Processo nº 0810780-17.2023.8.23.0010
ID: 318507238
Tribunal: TJRR
Órgão: 1ª Vara de Fazenda Pública
Classe: AçãO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Nº Processo: 0810780-17.2023.8.23.0010
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FRANCISCO ALBERTO DOS REIS SALUSTIANO
OAB/RR XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA
COMARCA DE BOA VISTA
1ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA - PROJUDI
Fórum Advogado Sobral Pinto, 666 - Praça do Centro Cívico - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-980 - F…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RORAIMA
COMARCA DE BOA VISTA
1ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA - PROJUDI
Fórum Advogado Sobral Pinto, 666 - Praça do Centro Cívico - Centro - Boa Vista/RR - CEP: 69.301-980 - Fone:
(95)3198-4766 - E-mail: 1fazenda@tjrr.jus.br
Proc. n.° 0810780-17.2023.8.23.0010
Sentença
Trata-se de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério
Público do Estado de Roraima em face de Débora Cândido Figueira, Adriana Freitas de Oliveira e Paula
Roberta dos Prazeres Santos.
Sustenta o Ministério Público que as requeridas, servidoras da Companhia de Águas e Esgotos de
Roraima (CAER), teriam, de forma dolosa, incorrido na prática de atos de improbidade administrativa
que resultaram em enriquecimento ilícito, mediante manipulação da folha de pagamento da autarquia para
inserção de eventos falsos em suas remunerações, ocasionando pagamentos indevidos em benefício
próprio. A conduta teria causado prejuízo ao erário no montante total de R$ 105.411,21 (cento e cinco
mil, quatrocentos e onze reais e vinte e um centavos).
Narra a inicial que a requerida Débora Cândido Figueira, na condição de Chefe da Divisão de
Administração de Pessoas da CAER, valendo-se de acesso irrestrito ao sistema de folha de pagamento,
teria inserido indevidamente rubricas que resultaram em acréscimos patrimoniais a si e às demais
requeridas, suas subordinadas. Embora tenha havido tentativa extrajudicial de ressarcimento mediante
acordo administrativo, o compromisso não foi integralmente cumprido.
Ao final, o Ministério Público requereu a condenação de Débora Cândido Figueira pelos atos de
improbidade previstos nos arts. 9º, XI, e 10, caput, da Lei nº 8.429/92, e das requeridas Adriana Freitas de
Oliveira e Paula Roberta dos Prazeres Santos pelo art. 9º, XI, do mesmo diploma, com aplicação das
sanções dos arts. 12, incisos I e II. Requereu também o ressarcimento integral do dano e atribuiu à causa o
valor de R$ 105.411,21 (ep. 1.1).
A petição inicial veio acompanhada de documentos (ep. 1.2 a ep. 1.6).
A requerida Débora Cândido Figueira apresentou contestação (ep. 49) na qual, em preliminar,
alegou a inépcia da petição inicial, por ausência de individualização dos atos que lhe são imputados e falta
de correlação entre os documentos juntados e as condutas descritas. No mérito, sustentou que não agiu
com dolo ou má-fé ao perceber os valores que lhe foram indevidamente pagos enquanto exercia a chefia
da Divisão de Administração de Pessoas da CAER, atribuindo a responsabilidade a falhas nos controles
internos da companhia. Afirmou que firmou acordo administrativo para restituição dos valores e vem
cumprindo o compromisso assumido, o que demonstraria sua boa-fé. Por fim, defendeu a improcedência
da ação e requereu a condenação do requerente ao pagamento de honorários advocatícios.
A requerida Paula Roberta dos Prazeres Santos, em sua contestação, suscitou preliminar de inépcia
da petição inicial, sob o argumento de que não haveria descrição individualizada de sua conduta nem
elementos concretos que permitissem a imputação de ato de improbidade administrativa. Alegou que a
peça vestibular não apresentaria nexo lógico entre sua atuação funcional e os valores recebidos,
limitando-se a generalizações incapazes de sustentar a responsabilização pessoal.
No mérito, reiterou a ausência de dolo e a inexistência de provas quanto à sua participação
consciente nos lançamentos indevidos, invocando ainda a celebração de acordo administrativo para
devolução parcial dos valores como indicativo de boa-fé. Ao final, pugnou pela rejeição da inicial e,
subsidiariamente, pela improcedência da demanda (ep. 90).
A terceira requerida, Adriana Freitas de Oliveira, foi citada por edital, razão pela qual lhe foi
nomeada curadora especial nos termos do art. 72, II, do CPC. A Defensoria Pública do Estado de
Roraima, no exercício da curadoria, apresentou contestação por negativa geral (ep. 109), com fundamento
no art. 341, parágrafo único, do CPC, diante da impossibilidade de contato com a requerida. Alegou que,
nessas hipóteses, não se aplica o ônus da impugnação específica, não podendo os fatos narrados na inicial
serem presumidos como verdadeiros apenas pela ausência de impugnação detalhada. Ao final, requereu os
benefícios da justiça gratuita, a total improcedência da ação e a produção de provas.
Em réplica, o Ministério Público reiterou integralmente os termos da petição inicial, pugnando
pela rejeição das preliminares suscitadas pela defesa. Destacou que as condutas das requeridas foram
devidamente individualizadas na exordial, com clara demonstração do elemento subjetivo doloso, o qual
se revela, segundo o Parquet, pela inserção de eventos falsos na folha de pagamento da CAER e pela
inércia consciente das servidoras diante da percepção reiterada de valores indevidos.
Aduziu, ainda, que as provas colhidas no inquérito civil e no processo administrativo evidenciam
que a manipulação do sistema foi operada com o intuito de proporcionar enriquecimento ilícito às
requeridas. Ressaltou que todas firmaram acordo com a CAER para devolução dos valores, o que, para o
órgão ministerial, confirma a apropriação indevida e reforça a tese de má-fé. Ao final, requereu o
prosseguimento do feito até o acolhimento definitivo da pretensão condenatória (ep. 115).
Em sede de especificação de provas, o Ministério Público afirmou não haver necessidade de
produção de novas provas em juízo, por entender que os autos já se encontram devidamente instruídos
com os elementos constantes do Procedimento Preparatório nº 036/2018 e do Processo Administrativo nº
114/98, reiterando o pedido de julgamento antecipado do mérito (ep. 129).
A requerida Débora Cândido Figueira requereu a juntada de contrato de ressarcimento celebrado
com a CAER e postulou sua exclusão do polo passivo, caso comprovado o pagamento integral dos valores
(ep. 131).
A requerida Paula Roberta dos Prazeres Santos não apresentou manifestação. A Defensoria
Pública, atuando como curadora especial de Adriana Freitas de Oliveira, informou não ter contato com a
parte e limitou-se a garantir o contraditório e a ampla defesa (ep. 127).
Por fim, o Estado de Roraima declarou não possuir outras provas a produzir (ep. 128).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
Considerando que o Ministério Público expressamente requereu o julgamento antecipado do
mérito (ep. 118) e que as requeridas não indicaram provas a produzir na fase de especificação, tendo
Paula Roberta dos Prazeres Santos permanecido inerte (ep. 145), Adriana Freitas de Oliveira sido
representada por curadora especial que apenas garantiu o contraditório e a ampla defesa (ep. 127), e
Débora Cândido Figueira juntado apenas documento sem requerer produção de provas (ep. 131),
mostra-se desnecessária maior dilação probatória.
Assim, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, a causa comporta julgamento
antecipado do mérito, com base na prova documental já produzida nos autos.
Pois bem.
As requeridas Débora Cândido Figueira e Paula Roberta dos Prazeres Santos alegam, em suas
contestações, a ocorrência de inépcia da petição inicial, sob o argumento de que a exordial não
individualizaria adequadamente suas condutas e tampouco demonstraria a existência de dolo específico,
exigido pela nova redação da Lei nº 8.429/92. Ambas vinculam essa alegação à circunstância de já terem
firmado acordos administrativos com a CAER para a devolução dos valores recebidos, sustentando que,
diante disso, não haveria justa causa para o prosseguimento da demanda.
As razões apresentadas, contudo, não configuram vício formal apto a ensejar o indeferimento da
inicial. A petição preenche todos os requisitos do art. 319 do Código de Processo Civil, expondo com
clareza os fatos, a participação individual de cada requerida e os fundamentos jurídicos do pedido.
O Ministério Público delimitou com precisão a conduta de Débora Cândido Figueira,
atribuindo-lhe a inserção indevida de rubricas na folha de pagamento da CAER, beneficiando a si própria
e às demais servidoras do setor sob sua chefia. Às servidoras Adriana Freitas de Oliveira e Paula Roberta
dos Prazeres Santos, foi atribuída a conduta de percepção reiterada de valores indevidos, com ciência da
irregularidade e ausência de justificativa plausível.
A suposta devolução dos valores por meio de acordo administrativo, embora invocada de forma
destacada pelas requeridas desde o início das peças defensivas, não descaracteriza o interesse processual
nem constitui causa de extinção prematura da ação. Trata-se de argumento de defesa, atinente ao mérito
da imputação de improbidade, a ser analisado à luz das provas produzidas.
Rejeito, portanto, a preliminar de inépcia da inicial.
Passo à análise do mérito.
As ações referentes à responsabilização por atos de improbidade administrativa tem por finalidade
averiguar os atos de agentes públicos que, no exercício de suas funções, propiciem enriquecimento ilícito,
prejuízo ao erário ou que violem os princípios basilares da Administração Pública.
A Constituição Federal, em seu Art. 37, § 4º preceitua que “os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
De acordo com a Lei nº 8.429/92, os atos que dão ensejo à improbidade são àqueles tipificados nos
arts. 9º, 10 e 11, ou seja, que importam em enriquecimento ilícito, que causam prejuízo ao erário ou que
atentam contra os princípios da Administração.
In casu, o Ministério Público Estadual imputa às requeridas a prática de ato de improbidade
disposto no art. 9°, inciso XI, da Lei nº 8.429/92, em decorrência da prática de atos que importaram em
enriquecimento ilícito, com aplicação das cominações preconizadas no artigo 12, inciso I, da Lei
supracitada.
Inicialmente, tratando-se de improbidade administrativa, é salutar tecer algumas considerações,
haja vista a recente alteração da Lei nº 8.429/92, pela Lei nº 14.230/2021, afetando diretamente os
fundamentos aventados no feito, quais sejam, o elemento subjetivo que compõe a conduta ímproba
praticada.
Como cediço, o sistema da improbidade administrativa adotou expressamente os princípios do
Direito Administrativo Sancionador, tais como os princípios da legalidade, do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa, da segurança jurídica, retroatividade da lei benéfica, individualização da
pena e da razoabilidade e proporcionalidade. A propósito, assim dispõe o artigo 1º, § 4º, da Lei nº
14.230/2021:
Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade
na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do
patrimônio público e social, nos termos desta Lei.
(…)
§ 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do
direito administrativo sancionador.
Desse modo, mesmo que não se trate de direito penal propriamente dito, por se tratar de direito
sancionador, o princípio constitucional da retroatividade da lei mais benéfica deve ser aplicado ao campo
administrativo e judicial sancionador, cenário no qual se inserem atos ímprobos. Assim, as mudanças
mais benéficas da nova lei devem retroagir em benefício de agentes públicos ou terceiros cujas demandas
tenham sido distribuídas com base na redação anterior da Lei de Improbidade Administrativa.
Diante das alterações decorrentes da Lei nº 14.230/2021, a ação de improbidade administrativa
passa a exigir a comprovação do dolo específico, assim considerado como a vontade livre e consciente de
alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992, não bastando a
voluntariedade do agente. Além disso, afasta a modalidade culposa anteriormente prevista, bem como
passa a exigir a comprovação de efetiva perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens.
Se, antes da alteração legislativa promovida pela Lei nº 14.230/2021, as conjecturas, suspeitas,
presunções e suposições já não eram fundamentos bastantes para ensejar uma condenação por ato de
improbidade, após a alteração, tais digressões foram definitivamente retiradas da técnica argumentativa.
Vale indicar que, com a inclusão do §3º no art. 1º, § 3º, da Lei 8.429/92, o mero exercício da função ou
desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a
responsabilidade por ato de improbidade administrativa.
Na espécie, restou suficientemente demonstrado que os lançamentos indevidos na folha de
pagamento da CAER beneficiaram diretamente as requeridas Débora Cândido Figueira, Adriana Freitas
de Oliveira e Paula Roberta dos Prazeres Santos. Conforme apurado no Processo Administrativo nº
114/98, instaurado no âmbito da Companhia de Águas e Esgotos de Roraima - CAER, os eventos de
pagamento irregulares foram inseridos no sistema RM de folha de pagamento utilizando-se o login e
senha pessoal da servidora Débora, à época ocupante de função de confiança.
Apesar disso, é inegável que as outras duas requeridas, Adriana Freitas de Oliveira e Paula
Roberta dos Prazeres Santos, foram beneficiadas por diversos pagamentos indevidos que se prolongaram
ao longo de vários meses, sem que tivessem adotado qualquer iniciativa para esclarecer ou contestar os
valores acrescidos às suas remunerações.
A análise do conjunto probatório demonstra que ambas agiram de forma livre e consciente ao
manterem silêncio diante da situação, pois: exerciam suas atribuições no mesmo setor de pessoal da
CAER sob a chefia de Débora Cândido Figueira, diretamente responsável pelos lançamentos indevidos;
atuavam no órgão encarregado da elaboração da folha de pagamento, circunstância que lhes conferia
conhecimento pleno das rubricas que compunham seus contracheques; ainda que os acréscimos fossem
substanciais, em alguns meses, chegando a triplicar a remuneração ordinária , não houve qualquer
manifestação de estranheza ou tentativa de correção por parte das servidoras, que mantiveram
comportamento de normalidade ao longo de todo o período; e mesmo após a constatação do equívoco,
deixaram de adotar, por iniciativa própria, qualquer medida concreta para devolver os valores, como seria
esperado de quem age com boa-fé.
A combinação desses fatores revela não apenas ciência sobre a irregularidade, mas também a
intenção deliberada de se beneficiar do montante recebido de forma indevida. Tal conduta fere
frontalmente os deveres funcionais inerentes ao serviço público, em especial os princípios da legalidade e
da moralidade administrativa, pois revela conivência ativa com o enriquecimento sem causa às custas do
erário. O silêncio prolongado, a inércia e a manutenção dos valores no patrimônio pessoal reforçam a
presença do elemento subjetivo doloso exigido pela legislação de regência.
As defesas apresentadas não foram capazes de elidir esse juízo. Ambas as servidoras firmaram
contratos de devolução com a CAER, admitindo, de forma expressa, o recebimento de valores indevidos e
comprometendo-se a ressarci-los em parcelas mensais (ep. 1.2, pgs. 95 a 100).
O dolo específico exigido pela nova redação da Lei nº 8.429/92, introduzida pela Lei nº
14.230/2021, pode ser extraído do conjunto das circunstâncias: percepção de quantias indevidas por
vários meses; ausência de reclamação ou devolução espontânea; ausência de qualquer vício de
consentimento nos acordos administrativos firmados; e, sobretudo, a tentativa de justificar os pagamentos
apenas após a apuração interna. A conduta dolosa, mesmo sem prova direta da intenção, restou
caracterizada pela adesão consciente ao resultado ilícito, voltado ao enriquecimento indevido às custas do
erário.
As condutas se enquadram no artigo 9, inc. IX, da Lei de Improbidade Administrativa, nestes
termos:
Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir,
mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do
exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no
art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
(...)
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes
do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
As requeridas, portanto, devem suportar as penalidades do art. 12, inc. I, da Lei nº 8.429/92, a
saber:
Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções
penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está
o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas
isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 14.230,
de 2021).
I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio,
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa
civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou
de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze)
anos; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021).
No caso específico da requerida Débora Cândido Figueira, além da vantagem pessoal indevida,
ficou demonstrado que sua atuação funcional direta e consciente resultou na realização de despesas ilegais
com recursos públicos, consubstanciando também o ato de improbidade previsto no art. 10, caput, a Lei nº
8.429/92, nos seguintes termos:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou
omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei.
Nesse caso, também se impõe a aplicação das sanções do art. 12, inciso II, da Lei nº 8.429/92:
Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções
penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está
o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas
isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº
14.230, de 2021)
(...)
II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio,
se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12
(doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o
poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente,
ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a
12 (doze) anos.
Indubitavelmente, as condutas se revestem de especial gravidade, considerando a simulação e o
artifício perpetrado para o recebimento da vantagem. A utilização do cargo público para enriquecimento
ilícito é ato que deve ser coibido exemplarmente, justificando-se, nestes casos, a cumulação das sanções
previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92. Neste caso, o ato de improbidade constitui uma das formas mais
condenáveis de desonestidade no serviço público. Sobre o tema, colaciono a seguinte jurisprudência:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – ITATIBA – SERVIDOR
PÚBLICO – DESVIO DE DINHEIRO PÚBLICO – DOLO – CONFIGURADO –
RESSARCIMENTO VOLUNTÁRIO – AFASTAMENTO DO ILÍCITO – IMPOSSIBILIDADE –
MULTA CIVIL – CARÁTER PUNITIVO – ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO ENTE
PÚBLICO – NÃO CONFIGURADO. O servidor que se apropria de dinheiro público, ainda que
efetue voluntariamente o ressarcimento do erário, pratica ato de improbidade administrativa,
previsto no art. 9º da Lei 8.429/92. Por ostentar caráter punitivo, e não ressarcitório, a multa civil
não implica em enriquecimento sem causa do ente público beneficiado. (TJ-SP - AC:
10025179820178260281 SP 1002517-98.2017.8.26.0281, Relator: Teresa Ramos Marques, Data de
Julgamento: 25/03/2019, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 27/03/2019);
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS DE CONTA BANCÁRIA DO
MUNICÍPIO, COM O USO DE SENHA E CHAVE PESSOAL DO PREFEITO E CONTADOR,
DIRETAMENTE PARA A CONTA CONJUNTA DESTE E DA RECORRENTE. PRETENSÃO
DE USO DE PROVA EMPRESTADA DE OUTRA AÇÃO EM CURSO QUE TAMBÉM TRATA
DO USO DELIBERADO DA CONTA BANCÁRIA DA RECORRENTE. DEMANDA QUE,
TODAVIA, TRATA DE FATOS DISTINTOS. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO
EVIDENCIADO. INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA. DOLO EVIDENCIADO. PROVA
QUE DEMONSTRA QUE A APELANTE TINHA CIÊNCIA DA MOVIMENTAÇÃO DE
VALORES DE ORIGEM ILÍCITA POR SUA CONTA CORRENTE. APLICAÇÃO DA TEORIA
DA CEGUEIRA DELIBERADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-PR -
APL:
00038339320138160084
PR
0003833-93.2013.8.16.0084
(Acórdão),
Relator:
Desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima, Data de Julgamento: 26/02/2019, 4ª Câmara
Cível, Data de Publicação: 28/02/2019);
APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRELIMINAR DE
CERCEAMENTO DE DEFESA POR SUPOSTA OFENSA AO ART. 5º, LV, DA CF – REJEIÇÃO
- PREJUDICIAL DE MÉRITO - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE LEVANTADA PELOS
APELANTES - INOCORRÊNCIA CONFORME DECIDIDO PELO STF NO TEMA 1.199 –
ANÁLISE DO IMPACTO DO TEMA 1.199/STF SOBRE O PRESENTE FEITO –
MODIFICAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 14.230/2021 - CELEBRAÇÃO DO CONTRATO
DE Nº 118/2011 ENTRE O MUNICÍPIO DE CAPELA E A CONSTRUTORA EFICAZ LTDA -
ATUAÇÃO DOS RÉUS, EM CONLUIO, DE FORMA VOLITIVA E CONSCIENTE
(DOLOSAMENTE), PARA INVIABILIZAR A FISCALIZAÇÃO DOS PAGAMENTOS
RELATIVOS AO ALUDIDO PACTO E A REALIZAÇÃO DE AUDITORIA CONTÁBIL NAS
CONTAS PÚBLICAS DO MUNICÍPIO - UTILIZAÇÃO DE MEIOS ESCUSOS, COMO A
CRIAÇÃO DE CONTA BANCÁRIA “FANTASMA” EM NOME DA PREFEITURA E A
ADULTERAÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS, PARA GARANTIR O DESVIO DE
VALORES PARA A CONTA “FICTÍCIA” - OFENSA AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DOLO ESPECÍFICO DEMONSTRADO - ATO DE
IMPROBIDADE CONFIGURADO - CONDUTA TIPIFICADA NO ART. 11, VIII, DA LIA, COM
REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 14.230/2021 - PRESCINDIBILIDADE DE DANO AO ERÁRIO
– PRECEDENTES DO STJ - REDUÇÃO DA MULTA CIVIL EM RELAÇÃO A UM DOS RÉUS
- PROBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO MANTIDAS – SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA - RECURSOS CONHECIDOS E DADO PARCIAL
PROVIMENTO AO APELO DE UM DOS RÉUS E NEGADO PROVIMENTO AO OUTRO.
(TJ-SE - AC: 00014778420168250015, Relator: Diógenes Barreto, Data de Julgamento: 28/02/2023,
2ª CÂMARA CÍVEL);
Ademais, as alegações das requeridas no sentido de que a celebração de acordos administrativos
com a CAER afastaria a ilicitude dos atos praticados ou evidenciaria a ausência de dolo não se sustentam
à luz do conjunto probatório. O reconhecimento expresso da dívida e o início do ressarcimento
espontâneo não descaracterizam a configuração do ato ímprobo, tampouco têm o condão de elidir a
responsabilização civil por enriquecimento ilícito e lesão ao erário.
O posterior ressarcimento do erário, ainda que integral, não afasta a incidência das penalidades
previstas na Lei de Improbidade Administrativa. Isso porque as sanções previstas no art. 12 da Lei nº
8.429/92 têm natureza repressiva e preventiva, sendo independentes da reparação do dano.
Nesse sentido, o § 6º do art. 12 da Lei de Improbidade, incluído pela Lei nº 14.230/2021, não
autoriza a extinção da responsabilidade pelo simples fato de haver acordo administrativo ou devolução
parcial dos valores. A norma determina apenas que, em caso de condenação ao ressarcimento, deve ser
abatido o que eventualmente já tiver sido devolvido em outras esferas, civil, penal ou administrativa, a
fim de evitar bis in idem quanto à reparação do erário.
Portanto, ainda que as requeridas tenham firmado acordos com a CAER e efetuado devoluções
parciais, tais atos não excluem o dolo nem eliminam as consequências jurídicas do ato ímprobo. A adesão
consciente ao enriquecimento ilícito, a manutenção dos valores no patrimônio pessoal e a tentativa de
justificar os lançamentos apenas após a apuração interna demonstram a reprovabilidade da conduta,
compatível com o regime sancionatório da LIA.
Igualmente não prospera a alegação de ausência de individualização das condutas ou de dolo
específico. A narrativa inicial é minuciosa ao descrever as circunstâncias que envolveram cada uma das
requeridas, demonstrando de forma precisa o vínculo funcional existente entre elas, a função exercida por
Débora Cândido Figueira e a reiteração dos lançamentos indevidos com ciência das beneficiárias.
A defesa genérica ou a tentativa de transferir a responsabilidade exclusivamente à chefia imediata
não descaracteriza a adesão consciente ao resultado ilícito, revelada pela inércia diante dos pagamentos,
pela ausência de questionamentos e pela manutenção dos valores indevidos por vários meses.
Diante de todo o exposto, acolho os pedidos iniciais e declaro extinto o processo com resolução
de mérito, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, bem como nos arts. 9º,
inciso XI, 10, caput, 12, incisos I e II, 12, § 6º, e 17, § 9º, da Lei nº 8.429/92, para condenar:
1) Débora Cândido Figueira:
a) Ao ressarcimento integral do dano ao erário no valor de R$ 105.411,21 (cento e cinco mil,
quatrocentos e onze reais e vinte e um centavos), observada a dedução dos valores já restituídos à CAER.
b) Pelas condutas dolosas que configuram, de forma cumulativa, enriquecimento ilícito (art. 9º,
XI) e lesão ao erário (art. 10, caput), aplico, de forma unitária, as sanções previstas nos incisos I e II do
art. 12 da Lei nº 8.429/92, considerando a unicidade do fato e a vedação ao bis in idem, nos seguintes
termos:
b.1) Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio da requerida, nos termos dos
arts. 9º, XI, e 10, caput, da Lei nº 8.429/92, limitada ao montante de R$ 105.411,21, a ser detalhada em
fase de cumprimento de sentença, caso ainda existentes;
b.2) Pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial indevido (R$
105.411,21);
b.3) Suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 14 (quatorze) anos;
b.4) Proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia
majoritária, pelo prazo de 14 (quatorze) anos;
b.5) Perda da função pública eventualmente ocupada, desde que da mesma natureza daquela
exercida à época dos fatos, nos termos do art. 12, §1º, da LIA.
2) Adriana Freitas de Oliveira:
a) Ao ressarcimento integral do dano ao erário no valor de R$ 36.140,10 (trinta e seis mil, cento e
quarenta reais e dez centavos), observada a dedução dos valores já devolvidos administrativamente.
b) Pelos atos de enriquecimento ilícito (art. 9º, XI), às sanções do art. 12, inciso I:
b.1) Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio da requerida, limitados ao
valor de R$ 36.140,10 (trinta e seis mil, cento e quarenta reais e dez centavos), a ser apurado na fase de
cumprimento de sentença, se ainda existentes;
b.2) Pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial indevido (R$
36.140,10);
b.3) Suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 14 (quatorze) anos;
b.4) Proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, inclusive por meio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária,
pelo prazo de 14 (quatorze) anos;
b.5) Perda da função pública eventualmente exercida, desde que da mesma natureza daquela
ocupada à época dos fatos, nos termos do art. 12, §1º, da LIA.
3) Paula Roberta dos Prazeres Santos:
a) Ao ressarcimento integral do dano ao erário no valor de R$ 47.458,88 (quarenta e sete mil,
quatrocentos e cinquenta e oito reais e oitenta e oito centavos), observada a dedução dos valores já
devolvidos administrativamente.
b) Pelos atos de enriquecimento ilícito (art. 9º, XI), às sanções do art. 12, inciso I:
b.1) Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio da requerida, limitados ao
montante de R$ 47.458,88 (quarenta e sete mil, quatrocentos e cinquenta e oito reais e oitenta e oito
centavos), a ser apurado na fase de cumprimento de sentença, se ainda existentes;
b.2) Pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial indevido (R$
47.458,88);
b.3) Suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 14 (quatorze) anos;
b.4) Proibição de contratar com o Poder Público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, inclusive por meio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária,
pelo prazo de 14 (quatorze) anos;
b.5) Perda da função pública eventualmente exercida, desde que da mesma natureza daquela
ocupada à época dos fatos, nos termos do art. 12, §1º, da LIA.
Sobre os valores fixados a título de ressarcimento integral ao erário e de multa civil (nos termos do
Tema Repetitivo nº 1.128/STJ – REsp 1.942.196/PR), deverá incidir correção monetária a partir da data
do ato ímprobo, calculada com base no IPCA-E e juros de mora a partir da Citação válida, calculados com
base no índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, consoante o artigo 1º – F,
acrescentado à lei n.º 9.494/1997, observando-se o limite do art. 2º da Lei n.º 12.153/2009, até
08/12/2021, em consonância com o disposto no art. 3º, da EC nº 113/2021, a partir de 09.12.2021 (taxa
selic para atualização da correção monetária e juros de mora, aplicada uma única vez).
Sem custas ou honorários.
Intimem-se no prazo para o respectivo recurso.
Transcorrido, certifique-se o trânsito em julgado da sentença.
Com o trânsito em julgado, oficie-se o Tribunal de Contas do Estado de Roraima, a Secretaria de
Administração Municipal de Boa Vista e a Secretaria de Administração do Estado de Roraima, para as
anotações de praxe.
Incluam-se no Cadastro Nacional de Condenados por Atos de Improbidade Administrativa, nos
termos da Resolução nº 06/2020, do CNJ.
Após, arquivem-se os autos.
Interpondo-se apelação, cumpra-se o disposto no art. 1.010, do CPC.
Int. Cumpra-se.
Boa Vista/RR, data, hora e assinatura registradas em sistema.
Guilherme Versiani Gusmão Fonseca
Magistrado
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