tal dispositivo legal é de caráter administrativo, sem a presença, portanto, da quitação imune à apreciação judicial dos termos daquela avença administrativa. Estamos analisando coisas distintas, sendo certo que o art. 484-A sequer é dotado da cláusula da quitação geral de direitos. Se assim o fosse, destaque-se, negar-se-ia vigência ao princípio da inafastabilidade da jurisdição normatizado pela Constituição de 1988. Não é possível, seja qual for o método de interpretação, transpor norma que regula situação fático e jurídica notoriamente distinta para alcançar a quitação geral de acordo extrajudicial. Nunca é demais relembrar, mais uma vez, que a norma de regência que disciplina a homologação de acordos extrajudiciais pela Justiça do Trabalho não contém a cláusula da quitação geral do contrato de trabalho (CLT, art. 855-B), situação essa almejada pela empregadora que também não encontra respaldo nos demais dispositivos os quais regulam temas correlatos, como vimos antes. Por último, traz-se à tona relevantes fundamentos expostos pela Desembargadora Elaine Machado Vasconcelos em autos diversos: "A reclamada e o empregado assinaram o termo de acordo extrajudicial e, expressamente, restou prevista a geral e plena quitação de todos os direitos referentes ao contrato de trabalho então em extinção, sendo submetida ao Juízo para homologação, nos termos do art. 855-E da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017. Nesse sentido, plenamente adequada a homologação "com relação às parcelas objeto da conciliação", como posto na respectiva decisão. Com efeito, prescreve a CLT:"Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo". (grifei) Deve ser ressaltado que o próprio dispositivo prevê que a petição do acordo a ser homologado suspende a prescrição tão somente quanto aos direitos ali especificados, que, inclusive, poderão não ser ratificados pelo Juizo. No mesmo sentido, o entendimento requerido pela recorrente, de total quitação da relação de emprego, redundaria extinção de direito a eventuais parcelas que sequer teriam restado lembradas/percebidas pelas partes na ocasião do ajuste, importando inequívoca renúncia a elas, situação não condizente com a redação do art. 9º da CLT, com o entendimento sedimentado segundo a vigente Súmula 330/TST e, muito menos, com o princípio da inafastabilidade da jurisdição estatuído do inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal". Como bem lembrado pela Desembargadora Elaine Machado Vasconcelos, o art. 855-E, da CLT, espanca qualquer dúvida a respeito dos limites a serem considerados pelo Juízo ao analisar as propostas de acordos extrajudiciais, ao declarar que "a petição homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados". Trago ainda à colação recentes decisões do col. TST, nesse mesmo sentido: "AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 . RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO PARCIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 418/TST. O Juiz não está obrigado a homologar acordo extrajudicial apenas porque há manifestação de vontades das partes nesse sentido.É poder-dever do Magistrado evitar eventuais vícios, atos simulados, fraudes ou excesso de lesividade a alguma das partes, em transação que lhe é submetida. Assim sendo, ao Juízo incumbe não só propor a conciliação, mas também avaliar a pactuação proposta. Deve, pois, firmar seu livre convencimento para, só então, homologar ou não a avença (artigo 765 da CLT). A Súmula 418 do TST ressalta, inclusive, que a homologação de acordo proposto pelas partes não constitui seu direito líquido e certo. Dessa forma, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput , do CPC/1973; arts. 14 e 932, III e IV, "a ", do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravo desprovido" (Ag-RR-1000479-75.2019.5.02.0083, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 07/05/2021). "RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. ACORDO EXTRAJUDICIAL. HOMOLOGAÇÃO. ARTS. 855-B A 855-E DA CLT. A Lei nº 13.467/2017 instituiu, no âmbito da Justiça do Trabalho, o Processo de Jurisdição Voluntária com vistas à homologação de acordos celebrados extrajudicialmente, conforme artigos 855-B a 855-E da CLT. Da interpretação do art. 855-D, extrai-se que o juízo não está obrigado a homologar todo e qualquer acordo extrajudicial, cabendo-lhe analisar não apenas os requisitos gerais de validade dos negócios jurídicos (agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa por lei) e os requisitos extrínsecos (petição conjunta e representação das partes por advogados distintos), mas também o seu conteúdo, a fim de verificar se a proposta apresentada não está sendo utilizada para fraudar direitos trabalhistas e lesar o trabalhador. Toda transação pressupõe concessões recíprocas por parte daqueles que pretendem prevenir ou terminar conflitos. Nesse sentido, não é razoável admitir que o acordo extrajudicial seja utilizado apenas como forma de pagamento do acerto rescisório, pois não é esse o objetivo da norma. Na hipótese, consoante quadro fático traçado no acórdão recorrido, não há transação a ser homologada, pois a conciliação visa tão somente ao pagamento das parcelas decorrentes da resilição do contrato, inclusive a multa do artigo 477, § 8º, da CLT. Não há qualquer direito transigido, na medida em que a empresa se limita a pagar as parcelas rescisórias valendo-se da cláusula de quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho que, frise-se, perdurou mais de dez anos. Destarte, evidenciado que a petição de acordo extrajudicial circunscreve-se a direitos indisponíveis (verbas rescisórias), correto o indeferimento do pedido de homologação. Recurso de revista não conhecido " (RR-20287-08.2020.5.04.0305, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 09/04/2021). "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO REGIDO PELA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA. ACORDO EXTRAJUDICIAL. RECUSA DO MAGISTRADO À HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL. DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA. FACULDADE DO JUIZ (AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO LEGAL). Nos termos do art. 855-D da CLT, é faculdade do juiz designar audiência para homologação do acordo extrajudicial. E, segundo a inteligência da Súmula 418 do TST, não há obrigação legal do magistrado à homologação de acordo celebrado entre as partes. Verifica-se, pois, que o acórdão recorrido foi proferido em estrita observância à norma legal, razão pela qual é insuscetível de reforma. Agravo de instrumento não provido" (AIRR-35-25.2019.5.19.0006, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 12/03/2021). Ora, a norma que cuida da homologação de acordo extrajudicial parte da premissa correta de que a respectiva petição deve especificar os direitos objeto do acordo, inclusive para fins de suspensão do prazo prescricional. Não há espaço para quitações genéricas e gerais, seja qual for o ângulo analisado. A sentença de origem foi contundente no sentido de rejeitar a quitação geral pretendida pela empresa, senão vejamos o seu conteúdo: "."Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial, formulado nos termos dos artigos 855-B a 855-E da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No aspecto formal, verifico que as partes estão devidamente representadas por advogados distintos, em conformidade com a exigência prevista no art. 855-B, §1º, da CLT. O acordo apresentado tem como objetivo o pagamento da importância total de R$ 3.787,19, parcelado em duas prestações, com a extinção do contrato de trabalho e de toda e qualquer relação jurídica entre as partes. Além disso, requerem a expedição de alvarás para levantamento de FGTS e liberação de guias de seguro-desemprego. Pois bem. Constato, inicialmente, que a petição inicial apresentada não foi devidamente assinada pela requerida e/ou por seu patrono, o que compromete a regularidade do ato processual, sendo requisito indispensável para a validade do pedido conjunto de homologação de acordo extrajudicial. Ademais, este Juízo adota o entendimento de que a homologação de acordo extrajudicial com eficácia liberatória geral é incompatível com os princípios que regem o Direito do Trabalho. A quitação deve ser limitada às parcelas discriminadas e efetivamente incluídas no valor acordado, conforme previsto no termo apresentado e na petição inicial. Ressalto, ainda, que, embora a Reforma Trabalhista tenha introduzido a possibilidade de homologação de acordos extrajudiciais pela Justiça do Trabalho, esta prerrogativa não transforma o Judiciário em um órgão homologador automático. É indispensável que o acordo respeite os requisitos legais e as normas trabalhistas, devendo o magistrado analisar a viabilidade e a adequação da transação proposta. No caso concreto, o ajuste apresentado não atende aos requisitos mínimos necessários, tanto formais quanto materiais, sobretudo por se limitar ao pagamento de verbas rescisórias sem clara discriminação de valores e verbas específicas, nem apresentar elementos que garantam a preservação dos direitos mínimos do trabalhador. Além disso, o pedido de homologação vincula-se a obrigações já previstas em lei, como a liberação de guias de FGTS e seguro-desemprego, o que não justifica a intervenção judicial. Dispositivo Diante do exposto, INDEFIRO o pedido e DEIXO DE HOMOLOGAR o acordo extrajudicial entabulado pelas partes, considerando a ausência de requisitos formais, bem como a inadequação material da transação, nos termos da súmula 418 do C. TST e art. 723, parágrafo único do CPC/2015 c/c art. 855-D da CLT, tudo nos termos da fundamentação supra. Custas processuais rateadas entre os requerentes (art. 88, CPC), no importe de R$ 75,74, nos termos do art. 789, inciso II, da CLT." (IDa64f0de, Pág.28/29 do PDF).." Se fosse como pretende o empregador, bastaria uma petição conjunta das partes declarando que o contrato de trabalho estava extinto com cláusula de quitação geral, sem necessidade de qualquer discriminação das verbas pactuadas, o que bem denota a injuridicidade e o exagero da pretensão patronal relacionada à quitação geral. Ante o exposto, nego provimento ao apelo patronal. BRASILIA/DF, 28 de abril de 2025. FERNANDO HENRIQUE MELLO RODRIGUES, Servidor de Secretaria
Intimado(s) / Citado(s)
- YUMIR COROMOTO MARTINEZ CORREA
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