Processo nº 5643489-65.2023.8.09.0051
ID: 325770913
Tribunal: TJGO
Órgão: Goiânia - 4ª UPJ Varas Cíveis e Ambientais: 13ª, 14ª, 15ª e 16ª
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5643489-65.2023.8.09.0051
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARIANA OLIVEIRA VITOR
OAB/GO XXXXXX
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MAURICIO ALVES DE LIMA
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5643489-65.2023.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> …
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DE GOIÂNIA
14ª VARA CÍVEL E AMBIENTAL
Processo nº.: 5643489-65.2023.8.09.0051
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento Comum Cível
Requerente: Esio Pires Dos Santos
Requerido: Danilo Skaf Elias Teixeira
SENTENÇA
Trata-se de Ação de Indenização por Perdas e Danos c/c Danos Morais ajuizada por Ésio Pires dos Santos e Marta de Jesus Santos Pires em desfavor de Danilo Skaf Elias Teixeira e Fernanda Azevedo Lima Teixeira, todos devidamente qualificados.
Em aperta síntese, alegam os autores terem celebrado com os requeridos um contrato de compra e venda de um imóvel, no valor de R$ 1.030.000,00 (um milhão e trezentos mil reais), cujo pagamento seria realizado de diversas formas, incluindo a entrega de veículos.
Sustentam que, ao tentarem transferir o veículo Land Rover Discovery, placa OOT 0808, foi constatado um defeito na marcação do número do motor e, após três vistorias, foi confirmada a falha na marcação, o que impossibilitaria a transferência e resultaria em desvalorização do veículo.
Discorrem que, ao analisar as informações do automóvel, foram encontradas inconsistências nas transferências realizadas pelo réu Danilo, sendo também constatado que este comprou o veículo em leilão, o que diminui o interesse dos autores em prosseguir com o negócio.
A parte demandante afirma que não houve menção desse problema durante a negociação entre as partes e que a remarcação do motor causaria uma depreciação de até 30% (trinta por cento) no valor do bem. Sustentam, ademais, que os requeridos se limitaram a indicar um despachante para realizar a transferência, o que é considerado temerário pelos requerentes, que defendem ter agido de boa-fé.
Segundo os requerentes, realizaram melhorias e reparos no veículo, mas não puderam utilizá-lo, devido aos imbróglios causados pela falha na marcação, com risco de apreensão policial, e, diante disso, fundamentam sua pretensão na violação do princípio da boa-fé objetiva e no direito à reparação do dano, pugnando pela condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos materiais no valor do veículo, ou seja, R$ 145.266,00 (cento e quarenta e cinco duzentos e sessenta e seis reais), além de danos morais, no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Acompanham a inicial os documentos juntados ao evento 01.
Na decisão de evento 10, este juízo indeferiu o pedido de gratuidade, por não verificar a hipossuficiência econômica dos autores. No entanto, facultou-se o parcelamento das custas iniciais em 10 (dez) vezes, em respeito ao princípio da acessibilidade ao Poder Judiciário.
Comprovado o recolhimento da 1ª parcela das custas iniciais (evento 17), decisão de evento 19 recebeu a inicial, designou audiência preliminar de conciliação e determinou a citação da parte requerida para oferecer contestação, no prazo legal.
Audiência de conciliação realizada na data de 23/07/2024, na qual não se obteve êxito na composição amigável entre as partes, devido à ausência dos réus, ainda não citados à época (evento 81).
Citados (eventos 92 e 95), os demandados apresentaram contestação c/c reconvenção ao evento 91, arguindo que o prazo para contestar não havia começado a fluir, vez que o aviso de recebimento da citação de Danilo não foi juntado aos autos e a citação de Fernanda foi infrutífera, sendo expedido o mandado pertinente (evento 90), ainda não devolvido.
Inicialmente, invocaram tese de prejudicial de mérito de prescrição do direito autoral, sustentando que, como se cuida de uma relação entre particulares, não se aplicam as regras atinentes às leis consumeristas, de modo que a situação em tela atrairia para si o regramento acerca dos vícios redibitórios, disposto no art. 441 a 446 do Código Civil. Nessa senda, dizem que o direito atinente às ações edilícias decaiu no tempo, tendo em vista que, tratando-se de suposto vício oculto de bem móvel, o prazo para obter a redibição ou abatimento no preço é de 30 dias. Contudo, asseveraram que a pretensão autoral não é de ação edilícia, mas, sim, indenizatória, a saber, ação de indenização por perdas e danos c/c danos morais, a qual, por sua vez, sujeita-se aos efeitos da prescrição trienal, de modo que o direito dos autores estaria fulminado pela prescrição, considerando que a formalização do contrato, bem como a entrega do veículo ocorreu em 20/04/2020, ao passo que o ajuizamento da presente ação ocorreu somente em 27/09/2023, após o prazo trienal da prescrição, que se operou em 20/04/2023.
No mérito, os réus informaram que o negócio foi celebrado em 20/04/2020 e o problema foi reportado em 03/08/2022, após dois anos de uso do carro, sendo que o requerido Danilo Skaf Elias Teixeira outorgou procuração ao autor para realizar a transferência do veículo. Alegam que, após decorridos dois anos utilizando o automóvel, os requerentes se insurgem com a alegação de que o bem fora vendido com problemas na marcação do motor. Sustentaram, todavia, que, conforme laudo datado de 28/01/2020, a vistoria foi aprovada, sem nenhuma intercorrência, tampouco com o apontamento de necessidade de remarcação do chassi. Informaram que o réu Danilo comprou o veículo de Rodrigo Carneiro, o qual teria recebido o carro através de uma negociação de compra de um imóvel, da empresa L E L Logística de Veículos Ltda, não havendo que se falar em aquisição através de leilão. Salientam que o demandado recebeu o automóvel em dezembro de 2019 e o transferiu para si em 29/01/2020, ocasião em que realizou vistoria no Detran e não fora apontada qualquer intercorrência. Asseveraram, ademais, que na própria consulta colacionada pela parte requerente não há indicativo de que o veículo tenha sido objeto de sinistro, tampouco levado a leilão. Aduziram que, decorrido o período de dois anos, os autores tentam imputar suposto dano aos requeridos, mesmo tendo a obrigação de ter transferido o veículo em um período de 30 (trinta) dias da data da realização do negócio. O réu Danilo reitera que outorgou procuração ao primeiro autor para que realizasse a transferência do carro, de modo que desconhece eventuais tentativas de transferências após a entrega do carro e do DUT. Os réus ainda sustentam que os autores argumentam a necessidade de remarcação do motor e do chassi, sem explicitar se há a necessidade de remarcação de ambos. Aduzem que referidas remarcações têm finalidades e contextos diferentes e que a ausência de delimitação do contexto em que isso é exigido obsta, inclusive, o direito de defesa. Discorreram sobre a ausência do dever de reparação e de qualquer violação à boa-fé objetiva, assim como a inexistência dos danos morais suplicados. Pugnaram, assim, pela extinção do processo, com resolução de mérito, tendo em vista a ocorrência de prescrição da pretensão autoral, nos termos do art. 487, inciso II, do Código de Processo Civil ou, subsidiariamente, a improcedência dos pleitos contidos na exordial.
Em continuidade, os réus Danilo Skaf Elias Teixeira e Fernanda Azevedo Lima Teixeira veicularam pretensão reconvencional. A reconvenção tem origem na compra e venda do veículo Land Rover Discovery, placa OOT 0808, modelo 2014/2014, cor prata, que foi entregue aos autores em 20 de abril de 2020, conforme contrato formalizado na mesma data. Discorrem que, a partir da tradição do bem, o veículo passou a estar sob a posse e responsabilidade dos compradores, que assumiram as obrigações decorrentes de sua propriedade. Ocorre que, segundo os réus/reconvintes, o problema central surge do inadimplemento dos autores/reconvindos quanto ao pagamento do IPVA desde o ano de 2022. Este descumprimento das obrigações tributárias gerou consequências diretas para os promovidos, especialmente para o réu Danilo, que teve seu nome inscrito em dívida ativa em razão dos débitos não quitados pelos atuais possuidores do bem. Asseveraram que esta situação tem causado prejuízos significativos aos vendedores, que permanecem formalmente responsáveis perante os órgãos públicos.
Com base na posse efetiva do bem pelos compradores e nas cláusulas contratuais que estabelecem tal responsabilidade, os requeridos formulam pedidos específicos na reconvenção. Primeiramente, pleiteiam a condenação dos autores ao pagamento de todos os valores de IPVA em atraso, desde a entrega do veículo, que totalizam R$ 15.552,28 (quinze mil quinhentos e cinquenta e dois reais e vinte e oito centavos). Além da questão tributária, os reconvintes requereram que os autores sejam compelidos a realizar a transferência definitiva do veículo para o nome do primeiro autor, visando evitar que novos prejuízos sejam causados aos vendedores, que continuam formalmente vinculados ao bem já alienado. A reconvenção também contempla pedidos de indenização por danos morais. Para Danilo, pleiteia-se o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) como compensação pela inscrição de seu nome em dívida ativa, situação que configura dano moral in re ipsa. Já a ré Fernanda busca a condenação dos demandantes em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), pelos transtornos experimentados, incluindo os pedidos não atendidos de transferência do veículo, a necessidade de ajuizamento da ação e o abalo psicológico decorrente de toda a situação. Por fim, os requeridos/reconvintes pediram a procedência integral da reconvenção, atribuindo-lhe o valor total de R$ 35.552,28 (trinta e cinco mil quinhentos e cinquenta e dois reais e vinte e oito centavos). Adicionalmente, requereram a condenação dos autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, como consequência natural do eventual acolhimento dos pedidos formulados.
Em evento 100, a parte autora apresentou impugnação à contestação, alegando que os requeridos foram devidamente citados e que a contestação foi apresentada intempestivamente, requerendo a aplicação dos efeitos da revelia. No mérito, defendem que o termo inicial da prescrição deve ser o momento em que o dano ou prejuízo ocorre, e não a tradição do veículo, sendo que os requeridos tinham conhecimento do interesse do autor em vender o bem. Aduz que o réu Danilo reconheceu ter necessitado de uma “vistoria amiga” e de um “despachante” para realizar a transferência do veículo para seu nome, demonstrando má-fé em suas ações. Reiterou, assim, o pedido de indenização, a anulação parcial do negócio jurídico e a restituição dos valores. A parte requerente/reconvinda impugnou a reconvenção, alegando a revelia dos requeridos, a ausência de recolhimento das custas processuais e a inexistência de danos morais. Ao final, pediu o reconhecimento da revelia, com a procedência dos pedidos contidos na exordial, a realização da perícia técnica e a improcedência do pedido de reconvenção.
Em evento 102, os requeridos apresentaram réplica à impugnação, reiterando os termos da defesa e do pleito reconvencional.
Decisão de evento 103 determinou a intimação das partes para promoverem o saneamento colaborativo, indicando os pontos controvertidos e as provas que pretendem produzir.
A parte autora requereu a designação da prova de perícia técnica, para atestar a necessidade de remarcação do motor (evento 108).
A parte ré, por sua vez, afirmou que a controvérsia cinge-se ao suposto vício oculto e que qualquer defeito relacionado ao veículo deve ser devidamente apurado, levando-se em conta as possíveis causas, como a oxidação natural, o uso inadequado pelo comprador ou até mesmo a possibilidade de fraude. Requereu o reconhecimento da prescrição, tendo em vista que a pretensão é de reparação civil e a ação foi ajuizada após o prazo trienal. Além disso, manifestou interesse na produção de prova oral e juntou o rol de testemunhas a serem ouvidas (evento 109).
Em decisão proferida ao evento 111, este juízo determinou a intimação das partes para se manifestarem sobre a possível decadência do direito da parte autora, com fulcro no art. 445, § 1º, do CPC, considerando que o contrato foi celebrado em 20/04/2020 e o autor tomou conhecimento do suposto vício oculto em agosto de 2022, ajuizando a ação em 27/09/2023.
Os requeridos se manifestaram sobre a decadência, argumentando que o prazo para obter a redibição ou abatimento no preço de bem móvel é de 30 dias, podendo ser estendido até 180 dias. Alegam que o vício foi reportado mais de dois anos após a tradição do bem, operando-se a prescrição em 20 de abril de 2023, sendo que a obrigação prevista em lei para a transferência de veículos é de 30 dias, conforme prevê o Código de Trânsito Brasileiro (evento 116).
Por fim, a parte autora asseverou que não há qualquer espécie de decadência ou prescrição no presente caso, sendo o vício alegado distinto, tratando-se de defeito que depende de outros órgãos e de diversas situações para ser efetivamente constatado, de forma que o termo inicial é do momento do conhecimento do vício, e não da tradição, além de que houve tentativa de resolver a situação extrajudicialmente, o que impede o prazo decadencial (evento 118).
Após, vieram-me os autos conclusos.
É o breve relatório.
Decido.
De partida, impõe-se consignar que, como é sabido, é o juiz da causa o destinatário das provas, sendo assim, estando ele satisfeito com o conjunto probatório apresentado no processo, desde que tenha conteúdo suficiente para lastrear seu livre convencimento, devidamente motivado, não há falar-se em cerceamento de defesa.
O juiz que promove o julgamento antecipado da ação, por considerar que a prova até então produzida é suficiente para a formação do seu convencimento, não comete nenhuma afronta aos princípios do devido processo legal e ampla defesa.
Aliás, o juiz tem o poder/dever de assim agir.
No caso do processo, em análise dos fatos alegados na petição inicial e na contestação c/c reconvenção, bem como, pela documentação apresentada, é perfeitamente possível a prolação de sentença sem a produção das provas oral e pericial requeridas.
Com efeito, tenho que os elementos de prova colacionados ao processo são suficientes para embasar o julgamento do mérito da questão, razão por que INDEFIRO os requerimentos instrutórios formulados pelas partes aos eventos 108 e 109.
Ultrapassada esta questão, tenho que o processo se encontra em ordem e as partes representadas, não havendo irregularidades ou nulidades a serem sanadas.
Ademais, ressalto que o feito teve tramitação normal e que foram observadas as garantias dos sujeitos da relação processual quanto ao contraditório e à ampla defesa. Além disso, estão presentes os pressupostos de existência e validade processuais.
Nestes termos, tenho que o processo está apto a receber julgamento no estado em que se encontra, porquanto a matéria versada não necessita de produção de outras provas, incidindo o disposto no artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
I – DA AÇÃO
Na ordem de enfrentamento das matérias submetidas a apreciação, passo à análise das preliminares e prejudiciais de mérito arguidas pelos sujeitos processuais na contestação c/c reconvenção (evento 91) e na impugnação (evento 100).
Primeiramente, por se tratar de questão prejudicial às demais, passo à análise da revelia suscitada pelos autores, a qual, adianto, não entendo configurada.
Isso porque, diferentemente do quanto fora alegado pelos demandantes, os requeridos não foram citados em eventos de 69 e 70, pois, conforme se infere do AR juntado ao evento 82, consta como não efetivada a citação da ré Fernanda Azevedo Lima Teixeira, formalidade que somente restou cumprida na data de 06/09/2024, às 09:20 horas, conforme mandado cumprido por Oficial de Justiça e juntado aos autos em 12/09/2024, em evento 92. Por sua vez, a citação do réu Danilo Skaf Elias Teixeira consta como efetivada por meio de carta. Contudo, a informação de AR foi colacionada aos autos apenas em 25/09/2024, conforme se denota do evento 95.
Ora, como constou na decisão inicial (evento 19), na hipótese em apreço, o prazo para contestar os termos da presente ação iniciou-se, no caso concreto, na forma prevista no artigo 231 do Código de Processo Civil (artigo 335, inciso III, do Código de Processo Civil), in verbis:
“Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo:
I - a data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a citação ou a intimação for pelo correio;
II - a data de juntada aos autos do mandado cumprido, quando a citação ou a intimação for por oficial de justiça;” (Destaquei)
Logo, como a juntada do mandado cumprido e da informação do AR ocorreram, respectivamente, em 12/09/2024 e 25/09/2024 (eventos 92 e 95) e a contestação foi apresentada em 10/09/2024 (evento 91), não há falar em intempestividade da peça de contestação c/c reconvenção, a ensejar o reconhecimento da revelia e de seus efeitos.
Ultrapassado tal ponto, urge deliberar a respeito da decadência suscitada por este juízo ao evento 111, bem como acerca da prescrição invocada pela parte requerida na peça defensiva.
Nesse contexto, em que pese a irresignação manifestada pelos autores ao evento 118, entendo que, na hipótese, ao menos no que se refere aos danos materiais, a pretensão autoral se encontra fulminada pela decadência. Explico.
Rememoro que as partes entabularam negócio jurídico em 20/04/2020, por meio do qual fora efetivada a tradição do veículo objeto desta lide. Sustenta a parte autora que os requeridos teriam omitido a existência de vício oculto no bem, razão pela qual pretende, com a presente demanda, a condenação dos réus ao pagamento de reparação moral e material, esta última consistente, em verdade, na redibição, já que pugna pela restituição da quantia correspondente ao preço do automóvel.
Inicialmente, convém ressaltar que o ‘nomen iuris’ atribuído à peça de ingresso pelo advogado é irrelevante, pois a natureza da ação é identificada a partir do pedido e da causa de pedir.
Com efeito, o nome dado à ação pela parte autora não tem importância, cabendo ao julgador, por meio da interpretação lógico-sistemática do pedido e da causa de pedir, extrair sua natureza jurídica, como se depreende do princípio ‘narra mihi factum dabo tibi jus’ (narra-me o fato que te darei o direito).
Este entendimento é corrente na doutrina e na jurisprudência, inclusive do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, do qual cito o seguinte precedente:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. INÉPCIA DA INICIAL. NOMEN IURIS ATRIBUÍDO À AÇÃO. IRRELEVÂNCIA. NATUREZA JURÍDICA. SIMPLES LEITURA DA INICIAL. NECESSIDADE DE PRÉVIA INTIMAÇÃO DA PARTE AUTORA. SENTENÇA CASSADA. 1. A nomenclatura atribuída à demanda é irrelevante para se determinar sua natureza jurídica. Isso porque, a imprecisão técnica do nomen iuris da ação não impede que o juiz preste a devida tutela jurisdicional, quando possível identificar a pretensão autoral pela simples leitura da inicial. 2. Ao se observar defeito na peça vestibular ou nos documentos que a instruem, deve-se, antes de efetivado o julgamento da demanda, oportunizar à parte autora a regularização, com a emenda da petição inicial a fim de viabilizar o prosseguimento do feito (artigo 321 do Código de Processo Civil). 3. No caso, seja porque irrelevante a nomenclatura da ação para aferição de sua natureza jurídica, seja porque verificada a ausência de cumprimento da determinação constante do artigo 321 do Código de Processo Civil, de rigor a cassação da sentença combatida. 4. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA CASSADA”. (TJ-GO - Apelação Cível: 04568648620158090051 GOIÂNIA, Relator.: Des(a). Fernando Braga Viggiano, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 10/06/2024) (Destaquei)
Sendo assim, ao juiz incumbe fazer leitura sistematizada da inicial para extrair a real pretensão deduzida.
Diante disso, como já salientado por este juízo em evento 111, a pretensão reparatória por dano material, fundada no suposto vício oculto apresentado pelo veículo Land Rover Discovery, placa OOT 0808, ano/modelo 2014/2014, um dos objetos do negócio jurídico entabulado entre as partes em 20/04/2020, na verdade, trata-se de pretensão redibitória, e não indenizatória, ancorada nos artigos 441 a 446 do Código Civil, que trazem a regulamentação legal sobre a matéria.
Com efeito, em sua peça de ingresso os promoventes alegam terem tomado conhecimento de suposto vício oculto do bem móvel, consistente na necessidade de remarcação do motor, em meados de agosto de 2022, tendo ajuizado a presente demanda em 27/09/2023, visando, entre outros pleitos, rejeitar a coisa (veículo Land Rover Discovery, placa OOT 0808, ano/modelo 2014/2014), redibindo parcialmente o contrato, nos moldes do art. 441, do Código Civil, buscando, para tanto, a condenação da parte ré ao pagamento do importe de R$ 145.266,00 (cento e quarenta e cinco duzentos e sessenta e seis reais), estimativa do veículo objeto de transação.
Em se tratando de relação de compra e venda de veículo entre particulares, aplicável à espécie o disposto no art. 445, § 1º, do Código Civil, que dispõe que o adquirente decai do direito de reclamar do vício, tratando-se de bens móveis, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da constatação do defeito, senão vejamos:
“Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.
(...)
Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.
§ 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis”.
Os dispositivos legais acima referidos estabelecem o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da efetivação do negócio entre as partes, para que o vício oculto se manifeste e estabelece, ainda, o prazo de 30 (trinta) dias, contados da ciência do defeito, para que o adquirente reclame seus direitos.
Nesse sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do julgamento do REsp 1095882, no qual a Quarta Turma decidiu que o prazo para propor ação redibitória é de 30 (trinta) dias, a contar da ciência do defeito, delimitando o prazo de 180 (cento e oitenta) dias da tradição da coisa como prazo máximo para a descoberta do vício, cuja ementa segue:
“RECURSO ESPECIAL. VÍCIO REDIBITÓRIO. BEM MÓVEL. PRAZO DECADENCIAL. ART. 445 DO CÓDIGO CIVIL.
1. O prazo decadencial para o exercício da pretensão redibitória ou de abatimento do preço de bem móvel é de 30 dias (art. 445 do CC). Caso o vício, por sua natureza, somente possa ser conhecido mais tarde, o § 1º do art. 445 estabelece, em se tratando de coisa móvel, o prazo máximo de 180 dias para que se revele, correndo o prazo decadencial de 30 dias a partir de sua ciência.
2. Recurso especial a que se nega provimento”. (REsp 1095882 /SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 09/12/2014, DJe 19/12/2014) (Destaquei)
Ora, segundo a Relatora, Ministra Isabel Gallotti, “O prazo decadencial para exercício da pretensão redibitória ou abatimento do preço de bem móvel é o previsto no caput do artigo 445 do CC, isto é, 30 dias. O parágrafo primeiro apenas delimita que, se o vício somente se revelar mais tarde, em razão da sua natureza, o prazo de 30 dias fluirá a partir do conhecimento desse defeito, desde que revelado até o prazo máximo de 180 dias, com relação aos bens móveis”.
Na mesma linha, o Enunciado nº. 174, aprovado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal:
“Art. 445. Em se tratando de vício oculto, o adquirente tem os prazos do caput do art. 445 para obter redibição ou abatimento do preço, desde que os vícios se revelem nos prazos estabelecidos no parágrafo primeiro, fluindo, entretanto, a partir do conhecimento do defeito”.
Interpretação outra que não a acima referida seria admitir que o adquirente de um bem teria prazo ad eternum para descobrir a existência do vício e, após este prazo ad eternum, mais 180 (cento e oitenta) dias para ingressar com ação redibitória, o que traria às relações jurídicas uma enorme insegurança jurídica.
Confira-se no mesmo sentido os comentários doutrinários:
“De acordo com o art. 445, § 1º, o prazo decadencial de trinta dias iniciará a fluir na data em que se manifestou o vício, porque se trata de bem móvel. Para evitar a indefinição do termo inicial do prazo decadencial, tornando perpétua a garantia, o dispositivo estipula o interstício de cento e oitenta dias e de um ano, tratando-se, respectivamente, de bens móveis e de imóveis, no máximo, para o aparecimento do vício. Por óbvio, tais prazos não se somam, simplesmente àqueles previstos no art. 445, caput, 1ª parte. A identificação da data em que o vício se torna conhecido, inutilizando ou desvalorizando o objeto viciado, se revela fundamental, contando-se daí o prazo decadencial, e, não, ao cabo de cento e oitenta dias”. (in Araken De Assis, Ronaldo Alves De Andrade E Francisco Glauber Pessoa Alves, Comentários ao Código Civil Brasileiro, vol. V, Forense, 2007, p. 352/353)
“(...) os prazos do § 1º do art. 445 se referem ao período no qual os defeitos hão de necessariamente ser revelados. Se o defeito só se vem a revelar após 180 dias (no caso de móveis) ou um ano (no caso de imóveis), o negócio jurídico respectivo deveria ser mantido, tudo em nome da estabilidade das relações jurídicas. Assim, seria de 180 dias (móveis) ou de um ano (imóveis) o prazo para a manifestação do defeito, iniciando-se a partir de então a contagem do prazo decadencial previsto no caput do art. 445 (30 dias, se móvel; 1 ano, se imóvel” (in Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes, Código Civil Interpretado, vol. II, Renovar, 2006, p. 71)
“O novo Código inseriu ainda no § 1º do art. 445 uma regra de difícil interpretação sobre a decadência do direito de invocar o vício redibitório. [...] A norma faz sentido na parte que regula o vício redibitório dos bens móveis. Para estes, o prazo do caput é de 30 (trinta) dias. Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo começa a conta a partir da ciência, mas não pode ultrapassar 180 (cento e oitenta) dias da data da entrega efetiva, ou, se a coisa já estava na posse do adquirente, da data da alienação, reduzido à metade (90 dias)”. (in Instituições de Direito Civil - Contratos, vol. III, 18ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2014, p. 115/116)
Portanto, os 180 (cento e oitenta) dias do artigo 445, § 1º, do Código Civil, referem-se ao prazo máximo para exteriorização do vício. Uma vez que o adquirente toma ciência dele, o prazo decadencial é de 30 (trinta) dias para deduzir pretensão redibitória, nos termos do caput do mesmo dispositivo.
A finalidade do artigo é o de evitar a perpetuidade da garantia, mantendo-se o prazo para a propositura da ação em 30 (trinta) dias. Isto é, dentro do lapso de 180 (cento e oitenta) após a compra, descoberto o vício, o adquirente tem mais 30 (trinta) dias para tomar as providências adequadas.
No caso concreto, as partes entabularam negócio jurídico em 20/04/2020, por meio do qual fora efetivada a tradição do veículo objeto da lide. A parte autora alega que teve ciência do suposto vício oculto, consistente na necessidade de remarcação do chassi, em agosto de 2022, quando há muito tempo decorrido o prazo limite para a revelação do vício, previsto no § 1º, do art. 445, do CPC.
Ou seja, a data máxima para revelação do defeito seria 20/10/2020 e, a partir daí, os demandantes teriam 30 (trinta) dias para ingressar com a ação ‘indenizatória’ em vista do vício oculto e, considerando o ingresso da demanda em 27/09/2023, há muito decorrido o prazo decadencial, de forma que cabível a extinção do feito, com julgamento do mérito, pela decadência, ao menos que se refere à pretensão redibitória, de condenação da parte ré na devolução do valor pago pelo veículo objeto da transação.
Nesse sentido, colaciono julgados extraídos da jurisprudência do E. TJGO:
“Apelação cível. Ação de Indenização por Vício Redibitório. Decadência. Configurada. 1. O prazo decadencial para o exercício da pretensão redibitória ou de abatimento do preço de bem móvel é de 30 dias (art. 445 do CC). Caso o vício, por sua natureza, somente possa ser conhecido mais tarde, o § 1º do art. 445 estabelece, em se tratando de coisa móvel, o prazo máximo de 180 dias para que se revele, correndo o prazo decadencial de 30 dias a partir de sua ciência. 2. Tendo o vício se revelado em prazo superior a 180 dias e tendo o autor ajuizado a ação após do prazo de 30 dias de conhecimento deste, resta configurada a decadência do direito de ação. 3. Diante da modificação da sentença com o presente julgado, necessário se faz a inversão dos ônus da sucumbência. Recurso conhecido e provido”. (TJ-GO 01521335720148090051, Relator: Jeronymo Pedro Villas Boas, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 20/06/2022) (Destaquei)
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. JULGAMENTO CITRA PETITA. VÍCIO REDIBITÓRIO. DECADÊNCIA. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. I. Não constitui julgamento citra petita a ausência de manifestação do magistrado quanto à aplicação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça a terceiro, já que não faz parte do objeto da demanda, mas tão somente ao poder discricionário do juízo. II. A ação redibitória é uma proteção contra defeitos materiais, com objetivo de desfazer o negócio jurídico, rejeitando-se a coisa em razão de vício ou defeito oculto existente no objeto contratual (art. 441, CC). III. O prazo decadencial para o exercício da pretensão redibitória de bem móvel por vício oculto é de 30 dias (art. 445 do CC), contados da ciência, limitado ao prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias da realização do negócio jurídico (art. 445 do CC). IV. Aplica-se o prazo prescricional de 03 (três) anos (art. 206, 3º, inciso V, do CC) ao pleito indenizatório por danos extrapatrimoniais relacionado ao vício oculto. V. Constitui mero aborrecimento a verificação posterior de que o veículo usado era proveniente de leilão extrajudicial, por ter sido sinistrado, uma vez que atendeu às expectativas do recorrente para o fim a que se destinava enquanto dele se utilizou até vender a terceiro. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E IMPROVIDA. (TJGO, Processo Cível e do Trabalho -> Recursos -> Apelação Cível 5151654- 71.2017.8.09.0051, Rel. Des (a). Átila Naves Amaral, Goiânia - 7a Vara Cível, julgado em 13/12/2021, DJe de 13/12/2021) (Destaquei)
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C PERDA E DANOS. VÍCIO REDIBITÓRIO. DECADÊNCIA. VERIFICADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO EDILÍCIA. I. O prazo decadencial para o exercício do direito de obter a redibição ou abatimento no preço do bem móvel é de 30 (trinta) dias, sendo que, no caso de vício oculto, o adquirente tem o prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias para perceber o vício e, se o notar nesse período, tem o prazo de decadência de 30 (trinta) dias, a partir da verificação do vício, para ajuizar a ação redibitória (artigo 445, caput e § 1º, do Código de Processo Civil/2015). No caso em debate, porque a tradição do bem móvel se deu em 21/03/2016 e os defeitos foram detectados em 19/04/2016, tem-se que foi respeitado o prazo estabelecido em lei para que fossem revelados eventuais vícios ocultos (180 dias), mas, por outro lado, em razão da ação redibitória ter sido ajuizada apenas em 19/09/2018, não foi observado o prazo decadencial de 30 (trinta) dias. II. Dano material. Não comprovado. Dever de indenizar não configurado. Nos termos do artigo 403 do Código Civil, o dano material deve ser efetivamente comprovado e, na vertente hipótese, não logrou êxito a autora/apelante em comprovar o fato constitutivo do seu direito (artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil/2015). Apelo conhecido e desprovido”. (TJGO. 1a CC. AC nº 5443241- 70.2018.8.09.0112. Rel. Dr. Reinaldo Alves Ferreira. DJ de 16/03/2021) (Destaquei)
Nessa linha de raciocínio, tendo em vista que a presente ação de indenização por vício redibitório foi ajuizada após decorridos o prazo legal previsto no art. 445, § 1º, do Código de Processo Civil, resta caracterizada a decadência do direito de obter a reparação material.
Por conseguinte, com relação ao pedido de desfazimento parcial do negócio e devolução de valores, o processo merece ser extinto, com resolução de mérito, em razão da decadência, com fundamento no artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil.
Vale registrar que o prazo decadencial atinge, todavia, apenas a pretensão à declaração de rescisão contratual (redibição), mas não a pretensão à reparação por danos morais, devendo ser analisado o pedido indenizatório, que não se sujeita a prazo decadencial, mas sim prescricional trienal, nos termos do artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil.
E quanto a tal pleito, sustentam os requeridos a ocorrência de prescrição, ao argumento de que a formalização do contrato, bem como a entrega do veículo ocorreu em 20/04/2020, conforme contrato colacionado com a exordial (evento 01, doc. 04), contudo o ajuizamento da presente ação ocorreu em 27/09/2023, quando, portanto, já operada a prescrição em 20/04/2023. Acrescentam os réus que por mais que se considerasse como prazo inicial para fruição o previsto no art. 123, I, § 1º, do CTB (que estabelece a obrigação legal de transferir-se veículos no prazo máximo de 30 dias), como sendo em 20/05/2020, operar-se-ia a prescrição na espécie, pois o prazo trienal se encerraria em 20/05/2023.
Todavia, diferentemente do que sustentam os réus, o prazo prescricional da pretensão de reparação de danos morais, na hipótese, não se iniciou da data de formalização do negócio jurídico (20/04/2020), tampouco após o prazo de 30 (trinta) dias para comunicação da transferência (art. 123, I, § 1º, do CTB, em 20/05/2020), mas, sim, da constatação do suposto vício oculto, em agosto de 2022.
Logo, considerando que a pretensão de indenização pelos danos morais experimentados pelos autores pode ser ajuizada no prazo prescricional de 03 (três) anos (art. 206, § 3º, V, CC), contados do conhecimento do vício (problemas na marcação do motor/chassi, que impossibilitariam a transferência ou causariam demasiada depreciação do valor do automóvel), o prazo se iniciou em agosto/2022 e findar-se-ia apenas em agosto/2025.
Logo, sendo a presente ação ajuizada em 27 de setembro de 2023, não há falar em prescrição da pretensão concernente à indenização por danos morais, razão pela qual rejeito a prejudicial arguida pelos réus.
Inexistindo outras questões preliminares/prejudiciais de mérito a serem analisadas, passo ao enfrentamento do pleito não acobertado pela decadência ou prescrição, alusivo à reparação por danos extrapatrimoniais.
Em sua peça de ingresso, a parte autora fundamenta o pedido de dano moral em decorrência “da violação do direito à informação adequada e clara sobre o produto adquirido, bem como da conduta negligente do réu ao omitir um fato que poderia influenciar na decisão de celebrar o negócio jurídico e receber o veículo em questão como forma de pagamento do instrumento particular de compra e venda do imóvel”. Prossegue averbando que “A remarcação do chassi é uma irregularidade de extrema relevância no contexto da compra e venda de veículos, uma vez que pode implicar em diversas consequências legais e financeiras para o comprador. A conduta do réu, ao omitir tal informação, gerou ao autor sério abalo emocional, angústia e preocupações sobre sua segurança e legalidade do veículo adquirido”.
Nesse diapasão, convém destacar que o dano moral indenizável é aquele que ofende os direitos da personalidade da parte, sem necessidade de repercussões em sua esfera patrimonial. A doutrina expõe de modo correto a necessidade de violação a essa classe de direitos para configuração do dano moral.
Em outras palavras, é a violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem que configura o dano moral. Em especial, o direito à honra se desdobra nos aspectos objetivo o apreço social, a boa fama e a reputação do indivíduo e subjetivo a apreciação feita de si mesmo, destinando-se a salvaguardar o indivíduo de expressões ou outras formas de intervenção no direito que possam afetar o crédito e o sentimento de estima e inserção social de alguém.
Esses bens jurídicos passaram a ser tutelados constitucionalmente a partir da Constituição da República de 1988, que consagrou a reparabilidade dos danos imaterais em seu art. 5º.
Neste sentido, o Código Civil define o ato ilícito (art. 186) apto a ensejar o dever de indenização (art. 927):
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
(...)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Em virtude dessa proteção constitucional e legal, os danos morais indenizáveis não devem ser confundidos com meros dissabores suportados no cotidiano, mesmo que decorrentes do inadimplemento contratual.
No caso em apreço, do conjunto probatório, não restaram comprovados o vício oculto, tampouco os requisitos aptos a ensejar a indenização por danos morais.
Isso porque, em que pese os demandantes sustentem que, ao tentarem transferir o veículo Land Rover Discovery, Placa OOT 0808, 2014/2014, prata, constataram que ele possui defeitos na marcação do número do motor, o que levaria à necessidade de remarcação, resultando em uma desvalorização de até 30% do valor do bem e na dificuldade em vendê-lo em tal condição, tenho como impossível afirmar quando restou realizada a adulteração do veículo.
Se a parte autora permaneceu com o automóvel por mais de 02 (dois) anos desde a aquisição dos réus sem providenciar a transferência para seu nome (e sem a realizar a vistoria), não há prova de que o vício tenha surgido anteriormente aos requerentes terem a posse do bem.
Cabia à parte autora, tão logo adquiriu o veículo, providenciar a transferência para o seu nome, além de solicitar o laudo de vistoria a fim de verificar a existência de eventual irregularidade no motor. Não o fez e não comprovou a anterioridade do vício, de modo que recai sobre os promoventes a demonstração dos fatos constitutivos de seu direito, a teor do que dispõe o art. 373, inciso I, do CPC.
Na hipótese dos autos, os demandantes não se desincumbiram do ônus probatório que lhes competia, pois não conseguiram demonstrar a anterioridade do vício, ou seja, que a adulteração do chassi do motor é anterior à data em que adquiriram o veículo dos réus.
Ademais, a jurisprudência vem entendendo que nos casos de compra de bem usado, como na hipótese em apreço, em que o veículo foi dado como moeda em uma transação comercial, o comprador deve ter cautela ao realizar tal negócio, incumbindo-lhe uma maior atenção, justamente pelo fato do veículo ser usado e, consequentemente, apresentar um desgaste natural das peças.
Nesse sentido, caberia aos adquirentes, ora autores, antes de adquirir o automóvel no negócio, realizar uma análise técnica, por meio de mecânico de sua confiança ou em empresas especializadas em vistorias de veículos para checagem geral do carro e de seus componentes, até porque existem profissionais com expertise para tanto.
Do mesmo modo, é responsabilidade do comprador certificar-se sobre o histórico do veículo no momento anterior à compra/aquisição, em especial quando adquire bem de elevado valor. Tudo isso conforme as regras de experiência, e visando conferir as reais condições do bem a ser adquirido, já que existe o risco do negócio, notadamente na hipótese em que não existem provas de que os vendedores conheciam a existência de defeito oculto.
Por oportuno, saliento que, além da negligência dos compradores/autores, não restou comprovada a alegada má-fé dos réus, uma vez que, conforme laudo de vistoria acostado junto à contestação (evento 91, doc. 03), o veículo objeto da lide foi previamente submetido a vistoria pelo Detran em 29/01/2020, isto é, três meses antes da celebração do contrato, oportunidade em que se verificou sua regularidade, não havendo quaisquer apontamentos sobre necessidade de remarcação de chassi ou motor.
Para além disso, não há documentação que suporte o argumento de que o automóvel foi objeto de leilão e, ainda que assim fosse, não se vislumbra qualquer irregularidade apenas em razão dessa condição. Igualmente, dos documentos acostados pelas partes, verifica-se que o carro não foi objeto de sinistro, informação que não foi afastada pelos autores, que ainda deixaram de comprovar a anterioridade do vício, conforme lhes competia, a teor do art. 373, I, do CPC.
Nessa senda, ausente prova de ilícito imputado aos réus, não há relação com os alegados constrangimentos, inexistindo dano moral indenizável, sendo improcedente o pedido indenizatório.
A propósito, colaciono julgados colhidos nos Tribunais de Justiça pátrios em casos semelhantes:
“APELAÇÃO. CIVIL. PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DE CONHECIMENTO. DECADÊNCIA. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO. EXPRESSIVA QUILOMETRAGEM. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. VÍCIO OCULTO DO PRODUTO. AUSÊNCIA DE PROVAS. DESGASTE NATURAL DE PEÇAS. DEVER DO COMPRADOR DE AVERIGUAR AS CONDIÇÕES DO BEM ANTES DA EFETIVAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. SENTENÇA REFORMADA. 1. As matérias de ordem pública, como a prescrição e a decadência, quando decididas no despacho saneador sujeitam-se à preclusão consumativa, caso não haja impugnação a tempo e modo. Precedentes do colendo STJ. 2. Considerando a natureza do bem objeto de compra e venda (veículo com dez/onze anos de uso), revela-se prudente, até mesmo necessário, que o adquirente leve o automóvel previamente a uma oficina ou mecânico de sua confiança para aferição de eventuais imperfeições existentes no veículo negociado, mas, na hipótese, o autor assim não procedeu. 2.1. Oito meses após o negócio-jurídico ingressa com ação visando a condenação da empresa ao ressarcimento do que despendeu com o conserto do automóvel c/c indenização por danos morais, ao singelo argumento de vício oculto. 3. Inexistindo elementos mínimos a autorizar o pleito condenatório (art. 373, I, do CPC), impõe-se a reforma da r. sentença combatida, com o julgamento de improcedência dos pedidos. 4. Apelação conhecida e provida”. (TJ-DF 07039467520218070019 1896568, Relator.: MAURICIO SILVA MIRANDA, Data de Julgamento: 24/07/2024, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: 07/08/2024) (Destaquei)
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE ABATIMENTO DE PREÇO POR VENDA DE VEÍCULO C/C PERDAS E DANOS E DANOS MORAIS –TRATOR – VICIO OCULTO – DECADÊNCIA – DATA DO CONHECIMENTO DO VÍCIO – OCORRÊNCIA – ALEGAÇÃO DE VICIO OCULTO – VEÍCULO USADO – NÃO CONFIGURAÇÃO – NEGLIGÊNCIA DO COMPRADOR – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Nos termos do artigo 26 do CDC, extingue-se em noventa dias o direito de reclamar por vício oculto, prazo esse que se conta a partir do momento em que ficar evidenciado o defeito (art. 26, § 3º) 2. O autor alega ter tido ciência de que o veículo não era do ano de fabricação de 2014 em novembro de 2015, e só interpôs a ação em junho 2017, mais de 1 ano depois. Assim, está configurada a decadência prevista no Código do Consumidor, pois ultrapassado o prazo de noventa dias para reclamar de vício oculto. 3. Considera-se negligente o comprador quando deixa de fazer minuciosa avaliação do veículo usado a ser adquirido, razão pela qual não cabe alegar vício oculto para amparar reembolso de despesas com defeitos posteriormente detectados, devolução integral do valor do veículo e/ou indenização por danos morais”. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1002384-05.2017.8.11 .0045, Relator.: JOAO FERREIRA FILHO, Data de Julgamento: 07/05/2024, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/05/2024) (Destaquei)
“COMPRA E VENDA. RESCISÃO CONTRATUAL C/C PEDIDO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. Inaplicabilidade das regras do CDC. A compra e venda de veículo entre particulares rege-se pelo Código Civil, sendo inaplicável a legislação consumerista. Vício redibitório. Ação proposta após o escoamento do prazo de 180 dias. (art. 445, § 1º, do CC). Decadência caracterizada, mas que atinge apenas o pedido redibitório. Prosseguimento quanto ao pleito indenizatório. Dano moral. Inexistência. Veículo adquirido há mais de um ano dos réus. Laudo pericial que não constatou a anterioridade do vício. Ausência de prova de que o chassi foi adulterado antes da aquisição do veículo pelo autor. Autor que não se desincumbiu do ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito (art. 373, I, CPC). Sentença reformada, acolhida a alegação de decadência quanto ao pedido redibitório e julgado improcedente o pedido indenizatório, invertendo-se os ônus sucumbenciais, observada a justiça gratuita concedida ao autor. RECURSO PROVIDO”. (TJ-SP - AC: 10000214020168260311 SP 1000021-40 .2016.8.26.0311, Relator.: Alfredo Attié, Data de Julgamento: 19/07/2019, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/07/2019) (Destaquei)
Destarte, quanto aos danos morais, o caso é de improcedência do pleito autoral.
II – DA RECONVENÇÃO
Passa-se à análise dos pedidos reconvencionais deduzidos pelos requeridos Danilo Skaf Elias Teixeira e Fernanda Azevedo Lima Teixeira em face dos autores.
Os fundamentos da pretensão reconvencional encontram-se intimamente relacionados ao negócio jurídico de compra e venda de imóvel que envolveu, entre várias formas de pagamento, o automóvel Land Rover Discovery, ano 2014/2014, placa OOT 0808, cor prata, formalizado mediante contrato celebrado em 20 de abril de 2020.
Consoante se depreende dos autos, a partir da efetivação da tradição do aludido bem móvel na data supramencionada, operou-se a transferência da posse direta aos adquirentes, os quais passaram a exercer todos os poderes inerentes à propriedade, assumindo, por conseguinte, os ônus e responsabilidades dela decorrentes.
A controvérsia reconvencional tem seu núcleo no alegado descumprimento, por parte dos autores/reconvindos, das obrigações tributárias relacionadas ao Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), cujo inadimplemento remonta ao exercício de 2022.
Sustentam os reconvintes que a ausência de pagamento destes encargos acarretou reflexos deletérios em sua esfera jurídica, mormente em relação ao réu/reconvinte Danilo Skaf Elias Teixeira, que sofreu a inscrição de seu nome nos cadastros de inadimplentes da Fazenda Pública em razão dos débitos tributários não saldados pelos atuais detentores do veículo.
Alegam os requeridos que tal situação tem ocasionado prejuízos de ordem material e moral, considerando que, não obstante a efetiva transferência da posse e dos riscos do negócio, permanecem formalmente vinculados ao bem perante os órgãos fazendários.
Com arrimo na posse efetiva exercida pelos compradores e nas disposições contratuais pertinentes, os reconvintes formularam os seguintes pedidos: a) condenação em obrigação de fazer e de pagar, requerendo: 1) seja determinada aos reconvindos a efetivação da transferência registral definitiva do automóvel para o nome do primeiro autor, com o escopo de cessar os prejuízos decorrentes da manutenção do vínculo formal dos vendedores com o bem já objeto de tradição, 2) seja determinado aos autores/reconvindos o adimplemento de todos os valores atinentes ao IPVA em atraso desde a tradição do veículo, cujo montante perfaz a quantia de R$ 15.552,28 (quinze mil quinhentos e cinquenta e dois reais e vinte e oito centavos); b) reparação por danos morais, assim distribuída: em favor de Danilo Skaf Elias Teixeira, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a título de compensação pelos danos morais in re ipsa decorrentes da inscrição em dívida ativa; em favor de Fernanda Azevedo Lima Teixeira, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), como reparação pelos transtornos experimentados, abrangendo os pedidos extrajudiciais não atendidos, a necessidade de aforamento da presente demanda e o abalo psíquico daí resultante.
Delineado o quadro fático-jurídico da pretensão reconvencional, procede-se à análise de sua admissibilidade e mérito.
Como cediço, a reconvenção possui natureza de ação, sendo que sua admissibilidade invoca, além da observância dos requisitos formais da petição inicial, previstos nos artigos 319 e 320 do CPC, a existência de conexão com a petição inicial ou com a contestação, a apresentação na mesma petição da contestação, e a observância do mesmo prazo desta; a existência de competência do juízo da petição inicial para processar e julgar a reconvenção; e a compatibilidade entre os procedimentos da petição inicial e da reconvenção.
Pois bem, à luz do artigo 343, do Código de Processo Civil/2015, “na contestação, é lícito ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa”, de modo que cabe analisar a existência ou não de conexão entre a pretensão exposta na exordial e aquela deduzida na contestação.
No que diz respeito à conexão, ensina a jurisprudência que as ações serão conexas quando houver igualdade entre as causas de pedir, ainda que em apenas uma de suas manifestações (próxima ou remota), de modo que a reunião dos feitos seja necessária a fim de evitar o conflito entre duas ou mais decisões a respeito da mesma relação jurídica, além de possibilitar a economia e o aproveitamento dos atos processuais.
Portanto, para se reconhecer a conexão entre duas ações, o julgador deve reconhecer a necessidade da medida, a fim de possibilitar a uniformidade das decisões e a eficácia da prestação jurisdicional, considerando que a reunião dos processos proporciona ao juiz melhores condições de analisar globalmente o caso.
Esse é o caso dos autos, em que a pretensão reconvencional guarda conexão com a demanda principal, versando ambas sobre relações jurídicas decorrentes do mesmo negócio jurídico que envolveu, entre outros ajustes, a compra e venda do veículo automotor Land Rover Discovery, ano 2014/2014, placa OOT 0808, cor prata. Há, portanto, identidade de fundamento de fato entre as pretensões, o que autoriza o processamento conjunto das demandas.
Logo, a reconvenção atende aos requisitos legais de admissibilidade previstos nos artigos 343 e seguintes, do Código de Processo Civil.
Em continuidade, não merece amparo a tese de recolhimento de custas em sede de reconvenção, por falta de previsão legislativa expressa nesse sentido, ao passo que a lei apenas exige que na reconvenção haja a indicação do valor da causa, conforme dispõe o artigo 292, do CPC.
Ademais, o art. 455, da Consolidação dos Atos Normativos da Corregedoria de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, estabelece que “não é devida a cobrança de custas na Reconvenção, por falta de previsão legal”.
Nessa linha de entendimento, colhem-se os seguintes julgados:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA.1. ALEGAÇÃO EM SEDE DE CONTRARRAZÕES DE INOVAÇÃO RECURSAL. AFASTADA. Inviável acolher alegação da parte agravada, no sentido de que o recurso não deve ser conhecido, ante a ocorrência de inovação recursal, uma vez que diante do indeferimento da gratuidade de justiça ao requerido, o juiz entendeu que o pleito reconvencional comporta o pagamento de custas, sendo esta uma consequência da não concessão da benesse. Tendo em vista que a parte agravante rebate matéria decidida na decisão agravada, não há falar em não conhecimento do recurso. 2. RECONVENÇÃO. PAGAMENTO DE CUSTAS. DESNECESSIDADE. É indevida a cobrança de custas processuais relacionadas ao pleito reconvencional, por ausência de previsão legal (art. 455 da Consolidação dos Atos Normativos da Corregedoria deste Tribunal Justiça). AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO REFORMADA”. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5555615-64.2024.8.09.0097, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR ITAMAR DE LIMA, 3ª Câmara Cível, julgado em 15/07/2024, DJe de 15/07/2024) (Destaquei)
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO. PEDIDO DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA DEFERIDO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DAS OBRIGAÇÕES DECORRENTES DA SUCUMBÊNCIA. RECONVENÇÃO. PAGAMENTO DE CUSTAS INICIAIS. DESNECESSIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Comprovada a hipossuficiência financeira por meio dos documentos juntados aos autos é cabível a concessão da gratuidade da justiça. 2. Nos termos do § 3º do art. 98 do CPC, se o beneficiário da gratuidade for sucumbente, a condenação não poderá ser executada, e ficará sob condição suspensiva durante o prazo de 5 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado. 3. Não se há falar em pagamento de custas em razão do oferecimento de reconvenção, dado que existe expressa orientação da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de Goiás dispondo sobre a desnecessidade de recolhimento desta despesa processual. 4. O prequestionamento não exige que a decisão recorrida mencione expressamente os artigos apontados pelas partes, uma vez que exigência se refere ao conteúdo e não a forma e, ademais, dentre as funções do Poder Judiciário, não se encontra a do órgão consultivo. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA”. (TJ-GO – Apelação (CPC): 03717476320188090107, Relator: Des(a). ORLOFF NEVES ROCHA, Data de Julgamento: 04/05/2020, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 04/05/2020) (Destaquei)
Necessário ressaltar, igualmente, que a cobrança de custas judiciais na reconvenção, prevista na Resolução nº. 264/2024, foi revogada, conforme decisão do Órgão Especial do E. TJGO, tomada na sessão extraordinária de 02/08/2024, registrada no PROAD nº. 202306000417086, o qual se encontra atualmente sobrestado, na Secretaria Executiva desta Presidência, até conclusão dos estudos acerca da viabilidade desta cobrança, nos autos do PROAD nº. 202406000530958, procedimento sigiloso e que também se encontra suspenso.
Logo, não há falar em imprescindibilidade do pagamento destes valores para o processamento da reconvenção deduzida na contestação de evento 91.
Passo, portanto, à análise do mérito dos pleitos reconvencionais.
Após detida análise dos autos, restei-me convencida de que os fundamentos da pretensão reconvencional se encontram solidamente demonstrados nos autos.
Restou incontroverso que, em 20 de abril de 2020, foi formalizado contrato de compra e venda de imóvel que envolveu a troca do veículo Land Rover Discovery, ano 2014/2014, placas OOT 0808, cor prata, com a consequente tradição do bem aos adquirentes, ora reconvindos.
A partir da efetiva transferência da posse, operou-se a translação dos riscos e responsabilidades inerentes à propriedade do bem móvel aos compradores, consoante os princípios gerais do direito civil e as disposições contratuais pactuadas entre as partes.
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 134, é obrigação do vendedor comunicar ao órgão de trânsito a alienação do veículo, no prazo de 30 (trinta) dias, como também do comprador, a transferência de propriedade em igual prazo, como prescreve o art. 123, § 1º, do CTB, ônus que não foi cumprido por qualquer das partes, remanescendo o registro do veículo em nome do primeiro réu, razão por que contra si foi endereçada a cobrança dos tributos e a inscrição na dívida ativa.
A propósito:
“Art. 123. Será obrigatória a expedição de novo Certificado de Registro de Veículo quando:
(...)
§ 1º No caso de transferência de propriedade, o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias, sendo que nos demais casos as providências deverão ser imediatas”.
“Art. 134. No caso de transferência de propriedade, expirado o prazo previsto no § 1º do art. 123 deste Código sem que o novo proprietário tenha tomado as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo, o antigo proprietário deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no prazo de 60 (sessenta) dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação”.
Como se vê, a parte requerida/reconvinte, especialmente o réu Danilo, de certa forma, também foi desidiosa em se desvencilhar da sua obrigação, porquanto de igual maneira, tinha o dever imposto pela lei de comunicar ao órgão de trânsito a venda do veículo, nos termos do referido art. 134 do CTB e, não o fazendo, concorreu para que as obrigações incidentes sobre o veículo alienado lhe fossem endereçadas, sendo, portanto, solidariamente responsável por eventuais penalidades administrativas impostas.
Não obstante isso, como cediço, o veículo automotor, por se tratar de bem móvel, tem a transferência de propriedade efetivada com a tradição, nos termos dos arts. 1.226 e 1.267 do Código Civil, independentemente de registro no órgão administrativo competente.
A prática da aquisição de veículo com o recebimento do documento apto à transferência junto ao órgão de trânsito e procuração, esta, inclusive com prazo determinado de validade e, em regra, curto, é verificada no cotidiano. Referida conduta não afasta a efetiva compra e venda, sobretudo se o negócio jurídico for incontroverso, assim como a existência de débitos inadimplidos que incidem sobre o bem.
Importante mencionar que a Súmula 585 do STJ também é relevante para afastar a responsabilidade tributária, que assim dispõe "a responsabilidade solidária do ex proprietário, prevista no art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro CTB, não abrange o IPVA incidente sobre o veículo automotor, no que se refere ao período posterior à sua alienação".
No que concerne à responsabilidade pelo pagamento do imposto sobre a propriedade de veículo automotor (IPVA) a partir da sua alienação, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento da matéria, delimitada no Tema 1.118, definiu o seguinte: “Somente mediante lei estadual/distrital específica poderá ser atribuída ao alienante responsabilidade solidária pelo pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA do veículo alienado, na hipótese de ausência de comunicação da venda do bem ao órgão de trânsito competente”. (REsp n. 1.937.040/RJ, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 23/11/2022, DJe de 1/12/2022)
Com efeito, a aplicação do art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro - CTB - tem sido mitigada pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, desde que comprovada a alienação do veículo, assim como, após a tradição, deve a responsabilidade pelos débitos e encargos recair, exclusivamente, sobre o adquirente do automóvel.
Portanto, tendo ocorrido a tradição, incumbia ao comprador/autor a transferência do veículo, impondo-lhe a responsabilidade pelo pagamento dos encargos incidentes sobre o automóvel desde que lhe transferida a posse do bem, mesmo porque a propriedade móvel se transmite com a referida tradição.
O inadimplemento dos valores de IPVA desde 2022 configura descumprimento das obrigações contratuais expressamente assumidas pelos adquirentes, gerando o dever de indenizar os prejuízos causados aos vendedores.
Ora, a prova documental acostada aos autos demonstra de forma clara o montante devido, não havendo impugnação específica quanto aos valores apresentados pelos reconvintes.
Em consequência, resta impositivo o reconhecimento de responsabilidade dos demandantes/reconvindos pelos débitos de IPVA, licenciamento e seguro DPVAT após a tradição, ocorrida em 20/04/2020, devendo ser acolhida a pretensão de condenação dos autores/reconvindos à transferência da propriedade do veículo Land Rover Discovery, ano 2014/2014, placas OOT 0808, cor prata, bem como ao pagamento dos tributos e eventuais multas atribuídas ao requerido/reconvinte Danilo e cometidas após a referida data.
No que concerne ao dano moral, há que se distinguir a situação dos requeridos/reconvintes Danilo Skaf Elias Teixeira e Fernanda Azevedo Lima Teixeira.
Quanto ao réu Danilo, apesar de se reconhecer que a obrigação de comunicação da venda também lhe era imputável, diante das circunstâncias acima anotadas, considerando a data da compra e venda e a inserção indevida de seu nome junto à dívida ativa em razão do débito referente ao IPVA relacionado com o veículo que transferira no ano de 2020 para a parte requerida, em decorrência da ausência de transferência do bem para o nome do primeiro autor oportunamente, é inequívoco que os fatos excederam o mero dissabor, não devendo ser considerados como meros aborrecimentos, portanto, cabendo aos requerentes/reconvintes arcar com as consequências de sua desídia, razão pela qual devem ser condenados a indenizar primeiro réu pelos danos morais experimentados.
Frise-se que o dano moral se presume pelo fato do apontamento indevido (‘in re ipsa’), sendo dispensada a prova da ocorrência de efetivo abalo à honra, à imagem ou a direitos de personalidade do agente.
Com efeito, em se tratando de inscrição indevida em dívida ativa, a apresentação de prova objetiva do dano moral é dispensada, pois o prejuízo é presumido, gerando a responsabilidade civil para a pessoa responsável por sua efetivação.
No que se refere à fixação do ‘quantum’ indenizatório, a doutrina e a jurisprudência assentam que o valor precisa estar fundamentado no princípio da razoabilidade, com observância da condição socioeconômica da parte requerente, das finanças da parte requerida, grau de culpa e a atribuição do efeito sancionatório e seu caráter pedagógico.
Assim, a indenização por danos morais deve ser fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), uma vez que se mostra adequada às peculiaridades do caso em concreto.
Diferente é a situação da ré Fernanda Azevedo Lima Teixeira, em relação a qual, embora tenha experimentado transtornos decorrentes da propositura deste feito, não se vislumbra a configuração de dano moral indenizável na mesma intensidade. Os aborrecimentos alegados inserem-se no contexto normal de um litígio contratual, não caracterizando lesão significativa aos direitos da personalidade.
A mera necessidade de demandar pedido reconvencional no bojo da presente ação judicial e os pedidos extrajudiciais não atendidos constituem dissabores inerentes à vida em sociedade, insuficientes para caracterizar dano moral indenizável.
Logo, procede apenas parcialmente o pleito de danos morais formulado na reconvenção.
Ante o exposto, reconheço a decadência da pretensão redibitória/material exposta na inicial, em relação à qual extingo o processo, com resolução de mérito, na forma do artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil.
Outrossim, JULGO IMPROCEDENTE o pedido indenizatório por danos morais formulado na exordial e, por conseguinte, extingo o processo, com resolução de mérito, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Atenta ao princípio da causalidade, diante da sucumbência operada, condeno unicamente a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC.
Por outro lado, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos na reconvenção para:
i) condenar a parte autora/reconvinda na obrigação de fazer consistente em providenciar a transferência registral definitiva do veículo Land Rover Discovery, ano 2014/2014, placas OOT 0808, para o nome do primeiro autor, Ésio Pires dos Santos, bem como realizar o pagamento de todos os débitos (multas, IPVA, licenciamento, Seguro Obrigatório, taxas, entre outros) provenientes do aludido veículo, desde 20/04/2020, data de celebração do negócio e de entrega do bem móvel, caracterizando-se a tradição, tudo no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada ao valor do bem;
ii) condenar a parte autora/reconvinda ao pagamento, unicamente em favor do réu/reconvinte Danilo Skaf Elias Teixeira, da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos morais, corrigida monetariamente pelo IPCA-IBGE, a partir desta sentença, nos termos do enunciado da Súmula 362 do Colendo Superior Tribunal de Justiça, e acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação.
Por conseguinte, extingo a demanda reconvencional, com resolução de mérito, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Face à sucumbência mínima operada, condeno unicamente a parte autora/reconvinda ao pagamento de honorários advocatícios, os quais arbitro em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação referente à indenização por danos morais, nos moldes do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil.
Proceda-se à apuração das custas finais. Após, encaminhe-se ao setor competente. Caso não seja providenciado o recolhimento da guia processual devida, será o valor das custas anotado na distribuição e, também, encaminhado à Secretaria de Estado da Fazenda, para inscrição na Dívida Ativa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Transitada em julgado esta sentença, pagas as custas ou anotadas na distribuição, arquivem-se os autos, com as cautelas devidas e baixas de praxe.
No caso de oposição de embargos de declaração, havendo possibilidade de serem aplicados efeitos infringentes, deverá a parte contrária ser intimada para manifestação no prazo legal.
Interposto recurso de apelação, intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões, no prazo legal de 15 (quinze) dias, conforme preconiza o artigo 1.010, § 1º, do Código de Processo Civil.
Se apresentada apelação adesiva pela parte recorrida, na forma do artigo 997, do Código de Processo Civil, intime-se a parte contrária para contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, de acordo com o artigo 1.010, § 2º, do Código de Processo Civil.
Caso as contrarrazões do recurso principal ou do adesivo ventilem matérias elencadas no artigo 1.009, § 1º, do Código de Processo Civil, intime-se a parte recorrente para se manifestar, no prazo de 15 (quinze) dias, conforme o artigo 1.009, § 2º, do Código de Processo Civil.
Após, encaminhem-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Goiás, com as homenagens de estilo, ressaltando-se que o juízo de admissibilidade do recurso será efetuado direta e integralmente pela Corte, segundo o teor do artigo 932 do Código de Processo Civil.
Cumpra-se.
Goiânia/GO, data da assinatura eletrônica.
(assinado digitalmente)
Tatianne Marcella Mendes Rosa Borges Mustafa
Juíza de Direito
03
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