Processo nº 1030709-70.2023.8.11.0015
ID: 258072336
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1030709-70.2023.8.11.0015
Data de Disponibilização:
17/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JESSICA DAIANE MAROSTICA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1030709-70.2023.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1030709-70.2023.8.11.0015 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JONES GATTASS DIAS, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), DAVID FERREIRA DOS SANTOS - CPF: 049.166.321-84 (APELANTE), JESSICA DAIANE MAROSTICA - CPF: 057.091.041-24 (ADVOGADO), MARCIO ADRIANO SESTARI - CPF: 004.347.421-71 (TERCEIRO INTERESSADO), PEDRO APARECIDO SEBALHOS - CPF: 027.912.531-30 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, REJEITOU A PRELIMINAR DE NULIDADE E, NO MÉRITO, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA AFASTADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PRÓPRIO INVIÁVEL. REGIME FECHADO MANTIDO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação criminal interposta pelo réu contra sentença proferida pela 5.ª Vara Criminal da Comarca de Sinop/MT, nos autos da ação penal n.º 1030709-70.2023.8.11.0015, que o condenou à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 583 dias-multa, pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06. A defesa alegou, em preliminar, nulidade por suposta quebra da cadeia de custódia, por ter o celular do réu permanecido ligado após o flagrante. No mérito, requereu a desclassificação para o delito do art. 28 da mesma lei, e, subsidiariamente, a fixação do regime semiaberto. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) verificar se houve nulidade decorrente da alegada quebra da cadeia de custódia da prova; (ii) definir se a conduta do réu deve ser desclassificada para o delito de uso de drogas (art. 28 da Lei n.º 11.343/06); (iii) analisar a possibilidade de abrandamento do regime inicial de cumprimento da pena. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A manutenção do celular do réu ligado após o flagrante não caracteriza, por si só, quebra da cadeia de custódia, especialmente quando não demonstrado qualquer prejuízo à defesa ou adulteração dos dados, inexistindo vício na extração e perícia dos elementos telemáticos, que foram realizados com autorização judicial e observância dos procedimentos legais. 4. A ausência de prova concreta de interferência na integridade das evidências impede o reconhecimento da nulidade, em conformidade com o princípio do pas de nullité sans grief (art. 563 do CPP) e a Súmula nº 523 do STF. 5. A posse de 8g de cocaína fracionados em 18 porções (pasta base e cloridrato), a forma de acondicionamento da droga, o local da apreensão, a conduta do réu ao dispensar parte da substância ao ver a polícia e os diálogos extraídos do celular com linguagem típica do tráfico, corroboram a prática do crime do art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06, sendo incabível a desclassificação para o art. 28 da mesma lei. 6. A versão exculpatória do réu não encontra respaldo nas provas dos autos, sendo infirmada pelos depoimentos harmônicos e coerentes dos policiais militares e pelo conteúdo das mensagens telefônicas analisadas em perícia técnica. 7. A reincidência do réu autoriza a fixação do regime inicial fechado, ainda que a pena aplicada não ultrapasse oito anos, conforme interpretação do art. 33, §§ 2.º e 3.º, do Código Penal, e jurisprudência consolidada do STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Preliminar de nulidade rejeitada e, no mérito, recurso desprovido. Tese de julgamento:"1. A mera permanência do aparelho celular ligado após a apreensão não configura quebra da cadeia de custódia da prova quando não demonstrada adulteração do conteúdo nem prejuízo à defesa. 2. A posse de pequena quantidade de droga, fracionada e acondicionada para venda, aliada a outros elementos probatórios, permite a condenação por tráfico de drogas, mesmo sem flagrante de comercialização. 3. A reincidência justifica a imposição do regime fechado para início do cumprimento da pena, ainda que inferior a oito anos." Dispositivos relevantes citados: Lei n.º 11.343/2006, arts. 28 e 33, caput; CPP, arts. 158-B e 563; CP, art. 33, §§ 2.º e 3.º. Jurisprudência relevante citada: STJ, HC n. 574.131/RS, rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, j. 25.08.2020, DJe 04.09.2020; STJ, AgRg no HC n. 644.232/SP, rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j. 04.05.2021, DJe 13.05.2021; TJMT, Enunciados Orientativos n.º 3, 7, 8 e 50 da TCCR, Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. R E L A T Ó R I O APELANTE: DAVID FERREIRA DOS SANTOS APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por DAVID FERREIRA DOS SANTOS contra a r. sentença proferida pelo d. Juízo da 5.ª Vara Criminal da Comarca de Sinop/MT nos autos da ação penal n.º 1030709-70.2023.8.11.0015, que o condenou pela prática do crime tipificado no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06, à pena de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, no regime inicial fechado, e ao pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, unitariamente calculados no mínimo legal. Por meio das razões recursais disponíveis no ID 248451198, a defesa técnica argui, como matéria preliminar, a nulidade por quebra da cadeia de custódia da prova, por ter o aparelho celular do apelante permanecido ligado após a sua prisão em flagrante, o qual foi submetido ao afastamento do sigilo de dados. No mérito, requer a desclassificação do tráfico de drogas para a conduta descrita no art. 28 da Lei n.º 11.343/06, por se tratar de mero usuário de entorpecentes; ao que agrega o pleito subsidiário de abrandamento do regime de cumprimento de pena para o inicialmente semiaberto. Nas contrarrazões constantes no ID 248451200, o Ministério Público rechaça os argumentos defensivos e pugna pela rejeição da preliminar arguida e, no mérito, pelo não provimento do apelo; linha intelectiva também estampada no parecer de lavra da i. Procuradoria-Geral de Justiça, acostado sob o ID 260509684. É o relatório. À douta Revisão. V O T O R E L A T O R VOTO (PRELIMINAR DE NULIDADE POR QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Em sede de juízo de admissibilidade, registra-se, ab initio, que o recurso em apreço é tempestivo, foi interposto por quem tinha capacidade e legitimidade para fazê-los e o meio processual escolhido mostra-se adequado e necessário para se atingir os objetivos perseguidos, razão pela qual conheço do apelo manejado pela i. defesa técnica. Preliminarmente, a i. defesa técnica pugna pelo reconhecimento da nulidade de elemento probatório produzido na fase extrajudicial, por ter ocorrido a quebra da cadeia de custódia desta prova, ao argumento de que o aparelho celular do apelante permaneceu ligado após a sua prisão em flagrante, o qual foi submetido a quebra de sigilo de dados. Todavia, a alegação não merece prosperar. Como se sabe, a chamada cadeia de custódia, formalmente introduzida no Código de Processo Penal brasileiro por meio da Lei n.º 13.964/2019, consiste em um mecanismo garantidor da autenticidade das evidências coletadas e funciona como a documentação formal de um procedimento destinado a manter e a detalhar a história cronológica de uma evidência, evitando-se assim eventuais interferências externas capazes de colocar em dúvida o resultado da atividade probatória e assegurando o rastreamento do vestígio desde o local do crime até o Tribunal. Significa dizer que o desiderato precípuo do mecanismo reside em resguardar a história cronológica do vestígio e permitir o seu rastreamento retroativo até o momento de sua coleta. No entanto, para que se reconheça a imprestabilidade ou inutilidade da prova em razão da quebra da cadeia de custódia (break on the chain of custody) não basta a simples alegação, desacompanhada de provas aptas a respaldá-la, de que houve a ruptura dos procedimentos a serem observados na manutenção e documentação da história cronológica do vestígio, devendo ser demonstrado também que a suposta quebra efetivamente interferiu no resultado de eventual perícia, corrompendo, adulterando ou contaminando o material periciado e, por conseguinte, prejudicando alguma das partes ao modificar o conteúdo da prova colhida. Não é outra a lição doutrinária de RENATO BRASILEIRO de Lima, remetendo-se ao escólio de DOUGLAS FISCHER, in verbis: “É nesse sentido a lição de Douglas Fischer. Para o autor, eventual falha na observância de uma das etapas listadas nos incisos do art. 158-B do CPP não importará ‘automaticamente na inutilidade/invalidade do vestígio como elemento probatório para utilização no bojo de procedimento investigatório ou ação penal. Com efeito, a finalidade desse detalhamento procedimental é para conferir maior fidedignidade ao contexto geral da prova, mas não se apresenta como essencial à própria validade em si do elemento probatório, que será valorado ulteriormente pelo julgador. (...). Exemplificando, não é a ausência de eventual lacre retirado anteriormente dentro do novo recipiente que implicará a invalidade do vestígio coletado. Insiste-se: a recomendação legal é para dar maior garantia do procedimento. Mas sua falha, por si só, não atingirá a licitude e integridade do vestígio coletado e eventualmente já analisado’”. (LIMA, Renato Brasileiro de. – Pacote anticrime: comentários à lei nº 13.964/19 – artigo por artigo. – Salvador: Editora JusPodivm, 2020, p. 257) – Destaquei. Seguindo essa mesma linha, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que “não se verifica a alegada "quebra da cadeia de custódia", pois nenhum elemento veio aos autos a demonstrar que houve adulteração da prova, alteração na ordem cronológica dos diálogos ou mesmo interferência de quem quer que seja, a ponto de invalidar a prova”. (STJ, HC n. 574.131/RS, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 25/8/2020, DJe de 4/9/2020.) Partindo dessas premissas, tenho que, no caso concreto, o fato de o aparelho celular do apelante ter permanecido ligado após a apreensão não enseja nulidade alguma, sobretudo porque os registros de ligações recebidas posteriormente ao flagrante não foram utilizados em prejuízo do réu. Ademais, a quebra do sigilo de dados telefônicos foi devidamente autorizada pelo d. juízo singular (ID 248451157), sendo a perícia realizada de forma tecnicamente idônea, com estrita observância dos procedimentos legais e formais destinados a garantir a autenticidade das evidências coletadas, conforme atesta o laudo de ID 248451174. No mencionado documento consta que o aparelho celular e seus acessórios foram devidamente lacrados e acondicionados em envelopes de segurança, com a aplicação da função hash sobre os arquivos digitais anexados, os quais foram disponibilizados à i. defesa para análise. Desse modo, diversamente do alegado, os registros periciais não apontam qualquer irregularidade ou vício na cadeia de custódia durante a análise do aparelho, inexistindo prova de eventual adulteração. Outrossim, sequer houve impugnação específica pela i. defesa, limitando-se a mera alegação genérica de nulidade. Assim, uma vez que o caminho percorrido desde a apreensão do celular do apelante até a elaboração do laudo relativo à quebra do sigilo de dados telefônicos foi realizado com estrita observância dos procedimentos legais e formais, inexistindo indícios mínimos de que tenha sofrido interferências ou adulterações, não há falar em nulidade por quebra da cadeia de custódia da prova. E, como bem destacou a i. Procuradoria-Geral de Justiça em seu parecer de ID 260509684, cujos fundamentos integro a este voto, ipsis litteris: “(...) verifica-se que o juízo a quo deferiu a extração e análise de dados telefônicos na decisão de ID 248451158, sendo o laudo pericial colacionado no ID 248451174. O mencionado laudo pontou que “Os objetos descritos encontravam-se acondicionados no interior de envelope de segurança da PJC lacrado e identificado por 04190790.”, sendo que após o exame pericial no aparelho “Os objetos encaminhados para exames são devolvidos em envelope de segurança lacrado e identificado por 04136271, juntamente com mídia óptica contendo anexos deste laudo pericial acondicionada em envelope de segurança lacrado e identificado por 04136273.” Assim, como exposto na sentença, “Como bem denotam os laudos realizados pelos Peritos Criminais responsáveis, não há qualquer vício ou irregularidade na condução da cadeia de custódia realizada, seja nas drogas apreendidas, seja nos aparelhos celulares.” Desse modo, não há indicativo de adulteração da prova, sendo que a defesa não apresentou nenhuma prova para validar o alegado. (...) Não fosse suficiente, para declaração de nulidade, exige a comprovação do efetivo prejuízo sofrido pela defesa, em consonância com o princípio pas de nullite sans grief, consagrado no art. 563 do Código de Processo Penal e no enunciado da Súmula nº 523 do Supremo Tribunal Federal, o que não se demonstrou nos autos”. Como se vê, não há qualquer indicativo de que tenha havido adulteração da prova, mediante interferência ou manipulação do material encaminhado para perícia, a afastar a alegação de nulidade por quebra de cadeia de custódia da prova. Por conseguinte, não há falar, tal qual se pretende, em nulidade decorrente da quebra da cadeia de custódia, porquanto inexistem indicativos de interferência externa capaz de macular o conteúdo dos elementos colhidos durante o inquérito policial e, sendo assim, eventuais irregularidades ocorridas nas etapas da cadeia de custódia (art. 158-B do CPP) devem ser sopesadas pelo magistrado por ocasião da valoração da prova. Com base em tais argumentos, REJEITO a presente preliminar. É como voto. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Superada a questão preliminar, verte dos autos que o apelante DAVID FERREIRA DOS SANTOS foi denunciado, processado e condenado pelo crime de tráfico de drogas, pois, no dia 23/12/2023, por volta das 18h30, na rua 06, próxima à rua Paulo Pan, no bairro Boa Esperança, na comarca de Sinop/MT, trouxe consigo 08 porções de pasta base de cocaína e 10 porções de cloridrato de cocaína, totalizando 8g de substâncias ilícitas, sem autorização legal. Consoante narrado na denúncia, durante patrulhamento na região, a Polícia Militar recebeu informações de que estava ocorrendo o comércio de entorpecentes na rua Paulo Pan. Ao realizar diligências nas proximidades, os agentes estatais avistaram o apelante, que vestia bermuda jeans azul e estava sem camisa, características coincidentes com as descrições repassadas. Ao perceber a presença da viatura, o sentenciado dispensou um invólucro em uma lixeira. Diante da fundada suspeita, os militares procederam a busca pessoal e encontraram, no bolso do condenado, 08 porções de pasta base de cocaína, pensando 4,5g, além disso, recuperaram o item descartado anteriormente por ele, constatando tratar-se de 10 porções de cloridrato de cocaína, com peso total de 3,5g, prontas para a comercialização. Inconformado com o édito condenatório, DAVID recorre a esta instância revisora, nos termos já relatados, ao que passo à análise das teses de mérito arguidas nas razões recursais. 1. DO PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA AQUELA DESCRITA NO ART. 28 DA LEI N.º 11.343/06: Nada obstante a i. defesa argumente que as provas produzidas durante a persecução penal são inaptas a sustentar a condenação do apelante pelo delito narcotráfico, almejando que a conduta seja desclassificada para a de uso, por tratar-se de mero usuário de entorpecentes, entendo que a razão não lhe assiste. A materialidade da infração penal está comprovada por meio do auto de prisão em flagrante delito (ID 248450679), do auto de apreensão (ID 248450680), do boletim de ocorrência (ID 248450681), do laudo de constatação da droga apreendida (ID 248450697), que atestou a presença de 8g de cocaína no material ilícito confiscado, do laudo pericial n.º 214.2.16.9067.2024.163281-A01 (ID 248451174), relativo à quebra do sigilo de dados telefônicos autorizada judicialmente, e das provas orais arrecadadas nas duas fases da persecução penal. No que concerne à autoria, denota-se a presença satisfatória de elementos probatórios aptos a implicar o sentenciado no evento criminoso e a respaldar sua condenação pelo crime narrado na denúncia. Interrogado judicialmente, o apelante DAVID FERREIRA DOS SANTOS negou veemente o envolvimento com o tráfico de drogas, assumindo ser apenas usuário. Confirmou que estava de short e sem camiseta no dia dos fatos, pois havia saído da casa da sua irmã para comprar entorpecente para uso próprio, ocasião em que foi abordado pela polícia juntamente com os adolescentes que lhe venderam a substância proscrita. Disse que, por ser o único imputável, foi preso, enquanto os demais indivíduos foram liberados. E, confrontado com mensagens extraídas de seu celular, alegou que os termos utilizados, como “pegar uma coca”, referiam-se à bebida e que trocava mensagens com um colega de trabalho para organizar a compra de refrigerante durante o serviço. Ao final, reiterou que não praticava tráfico e que a droga encontrada em sua posse era exclusivamente para consumo pessoal. Nada obstante a versão exculpatória do réu, os demais elementos probatórios coligidos aos autos são robustos e suficientes para amparar o decreto condenatório proferido em primeiro grau, visto que convergem para o envolvimento do sentenciado com o comércio malsão, afastando a alegação de que é apenas dependente químico. O policial militar Márcio Adriano Sestari, ao ser ouvido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, narrou que, na data dos fatos, encontrava-se em serviço quando recebeu denúncia anônima relatando que, no bairro Boa Esperança, nas proximidades da rua Paulo Pan, havia um sujeito trajando bermuda jeans, sem camisa e de cabelo claro, que estaria comercializando entorpecentes naquela região. Diante disso, a equipe iniciou patrulhamento e, ao se aproximar da rua 6, visualizou um suspeito com as características descritas, o qual, ao notar a presença da guarnição, dispensou algo em uma lixeira, aparentando ser entorpecente. Foi realizada a abordagem pelo policial Sebalhos, sendo encontrada no bolso do suspeito uma carteira com porções de entorpecente e certo valor em dinheiro. Posteriormente, na lixeira, foram localizadas outras porções de narcóticos. Afirmou que não conhecia o sentenciado de outras ocorrências e não presenciou ele oferecendo ou entregando droga a qualquer pessoa no fatídico dia. E, questionado pela i. defesa, o testemunhante esclareceu que havia outras pessoas na região, que foram revistadas, mas nada foi encontrado com elas; os entorpecentes estavam apenas com o acusado. Corroborando a narrativa do seu colega de farda, o policial militar Pedro Aparecido Sebalho, em audiência, expôs que a equipe do Grupo de Apoio da Polícia Militar realizava rondas operacionais no bairro Boa Esperança, local conhecido pelo intenso tráfico de drogas, quando recebeu denúncia anônima informando que um indivíduo trajando short jeans, sem camiseta e com cabelo claro estaria comercializando entorpecentes na região. Com isso, a guarnição intensificou o patrulhamento e localizou um suspeito com as características mencionadas na rua 6, que, ao perceber a presença da viatura, dispensou um objeto em uma lixeira próxima. Foi realizada abordagem, sendo encontrada em sua posse uma carteira de cigarro com porções de pasta base e dinheiro. Na lixeira foram localizadas outras porções, aparentando ser cloridrato de cocaína. Diante disso, o suspeito foi conduzido à delegacia para confecção do boletim de ocorrência. Informou que não conhecia o acusado anteriormente, tampouco presenciou ele vendendo droga a terceiros. Esclareceu à i. defesa que o suspeito estava sozinho no momento da abordagem e que, embora tenha sido flagrado com os entorpecentes, não foi visto realizando venda. E, como se sabe, o simples fato de as testemunhas consistirem em policiais que diligenciaram na fase inquisitiva não retira a credibilidade ou elide a idoneidade de seus relatos, os quais, além de deterem fé pública e presunção de legitimidade, foram prestados mediante o compromisso legal de que trata o art. 203 do Código de Processo Penal, máxime porque não fora evidenciada qualquer tendência dos agentes estatais em incriminar injustamente os apelantes, com escopo de conferir legalidade à sua atuação profissional. Sobre o assunto, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste Tribunal de Justiça já assentou que: “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. (Enunciado Orientativo n.º 8, Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE n.º 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017; destaques apostos). Agrega-se, ainda, que na quebra de sigilo dos dados telefônicos do aparelho celular do apelante foi capturado um diálogo mantido com o contato identificado como “Rafael pintor”, em que há a negociação de “coca”, termo comumente utilizado para se referir à cocaína – mesma substância apreendida com o sentenciado no momento do flagrante -, reforçando a veracidade e precisão da denúncia anônima que originou a investigação. Nessa conjuntura, as declarações uníssonas e coerentes dos policiais, colhidas nas duas fases da persecução penal, devidamente corroboradas pelo relatório de análise relativo à quebra do sigilo de dados telefônicos e pela apreensão na posse do apelante de 08 porções de pasta base de cocaína, pesando 4,5g, além das outras 10 porções de cloridrato de cocaína anteriormente dispensadas por ele em uma lixeira, as quais totalizaram 3,5g e estavam prontas para a comercialização, não deixam dúvidas de que DAVID praticava o tráfico de drogas, não sendo possível concluir que se trata de mero usuário. Aliás, faz-se relevante salientar que o fato de o agente não ter sido flagrado na efetiva mercancia de substâncias ilícitas não obsta a configuração do delito de tráfico de drogas, pois para a sua caracterização é prescindível prova flagrancial do comércio ilícito, bastando que a pessoa seja surpreendida praticando quaisquer das ações descritas no tipo penal, em contexto que evidencie à saciedade o seu envolvimento com o comércio malsão, porquanto se trata de tipo penal misto alternativo, cuja consumação se dá com o cometimento de quaisquer das condutas nele especificadas (Enunciado Orientativo n.º 07 da TCCR/TJMT). E, embora a quantidade de droga apreendida não seja tão expressiva [8g de COCAÍNA], tal idiossincrasia não deve ensejar a absolvição da conduta, ainda mais quando sabidamente conhecida a técnica do “comércio formiga”, restando claro que as circunstâncias dos autos traduzem a prática do pequeno tráfico para não gerar suspeitas, sobretudo para que, em caso de eventual flagrante, seja possível a adoção de linha de defesa no sentido de se tratar de mero usuário de narcótico. Em situação semelhante, esta Corte de Justiça já assentou que “A forma de armazenamento das substâncias ilícitas e o seu fracionamento em pequenas quantidades demonstram que “a droga foi preparada para comercialização, de forma que sejam vendidas pequenas frações para cada usuário” (BARBOZA, Bruna Santos. “Usuário ou Traficante?. Disponível em: https://brunasbarboza.jusbrasil.com.br). A conduta do apelante [trazer consigo pequenas porções de maconha] caracteriza tráfico “formiguinha”, cuja modalidade pressupõe pequena quantidade de droga para distribuição no varejo a usuários indeterminados. (TJMT, AP nº 54845/2016; AP nº 130333/2016) (...)” (TJMT, NU 0000848-20.2019.8.11.0040). (N.U 1000815-25.2021.8.11.0078, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 07/03/2023, Publicado no DJE 13/03/2023) – Destaquei. Outrossim, curial ponderar que o fato de o sentenciado ser usuário, condição alegada por ele em sua autodefesa, não obsta a compreensão de que poderia, em concomitância com a satisfação da dependência química, traficar entorpecentes, inclusive para manter o próprio vício. A propósito, nos termos do Enunciado Orientativo n.º 03 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT, “a condição de usuário de drogas não elide a responsabilização do agente pelo delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006”. Não se pode perder de vista, ainda, que as condições pessoais do apelante corroboram a autoria quanto ao delito do art. 33 da Lei n.º 11.343/06, uma vez que, ao tempo dos fatos ora em análise, já ostentava uma condenação transitada em julgado, também pelo crime de narcotráfico, oriunda da ação penal n.º 0000192-41.2019.8.11.0015 [SEEU n.º 2000400-20.2021.8.11.0015], além de responder a outras duas ações penais pela mesma conduta ilícita [autos n.º 1020259-05.2022.8.11.0015 e n.º 0006049-34.2020.8.11.0015]. Logo, sendo pródigo o conjunto probatório ao evidenciar a traficância por parte do recorrente, o qual, com finalidade mercantil e o objetivo de entrega ao consumo alheio, possuía psicotrópicos de uso proscrito no país, subsome-se o fato à norma incriminadora do art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006. Desta feita, com tais considerações, à luz do princípio da persuasão racional, estou convencido de que as provas produzidas no curso de ambas as etapas da persecução criminal são suficientes para demonstrar a autoria de DAVID FERREIRA DOS SANTOS pelo crime do tráfico de drogas, com todas as elementares que lhe são inerentes, a inviabilizar o acolhimento da almejada desclassificação da conduta para a de uso de drogas. Mantém-se, pois, nesse ponto, a condenação em que incursionado o sentenciado. 2. DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA: De forma subsidiária, requer o apelante que o regime prisional para o início do cumprimento da pena a ele imposta seja abrandado para o semiaberto, pois, em sua intelecção, apenas a sua reincidência não é suficiente para justificar a fixação do mais gravoso. Todavia, o pedido não comporta acolhida. A teor do art. 33, §§ 2.º e 3.º, do Código Penal, o condenado reincidente e que teve em seu desfavor, na primeira fase da dosimetria da pena, depreciado algum dos vetores judiciais do art. 59 do CP e, no específico caso do crime de tráfico de drogas, uma das circunstâncias judiciais preponderantes elencadas no art. 42 da Lei n.º 11.343/06, poderá ter a si estabelecido regime prisional mais gravoso do que o legalmente previsto para o quantum de pena aplicado. In casu, sem maiores delongas, inexiste ilegalidade a ser sanada, pois, apesar da condenação do apelante à pena privativa de liberdade em patamar que não ultrapassa 08 (oito) anos, foi-lhe imposto o regime prisional fechado, em razão da sua reincidência [ação penal n.º 0000192-41.2019.8.11.0015 - SEEU n.º 2000400-20.2021.8.11.0015], o que está de acordo com a lei. E, diversamente do sustentado pela i. defesa técnica, a reincidência, por si só, justifica o endurecimento do regime prisional, pois evidencia maior reprovabilidade da conduta do agente que volta a delinquir, cabendo ao Estado não apenas punir com também prevenir novos delitos. Nesse sentido: “(...) 4. A condição de reincidente, per si, já representa um grande argumento ao recrudescimento do regime carcerário tendo em vista ser instituto que tem o propósito de conferir maior reprovabilidade à conduta do agente que volta a delinquir, visto que compete ao Estado a atividade punitiva, bem como a de prevenir a ocorrência de novos ilícitos. 5. Assim, tendo em vista o quantum de pena fixado ao agravante, superior a 4 anos, a recidiva torna imperiosa a fixação do modo mais radical para o início da execução da pena reclusiva, de acordo com o art. 33 do Código Penal (...)” (AgRg no HC n. 644.232/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 13/5/2021). Destaquei. Portanto, não há falar em abrandamento do regime de cumprimento de pena imposto pelo juízo monocrático. CONCLUSÃO: À vista do exposto, conheço do recurso de apelação criminal interposto por DAVID FERREIRA DOS SANTOS, rejeitando-se a preliminar de nulidade arguida e, no mérito, NEGO-LHE PROVIMENTO, a fim de ratificar a r. sentença proferida pelo d. Juízo da 5.ª Vara Criminal da Comarca de Sinop/MT nos autos da ação penal n.º 1030709-70.2023.8.11.0015. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 14/04/2025
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