Processo nº 0002250-85.2013.8.11.0028
ID: 328480846
Tribunal: TJMT
Órgão: Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0002250-85.2013.8.11.0028
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
LUIZ GUTEMBERG EUBANK DE ARRUDA
OAB/MT XXXXXX
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ALEXANDRO PAULO DE SOUZA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Gabinete 3 - Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo CLASSE PROCESSUAL: APELAÇÃO CÍVEL (19…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SEGUNDA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Gabinete 3 - Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo CLASSE PROCESSUAL: APELAÇÃO CÍVEL (198) NÚMERO DO PROCESSO: 0002250-85.2013.8.11.0028 APELANTE: ARLINDO MARCIO MORAIS, ANTONIO SEBASTIAO DA COSTA MARQUES, AMIGOS TRANSPORTES LTDA - ME APELADO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DECISÃO MONOCRÁTICA Vistos, etc. Trata-se de RECURSOS DE APELAÇÃO, interpostos por ARLINDO MÁRCIO MORAIS, ANTÔNIO SEBASTIÃO DA COSTA MARQUES e AMIGOS TRANSPORTES LTDA-ME, contra a sentença proferida pela Excelentíssima Juíza de Direito, Dra. Kátia Rodrigues Oliveira, nos autos de n.° 0002250-85.2013.811.0028, em trâmite perante a Vara Única da Comarca de Poconé, MT, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos (ID. 287360379): “VISTOS, Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO e pelo MUNICÍPIO DE POCONÉ em face de ARLINDO MARCIO MORAES, ANTONIO SEBASTIÃO DA COSTA MARQUES e a EMPRESA AMIGOS TRANSPORTE LTDA ME. O feito foi extinto em relação a GM TUR. Narra a inicial que chegou ao conhecimento do IRMP por meio da Unidade de Controle Interno da Prefeitura Municipal de Poconé as irregularidades constantes nos Empenho 4887/2012, 789/2021 e 1062/2012 firmados entre a Prefeitura, a empresa AMIGOS e a empresa GM TUR, referente ao transporte de alunos da rede municipal de ensino. As referidas informações deram origem ao Inquérito Civil 14/2013. Ao solicitar cópia integral das despesas efetuadas pela Prefeitura Municipal e a empresa requerida, o Ministério Público apurou que os empenhos se referem aos Pregões 01/2012 e 05/2012 e aos contratos 07/2012 e 12/2012. Afirma o titular da ação que não foi realizado o correto procedimento para a dispensa ou inexigibilidade da licitação ou solicitado parecer jurídico a ser emitido pela Procuradoria do Município, conforme exigido pela legislação vigente aplicável ao caso (Lei 8.666/93). Notificado, o requerido Arlindo e Antônio Sebastião buscaram eximir-se da responsabilidade quanto a suposta desobediência ao procedimento de licitação, afirmando que não houve qualquer prática ilegal nem a existência de dolo. A requerida AMIGOS TRANSPORTE LTDA ME aduz que não pode ser responsabilizada não observância de procedimentos administrativos, já que a dispensa da licitação é ato do poder público. As preliminares foram afastadas a ref. 47. Não houve manifestação quanto as provas a produzir. É o relatório. Decido. O feito comporta julgamento no estado em que se encontra. O Parquet manejou a presente ação civil imputando aos requeridos a prática de atos de improbidade administrativa. Primeiramente, cabe salientar, que a suposta prática de ato de improbidade administrativa em virtude do desrespeito ao erário e aos princípios da administração pública insculpidos na Lei nº. 8.429/92 alterada pela Lei nº 14.230/21 são perfeitamente passíveis de apuração por meio de ação civil pública, que é considerada o instrumento processual adequado para se reprimir ou impedir danos, dentre outros, aos direitos e interesses difusos da sociedade. Além disso, a Lei nº. 8.429/92 disciplina em seus artigos iniciais: Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei. Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se agente público o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei. Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade. Vejamos, da análise do art. 37, da Constituição Federal, nota-se que qualquer ato da Administração Pública praticado pelo Agente dentro da relação de imputação direta entre a vontade dos Agentes Públicos e a da Administração deve estar pautado à lei e aos demais princípios insculpidos no citado artigo, além de outros que estabelecem diretrizes a serem seguidas pela Administração. Assim, com base no novo art. 2º da Lei nº 14.230/21 verifica-se que a improbidade administrativa é praticada por “agente público” sendo, portanto, sujeito ou indivíduo com função ou cargo público. Nesse diapasão, denota-se que a empresa AMIGOS TRANSPORTE LTDA ME se encaixa no conceito definido pelo art. 3º da Lei nº 14.230/21, uma vez que se trata de empresa que exerce atividade comercial com fins lucrativos, entretanto, concorreu para a prática do ato, tendo de alguma forma, se beneficiado do mesmo. Assim, a alegação da requerida AMIGOS é manifestamente contrária ao art. 3º da Lei nº 14.230/21 que prevê de forma EXPRESSA a responsabilidade da pessoa jurídica: Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade. INDEFIRO a alegação de ausência de responsabilidade. Segundo a inicial, o 1º Requerido teria contratado os serviços da empresa AMIGOS TRANSPORTE LTDA, solicitando o pagamento por empenho, sem utilizar o correto procedimento, qual seja, a licitação. A requerida AMIGOS TRANSPORTE LTDA foi a vencedora da Licitação 001/2012 a qual saiu vencedora tão somente quanto a ROTA 2. Ocorre que, à ID 70999018 – fls. 181 consta a NOTA DE EMPENHO 4887/2012 que se refere ao PAGAMENTO para “TRANSPORTE ESCOLAR DOS ALUNOS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO (KM RODADO) DA ZONA RURAL DO ANO LETIVO DE 2012 – ROTA 01, 02 E 03 PERTENCENTE A SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO CULTURA ESPORTE E LAZER” tratando-se de pagamento ilegal, visto que a requerida AMIGOS não foi a vencedora do processo licitatório quanto as ROTAS 01 e 03. À ID 70999015 – fls. 242 consta a NOTA DE EMPENHO 789/2012 que possui como especificação “PELA DESPESA EMPENHADA REFERENTE A SERVIÇOS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS, EM LINHAS PERMANENTES E DE ITINERÁRIO FIXO, DENTRO DO MUNICÍPIO” a qual não menciona nenhuma vinculação a licitação vencida pela requerida AMIGOS (ROTA 2). Por fim, à ID 70999015 – fls. 02 consta a NOTA DE EMPENHO 1062/2012 a GM TUR que possui como especificação da despesa “TRANSPORTE ESCOLAR ROTA I E III” com data de 14/02/2012. Ocorre que, o Parecer favorável quanto a Licitação 005/2012 que concedeu a GM TUR as ROTAS 01 e 03 foi emitido tão somente em 14/03/2012 (ID 70999018 – fls. 172), ou seja, a ordem de pagamento data de ANTES mesmo do fim do processo licitatório E DO CONTRATO PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE ESCOLAR PARA ESTUDANTES DESTE MUNICÍPIO (ID 70999018 – fls. 167), tratando-se de pagamento ilegal. Observa-se dos documentos acostados a exordial que os pagamentos em referência ao suposto processo licitatório não seguiram o requisito previsto na Lei nº 14.133/2021 (Lei das Licitações): Art. 146. No ato de liquidação da despesa, os serviços de contabilidade comunicarão aos órgãos da administração tributária as características da despesa e os valores pagos, conforme o disposto no art. 63 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964. Igualmente não observou o estabelecido pela Lei nº 4.320/1964 (controle dos orçamentos): Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. § 1° Essa verificação tem por fim apurar: I - a origem e o objeto do que se deve pagar; II - a importância exata a pagar; III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação. § 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base: I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo; II - a nota de empenho; III - os comprovantes da entrega do material ou da prestação efetiva do serviço. Os pagamentos descritos nas NOTAS DE EMPENHO 4887, 789 e 1062 não foram devidamente descritos. Isso porque, a NOTA DE EMPENHO 4887 descreve o pagamento das ROTAS 01 e 03 que não eram de responsabilidade da requerida AMIGOS. JÁ a NOTA DE EMPENHO 789 foi apresentada de forma genérica. Por fim, a NOTA DE EMPENHO 1062 se refere a pagamento ANTERIOR ao aperfeiçoamento do processo licitatório em favor da GM TUR. No mesmo sentido, os requeridos NÃO COMPROVARAM eventual legalidade do pagamento, em que a requerida AMIGOS alegou que o serviço foi prestado e os requeridos ARLINDO e ANTÔNIO alegaram a ausência de dolo. O referidos argumentos não são suficientes para AFASTAR a ilegalidade cometida. Ao Poder Judiciário não é dado avaliar se o governo é bom ou ruim. Na esfera judicial, interessa apenas a legalidade dos atos praticados e, constatada eventual ilegalidade, o grau de nocividade que representa para a sociedade. O procedimento de licitação, em todas suas modalidades, serve para concretizar o Estado Democrático de Direito, possibilitando a todos, de acordo com as qualidades mínimas exigidas, o acesso aos órgãos públicos em igualdade de chances (princípio da acessibilidade), de modo que a pessoa ou o prestador do serviço escolhido será o que mais bem atender ao interesse público. Daí haver uma série de princípios legais (Art. 3º da Lei 8.666/93) e constitucionais para o procedimento licitatório, como o da legalidade, da publicidade, da impessoalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo. O artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal prevê que o processo de licitação é exigível em qualquer caso de contratação para realização de obras, serviços e alienações, ressalvados os casos previstos na legislação, ressaltando a finalidade democrática do instituto de assegurar a “igualdade de condições a todos os concorrentes”. O dispositivo ainda prescreve que o instrumento do certame deve conter cláusulas sobre o pagamento, revelando a preocupação da base do ordenamento jurídico em manter rígido tratamento das despesas públicas. No caso dos autos, houve o pagamento sem a devida vinculação a um processo licitatório ou contrato sem qualquer justificativa plausível dos requeridos. Veja-se que não fora apresentada nenhuma prova a este juízo com o condão de eximir os requeridos de seus atos. Isso porque, como Chefe do Executivo, cabia ao 1º requerido zelar pela legalidade dos seus atos, e evitar que “erros” dessa natureza ocorressem, pois se trata de fato grave. Cabia ele administrar os atos de seus subordinados, a fim de que agissem em conformidade com a lei. Por se tratar de gastos com transporte, cabia ao requerido Arlindo Márcio Moraes acompanhar de perto sua destinação, com vistas a afastar ocorrências desta natureza. Da mesma forma, não pode o requerido ANTÔNIO, há época Secretário Municipal de Planejamento, Administração e Finanças, alegar o desconhecimento dos fatos para eximir-se da culpa por não fiscalizar os atos praticados durante seu mandato, sendo estes de sua total responsabilidade. Portanto, resta configurada a prática de ato ilegal pelos requeridos Arlindo e Antônio. O art. 37, XXI, da Constituição Federal, estabeleceu como regra para a contratação de obras e serviços pela Administração Pública a necessidade de prévia licitação, processo este que tem por finalidade satisfazer os interesses da coletividade ao garantir a proposta mais vantajosa ao Estado, bem como a isonomia das contratações públicas, evitando favorecimentos pessoais. Conforme denota-se dos documentos reunidos nos autos, verifica-se que o agente público, ora requerido, deixou de cumprir o exigido pela legislação em vigor. A prova da ilicitude dos atos da parte ré encontra-se configurada pelas Notas de Empenho e pelos comprovantes de Transferência entre contas correntes entre o Município e as empresas AMIGOS TRANSPORTE LTDA ME e GM TUR, comprovando que houve não só a requisição dos valores, mas também o efetivo pagamento. Dessa forma, verifica-se que os requeridos agiram em desrespeito a norma legal vigente aplicável ao caso. Segundo ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro: “(...) o enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto. A quantidade de leis, decretos, medidas provisórias, regulamentos, portarias torna praticamente impossível a aplicação do velho princípio de que todos conhecem a lei. Além disso, algumas normas admitem diferentes interpretações e são aplicadas por servidores estranhos à área jurídica. Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige a observância do princípio da razoabilidade, sob seu aspecto de proporcionalidade entre meios e fins”. (Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 919). Nessa perspectiva, o C. STJ possui entendimento pacificado no sentido de que é inadmissível a responsabilidade objetiva na aplicação da Lei 8.429/1992 alterada pela Lei nº 14.230/21, exigindo-se a presença de dolo nos casos dos arts. 9º e 11 (que coíbem o enriquecimento ilícito e o atentado aos princípios administrativos, respectivamente) e ao menos de culpa nos termos do art. 10, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário. No ponto, destaque-se percuciente observação de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves acerca da apuração do elemento subjetivo da conduta dos agentes: “Em face da impossibilidade de se penetrar na consciência e no psiquismo do agente, o seu elemento subjetivo há de ser individualizado de acordo com as circunstâncias periféricas ao caso concreto, como o conhecimento dos fatos e das consequências, o grau de discernimento exigido para a função exercido e a presença de possíveis escusas, como a longa repetitivo e a existência de pareceres embasados na técnica e na razão”. (Improbidade Administrativa. 7ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 406). Dito isso, as circunstâncias que circundaram a contratação firmada pelos requeridos revela a inequívoca vontade de celebrar contrato de prestação de serviços em desrespeito à legislação pertinente. Nesse cenário, o dolo dos requeridos está devidamente demonstrado pelas provas documentais produzidas, permitindo o enquadramento da conduta na Lei nº 8.429/92 alterada pela Lei nº 14.230/21. Não obstante, a conduta dos requeridos não pode ser enquadrada no art. 10 da Lei nº 8.429/92 alterada pela Lei nº 14.230/21, o que demandaria a demonstração de efetivo dano ao erário. É nesse sentido o entendimento do C. STJ: ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREJUÍZO AO ERÁRIO. DANO EFETIVO NÃO DEMONSTRADO. COMPRAS REVERTIDAS EM PROVEITO DA COLETIVIDADE. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. PRECEDENTES STJ. AUSÊNCIA DE DOLO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É pacífico no âmbito deste Superior Tribunal o entendimento de que, para a condenação por ato de improbidade administrativa que importe prejuízo ao erário, é imprescindível a demonstração de efetivo dano ao patrimônio público, o que não se verificou em relação às condutas do ex-alcaide impugnadas pelo Ministério Público. 2. Ausência de elemento subjetivo ensejador da incidência da responsabilidade por ato de improbidade, relativamente aos fatos objeto do presente recurso especial. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 18.317/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 27/08/2014). Assim, denota-se que houve efetiva prestação de serviços, uma vez que foram juntadas as notas fiscais de serviço. A Lei nº 14.133/2021 prevê que a nulidade do contrato administrativo não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo trabalho executado até que aquela seja declarada, pois, do contrário, haveria enriquecimento ilícito do poder público. Nesse cenário, eventual dano ao erário decorrente do uso de dinheiro público para gastos pessoais, ultrapassando o teto da contratação direta, sem observar o processo licitatório representa grave atentado aos princípios da administração pública. Diante disso, a conduta dos requeridos deve ser enquadrada no novo art. 11 da Lei nº 8.429/92: Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: [...] Igualmente, verifica-se que a conduta dos requeridos também de amolda ao art. 10, IX da Lei 8.429/92: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: [...] IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; Anoto que houve alteração no inciso VIII do mesmo artigo desde o protocolo da ação, de forma que, não se enquadra mais no caso em comento, motivo pelo qual, DEIXO de aplica-lo aos requeridos. Como consequência, ficam os requeridos sujeitos às sanções previstas no art. 12, II, da Lei nº 8.429/92 alterada pela Lei nº 14.230/21, por serem mais gravosos. DO DANO MORAL COLETIVO Inicialmente cumpre ressaltar que o dano moral coletivo é uma lesão injusta na esfera moral de uma dada coletividade, no caso, aquela representada pelos cidadãos de Poconé. Ao se falar em dano material coletivo, faz-se a alusão de que o patrimônio coletivo da comunidade de Poconé fora agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico. O art. 12 da Lei 8.429/92 fala em “ressarcimento integral do dano patrimonial”. Contudo, isso não significa que todo e qualquer ato de improbidade enseja automaticamente dano moral ao ente público lesado. Para averiguar a existência do dano moral, dois aspectos precisam ser analisados. O primeiro aspecto diz respeito à honra objetiva do Município de Poconé. Não há nos autos elementos que indicam o abalo à sua credibilidade, tais como negativas de créditos ao Município em razão da ilegalidade das despesas. Tampouco há provas concretas de que a lesão ao erário causada por tais despesas sem a realização de certame tenha gerado o descrédito da Prefeitura quanto à sociedade ou perante a outras instituições públicas ou mesmo aviltando o sentimento de cidadania dos munícipes. O segundo aspecto, por sua vez, diz respeito à honra subjetiva da coletividade de Poconé. De igual modo ao aspecto anterior, não figura nos autos nenhum elemento concreto que indique que o atuar ímprobo consistente na efetuação de despesas com pessoal acima do limite prudencial tenha deflagrado algum estado de comoção na sociedade ou que tenha causado a esta um prejuízo maior do que aquele exclusivamente patrimonial. Dessa forma, não ficou demonstrada a ocorrência de dano moral coletivo indenizável por parte do requerido. Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação, pela prática de ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11, caput, da Lei nº 14.230/2021 e, com fundamento no artigo 12, inciso III, do mesmo diploma lega, para CONDENAR ARLINDO MARCIO MORAES, ANTONIO SEBASTIÃO DA COSTA MARQUES e a EMPRESA AMIGOS TRANSPORTE LTDA ME às seguintes sanções: i) perda da função pública eventualmente em exercício quando do cumprimento de sentença; ii) ressarcimento integral do dano correspondente a soma das NOTAS DE EMPENHO 4887, 789 e 1062, no valor do contrato R$ 62.965,00 (sessenta e dois mil e novecentos e sessenta e cinco reais), com correção monetária conforme tabela do INPC, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da publicação da sentença; ii) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 08 (cinco) anos a contar do transito em julgado; iii) pagamento de multa civil fixada em 01 vez o valor do dano, sendo R$ 62.965,00 (sessenta e dois mil e novecentos e sessenta e cinco reais), com correção monetária conforme tabelo do INPC, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da publicação da sentença; iv) a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos; Sem custas e honorários, em consonância com o art. 18 da Lei 7.347/85. P. I. C. Ciência ao Ministério Público. Transitada em julgada esta sentença, oficie-se ao Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, para as providências cabíveis, assim como lancem-se as informações junto ao cadastro nacional dos condenados por ato de improbidade administrativa do CNJ. Katia Rodrigues Oliveira Juíza de Direito”. Em suas razões recursais, ARLINDO MÁRCIO MORAIS e ANTÔNIO SEBASTIÃO DA COSTA MARQUES, sustentam a ausência de dolo ou má-fé na conduta administrativa, afirmando que em momento algum foi demonstrado que possuíam conhecimento sobre a existência de qualquer irregularidade nos pagamentos realizados à empresa. Reforçam que os atos foram praticados com base em pareceres técnicos e contábeis, o que afasta a alegação de que tenham agido com intenção dolosa ou com negligência grave, sendo certo que eventuais falhas no processo licitatório, por si só, não são suficientes para configurar improbidade administrativa. Além disso, argumentam que o Ministério Público não se desincumbiu do ônus de comprovar o prejuízo ao erário ou o suposto enriquecimento indevido, elemento imprescindível para o deslinde da controvérsia. Por derradeiro, salientam que a penalidade aplicada na sentença é desproporcional. Com base nisso, requer (ID. 2873603823): “1. A concessão de tutela antecipada recursal, para suspender os efeitos da sentença no que tange à suspensão dos direitos políticos do apelante, enquanto não houver decisão definitiva; 2. O conhecimento e provimento da apelação, reformando-se integralmente a sentença de primeiro grau, para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial; 3. Subsidiariamente, a redução das penalidades impostas, com observância ao princípio da proporcionalidade”. Por sua vez, AMIGOS TRANSPORTE LTDA-ME suscita, preliminarmente, a inépcia do pedido inicial, asseverando que a causa de pedir está dissonante com o pedido, bem como argui a inépcia por ausência de responsabilidade solidária. No mérito, aduz que prestou os serviços contratados, cumprindo integralmente as cláusulas contratuais e seus aditivos, porém o ente público não agiu da mesma forma, tanto que a parte apelante ajuizou ação declaratória visando ao cumprimento de obrigação de fazer no intuito de compelir o ente municipal ao adimplemento do pactuado. Em face dessa situação, requer (ID. 287360385): “A concessão das preliminares; O conhecimento e provimento da apelação, reformando-se integralmente a sentença de primeiro grau, para julgar improcedentes os pedidos formulados na inicial, tudo conforme tópicos pertinentes; Subsidiariamente, a redução das penalidades impostas, com observância ao princípio da proporcionalidade”. Nas contrarrazões, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO pugna pelo não provimento dos recursos, defendendo que pagamentos realizados à empresa contratada não seguiram o requisito previsto na Lei n.° 14.131/21 e na Lei n.° 4.320/64, além de não possuir vinculação a um processo licitatório, não podendo as partes alegar desconhecimento, já que deveriam fiscalizar os atos praticados durante seu mandato (ID. 287360388). A Procuradoria-Geral de Justiça manifesta-se “pelo provimento dos apelos” (ID. 292317930). É o relatório. DECIDO. De acordo com o artigo 932, incisos IV e V, do Código de Processo Civil, o Relator poderá julgar monocraticamente, desprovendo ou provendo um recurso, a fim de conferir maior coesão e celeridade ao sistema de julgamento monocrático, com base em precedentes dos tribunais, sumulados ou derivados de enunciados de julgamentos de casos repetitivos, jurisprudência pacificada ou dominante acerca do tema. Ademais, sabe-se que a apreciação do recurso de forma monocrática é possível sempre que houver entendimento dominante acerca do tema versado, consoante a Súmula n.° 568, do Superior Tribunal de Justiça. Extrai-se do processado que o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO ajuizou “AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA”, em desfavor de ARLINDO MÁRCIO MORAES, ANTÔNIO SEBASTIÃO DA COSTA MARQUES, AMIGOS TRANSPORTE LTDA-ME e GM TUR, em razão de irregularidades identificadas pela Controladoria Interna do Município de Poconé, MT, em relação aos contratos de transporte escolar, com pagamentos sem licitação, fracionamento de objetos, adimplemento em duplicidade e complementação indevida. Diante de tais fatos, o Parquet imputou aos requeridos a prática dos atos de improbidade administrativa tipificados no artigo 10, caput, incisos VIII e IX, e artigo 11, inciso I, ambos da Lei n.° 8.429/92. No curso da instrução, o juízo a quo julgou parcialmente extinta a ação, em relação à requerida GM TUR, sem resolução de mérito, diante do decurso de mais de 11 (onze) anos em que fosse possível a sua citação (ID. 287360375). Em relação aos demais requeridos, ora apelantes, sobreveio a sentença, já transcrita no relatório, que julgou parcialmente procedente a ação, para condená-los, nos termos do artigo 11, caput, da Lei n° 8.429/92, às sanções previstas no artigo 12, inciso III, da referida norma. Com essas considerações, passo à análise das insurgências recursais. DO PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA De proêmio, aponta-se que a apelante AMIGOS TRANSPORTES LTDA - ME solicitou a concessão dos benefícios da justiça gratuita, uma vez que o pagamento do preparo constitui requisito de admissibilidade do recurso. Sabe-se que a concessão ou não da assistência judiciária gratuita deve ser ponderada em cada caso específico, em conformidade com os elementos existentes no processo e com amparo no Código de Processo Civil e na Constituição Federal, que objetivam a facilitação do acesso à justiça. Os artigos 98 e 99, do Código de Processo Civil assim dispõem: “Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. § 1º A gratuidade da justiça compreende: I - as taxas ou as custas judiciais; II - os selos postais; III - as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; IV - a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse; V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais; VI - os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; VII - o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução; VIII - os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; IX - os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido. § 2º A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência. § 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. § 4º A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas. § 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento. § 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento. § 7º Aplica-se o disposto no art. 95, §§ 3º a 5º , ao custeio dos emolumentos previstos no § 1º, inciso IX, do presente artigo, observada a tabela e as condições da lei estadual ou distrital respectiva. § 8º Na hipótese do § 1º, inciso IX, havendo dúvida fundada quanto ao preenchimento atual dos pressupostos para a concessão de gratuidade, o notário ou registrador, após praticar o ato, pode requerer, ao juízo competente para decidir questões notariais ou registrais, a revogação total ou parcial do benefício ou a sua substituição pelo parcelamento de que trata o § 6º deste artigo, caso em que o beneficiário será citado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se sobre esse requerimento. Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. § 1º Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso. § 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos. § 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. § 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça. § 5º Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade. § 6º O direito à gratuidade da justiça é pessoal, não se estendendo a litisconsorte ou a sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos. § 7º Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento”. Na mesma vertente, o inciso LXXIV, do artigo 5.º, da Constituição Federal, disciplina em seu texto legal que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Sob esse aspecto, cabe ao julgador formular o seu entendimento a respeito da questão, para que a aplicação indiscriminada da norma benéfica não desvirtue sua finalidade, que é garantir o acesso à justiça àqueles que, de fato, necessitam do benefício. In casu, para demonstrar a alegada incapacidade financeira, a parte apelante colacionou aos autos documentos hábeis a comprovar a inatividade da empresa há mais de 04 (quatro) anos, sem qualquer movimentação financeira fiscal ou operacional (ID. 295302866 a 295302876), cumprindo a exigência legal. Sendo assim, presentes os requisitos, DEFIRO, à apelante AMIGOS TRANSPORTES LTDA, os benefícios da justiça gratuita na seara recursal. DA DESERÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO POR ARLINDO MÁRCIO MORAIS E ANTÔNIO SEBASTIÃO DA COSTA MARQUES Como mencionado anteriormente, o preparo é um dos pressupostos de admissibilidade recursal, conforme estabelece o artigo 1.007, do Código de Processo Civil: “Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. (...) § 4o O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção. § 5o É vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4o”. (Grifo nosso). Na hipótese, os apelantes ARLINDO MARCIO MORAIS e ANTÔNIO SEBASTIÃO DA COSTA MARQUES, conquanto intimados para comprovar o pagamento do preparo recursal em dobro, sob pena de deserção (ID. 292776389), deixaram transcorrer in albis o prazo concedido (ID. 298798867). Dessa maneira, a ausência de demonstração do recolhimento do preparo recursal, mesmo após intimação da parte apelante, impõe-se o reconhecimento da deserção e, consequentemente, o não conhecimento do apelo. A propósito, colaciona-se a lição de Nelson Nery Júnior e Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero: “Ao relator, na função de juiz preparador de todo e qualquer recurso do sistema processual civil brasileiro, compete o juízo de admissibilidade do recurso. Deve verificar se estão presentes os pressupostos de admissibilidade (cabimento, legitimidade recursal, interesse recursal, tempestividade, preparo, regularidade formal e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer). Trata-se de matéria de ordem pública, cabendo ao relator examiná-lo de ofício. [...] Nas hipóteses mencionadas, pode o relator, em qualquer tribunal, indeferir o processamento de qualquer recurso. [...] Pretende-se, com a aplicação da providência prevista no texto ora analisado, a economia processual, com a facilitação do trâmite do recurso no tribunal. O relator pode decidir monocraticamente tudo, desde a admissibilidade do recurso até o seu próprio mérito [...] Existindo irregularidade no processo, capaz de ocasionar juízo negativo de admissibilidade do recurso, o recorrente tem o direito subjetivo de ser intimado pelo relator para sanar a irregularidade, se sanável for.[...]” . (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1850/1853, 2078/2079). “[...] O relator deve inadmitir – isto é, não conhecer – o recurso quando esse não preencher os requisitos intrínsecos e/ou extrínsecos que viabilizam o seu conhecimento. [...]”. (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 879, 945/946). Assim, diante do não preenchimento do pressuposto de regularidade formal, não conheço do recurso deserto. DA PRELIMINAR DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL Preliminarmente, a parte apelante suscita a inépcia da petição inicial, sob o argumento de que a causa de pedir e o pedido estão dissonantes, não sendo possível chegar a uma conclusão lógica do pedido. Entrementes, referida preliminar já foi devidamente apreciada e afastada pelo juízo singular, quando do recebimento da petição inicial, de acordo com a redação processual vigente à época do ajuizamento da ação de improbidade administrativa, nos seguintes termos (ID. 287359896 – pág. 129): “O requerido Amigos Transporte LTDA – ME pugna pelo reconhecimento da inépcia dos pedidos de dano moral, improbidade administrativa e responsabilidade solidária alegando preliminar de ausência de causa de pedir, ilegitimidade e afirma que da narrativa dos fatos não se chega a uma conclusão lógica do pedido. Inicialmente, anoto que as preliminares apontadas se confundem com o mérito da demanda. A análise das preliminares ventiladas neste momento processual acarretaria julgamento antecipado da lide, uma vez que na forma apontada pelo requerido, elas se confundem com o mérito da demanda. Não há que se falar em inépcia por ausência de causa de pedir quanto ao dano moral, improbidade administrativa e responsabilidade solidária com fundamento na ausência de causa de pedir ou porque a narrativa dos fatos não leva a uma conclusão lógica. Não é oportuno nessa fase, a discussão do fundamento de cada pedido uma vez que seria necessário adentrar no mérito da questão, analisando a coerência dos fatos que eventualmente originaram cada situação. Ademais, verifico que a narrativa dos acontecimentos é coerente e leva a uma conclusão lógica, embasando de forma concisa os pedidos da exordial de forma que a ação possui pedido e causa de pedir em plena consonância, não havendo nada que obste o prosseguimento da demanda. Assim, tais preliminares não devem prosperar. Depois de detida análise dos autos, especificamente das razões trazidas pelos réus, tenho, em juízo preliminar, que presentes os pressupostos que me permitem receber a presente ação, quais sejam, a existência de fortes indícios da prática de atos de improbidade, bem como de responsabilidade dos requeridos. Pelo que os autos, nesta fase inicial revelam, que não há como se afirmar que os atos ímprobos inexistiram ou mesmo que a ação é improcedente, devendo, pois, ser regularmente recebida a inicial e instaurado o contraditório. Com tais fundamentos, REJEITO as preliminares arguidas e RECEBO a inicial, determinando sejas os requeridos citados para apresentarem contestação, no prazo de 15 (quinze) dias”. Nesse contexto, em que pese a alegada inépcia da petição inicial se trate de matéria de ordem pública que, por consequência, não está sujeita à preclusão temporal, submete-se à preclusão consumativa quando a parte deixa de praticar o ato processual ou de impugnar no momento oportuno. No caso dos autos, operou-se a preclusão consumativa, tendo em vista a ausência de impugnação quando da decisão que analisou a questão, nos termos do artigo 507, do CPC. A propósito: “DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NOMEAÇÃO PARA CARGO EM COMISSÃO . SÚMULA VINCULANTE Nº 13. PARENTESCO EM 4º GRAU. NÃO CONFIGURAÇÃO DE NEPOTISMO. PARCIAL CONHECIMENTO DO RECURSO E, NA PARTE CONHECIDA, PELO PROVIMENTO . 1. CASO EM EXAME1.1. Apelação interposta pelos Réus contra sentença que julgou procedentes os pedidos da Ação Civil Pública nº 0000171-09 .2022.8.16.0084, condenando-os pela prática de Improbidade Administrativa, com base no artigo 11, inciso XI, da Lei nº 8 .429/1992.1.2. A sentença considerou configurado o nepotismo na nomeação da Ré, prima do então Vice-Prefeito de Rancho Alegre D’Oeste .1.3. Os Apelantes pleiteiam, em preliminar, o reconhecimento da inépcia da petição inicial e, no mérito, a improcedência dos pedidos, alegando ausência de dolo ou má-fé.1 .4. Em contrarrazões, o Ministério Público defende a manutenção da sentença, afirmando a prática de atos ímprobos dolosos.1.5 A Procuradoria de Justiça opina pelo provimento do recurso, argumentando que o parentesco do caso dos autos não configura nepotismo segundo a Súmula Vinculante nº 13 .2. QUESTÕES EM DISCUSSÃO2.1 Há duas questões em discussão: (i) se a petição inicial padece de inépcia, conforme alegado em sede preliminar; (ii) se a nomeação da Ré, prima do Vice-Prefeito, configura nepotismo à luz da Súmula Vinculante nº 13 do STF.3 . RAZÕES DE DECIDIR3.1 Preliminarmente, afasta-se a alegação de inépcia da petição inicial, considerando que a decisão de saneamento já analisou e rejeitou a tese, operando-se a preclusão consumativa, nos termos do artigo 507 do CPC e do precedente do STJ. 3.2 Quanto ao mérito, o parentesco de 4º grau (primos) não se enquadra nas hipóteses de nepotismo previstas pela Súmula Vinculante nº 13, que restringe a vedação até o 3º grau . Ademais, não houve dolo ou má-fé na nomeação, afastando-se a imputação de Improbidade Administrativa.4. DISPOSITIVO 4.1 Parcial conhecimento do recurso e, na parte conhecida, provimento para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos da Ação Civil Pública .Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, art. 37, II e V; Lei nº 8.429/1992, art. 11, XI; Código de Processo Civil, art . 507.Jurisprudência relevante citada: STF, Súmula Vinculante nº 13; STJ, REsp 1783281/PE, Rel. Min. Og Fernandes, DJ 29/10/2019”. (TJ-PR 00001710920228160084 Goioerê, Relator.: substituto anderson ricardo fogaca, Data de Julgamento: 26/11/2024, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 27/11/2024). Logo, a preliminar de inépcia da petição inicial está prejudicada. DO MÉRITO Da análise da questão posta, verifica-se que a despeito da imputação, pelo Parquet, da prática de atos de improbidade administrativa tipificados nos artigos 10, inciso VIII e IX, e 11, caput, inciso I, todos da Lei n.° 8.429/92, o juízo condenou a parte apelante, tão somente, pela prática de ato tipificado no artigo 11, caput¸ da referida Lei. Com efeito, a Lei n.° 14.230/21 modificou diversos dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa, incluindo, expressamente, os princípios do Direito Administrativo Sancionador, no artigo 1°, § 4°, da Lei n.° 8.429/92, in verbis: “Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei. (...) § 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Por se tratar de desmembramento do direito sancionador penal, os mesmos princípios e garantias a ele assegurados, tais como os princípios da legalidade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, da segurança jurídica, da retroatividade da lei benéfica, individualização da pena, além da razoabilidade e proporcionalidade, devem ser observados na esfera administrativa. Dentre os princípios mencionados, sobreleva-se o da retroatividade da norma mais benéfica, previsto no artigo 5°, inciso XL, da Constituição da República. Veja-se: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Nesse encadeamento, a retroatividade da lei mais benéfica incide ao campo administrativo e judicial sancionador, cenário no qual estão inseridos os atos ímprobos, justamente porque, assim como a norma penal, a Lei n.° 8.429/92 prevê, em seu corpo estrutural, um coletivo de sanções e penalidades aos agentes públicos. Ademais, a regra do art. 6°, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que prevê o tempus regit actum, não prevalece quanto ao aspecto material, porquanto a natureza jurídica da norma que disciplina o ato de improbidade e suas consequências é sancionatória, o que atrai a incidência do artigo 5°, inciso XL, da Constituição Federal, já transcrito nesse voto. Nessa toada, a retroatividade da lei benigna insere-se em princípio constitucional com aplicabilidade para todo o exercício do jus puniendi estatal, nele inserido a improbidade administrativa. Igualmente, convém relembrar que o artigo 9°, do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil com status supralegal, ao replicar o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, não o cingiu à norma penal, sendo, portanto, aplicável ao direito sancionador como um todo. Transcrevo: “Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinqüente será por isso beneficiado”. A propósito, acerca da aplicação da retroatividade da lei mais benéfica aos processos administrativos sancionadores, assim reconheceu o Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. (...) 2. O processo administrativo disciplinar é uma espécie de direito sancionador. Por essa razão, a Primeira Turma do STJ declarou que o princípio da retroatividade mais benéfica deve ser aplicado também no âmbito dos processos administrativos disciplinares. (...)”. ( AgInt no RMS 65.486/RO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 26/08/2021). “DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA AO ACUSADO. APLICABILIDADE. EFEITOS PATRIMONIAIS. PERÍODO ANTERIOR À IMPETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 269 E 271 DO STF. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. (...) III – Tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei Municipal n° 13.530/03, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no artigo 5°, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador. Precedente. IV – Dessarte, cumpre à Administração Pública do Município de São Paulo rever a dosimetria da Sanção, observando a legislação mais benéfica ao Recorrente, mantendo-se indenes os demais atos processuais (...) VI – Recurso em Mandado de Segurança Parcialmente provido”. (STJ, RMS 37.031/SP, Rel. Min. Helena Costa, 1ª Turma, DJ de 20/02/2018). “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PODER DE POLÍCIA. SUNAB. MULTA ADMINISTRATIVA. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. POSSIBILIDADE. ART. 5º, XL, DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA. PRINCÍPIO DO DIREITO SANCIONATÓRIO. AFASTADA A APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. I. O art. 5º, XL, da Constituição da Republica prevê a possibilidade de retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage. Precedente. (...)”. (REsp 1153083/MT, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2014, DJe 19/11/2014). As mudanças mais benéficas da nova lei, de natureza material, portanto, retroagem em benefício de agentes públicos ou terceiros, cujas demandas tenham sido distribuídas com base na redação anterior da Lei de Improbidade Administrativa. A propósito, a celeuma quanto à aplicação do princípio da retroatividade, alcançando fatos e atos praticados sob a vigência do texto que precede a reforma, chegou ao colendo Supremo Tribunal Federal que, no julgamento do ARE 843.989, reconheceu a Repercussão Geral (Tema n.° 1.199), fixou a seguinte tese: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. 1. A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos. 2. O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF). 3. A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem "induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”. 4. O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. 5. A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa. 6. A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA). 7. O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). 8. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). 11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 14. Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16. Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17. Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente – , há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN. 19. Recurso Extraordinário PROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". (ARE 843989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022). (Grifo nosso). À vista disso, a despeito do entendimento quanto à irretroatividade da nova lei quanto à prescrição e às demandas já transitadas em julgado, o STF ressalvou a sua retroação benéfica em relação à revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, enfatizando a necessidade de comprovação da responsabilidade subjetiva – dolo – a todos os atos tipificados nos artigos 9°, 10 e 11, da Lei 8.429/92, nas ações pendentes de julgamento. A figura típica do artigo 11, caput, da Lei n.° 8.429/92, imputada à parte apelante, possuía a seguinte redação vigente à época da propositura da ação: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: [...]”. Entretanto, a partir da Lei n.° 14.230/21, não mais se admite a tipificação genérica, baseada em princípios, sem que haja, simultaneamente, a capitulação da conduta em um dos incisos arrolados no novo dispositivo, ou seja, ocorreu a abolição do tipo administrativo com fundamento exclusivo no caput, do artigo 11, da Lei n.° 8.429/92. Essa conclusão, a propósito, tem sido abordada pelo Supremo Tribunal Federal, em julgados recentes, nos quais tem posicionado pela retroatividade da tipificação taxativa dos atos dolosos de improbidade administrativa atentatórios aos princípios da administração pública, em especial a partir do Tema n.° 1.119, já transcrito nesse voto. A esse respeito, em decisão monocrática proferida no ARE n.° 1.346.594 SP, o Ministro Gilmar Mendes assim ponderou: “observo que a nova redação do art. 11, que antes permitia a condenação por ato de improbidade mediante imputação fundamentada unicamente no caput do dispositivo, deve incidir imediatamente na espécie, não mais se admitindo a condenação por mera ofensa aos princípios da Administração Pública não tipificada expressamente em qualquer de seus incisos. [...] Observo, por fim, que (i) a imputação promovida pelo autor da demanda, à exemplo da capitulação promovida pelo Tribunal de origem, restringiu-se a subsumir a conduta imputada aos réus exclusivamente ao disposto no caput do art. 11 da Lei 8.429/1992 (eDOC 1, pp. 1-11) e que (ii) as condutas praticadas pelos réus, nos estritos termos em que descritas no arresto impugnado ("organizaram-se para adquirir imóveis que, sabiam, seriam declarados de utilidade pública e, então, seriam expropriados pelo poder público"- eDOC 18, p. 82), não guardam correspondência com qualquer das hipóteses previstas na atual redação dos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992. Nesse cenário, considerada a aplicabilidade imediata da Lei 14.230/2021 ao caso concreto e a abolição, pela nova legislação, do ato de improbidade administrativa por mera violação dos princípios da Administração Pública com fundamento exclusivamente no caput do art. 11 da Lei 8.429/1992 (única imputação efetivamente veiculada pelo Ministério Público de São Paulo na petição de ingresso da ação civil pública), constata-se a impossibilidade jurídica de manutenção da condenação ratificada pelo acórdão recorrido, impondo-se a sua reforma” (STF - ARE: 1346594 SP, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 25/05/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 25/05/2023 PUBLIC 26/05/2023). Desse modo, impõe-se o reconhecimento da abolitio improbitatis promovida pela Lei n.° 14.230/2021 e, consequentemente, a reforma da sentença condenatória para julgar improcedente o pedido inicial. Nesse sentido: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ALTERAÇÕES NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PELA LEI Nº 14.230/2021 – REVOGAÇÃO DO ART. 11, INCISO I – ABOLITIO CRIMINIS – RECURSO DESPROVIDO. 1. O sistema da Improbidade Administrativa adotou expressamente os princípios do Direito Administrativo Sancionador, dentre eles o da legalidade, segurança jurídica e retroatividade da lei benéfica. 2. O artigo 11, inciso I, da Lei nº 8.429/92 foi revogado com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, motivo por que a denúncia formulada com fundamento no referido tipo penal não merece prosperar. 3. Recurso desprovido. (TJ-MT 00025817020098110040 MT, Relator: ANTONIO VELOSO PELEJA JUNIOR, Data de Julgamento: 08/11/2022, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 25/11/2022). (Grifo nosso). “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RETROATIVIDADE DA LEI 14.230/2021. DIREITO SANCIONADOR. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ROL TAXATIVO. REVOGAÇÃO DO INCISO I, ART. 11, DA LEI 8.429/92. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. Da retroatividade da norma sancionadora mais benéfica 1. A Lei de Improbidade Administrativa tem o escopo de proteger os princípios administrativos e o erário, por meio de sanções que não aquelas previstas na legislação penal, ou seja, trata-se do Direito Administrativo Sancionador, que em muito se assemelha à função do Direito Penal, mas que a este não se iguala. Em virtude disso, alguns institutos e princípios do Direito Penal são aplicáveis ao caso de improbidade, pois pertencem ao gênero do Direito Sancionador, dos quais aqueles são espécies. Possibilidade de retroatividade da norma mais benéfica, em harmonia com os ditames das normas sancionadoras. Da questão de fundo 2. Não se verifica conduta do réu eivada de má-fé ou dolo específico, com a percepção de vantagem pessoal, capaz de configurar qualquer ato de improbidade. Ademais, a conduta prevista no inciso I do artigo 11 da Lei de Improbidade não mais subsiste, pois esse dispositivo foi revogado pela Lei nº 14.230/2021. Ainda, incumbia ao Ministério Público a demonstração de que a conduta do agente se subsume nas demais previsões daquele rol taxativo, o que não ocorreu na presente ação civil pública. 3. A nova redação da lei de improbidade administrativa reflete os valores contemporâneos do Direito Sancionador e a consolidação da jurisprudência das instâncias superiores, notadamente com relação à necessidade do elemento subjetivo, dolo, para configuração dos atos ímprobos e à taxatividade do rol de condutas. APELAÇÃO DESPROVIDA”. (TJ-RS - AC: 00348539320218217000 TRAMANDAÍ, Relator: Voltaire de Lima Moraes, Data de Julgamento: 30/05/2022, Quarta Câmara Cível, Data de Publicação: 12/07/2022). (Grifo nosso). “APELAÇÃO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – Pretensão do Autor Ministério Público do Estado de São Paulo à condenação dos Requeridos por atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da Administração Pública – Alegação de que os Requeridos teriam simulado, com a lavratura de falsos Boletins de Ocorrência, o encontro e a apreensão dos veículos furtados e roubados – Constitucionalidade do artigo 2º da Lei nº 14.230/2021 – Proteção suficiente, proporcional e adequada dos bens jurídicos tutelados - Alterações legislativas realizadas pela Lei nº 14.230/2021 – Aplicação retroativa das normas mais benéficas aos Requeridos – Art. 1º, § 4º, da Lei de Improbidade Administrativa – Art. 5º, XL, da CF – Revogação do art. 11, incisos I e II, da Lei de Improbidade Administrativa, aplicada retroativamente aos Requeridos – Taxatividade do rol de condutas previstas no art. 11 da Lei nº 8.429/1992 – Inexistência de continuidade normativa típica no caso – Sentença de improcedência mantida – Apelação desprovida”. (TJ-SP - AC: 10007633820148260278 SP 1000763-38.2014.8.26.0278, Relator: Ana Liarte, Data de Julgamento: 25/07/2022, 4ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 26/07/2022). (Grifo nosso). “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO CONFIGURADA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTIGO 11, CAPUT E INCISO I, DA LEI Nº 8.429/92. ADVENTO DA LEI Nº 14.230/2021. REVOGAÇÃO DE REFERIDO INCISO I. ROL TAXATIVO DA MENCIONADA NORMA. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE MAIS BENÉFICA. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ATIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. RECURSO ACOLHIDO, COM EFEITOS INFRINGENTES E, CONSEQUENTE, IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA ORIGINÁRIA. (TJPR - 5ª C. Cível - 0002943-91.2015.8.16.0050 - Bandeirantes - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ MATEUS DE LIMA - J. 30.05.2022)”. (TJ-PR - ED: 00029439120158160050 Bandeirantes 0002943-91.2015.8.16.0050 (Acórdão), Relator: Luiz Mateus de Lima, Data de Julgamento: 30/05/2022, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 31/05/2022). (Grifo nosso). De outra parte, registra-se que, nos termos do artigo 1.005, do Código de Processo Civil, o recurso interposto por um dos litisconsortes no processo, a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses, in verbis: “Art. 1.005. O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses. Parágrafo único. Havendo solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros quando as defesas opostas ao credor lhes forem comuns”. Nesse contexto, do exame dos elementos e circunstâncias que envolvem a controvérsia, vislumbra-se que a situação jurídica da parte apelante e dos requeridos ARLINDO MÁRCIO MORAIS e ANTÔNIO SEBASTIÃO DA COSTA MARQUES é a mesma, qual seja, não podem ser condenados com base na capitulação genérica do artigo 11, caput, da Lei n.° 8.429/92, o que permite a extensão dos efeitos recursais aos litisconsortes, na mesma condição, que não tenha interposto recurso de apelação. A propósito, sobre o aproveitamento do recurso aos que figuram no mesmo polo da demanda, colacionam-se os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (in Novo Código de Processo Civil Comentado. Revista dos Tribunais, 2015. p. 937): “Trata-se de caso particular em que há extensão subjetiva do recurso sem que exista litisconsórcio unitário. O art. 1.005, parágrafo único, CPC, deve ser lido conjuntamente com o art. 274, CC: havendo solidariedade em um dos polos do processo, afirmando um dos consortes questão favorável comum, o julgamento benéfico a todos aproveita”. Ante o exposto, CONHEÇO E DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por AMIGOS TRANSPORTES LTDA – ME, para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos iniciais, estendendo os efeitos absolutórios a ARLINDO MÁRCIO MORAIS e ANTÔNIO SEBASTIÃO DA COSTA MARQUES, nos termos do artigo 1.005, do CPC. Transcorrido in albis o prazo recursal, retornem os autos ao juízo de origem, com as cautelas e homenagens de estilo. Intimem-se. Cumpra-se. Cuiabá, MT, data registrada no sistema. Desa. MARIA APARECIDA FERREIRA FAGO Relatora
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