Processo nº 5003336-32.2025.4.04.7006
ID: 314458288
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5003336-32.2025.4.04.7006
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRESSA BOESE CARLI
OAB/PR XXXXXX
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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5003336-32.2025.4.04.7006/PR
IMPETRANTE
: GABRIELLY ALMEIDA DE SOUZA
ADVOGADO(A)
: ANDRESSA BOESE CARLI (OAB PR117015)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 24 de junho de 2025,
…
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5003336-32.2025.4.04.7006/PR
IMPETRANTE
: GABRIELLY ALMEIDA DE SOUZA
ADVOGADO(A)
: ANDRESSA BOESE CARLI (OAB PR117015)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 24 de junho de 2025,
GABRIELLY ALMEIDA DE SOUZA
impetrou o presente mandado de segurança em face do PRESIDENTE DA SECCIONAL PARANAENSE DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, pretendendo que o Poder Judiciário promova a anulação da prova prático-profissional do 43º exame de ordem quanto a todos os candidatos.
A impetrante sustentou para tanto ter respondido a prova prático-profissional da 2ª fase do exame de ordem unificado, em 15 de junho de 2025, respondendo às questões de direito do trabalho, com a elaboração de peça de exceção de pré-executividade. Disse ter travado contato com o espelho preliminar da prova, disponibilizado naquele mesmo dia. Ademais, o edital teria previsto a necessidade de que o(a) candidato(a) indicasse a designação da peça elaborada, com a apresentação da justificativa da sua resposta,, com o emprego das categorias inerentes ao discurso jurídico. Segundo a peça inicial, eventual erro quanto ao nome da medida judicial geraria a atribuição de nota zero para a peça, o que inviabilizaria a sua aprovação no certame.
Ela sustentou, então, que o espelho preliminar divulgado teria violado o seu direito líquido e certo, por ter afrontado o edital do concurso e apresentado a descrição de um contexto ambíguo, de modo que seriam admitidas diversas medidas judiciais para sua categorizaçãoi jurídica. Aduziu que a peça cobrada - exceção de pré-executividade - não contaria com fundamento legal específico, o que induziria os candidatos a optarem por outros meios processuais de impugnação, que também se enquadrariam na situação prática apresentada. Dessa forma, ela teria optado por elaborar uma peça de embargos à execução.
A motivação adotada pela banca examinadora, divulgada em 18 de junho de 2025, teria se reportado à jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, quanto ao cabimento da medida com previsão na sua súmula 397 e no Tema 144, de replicação cogente. Segundo a correção da prova, a peça também teria sido objeto de questões em edições anteriores do exame, como na prova de direito tributário do 36º exame de ordem unificado. Não obstante, segundo a impetrante, o fato de tal peça ter sido cobrada em outra área do discurso jurídico não justificaria sua exigência no âmbito da prova em exame, dadas as peculiaridades inerentes ao direito do trabalho. Disse que a súmula 397 do TST não se relacionaria com a narrativa promovida na prova prática, que trataria de dissídio individual. Ademais, o Tema 144 teria sido consolidado em data posterior à publicação do edital, sendo incabível a cobrança do tema no caso.
Aludido enunciado do teste apresentaria problemas graves de coerência, tendo induzido a erro os estudantes. Por sinal, no dia 18 de junho de 2025, teria sido modificado o gabarito para admitir como igualmente correta a apresentação da peça de agravo de petição. Nos termos da peça inicial, a elaboração dos embargos à execução, como resposta à prova, se mostraria adequada ao caso. A embargante discorreu sobre a admissibilidade dos embargos declaratórios e postulou a concessão da nota correspondente. A impetrante postulou a concessão de liminar para anular a peça prático-profissional ou reconhecer como cabíveis os embargos à execução. Requereu a concessão de gratuidade de justiça, detalhou seus pedidos e atribuiu à causa o valor de R$ 1.518,00, anexando documentos.
Os autos vieram conclusos.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Competência da Justiça Federal:
A Justiça Federal é competente para esta demanda, na medida em que se aplicam à hipótese o
art. 109, VIII
, da Constituição/88 e leitura
a contrario sensu
do art. 102, I, "d"; art. 105, I, "b", art. 108, I, "c", e art. 114, IV, Constituição Federal/88, com art. 10 da lei n. 5.010/66.
A Ordem dos Advogados do Brasil tem sido reconhecida como uma
autarquia federal em regime especial
, conforme deliberação do Supremo Tribunal Federal ao apreciar a
ADI 3026
. Tanto por isso, o processamento deste mandado de segurança perante a Justiça Federal está em conformidade com os dispositivos constitucionais e legais antes aludidos.
2.2. Considerações sobre a
competência
funcional:
Em princípio
, no âmbito do mandado de segurança, a competência seria definida em função da autoridade impetrada:
"é correto afirmar que a competência no mandado de segurança é definida pela qualificação da autoridade (rationæ auctoritatis) com a função exercida na estrutura do Poder Público (rationæ muneris). No mandado de segurança, a análise da competência exige o exame do plexo de
competência
atribuída à autoridade coatora, de tal forma que a primeira investigação deverá levar em consideração a esfera à qual está vinculada."
(MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de.
Mandado de
segurança
individual e coletivo.
São Paulo: RT, 2009. p. 54).
A autoridade federal é definida no art. 2º da lei 12.016:
"Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada."
Reporto-me à lição de Hely Lopes Meirelles:
"Ato de autoridade é toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Por autoridade entende-se a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal. (...) Considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado, e não o superior que o recomenda ou baixa normas para sua execução. (...) Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas conseqüências administrativas. (...) Incabível é a segurança contra autoridade que não disponha de competência para corrigir a ilegalidade impugnada. A impetração deverá ser sempre dirigida contra a autoridade que tenha poderes e meios para praticar o ato ordenado pelo Judiciário."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Mandado de segurança.
18. ed. São Paulo: Malheiros, p. 31 e 54-55)
No dizer de Sérgio Ferraz,
"
Coator é aquele que desempenhou, por comissão ou omissão, a atividade impugnável. E, se foi ele quem assumiu a coação, a ele incumbirá desfazê-la. Em suma, a materialização do ato é que define a autoridade que se pode apontar como coatora.
"
(FERRAZ, Sérgio.
Mandado de segurança.
4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 102). Como já preconizou o Superior Tribunal de Justiça,
"A legitimidade passiva no mandamus é fixada pela autoridade que tem poder de realizar o ato lesivo, na ação preventiva, ou aquele que pode desfazer o ato lesivo, na ação repressiva. In casu, o impetrado detém autoridade para fazer cessar a suposta ilegalidade."
(MS 200900372013, STJ - TERCEIRA SEÇÃO, DJE DATA:17/06/13).
Por outro lado, a identificação da sede funcional da autoridade impetrada fixaria o juízo competente para o processamento e julgamento do mandado de segurança, eis que
"A competência para julgar mandado de segurança define-se pela categoria da autoridade coatora e pela sua sede funcional"
. (MEIRELLES, Hely.
Mandado de segurança.
26. ed. SP: Malheiros, 2003, p.68).
2.3. Anterior entendimento jurisprudencial sobre o tema:
Convém ter em conta que, por muito tempo, o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Regionais aplicaram o entendimento de que o mandado de segurança se submeteria à
competência absoluta
, fixada a partir da identificação do
locus
de atuação da autoridade impetrada, consoante inúmeras decisões colegiadas, antes aludidas.
Por outro lado, reporto-me ao voto do Des. Fed. Jhonsom Di Salvo, do eg. TRF3, ao versar sobre a questão da competência para julgamento de mandado de segurança, no âmbito da
apelação cível n. 0010895-09.2015.403.6100/SP
, DJE de 05.10.2016.
"(...) Sendo apontados no polo passivo o Conselho Superior da Defensoria Pública da União, órgão sediado em Brasília-DF, seria competente para processar e julgar a causa a Justiça Federal localizada no Distrito Federal. Porém, o impetrante e a Procuradoria Regional da República entendem pela aplicação do art. 109, § 2º, da CF em sede mandamental, permitindo a impetração junto à Justiça Federal com jurisdição no domicílio do impetrante - no caso, a cidade de São Paulo (fls. 13).
O STF assim já se posicionou, em decisão não vinculante, sob o fundamento de que: a regra geral prevista no art. 109 da CF não faria distinção quanto à espécie de ações sobre a qual incidirá; a opção pela seção do domicílio do autor conferiria
paridade de armas
às partes; e essa opção não representa prejuízos à União, ente sobre o qual recairiam as repercussões financeiras eventualmente suportadas com o resultado do processo. Confira-se:
CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. UNIÃO. FORO DE DOMICILIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DO ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. 2. Agravo regimental improvido. (RE 509442 AgR / PE / STF - SEGUNDA TURMA / MIN. ELLEN GRACIE / 03.08.10)
A Terceira Turma deste Tribunal teve oportunidade de apreciar o tema recentemente, decidindo, por maioria de votos, pela possibilidade de aplicação do art. 109, § 2º, da CF também no mandado de segurança, ressaltando decisão do STF pela extensão da norma às autarquias federais (RE 627.709); no ensejo o polo passivo da causa era ocupado por autoridade vinculada à ANATEL. Segue a ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - ART. 109, § 2º, CF - DOMICÍLIO DO AUTOR - NÚCLEO REGIONAL DE ATENDIMENTO - RECURSO PROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal decidiu, nos autos do RE 627709 / DF, repercussão geral, de Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, publicado em 29/10/2014,que a regra disposta no art. 109, § 2º, CF aplica-se também às autarquias federais. 2. O entendimento contrário impede que se conduzam as aspirações de realização da democrática interiorização da Justiça Federal, amparada pelo artigo 110 da Constituição Federal. 3. A aplicação ao caso do disposto no artigo 100, IV, a, do Código de Processo Civil, vem a ferir os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade das leis, por implicar sacrifício maior e desnecessário a quem pretende exercer o direito constitucionalmente amparado de acesso à jurisdição, haja vista os custos e sacrifícios desproporcionais à agravante, decorrentes do deslocamento do processo para a capital federal, ao passo que não vislumbro maiores prejuízos à ANATEL em tramitar o feito perante Juízo da Subseção Judiciária de São Paulo-SP. 4.A existência de núcleo regional de atendimento não é óbice à fixação da competência territorial, visto que é equiparado à agência ou sucursal e a criação de tais órgãos visa à melhor consecução do interesse público de forma descentralizada. 5. Agravo de instrumento provido. (2014.03.00.009076-9/SP / TRF3 - TERCEIRA TURMA / DES. FED. NERY JÚNIOR / D.E. 11.03.2015)
Nesse ponto, porém, corroboro declaração de voto em contrário exarada pelo Des. Fed. Carlos Muta, refutando a abrangência da aludida norma ao mandado de segurança, por se tratar de ação cuja competência é fixada pela sede funcional da autoridade impetrada, de caráter personalíssimo e absoluto, não admitindo a opção prevista no art. 109, § 2º, da CF. Em seu voto, o eminente colega refutou ainda o julgado do STF apontado como parâmetro, visto que o acórdão da Suprema Corte não cuidou das especificidades da via mandamental
.
Com efeito, a norma constitucional em tela tem por objeto as causas onde a União Federal figura no polo passivo da demanda, situação muito diversa da apresentada em sede de
mandamus
, onde se exige a identificação da autoridade que praticou o ato impugnado ou daquela que ostenta poderes para decidir pela execução do ato, tudo nos termos da Lei 12.016/09
.
A regra de competência a partir da sede funcional prestigia a imediatidade do juízo com a autoridade apontada como coatora, oportunizando a prestação de informações de forma mais célere e acurada pelo impetrado, pois em sede de
mandamus
o que se perscruta é um ato específico que a autoridade responsável por ele tem todo o direito de defender; essa situação do impetrado não se confunde com a posição da pessoa jurídica de direito público interno a que pertence, a qual no
mandamus
ostenta relação meramente institucional com a situação posta nos autos; não pode passar despercebido o caráter personalíssimo que - em sede de mandado de segurança - envolve as partes iniciais da causa.
De um lado deve estar aquele que é diretamente atingido pelas consequências materiais do ato ou da conduta discutida; de outro lado deve estar justamente aquele que, no plano jurídico, é o responsável pelo ato (praticando-o ou ordenando-o, conforme o texto do art. 6º, § 3º, LMS) e que pode desfazer as suas consequências. Nisso reside o caráter personalíssimo próprio do mandado de segurança, e por isso não se pode substituir o ajuizamento do
writ
no Juízo da sede da autoridade dita coatora, pelo Juízo federal do domicílio do impetrante. É escolha do legislador prestigiar - em matéria competencial para o
mandamus
- a sede da autoridade dita coatora, o que se justifica diante da presunção
iuris tantum
de legalidade e veracidade dos atos da "administração".
Essa é a posição tradicional do STJ, conforme precedentes em: CC 18.894/RN, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/1997, DJ 23/06/1997, p. 29033 - CC 41.579/RJ, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2005, DJ 24/10/2005, p. 156 - CC 60.560/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2006, DJ 12/02/2007, p. 218 - CC 48.490/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2008, DJe 19/05/2008 - REsp 1101738/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/03/2009, DJe 06/04/2009 - AgRg no REsp 1078875/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 27/08/2010 - AgRg no AREsp 253.007/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 12/12/2012.
Atente-se para o fato de que a regra de competência territorial funcional é aplicada de forma
temperada
pela jurisprudência, quando é presente no âmbito de competência do Juízo uma repartição ou um órgão correlato com as atribuições do impetrado (AI 00153626620134030000 / TRF3 - TERCEIRA TURMA / DES. FED. NERY JÚNIOR / e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2014, AMS 2000.38.00.037252-3 / TRF1 - 6ª TURMA SUPLEMENTAR / JUIZ FED. ANDRÉ PRADO DE VASCONCELOS / e-DJF1 DATA:08/06/2011, CC 00263898520094030000 / TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO / DES. FED. MÁRCIO MORAES / e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/03/2011). Porém, a situação aqui não se faz presente, pois o Conselho Superior da Defensoria Pública da União desenvolve-se em órgão único e de atribuições exclusivas, consoante disposto em seu Regimento Interno." (TRF3 apelação cível n. 0010895-09.2015.403.6100/SP, DJE de 05.10.2016)
Segundo essa análise, sempre que houver efetivo litisconsórcio passivo necessário, de modo que a pretensão deva ser endereçada a distintas autoridades, com atuação em distintas regiões, o
mandamus
pode ser impetrado perante o juízo com competência para quaisquer dessas localidades, como ilustram os julgados:
"Havendo uma única autoridade coatora, o ajuizamento de mandado de segurança devera ser efetuado na jurisdição de sua sede. 2 -
Ocorrendo, entretanto, a existência de mais de uma autoridade coatora no polo passivo da demanda, facultado esta o impetrante do 'writ' para ajuizar a ação em qualquer dos juízos das sedes das respectivas autoridades coatoras
. 3 - Inteligência da sumula 63 do ee. TFR 4 - Despacho singular mantido. 5 - agravo improvido."
(AG 9005075708, Desembargador Federal Jose Delgado, TRF5 - Segunda Turma, DJ - Data::08/03/1991 - Página::4111.)
Ademais, "
O mandado de segurança ataca dois atos distintos praticados por duas autoridades coatoras: a cobrança de multa pela Delegacia da Receita Federal; e a não inclusão de tal crédito tributário no REFIS. - É certo que o Delegado da Receita Federal não tem poderes para incluir multa não consolidada no Programa de Recuperação Fiscal. Entretanto, tal pedido foi acertadamente direcionado ao Presidente do Comitê Gestor do REFIS. -
O Delegado da Receita Federal tem legitimidade para responder o mandado de segurança na medida em que é dele a competência para cobrar a multa não abarcada pelo REFIS. - Havendo mais de uma autoridade coatora, o mandado de segurança pode ser ajuizado na sede de qualquer uma delas
."
(AG 200204010106830, VILSON DARÓS, TRF4 - SEGUNDA TURMA, DJ 11/06/2003 PÁGINA: 582.)
Nesse mesmo sentido:
"
Indicada duas autoridades coatoras, compete a qualquer dos Juízos Federias a análise meritória, cabendo analisar a lide frente as duas autoridades apontadas como coatoras
. 2. Incabível a extinção da lide por ilegitimidade frente a uma das autoridades, sem análise da lide quanto a outra autoridade coatora. 3. Anulação de ofício da sentença, prejudicada apelação do impetrante, para determinar que o julgador monocrático analise a integralidade da lide aventada." (AMS 200071100032830, MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, TRF4 - QUINTA TURMA, DJ 13/03/2002 PÁGINA: 1057.) Acrescento: "cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão que, em mandado de segurança, declina a competência. 2.
havendo duas autoridades apontadas como coatoras, e competente o juízo da sede de qualquer delas. 3. incabível, sem provocação das partes, alterar-se competência relativa
. 4. agravo provido."
(AG 9204359250, TEORI ALBINO ZAVASCKI, TRF4 - SEGUNDA TURMA, DJ 14/04/1993 PÁGINA: 12651.)
Menciono também o seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE DUAS AUTORIDADES COATORAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DE SERGIPE. PEDIDO DE REDUÇÃO DE CARGA HORÁRIA DE UM DOS CARGOS JÁ FORMULADO ADMINISTRATIVAMENTE. BOA-FÉ DO SERVIDOR.1. Na hipótese dos autos, apenas o Coordenador-geral de Recursos Humanos em Brasília/DF e a responsável pelo Núcleo de Recursos Humanos em Sergipe podem ser considerados como autoridades coatoras, afinal, é dos dois, como responsáveis pelo setor de Recursos Humanos do IBAMA, que emanam a ordem para a prática do ato impugnado, tendo legitimidade, inclusive, para corrigir supostas ilegalidades apontadas.2.
Havendo duas ou mais autoridades coatoras, o mandado de segurança por ser ajuizado na sede de qualquer delas
, devendo ser afastada, portanto, a tese de incompetência da Justiça Federal de Sergipe.3. Passados mais de cinco anos de efetivo exercício legal de cargos cumulados, sem qualquer registro de comprometimento da qualidade dos serviços prestados, o servidor, agindo de boa-fé, buscou atender a solicitação do IBAMA, feita através do Parecer nº350-2011/SELEN/CGREH/DIPLAN/IBAMA. Tanto é assim que pediu, administrativamente, a redução de sua carga horária de professor perante a Secretaria de Educação do Estado.4. Ao longo dos três primeiros anos em que o servidor se encontra investido no cargo público, faz, obrigatoriamente, avaliação especial de seu desempenho, por se tratar de condição para que este venha a adquirir estabilidade no serviço público (art. 41,parágrafo 4º, da Constituição Federal), sendo correto afirmar, pois, que o sistema jurídico já disponibiliza mecanismos concretos para que se possa aferir a aptidão e capacidade do servidor ao exercício das funções do cargo público que ocupa.5. In casu, não pode a Administração impor ao impetrante que apresente nova declaração da Secretaria de Educação do Estado de Sergipe de que já se encontra em regime de 20 horas semanais, nem exigir a opção por uma dos cargos públicos que ocupa.6. Remessa oficial parcialmente provida, apenas para reconhecer a ilegitimidade passiva do Técnico administrativo e da Analista administrativa que elaboraram o ato impugnado, em estrita obediência a comando exarado por outrem. (REO 00036579620114058500, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::27/07/2012 - Página::76.)
2.4. Aplicação do art. 109, §2, CF - mandado de segurança:
Gradualmente, porém, os Tribunais passaram a aplicar a norma do
art. 109, §2, CF, ao rito do mandado de segurança
, como evidenciam os julgados abaixo:
CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA.
MANDADO DE SEGURANÇA
. UNIÃO. FORO DE DOMICILIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DO ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
. 2. Agravo regimental improvido. (RE 509.442 Agr/PE, Rel. Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe-154 Divulg 19-08-2010 Public 20-08-2010)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMA 374 DA REPERCUSSÃO GERAL. COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DOMICÍLIO DO AUTOR. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 374 da Repercussão Geral ( RE 627.709/DF, de minha relatoria), privilegiou o acesso à justiça na interpretação do art. 109, § 2º, da Constituição, ao aplicar a faculdade nele prevista também às autarquias federais. II
A faculdade prevista no art. 109, § 2º, da Constituição deve ser aplicada inclusive em casos de impetração de mandado de segurança, possibilitando-se o ajuizamento na Seção Judiciária do domicílio do autor, a fim de tornar amplo o acesso à justiça
. III – Agravo regimental a que se nega provimento.(STF - AgR RE: 736971 RS - RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 04/05/2020, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-118 13-05-2020)
Em sentido semelhante, atente-se para a decisão monocrática da insigne Min. Assusete Magalhães, do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o
Conflito de Competência n. 149.778/DF
:
"(...) O art. 109, § 2º, da Constituição Federal dispõe: As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
Da interpretação desse artigo, extrai-se a ausência de qualquer tipo de restrição no que concerne à opção conferida ao autor, que, por isso, é o juiz de sua conveniência para exercê-la, limitadas, apenas, às opções estabelecidas pelo próprio texto constitucional. Nesse ponto, constata-se que as causas intentadas contra a União poderão, de acordo com a opção do autor, ser aforadas perante os juízos indicados no art. 109, § 2º, da Lei Maior.
O ordenamento constitucional, neste aspecto, objetiva facilitar o acesso ao Poder Judiciário da parte quando litiga contra a União. Assim sendo, uma vez que o art. 109, § 2º da CF elenca foros nos quais a ação pode ser ajuizada, cabendo ao autor da ação escolher o foro em que irá propor a demanda, é legítima a opção da parte autora de que o feito ajuizado seja processado no foro de seu domicílio. Vale destacar que o texto não faz distinção entre o tipo de ação para a aplicação dessa regra
. Nesse sentido não há que se falar em necessidade de correlação entre a opção do autor e a natureza da ação proposta. Nesse contexto, a competência para o julgamento da causa é do juízo federal localizado no domicílio do impetrante do mandado de segurança." (STJ, CC 149.778/DF, rel. Min. Assusete Magalhães, disponível no site do tribunal).
Ainda nesse rastro, atente-se para os precedentes:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 109, § 2º, CF. AJUIZAMENTO NO DOMICÍLIO DA IMPETRANTE. POSSIBILIDADE. CASO EM QUE DE TODO MODO SÃO APONTADAS DUAS AUTORIDADES COATORAS COM DOMICÍLIOS DIVERSOS, ENSEJANDO A POSSIBILIDADE DE ESCOLHA. RECURSO PROVIDO. 1.
Nos termos de julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça, o art. 109, §2º, da Constituição também se aplica no writ, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 509442 (Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-05 PP-01046 RT v. 99, n. 901, 2010, p. 142-144), de modo que não pode prosperar a decisão agravada que extinguiu o mandado de segurança quanto à autoridade cuja sede era em local diferente do Juízo a quo
. 2. No caso dos autos, há ainda circunstância de que são duas as autoridades coatoras indicadas pela impetrante, com domicílios distintos, razão pela qual a parte impetrante poderia realizar a escolha de qualquer forma (STJ - CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 143.836 - DF, 2015/0272592-6, RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS, 09/12/2015). 3. O Juízo a quo deverá analisar o pedido liminar levando em conta a integralidade dos fatos e fundamentos arguidos pela impetrante, em relação às duas autoridades coatoras. 4. Agravo provido.
(AI 00157280320164030000, JUÍZA CONVOCADA ELIANA MARCELO, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/02/2017)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMA 374 DA REPERCUSSÃO GERAL. COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DOMICÍLIO DO AUTOR. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 374 da Repercussão Geral ( RE 627.709/DF, de minha relatoria), privilegiou o acesso à justiça na interpretação do art. 109, § 2º, da Constituição, ao aplicar a faculdade nele prevista também às autarquias federais. II
A faculdade prevista no art. 109, § 2º, da Constituição deve ser aplicada inclusive em casos de impetração de mandado de segurança, possibilitando-se o ajuizamento na Seção Judiciária do domicílio do autor, a fim de tornar amplo o acesso à justiça. III – Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF - AgR RE: 736971 RS - RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 04/05/2020, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-118 13-05-2020)
Por sinal, os Tribunais têm aplicado o art. 109, §2º, CF, também quando em causa demanda em face de autarquias federais:
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I -
A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II – Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem
. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido.(RE 627709, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
2.5. Impetração - autoridades com atuação na OAB:
Reitero que a OAB é uma autarquia federal
sui generis,
consoante se infere do julgamento da
ADI 3.026/DF
. Por outro lado, os Tribunais têm aplicado a lógica do art. 109, §2º, CF também no âmbito do mandado de segurança e quando em causa autarquias:
CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. UNIÃO. FORO DE DOMICILIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DO ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
. 2. Agravo regimental improvido. (RE 509.442 Agr/PE, Rel. Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe-154 Divulg 19-08-2010 Public 20-08-2010)
"(...) O art. 109, § 2º, da Constituição Federal dispõe: As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
Da interpretação desse artigo, extrai-se a ausência de qualquer tipo de restrição no que concerne à opção conferida ao autor, que, por isso, é o juiz de sua conveniência para exercê-la, limitadas, apenas, às opções estabelecidas pelo próprio texto constitucional. Nesse ponto, constata-se que as causas intentadas contra a União poderão, de acordo com a opção do autor, ser aforadas perante os juízos indicados no art. 109, § 2º, da Lei Maior
.
O ordenamento constitucional, neste aspecto, objetiva facilitar o acesso ao Poder Judiciário da parte quando litiga contra a União. Assim sendo, uma vez que o art. 109, § 2º da CF elenca foros nos quais a ação pode ser ajuizada, cabendo ao autor da ação escolher o foro em que irá propor a demanda, é legítima a opção da parte autora de que o feito ajuizado seja processado no foro de seu domicílio. Vale destacar que o texto não faz distinção entre o tipo de ação para a aplicação dessa regra. Nesse sentido não há que se falar em necessidade de correlação entre a opção do autor e a natureza da ação proposta.
Nesse contexto, a competência para o julgamento da causa é do juízo federal localizado no domicílio do impetrante do mandado de segurança." (STJ, CC 149.778/DF, rel. Min. Assusete Magalhães, disponível no site do tribunal).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DE PRESIDENTE DE AUTARQUIA FEDERAL. EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO (ENEM). INSCRIÇÃO. ANTINOMIA ENTRE A COMPETÊNCIA DEFINIDA EM RAZÃO DA SEDE FUNCIONAL DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA E A OPÇÃO PREVISTA PELO CONSTITUINTE EM RELAÇÃO AO FORO DO DOMICÍLIO DO AUTOR. ART. 109, § 2º, DA CF. PREVALÊNCIA DESTE ÚLTIMO. PRECEDENTES DO STJ EM DECISÕES MONOCRÁTICAS. CONFLITO DE COMPETÊNCIA CONHECIDO PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DO DOMICÍLIO DA PARTE IMPETRANTE. I - Conflito de competência conhecido para declarar competente o juízo federal do domicílio da parte impetrante. II - A competência para conhecer do mandado de segurança é absoluta e, de forma geral, define-se de acordo com a categoria da autoridade coatora e pela sua sede funcional. III - Todavia, considerando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, nas causas aforadas contra a União, pode-se eleger a seção judiciária do domicílio do autor (RE627.709/DF), esta Corte de Justiça, em uma evolução de seu entendimento jurisprudencial, vem se manifestando sobre a matéria no mesmo sentido. Precedentes em decisões monocráticas: CC 137.408/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE 13.3.2015; CC 145.758/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 30.3.2016; CC 137.249/DF, Rel. Min.Sérgio Kukina, DJE 17.3.2016; CC 143.836/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJE 9.12.2015; e, CC n. 150.371/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 7/2/2017. IV - Agravo interno improvido. (AgInt no CC 150269 / AL, Rel. Ministro Francisco Falcão, julgado em 14.06.2017)
No que toca à aplicação do art. 109, §2, CF nos processos deflagrados em face de autarquias, menciono ainda o seguinte julgado:
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I - A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II –
Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido
. (STF - RE: 627709 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Nesse mesmo sentido,
convergem os julgados
: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
NO PRESENTE CASO, o impetrante endereçou sua pretensão ao Presidente do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Paraná, de modo que a competência para processamento desta demanda é mesmo desta Subseção de Curitiba, seja por conta do art. 53, CPC/15 ou por conta da aplicação do art.109, §2º, CF/88.
2.6. Competência do presente Juízo Substituto:
A demanda em causa foi distribuída ao presente Juízo Substituto da 11.VF - Subseção de Curitiba, mediante sorteio abrangendo os Juízos desta Subseção de Curitiba, o que atendeu à garantia do Juízo Natural (art. 5, LIII, Constituição Federal/88).
2.7. Eventual conexão processual:
O processualista Bruno Silveira Dantas enfatiza que
"com o início de vigência do CPC/2015, será considerado
prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém term em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Deve-se aferir, ademais, a eventual aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
No caso em análise,
não diviso conexão desta demanda
com algum outro processo versando sobre a cominação de multas em desfavor da parte autora, para eventual reunião de causas e solução conjunta.
2.8. Respeito à coisa julgada:
No que toca à delimitação do crédito do requerente,
convém ter em conta que a coisa julgada é uma garantia constitucional, nos termos do art. 5º, XXXVI, Constituição Federal/88:
"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte." (RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar
” (
apud
NEVES, Celso.
Coisa Julgada Civil.
São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva)
." (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Segundo o conhecido art. 502, CPC/15,
"
Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso
.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que
"A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo cvil.
6. ed. rev. atual. São Paulo: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
Aludidas exceções não se aplicam ao caso vertente. De toda sorte, não diviso sinais de que esta demanda seja reiteração de alguma outra porventura já julgada, com sentença transitada em julgado
.
2.9. Eventual litispendência:
De alguma forma, o tema do
ne bis in idem
tem origem no âmbito do direito sancionador, dado que ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma infração administrativa ou penal
. Essa vedação decorre da própria cláusula do devido processo, tanto na vertente substantiva quanto procedimental. Daí que ninguém pode responder a simultâneos processos administrativos versando sobre a mesma suspeita/imputação, tampouco podendo responder a distintos processo penais com lastro na mesma arguição.
Esse é o conteúdo da cláusula do
double jeopardy,
assegurada pela 5ª e pela 14ª Emendas da Constituição dos EUA (aplicadas aos Estados-membros a partir do caso
Benton v. Maryland - 1969,
Suprema Corte). No âmbito da
Civil Law
isso se traduz na cláusula do
ne bis in idem,
assegurado expressamente pelo art. 8º do Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros outros tratados internacionais. No caso alemão, essa vedação está expressa no art. 103 da Lei Fundamental (
Doppelverwertungsverbot -
proibição de dupla valoração do mesmo fato:
"
Ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato, com base no direito penal comum
",
em tradução livre).
Trata-se de garantia antiga - há quem alegue que o
ne bis in idem
teria origem sob o governo de Henrique II, na Inglaterra (por volta de 1100 D.C, conforme RUDSTEIN, David S.
Double
jeopardy:
a reference guide to the United States Constitution. Westport: Praeger, 2004, p. 4-8), e ainda há várias discussões a respeito do seu alcance. Anote-se, por exemplo, que García de Enterría sustentava que o
ne bis in idem
impediria a cumulação de sanções penais e administrativas diante de uma mesma imputação, por força da redação do art. 25 da Constituição da Espanha (AISA, Estrella Escuchuri.
Teoría del concurso de leyes y de delitos:
bases para una revisión crítica. Granada: Comares, 2004, p. 123). Mas, essa opinião não ganhou maiores adeptos.
O fato é que o
bis in idem
ocorre quando alguém é sancionado mais de uma vez pela mesma imputação. Daí que deve se tratar da mesma conduta e também da punição ao mesmo título, dado que é cabível - no território nacional - que alguém responda a uma sanção pela infração tributária e também responda por eventual crime previsto na lei 8.137/1990. Em outras palavras, um determinado comportamento pode configurar, a um só tempo, infração a cláusulas contratuais - dando ensejo à aplicação de cláusulas penais -; ilícito administrativo; ilícito tributário e ilícito penal, contanto que haja efetiva diferença entre os escopos sancionatórios de cada uma dessas imputações.
No caso, nesse primeiro e precário exame, não diviso sinais de litispendência, o que pressupõe - conforme
art. 337, §2, CPC/15
- identidade de partes, de pedido e de causa de pedir. No presente processo, a aludida exceção não foi suscitada pelas partes e não constato o cogitado
bis in idem
, no que tange ao exame de ofício. Aludido requisito de identidade de partes nas demandas é esmaecido, e fato, quando em causa processos coletivos, na medida em que o(a) autor(a) pode então deduzir pretensão em nome de coletividades.
Quando em causa ações coletivas
, o que não é a hipótese em exame, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamete da qualificação da legitimação ativa empregaada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
No caso em exame, não há sinais de litispendência. Tampouco diviso algum contexto que desse ensejo à eventual aplicação do
art. 104, CDC
.
2.10. Eventual suspensão do processo:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
No caso em apreço, não diviso a presença de causas ensejadoras da suspensão desta demanda, a exemplo de cogitada necessidade de se aguardar a evolução de algum outro processo
. Tampouco foi determinada a suspensão em alguma demandada suscetível de produzir tal efeito, a exemplo do disposto no art. 982, do Código de Processo Civil/2015.
2.11. Limites do processamento do mandado de segurança:
O mandado de segurança não viabiliza a realização de dilações probatórias no seu curso. Daí que ele demanda a apresentação, pelo impetrante, de prova pré-constituída, já com a peça inicial. Como diz Sérgio Ferraz, um direito é líquido quando
"
se apresenta com alto grau, em tese, de plausibilidade de seu reconhecimento; e certo aquele que se oferece configurado preferencialmente de plano, documentalmente, sem recurso a dilações probatórias
."
(FERRAZ, Sérgio.
Mandado de
segurança
.
São Paulo: Malheiros, 2006, p. 34).
Em outras palavras,
"Direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de mandado de segurança. Evidentemente, o conceito de liquidez e certeza adotado pelo legislador do mandado de segurança não é o mesmo do legislador civil (CC, art. 1533). É um conceito impróprio - e mal-expresso - alusivo à precisão e comprovação do direito quando deveria aludir à precisão e comprovação dos fatos e situações que ensejam o exercício desse direito."
(MEIRELES, Hely Lopes.
Mandado de
segurança
.
24. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 36).
Como já anotou o ministro Adhemar Ferreira Maciel, "
A essência do mandado de segurança está em ser ele um processo de documentos (Urkundenprozess), exigindo prova pré-constituída
. Quem não prova de modo insofismável com documentos o que deduz na inicial não tem a condição especial da ação de mandado de segurança. Logo, o julgador não tem como chegar ao mérito do pedido e deve extinguir o processo por carência de ação."
(STJ, RMS n. 4.258-8, DJU de 19.12.1994, p. 35.332).
Isso significa que a condição indispensável para
"o socorro da via excepcional do mandado de segurança é, a par da demonstração do direito líquido e certo, a abusividade ou ilegalidade do ato alvejado ou em perspectiva de ser desfechado, mas isso em instrução prévia e indiscutível."
(FERRAZ, Sérgio.
Obra citada.
p. 46).
Segundo José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas Araújo, a expressão direito líquido e certo
"
deve ser interpretada sistemática e finalisticamente: o ato considerado ilegal ou abusivo é aquele que pode ser demonstrado de plano, mediante prova meramente documental
. Tutela-se um direito evidente. Caso exista a necessidade de cognição aprofundada para a averiguação da ilegalidade ou prática do abuso, a situação não permitirá o uso da via estrita do mandado de segurança."
(MEDINA, José Miguel Garca; ARAÚJO, Fábio Caldas.
Mandado de
segurança
individual e coletivo:
comentários à lei n. 12.016/2009. São Paulo: RT, 2009, p. 34-35).
Registro, assim, ter sido inviável a promoção de diligências probatórias curso do presente feito, por conta do conteúdo da lei n. 12.016/2009
.
2.12. Pretensão deduzida na inicial:
Ao final da peça de movimento-1, a impetrante requereu que,
"No mérito, seja julgada totalmente procedente a presente ação mandamental, consolidando definitivamente a medida liminar, CONCEDENDO A SEGURANÇA DEFINITIVA para preservação do direito líquido e certo do impetrante,
anulando-se a peça prático-profissional DOS EXAMINANDOS do 43º Exame de Ordem
, ou, subsidiariamente, a ampliação do gabarito para que seja aceita a peça EMBARGOS À EXECUÇÃO como cabível, com determinação para que a banca a considere na correção."
2.13. Legitimidade da impetrante:
A impetrante não está legitimada a deduzir, neste processo, pedido de anulação da prova prática de todos os examinandos do 43. Exame de Ordem Unificado. Afinal de contas, isso transbordaria da sua esfera jurídica, esbarrando na vedação do art. 18 do Código de Processo Civil, também aplicável ao rito do mandado de segurança
.
Registro que não se cuida de mandado de segurança coletivo, previsto no art. 5, LXX, Constituição/88. Ademais, mesmo se fosse esse o caso - não é! -, a impetrante não estaria legitimada para sua impetração, diante dos limites em que aludido mecanismo processo é assegurado pela Lei Maior.
Tampouco se cuida de demanda popular
, prevista no art. 5, LXXIII, Constituição e lei 4.717, de 29 de junho de 1965, submetida a respeitos especificos, quando confrontada com o mandado de segurança.
Assim, impõe-se o indeferimento do processamento da peça inicial no que toca ao pleito de anulação de notas/provas de outros examinandos. De toda sorte, ao que se infere da leitura da peça inicial, cuidou-se de um
lapsus linguæ,
sendo fato que a pretensão da impetrante deve ser compreendida considerando-se a integralidade da sua petição inaugural, conforme
art. 322, §2, Código de Processo Civil
.
Equacionados esses tópicos, anoto que o(a) impetrante está legitimado(a) para a presente demanda, na medida em que deduziu pretensão própria, em nome próprio, não esbarrando na vedação do
art. 18, CPC/15
, superada a questão acima registrada. Ele(a) sustentou ter sido prejudicado pela banca examinadora, no tocante à correção do exame de ordem.
2.14. Legitimidade da autoridade impetrada:
No que toca à legitimidade passiva, no rito do mandado de segurança, destaco o seguinte:
"O conceito de autoridade coatora é importante não só para identificar o polo passivo no mandado de segurança, mas para fixar a competência quanto ao ajuizamento da ação.
No conceito de autoridade coatora (art. 1.º, § 1.º, da Lei 12.016/2009) encaixam-se todos aqueles que exercem o múnus público. Nesta acepção, podem-se englobar os agentes políticos, os ocupantes de cargos e empregos públicos, bem como os particulares “no exercício de atribuições do poder público”.
Dentre os particulares que exercem função delegada, destacam-se os dirigentes de instituição de ensino, bem como titulares de serviços públicos em regime de concessão, permissão ou autorização. Deste modo, tratando-se de competência delegada, terá cabimento o mandado de segurança, tendo em vista o exercício, pelo titular, de função pública. Tal entendimento está corroborado pelo teor da Súmula 510 do STF: “Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial”.
No entanto, embora o ato contestado pelo mandado de segurança tenha sido praticado por autoridade, ou seja, a pessoa física que exerce a função pública, esta não será a parte processual. O cargo, o emprego, a função ou a atividade de colaboração do particular (concessão, permissão, autorização) é impessoal. A remoção, aposentadoria ou exoneração do servidor que praticou o ato reputado como ilegal/abusivo não provocará qualquer alteração no polo passivo da ação de mandado de segurança. É a pessoa jurídica que ocupa o polo passivo e que suportará os efeitos da sentença.
Ainda que a doutrina já tenha se manifestado pela necessidade de formação do litisconsórcio entre a autoridade coatora e a pessoa jurídica, tal construção, atualmente, deve ser repudiada. Como ensinava Pontes de Miranda, não se trata de representação, mas de presentação. Desta maneira, mandado de segurança impetrado contra ato judicial não torna o juiz parte do processo e não gera sua condenação em custas.
A Lei 12.016/2009 estende a possibilidade de recurso à autoridade coatora, como se depreende da dicção do art. 14, § 2.º, adiante examinado. Esta previsão, porém, não deverá alterar o tratamento da questão. A autoridade coatora poderá recorrer na condição de terceiro prejudicado, em virtude dos potenciais efeitos danosos da decisão de concessão da segurança quanto a sua esfera jurídica, em posterior ação de regresso. Todavia, ainda não será parte na relação processual.
Muito embora a autoridade coatora não possa ser considerada “parte”, uma vez que apenas representa a pessoa jurídica de direito público responsável pelo ato impugnado, prevalece o entendimento de que deve haver extinção do processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade passiva, quando a autoridade coatora for erroneamente indicada na petição inicial, salvo se for o caso de incidir a teoria da encampação, de que se tratará adiante. Todavia, desde já, adiantamos nosso posicionamento no sentido da possibilidade de correção do polo passivo na ação de segurança, em virtude da dificuldade criada pelo próprio poder público em identificar a autoridade competente. O direito material não pode ser sacrificado em situações de urgência, por defeito sanável por simples emenda da inicial. O veto ao § 4.º do art. 6.º da Lei 12.016/2009 não deverá ser motivo para que se perpetue a jurisprudência até então dominante. Esse modo de pensar é corroborado pelo teor do art. 317 do CPC/2015, segundo o qual “antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício”.
Desse modo, a correta identificação da autoridade coatora é essencial para o desenvolvimento regular da relação processual. Mas, como identificá-la? A autoridade coatora sempre será o elo responsável quanto à omissão ou prática do ato ilegal ou abusivo. O responsável não se confunde com o executor, embora ambos possam congregar a mesma situação fática e jurídica. O funcionário subalterno que cumpre e executa as ordens do seu superior hierárquico não pode ser considerado representante da pessoa jurídica no polo passivo do mandado de segurança. Somente aquele que detiver o poder de desfazer o ato impugnado pode ser considerado autoridade coatora." (MEDINA, José Miguel Garcia e outros.
Mandado de Segurança
Individual e Coletivo.
SP: RT. 2021, item 1.51.).
Na forma do art. 1, §1, da lei de mandado de segurança - lei n. 12.016/2009 -,
"Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições. "
Ademais, nos termos do art. 2. da lei,
"
Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada
."
Assim, a autoridade impetrada é o servidor do povo - efetivo ou equiparado (por exemplo, em alguns casos, reitores de universidades privadas) - encarregado de cumprir a ordem judicial, caso a pretensão do impetrante venha a ser acolhida em sentença transitada em julgado. Menciono o julgado abaixo:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. EXAME DE ORDEM. SECCIONAL DA OAB/RS. LEGITIMIDADE PASSIVA. CUMPRIMENTO DE REGRA DO EDITAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À EXPEDIÇÃO DO CERTIFICADO. 1.
As Seccionais da OAB ostentam legitimidade passiva nas ações que envolvem o exame de ordem, uma vez que compete privativamente aos Conselhos Seccionais da OAB realizá-lo (art. 58, VI, da Lei 8.906/94).
2. O Provimento n. 144/2011 do Conselho Federal da OAB permite a prestação do Exame de Ordem pelos estudantes de Direito do último ano do curso. Tal ato normativo não estabelece que o requisito (estar matriculado nos últimos dois semestres do curso de Direito) deve estar preenchido na data da publicação do edital do certame ou até o término do período de inscrição. (TRF4 5051441-59.2019.4.04.7100 , TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 17/06/2020)
A eventual inclusão do impetrante nos quadros dos advogados e advogadas atuantes no Paraná depende de ato da OAB/PR. Aparentemente, a correção da prova prático-profissional depende da Ordem dos Advogados, mesmo quando tenha sido aplicada por instituições privadas, a exemplo da FGV - Fundação Getúlio Varga.
Anoto, de toda forma, que há julgados enfatizando que, em casos como o presente - caberia apenas ao Conselho Federal da OAB responder à pretensão da parte demanda, o que ensejaria então ilegitimidade da autoridade demandada neste mandado de segurança
.
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. EXAME DE ORDEM . ILEGITIMIDADE PASSIVA. OCORRÊNCIA. 1.
O exame da Ordem dos Advogados do Brasil é promovido pelo seu Conselho Federal, o que denota a evidente ilegitimidade passiva da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil da Bahia e da Comissão de Estágio de Exame de Ordem da OAB/BA
. 2. O Provimento nº 144/2011, do Conselho Federal da OAB, dispõe (art. 1º) que "O Exame de Ordem é preparado e realizado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil CFOAB, mediante delegação dos Conselhos Seccionais", enquanto o § 1º consigna que "a preparação e a realização do Exame de Ordem poderão ser total ou parcialmente terceirizadas, ficando a cargo do CFOAB sua coordenação e fiscalização". Sendo certo que a matéria discutida nos autos perfaz-se sobre as questões, sua formulação e respostas e os critérios de correção das provas, o Presidente do Conselho Federal da OAB, como responsável pela abertura edital, é que deve integrar o polo passivo da demanda, na condição de autoridade coatora . Correta, portanto, a sentença, que julgou extinto o processo sem resolução do mérito. Apelação a que se nega provimento (AC 1001145-28.2018.4 .01.3800, Desembargador Federal José Amílcar Machado, TRF1 - Sétima Turma, PJe 29/07/2021). 3. Apelação não provida .(TRF-1 - APELAÇÃO CIVEL: 10786613320224013300, Relator.: DESEMBARGADORA FEDERAL GILDA MARIA CARNEIRO SIGMARINGA SEIXAS, Data de Julgamento: 21/02/2024, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: PJe 21/02/2024 PAG PJe 21/02/2024 PAG)
"ADMINISTRATIVO. OAB. EXAME DE ORDEM. AUTORIDADE IMPETRADA. PRESIDENTE DA COMISSÃO DE ESTÁGIO E EXAME DE ORDEM DA OAB - SECCIONAL DE BELO HORIZONTE/MG. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. PROVIMENTO 144/2011. 1. O mandado de segurança deve ser impetrado contra a autoridade pública que detém, na ordem hierárquica, poder de decisão e competência para praticar atos administrativos decisórios necessários para acatar o que for ordenado pelo Judiciário"(REsp 762966/MT, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 27/09/2007, DJ 22/10/2007, p. 351). 2.
O Provimento nº 144/2011, do Conselho Federal da OAB, dispõe (art. 1º) que "O Exame de Ordem é preparado e realizado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil CFOAB, mediante delegação dos Conselhos Seccionais", enquanto o § 1 º consigna que "a preparação e a realização do Exame de Ordem poderão ser total ou parcialmente terceirizadas, ficando a cargo do CFOAB sua coordenação e fiscalização"
. 3. Sendo certo que a matéria discutida nos autos perfaz-se sobre as questões, sua formulação e respostas e os critérios de correção das provas, o Presidente do Conselho Federal da OAB, como responsável pela abertura edital, é que deve integrar o polo passivo da demanda, na condição de autoridade coatora. 4. Correta, portanto, a sentença, que julgou extinto o processo sem resolução do mérito. 5. Apelação a que se nega provimento." (AC 1001145-28.2018.4.01.3800, Desembargador Federal José Amílcar Machado, TRF1 - Sétima Turma, PJe 29/07/2021).
Em sentido contrário, porém, menciono julgado do TRF4:
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. OAB. EXAME DA ORDEM. DISCORDÂNCIA DA CORREÇÃO. QUESTÕES DISCURSIVAS. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO. 1.
Ainda que o provimento nº 144/2011 estabeleça a responsabilidade do Conselho Federal da OAB pelas matérias relacionas à aplicação e avaliação do Exame Unificado, tal provimento não tem o condão de modificar a competência estipulada no Estatuto da OAB. Legitimidade passiva da Seccional
. 2. Nos termos do Tema nº 485 do STF, somente é cabível a intervenção do Judiciário em casos excepcionais, considerados aqueles de desrespeito às normas editalícias, flagrante incorreção do gabarito ou manifesta ilegalidade. 3. No caso dos autos, diante de mero cotejo do padrão de resposta exigido àquele lançado pela autora na prova, deve ser a ela computada a pontuação referida na fundamentação da sentença, que segue mantida. (TRF4, AC 5037086-93.2023.4.04.7200, 3ª Turma, Relator ROGERIO FAVRETO, julgado em 03/12/2024)
Retomarei o exame do tema oportunamente.
2.15. Litisconsórcio
necessário - considerações
gerais:
O litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no
art. 114, CPC/2015
, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. Código de Processo Civil/2015.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo
de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes. O litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC/15). A respeito do litisconsórcio necessário, atente-se para o seguinte:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de
processo
civil.
1ª. ed. SP: RT, 2015)
2.16. Eventual litisconsórcio necessário:
No que toca ao exame de ordem, convém ter em conta não haver um limite de vagas para aprovação
- um problema de cardinalidade -, tampouco havendo alguma necessidade de ordenação. Contanto que o(a) candidato atinja a nota necessária, ele(a) será aprovado, podendo atuar como advogado(a), função de extrema importância para o Estado Constitucional.
Em princípio, portanto, eventual aprovação de um candidato, por força de deliberação judicial, não implica prejuízo direto para os demais
. Haverá maior número de profissionais no mercado, sem dúvida; mas, isso é efeito apenas oblíquo da decisão judicial em causa, não ensejando, por óbvio, a convocação de todos os potenciais interessados em tal incremento da concorrência para que figurem como parte na causa - art. 506, CPC. Assim, em primeiro exame, não há litisconsórcio envolvendo outros candidatos à aprovação no exame unificado da Ordem.
Deve-se apurar, contudo, se a
FGV - Fundação Getúlio Vargas
haveria de ser convocada para o presente mandado de segurança, dado cuidar-se da entidade encarregada da aplicação do exame, como notório (art. 374, I, Código de Processo Civil). Note-se que o TRF4 já chegou a decidir, em caso semelhante, que
"a Fundação Getúlio Vargas (FGV) é responsável pela organização, controle e realização dos atos executórios do exame — conforme edital acostado ao feito (evento 1, EDITAL8) — e, considerando que o impetrante busca nova correção da prova, há litisconsórcio passivo entre as autoridades que representam o Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil e a FGV.
Sendo assim, deverá a parte impetrante indicar corretamente as autoridades coatoras que devem compor o polo passivo da ação, inclusive aquela vinculada à FGV
."
(TRF-4 - AG: 50516354820214040000, Relator.: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 10/12/2021, QUARTA TURMA)
Isso implicaria, então, a intimação da impetrante para retificar a peça inicial, de modo a endereçar sua pretensão também em face da FGV, quando menos para acompanhar o mandado de segurança na condição de pessoa jurídica
- e não necessariamente mediante indicação de uma autoridade impetrada. De todo modo, apreciarei o tema adiante, depois da juntada aos autos da peça de informações e do parecer do MPF, ou depois de esgotado os prazos para tanto fixados em lei.
2.17. Possibilidade jurídica do pedido:
A respeito da impossibilidade jurídica, convém atentar para a lição de Marcelo Abelha Rodrigues:
"Presente no nosso ordenamento jurídico explicitamente no art. 295, III, e implicitamente quando este adotou o conceito abstrato de ação, a possibilidade jurídica do pedido diz respeito à previsão
in abstracto
daquilo que se pede, dentro do ordenamento jurídico.
A possibilidade jurídica do pedido é instituto processual, e significa que ninguém pode ajuizar uma ação sem que peça uma providência que esteja, em tese (abstratamente) prevista no ordenamento jurídico material (no direito alemão é usado o termo viabilidade, donde se abstrai o mesmo significado). Veja o exemplo: 'A' pede o despejo de 'B' por falta de pagamento
.
Basta ao juiz a análise superficial e ver se tal situação é prevista (despejo por falta de pagamento) no nosso ordenamento jurídico, sem adentrar contudo em considerações fático-jurídicas do problema. Veja que ele não vai dizer, naquele momento, se 'B' vai ser despejado, mas apenas se existe no nosso ordenamento jurídico a hipótese invocada.
Por isso mesmo é que esta condição é prejudicial das demais, ou seja, deve ser a primeira a ser analisada, à luz da logicidade e do princípio da economia processual.
Dizer que um pedido é juridicamente possível significa que o ordenamento não o proíbe expressamente
. Destarte, o vocábulo 'pedido', que faz parte da referida condição da ação, está disposto na sua acepção mais ampla, ou seja, não somente em seu sentido estrito de mérito, mas também conjugado com a causa de pedir.
Afinal, é lapidar a conceituação de Arruda Alvim: 'Verificação se o pedido é, abstrata ou idealmente, contemplado pelo ordenamento, senão vedado pelo mesmo.' Também é essencial a colocação feita por Nery, quando lembra que o termo 'pedido' (que integra a expressão 'possibilidade jurídica do...'), tem de ser entendido na sua acepção mais lata, ou seja, conjugado com a causa de pedir. Assim, embora o pedido de cobrança, estritamente considerado, seja admissível pela lei brasileira, não o será se tiver como causa petendi dívida de jogo (art. 1.477, caput, Código Civil)." (RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 183-184)
Na espécie, a pretensão da requerente não esbarra na mencionada condição para válido exercício do direito de ação. Não há norma juridicamente válida que a impeça de deduzir em juízo a pretensão sob exame. Saber se tal pretensão merece acolhida é tema pertinente ao mérito.
2.18. Interesse processual - considerações gerais:
Por imposição constitucional, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, Constituição Federal/88), mecanismo indispensável para que haja efetivo império da lei, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que o pedido - caso venha a ser acolhido - se traduza em uma utilidade para o demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika:
a necessidade, a utilidade e a adequação. Por fim, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na extirpação da incerteza. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do NCPC. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material. Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença. Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"
O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la
. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Dado que o Poder Judiciário não é consultor jurídico das partes, impõe-se que haja uma situação de incerteza jurídica a justificar o ingresso com a ação declaratória:
"Impende recordar que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro. O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos “ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 661).
2.19. Interesse processual - caso em exame:
A rigor, o impetrante não está obrigado a deduzir prévia pretensão no âmbito extrajudicial, para somente então ingressar em Juízo. A norma do art. 5, XXXV, Constituição no o exige, conquanto haja entendimento jurisprudencial de tal exigência em alguns setores do discurso jurídico, a exemplo do direito previdenciário. Anoto que o tema 350, STF, não se aplica ao caso, dado não versar sobre demanda previdenciária. De toda sorte, no caso, o impetrante promoveu impugnação administrativa, não acolhida pelos demandados.
Assim, o requisito da necessidade foi satisfeito. Ademais, caso sua pretensão seja acolhia, a medida lhe será útil, viabilizando que avance nas etapas do exame de ordem. A via processual se revela adequada ao processamento da sua pretensão, conquanto que sejam respeitados os limites inerentes ao mandado de segurança, acima destacados. Logo, o trinômio
necessidade, utilidade e adequação
- projeção do interesse processual - foram atendidos no caso em análise.
2.20. Valor da causa - considerações gerais:
A toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290),
o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput
. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo
civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II -
na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida
; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º
Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações
. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Menciono novamente a análise promovida por Araken de Assis:
"
É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior
. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de
ofício e por arbitramento
, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
D'outro tanto, é assegurado ao requerido impugnar, em preliminar de contestação, o valor atribuído à causa pela autora (art. 293, CPC/15).
2.21. Valor da causa - situação em exame:
No caso, aludidos requisitos foram atendidos, pois a demandante atribuiu à demanda montante compatível com o conteúdo da sua pretensão (
R$1.518,00
). Há certa dificuldade, no caso, de estipular o montante financeiro correspondente ao pleito da impetrante.
2.22. Necessidade de que a inicial seja emendada:
A impetrante não anexou aos autos cópia da sua prova preenchida, cópia dos recursos porventura interpostos no âmbito extrajudicial e da decisão da OAB a esse respeito. Deverá apresentar tais documentos no prazo que assinalo ao final dessa peça, sob pena de extinção do processo sem solução de mérito - art. 321 e art. 485, I, CPC.
2.23. Gratuidade de Justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
Araken de Assis assim analisa a questão:
"- Isenção total - Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subentende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
- Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade.
-
Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal
(art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafael Alexandria de Oliveira:
"Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a precisa avaliação de Araken de Assis:
"À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despesa, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 tem entendido que a gratuidade de Justiça há de ser deferida a quem receba
remuneração mensal
líquida
inferior ao
teto de benefícios do RGPS
, definido em
R$ 8.157,41
, conforme Interministerial MPS/MF nº 6, de 10/01/2025:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.24.
Gratuidade
- caso em exame:
No caso em exame, a impetrante juntou declaração de hipossuficiência financeira, o que atende ao art. 99, §2, CPC. Ele também juntou comprovante de rendimentos. Não há indicativos de que o demandante tenha rendimentos líquidos superiores ao teto do RGPS. Defiro-lhe, pois, aludido benefício, ainda que surta reduzidos efeitos no âmbito do mandado de segurança - art. 25, LMS, súmulas 105, STJ e 512, STF.
2.25. Eventual decadência do direito à impetração:
O direito à impetração do mandado de segurança está submetido ao prazo de caducidade de
120 dias corridos
, na forma do art. 23 da lei n. 12.016/2009. Esse prazo deve ser computado a partir da data da notificação do(s) impetrante(s) a respeito do indeferimento do seu pleito administrativo.
Convém atentar para a súmula 429, do Supremo Tribunal:
"A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade."
Ademais, nos termos da súmula 430, STF,
"
Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança
."
Já a súmula 632, STF, preconiza que
"
É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança
."
Quanto se trata, porém, de impugnação de uma conduta administrativa iterativa, que se renova de tempos em tempos, ou de uma conduta permanente, que persiste no tempo, a decadência não se opera, justamente por força da reiteração dos atos impugnados.
"
É iterativa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça de que não há a decadência do direito à impetração quando se trata de comportamento omissivo da autoridade impetrada, que se renova e perpetua no tempo
”
(MS 20.426/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2017, DJe 18/12/2017).
No presente caso, tendo em conta a data da divulgação dos resultados da prova prático-profissional do 43. Exame de Ordem, não se operou a caducidade do direito à impetração. Registro que se cuida de uma questão processual (extinção do direito à impetração), não se confundindo com eventual decadência do direito invocado na peça inicial.
2.26. Prazos prescricionais:
No mais das vezes, as pretensões deduzidas em face da Administração Pública estão submetidas ao prazo prescricional de 05 anos, na forma do art. 1º do decreto 20.910/32, com a interrupção na forma da súmula 383, Supremo Tribunal Federal. Trata-se de norma de conteúdo especial quando confrontada com o art. 206, §3º, V, Código Civil:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA RESP 1.251.993/PR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 1.251.993/PR, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, assentou que o prazo de prescrição quinquenal, previsto no Decreto nº 20.910/32, aplica-se às ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002
. a4. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. ..EMEN: (AGARESP 201302893979, MARGA TESSLER (JUÍZA FEDERAL CONVOCADA DO TRF 4ª REGIÃO), STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:12/03/2015 ..DTPB:.)
No curso do processo administrativo, em cujo âmbito a pretensão do demandante seja discutida, o cômputo da prescrição resta suspenso, conforme art. 4 do decreto 20.910/1932. Aludida sistemática também é oponível à Ordem dos Advogados do Brasil, enquanto autarquia federal em regime especial, nos termos delbierados pelo STF - ADI 3026. No caso em exame, aludido prazo não se esgotou. Ademais, em regra, isso decorre da constatação de não ter se operado a decadência do direito à impetração.
2.27. Eventual caducidade do direito invocado:
Em regra, os prazos decadenciais são oponíveis às pretensões constitutivas ou desconstitutivas. Atingem os chamados
direitos potestativos
- ou seja, direitos formativos geradores, na dicção de Francisco Pontes de Miranda, a exemplo do divórcio, rescisão unilateral de contratos de locação etc.
Sustenta-se que a
"decadência, ou caducidade, na definição de Câmara Leal, é a extinção ou perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado ao seu exercício, sem que seu titular o tivesse feito.
O principal efeito da decadência, seguindo o raciocínio de Câmara Leal, é o de extinguir o direito
. Desta circunstância decorre o fato de que a decadência do direito faz desaparecer a ação que deveria assegurá-lo: a) quando direito e ação não se identificam, a ação não chega sequer a nascer; b) a decadência perece com o direito, quando ambos nascem simultaneamente."
(NERY, Rosa; NERY JR, Nelson.
Instituições de Direito Civil. vol. 1
São Paulo: RT. 2019. item 79).
O direito invocado na peça inicial - ou seja, direito à retificação da correção da prova prático-profissional - não está submetido a prazos peremptórios para que sejam exercidos.
2.28. Considerações gerais sobre a antecipação de tutela:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo.
Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que ele teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas
.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista no art. 300 e ss. do CPC/2015. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC).
Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
- Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
- Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS,
Araken
de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371).
Quando se cuide de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários
(art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494), conforme se infere da conhecida
ADC 04-6/DF
, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no
informativo 248, STF
. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
O juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
): "
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória
. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da tutela.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55)
No rito do mandado de segurança, o tema é regulado pelo art. 7 da lei n. 12.016/2009.
2.29. Hipóteses de contraditório postergado:
Em regra, a antecipação de tutela apenas pode ser promovida quando assegurado prévio contraditório ao demandado, conforme art. 5, LIV e LV, CF e art. 7, parte final, CPC.
Isso não impede, todavia, que, em situações excepcionais, o contraditório seja postergado, em face da urgência documentada nos autos
.
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA DETERMINAR O PROCESSAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a regra de obstar o recurso especial retido deve ser obtemperada para que não esvazie a utilidade daquele apelo extremo. 2.
O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se aí a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera parte) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico
. 3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal. 4. Em tais casos, pode ocorrer dano grave à parte, no período de tempo que mediar o julgamento no tribunal a quo e a decisão do recurso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pouca ou nenhuma relevância. 5. Existência, em favor da requerente, da fumaça do bom direito e do perito da demora, em face da patente contrariedade ao art. 2º, da Lei nº 8.437/92, visto que, na hipótese dos autos, não há necessidade da prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, vez que o ente Municipal sequer figura na relação processual. 6. Medida Cautelar procedente, para determinar o processamento do recurso especial. ..EMEN: (MC 200100113001, JOSÉ DELGADO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:13/05/2002 PG:00150 ..DTPB:.)
Com efeito, citando novamente Araken de Assis, quando enfatiza o que transcrevo abaixo:
"
O processo constitucionalmente justo e equilibrado (faires Verfahren) exige a oportunidade de as partes influírem na atividade do órgão judiciário. O princípio do contraditório, na sua dimensão horizontal, assegura à parte a possibilidade de manifestação acerca das (a) razões de fato, (b) os meios de prova tendentes a demonstrar-lhes a veracidade, e (c) as razões de direito da contraparte
.
O processo criará inexoravelmente uma comunidade de trabalho, sem prejuízo da parcialidade das partes, e o contraditório assume dimensão vertical. Limitará a atuação do órgão judiciário no que concerne à matéria de direito, domínio que lhe toca na qualidade maître du droit -,79 impondo a manifestação prévia das partes sobre (a) a qualificação jurídica dos fatos afirmados, ou dos fatos não alegados, mas constantes dos autos, que o juiz possa considerar relevantes; (b) as normas legais que o juiz entenda aplicáveis à resolução da causa; e (c) as questões que se mostra lícito ao juiz conhecer sem alegação das partes (v.g., as “condições” da ação – legitimidade e interesse processual –, a teor do art. 485, § 3.º). O art. 357, IV, exige a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e de organização do processo para essas finalidades.
A urgência autoriza, entretanto, a postergação do contraditório em certas condições. É o que se infere do art. 300, § 2.º, segundo o qual “a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente”. O art. 12, caput, da Lei 7.347/1985 determina o seguinte na ação civil pública: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. E o art. 7.º, III, da Lei 12.016/2009 estipula que o juiz, no mandado de segurança, ordenará a suspensão incontinenti do ato de autoridade “quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida
." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, tópico 1.425).
Outrossim,
"Duas situações autorizam o juiz à concessão de liminar sem a audiência do réu (inaudita altera parte): (a) sempre que o réu, tomando prévio conhecimento da medida, encontre-se em posição que lhe permita frustrar a medida de urgência; (b) sempre que a urgência em impedir a lesão revele-se incompatível com o tempo necessário à integração do réu à relação processual. Essa última hipótese é objeto do seguinte precedente do STJ: “Justifica-se a concessão de liminar inaudita altera parte, ainda que ausente a possibilidade de o promovido frustrar a sua eficácia, desde que a demora de sua concessão possa importar em prejuízo, mesmo que parcial, para o promovente."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
tópico 1.426).
Com efeito,
"
É constitucional a decisão antecipatória de tutela que, liminarmente e adiando a observância do contraditório para momento posterior, concede a antecipação dos efeitos da tutela para homenagear outro direito em voga, cuja preterição se revelar mais danosa
. 2. O perigo de irreversibilidade da medida, não obstante existente no presente caso, não subsiste quando encarado frente ao perigo da demora, o qual milita em favor da parte agravada."
(TJ-PE - AI: 2784312 PE, Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 21/05/2013, 1ª Câmara Cível, 29/05/2013).
Note-se, por exemplo, que a compreensão e aplicação do art. 2, da lei n. 8.437, de 1992, não podem implicar inexorável vedação à antecipação de tutela
inaudita altera parte
, sobremodo quando em causa perigo de danos ambientais, dado o alcance do art. 225, da Constituição e legislação correlata. Assim, "
O Superior Tribunal de Justiça tem flexibilizado o disposto no art. 2º da Lei n.º 8.437/92 a fim de impedir que a aparente rigidez de seu enunciado normativo obste a eficiência do poder geral de cautela do Judiciário
."
(REsp 1130031/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, 2.T. DJe 03/08/2010)
Por sinal, "
Excepcionalmente, é possível conceder liminar sem prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público, desde que não ocorra prejuízo a seus bens e interesses ou quando presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública. Hipótese que não configura ofensa ao art. 2º da Lei n. 8.437/1992
."
(AgRg no REsp 1.372.950/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/2013, DJe 19/6/2013.)
Sabe-se, pois, que
"
a jurisprudência do STJ tem mitigado, em hipóteses excepcionais, a regra que exige a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público nos casos em que presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública
(art. 2º da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ."
(REsp 1.018.614/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/6/2008, DJe 6/8/2008). Essas considerações se aplicam,
com alguns comedimentos,
ao rito do mandado de segurança, por força do art. 7 da lei n. 12.016/2009.
2.30. Controle judicial de atos administrativos:
Vivemos o tempo da superação do modelo de Estado meramente Legislativo em prol de um efetivo Estado Constitucional, conforme conhecida expressão de Peter Häberle.
Durante muitos anos, a teoria do Estado gravitou em torno do estudo das competências e dos órgãos administrativos. Atualmente, contudo, o eixo tem sido deslocado em direção à busca de efetividade dos direitos fundamentais. E isso é incompatível com a ideia de
legibus solutus,
própria ao Estado oitocentista
.
Como explica Gustavo Binembojm,
"A palavra discricionariedade tem sua origem no antigo Estado europeu dos séculos XVI a XVIII, quando expressava a soberania decisória do monarca absoluto (voluntas regis suprema lex). Naquela época, do chamado Estado de polícia, em que o governo confundia-se integralmente com a Administração Pública, a sinonímia entre discricionariedade e arbitrariedade era total. Com efeito, se a vontade do soberano era a lei suprema, não fazia sentido cogitar de qualquer limite externo a ela. Por atavismo histórico, ainda nos dias de hoje encontra-se o adjetivo 'discricionário' empregado como sinônimo de arbitrário ou caprichoso, ou para significar uma decisão de cunho puramente subjetivo ou político, liberta de parâmetros jurídicos de controle."
(BINENBOJM, Gustavo.
Uma teoria do direito administrativo:
direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 195-196).
Posteriormente, essa noção de discricionariedade (então compreendida como sinônimo de arbítrio) evoluiu em prol do reconhecimento da existência de distintas opções deliberativas, observados os limites estipulados pela própria lei. Em muitos casos, a lei imporia a finalidade, mas não estipularia os meios a serem escolhidos, pelos administradores, para a sua obtenção.
Por fim, sob o Estado Constitucional, reconhece-se que o administrador público não pode decidir de qualquer forma, ao seu alvedrio.
"Em consequência, como assinala Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a discricionariedade deixa de ser compreendida como um campo externo ao direito - verdadeiro atavismo monárquico - passando a ser vista como um poder jurídico. É dizer: um espaço decisório peculiar à Administração, não de escolhas puramente subjetivas, mas definida pela prioridade das autoridades administrativas na fundamentação e legitimação dos atos e políticas públicas adotados, dentro de parâmetros jurídicos estabelecidos pela Constituição, pelas leis ou por atos normativos editados pelas próprias entidades da Administração."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 199-200).
Ora, há muito tempo é sabido que o Poder Judiciário pode promover o controle de atos administrativos discricionários, quando menos para aferir eventual desvio de finalidade. O grande debate diz respeito, isso sim, à intensidade e aos critérios envolvidos no aludido controle judicial.
Bandeira de Mello explica que
"Em despeito da discrição presumida na regra de direito, se o administrador houver praticado ato discrepante do único cabível, ou se tiver algum fim seguramente impróprio ante o confronto com a finalidade da norma, o Judiciário deverá prestar a adequada revisão jurisdicional, porquanto, em rigor, a Administração terá desbordado da esfera discricionária."
(BANDEIRA DE MELLO, Celso A.
Discricionariedade e controle jurisdicional.
São Paulo: Malheiros, 2001, p. 36).
Concordo, pois, com Binenbojm quando enfatiza que
"A emergência da noção de juridicidade administrativa, com a vinculação direta da Administração à Constituição, não mais permite falar, tecnicamente, numa autêntica dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, mas, isto sim, em diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade.
A discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos
."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 208).
Diante do reconhecimento de efetividade aos princípios constitucionais da boa gestão pública (art. 37, CF), não há como imaginar que o Poder Executivo possa deliberar de qualquer modo, sem justificar suas escolhas e sem ter que prestar contas.
"O mérito - núcleo do ato -, antes intocável, passa a sofrer a incidência direta dos princípios constitucionais. Deste modo, ao invés de uma dicotomia tradicional (ato vinculado v. ato discricionário), já superada, passa-se a uma classificação em graus de vinculação à juridicidade, em uma escala decrescente de densidade normativa vinculativa."
(BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
p. 209).
Convém atentar para a precisa síntese de Binenbojm:
"É interessante registrar que a aplicação da teoria do desvio de poder para o controle da finalidade dos atos administrativos discricionários não importa controle do mérito propriamente dito, mas como que um estreitamento do seu âmbito.Ou seja: não se trata de controlar o núcleo da apreciação ou da escolha, mas de diminuir mo espaço em que o administrador faz escolhas de acordo com a própria conveniência e oportunidade.
O mesmo pode ser afirmado com relação às outras formas, ditas, de controle do mérito do ato administrativo, como o controle da proporcionalidade, da moralidade e da eficiência. Neste sentido, por exemplo, não se controla o mérito do ato administrativo em descompasso com a proporcionalidade, mas apenas se reconhece que o conteúdo desproporcional do ato simplesmente não é mérito
.
Em outras palavras, não há conveniência e oportunidade possível fora dos limites estabelecidos pela proporcionalidade." (BINENBOJM, Gustavo.
Obra citada.
2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 210).
Sei bem que, no mais das vezes, as questões alusivas à eficiência de determinadas soluções administrativas escapam do controle judicial, sob pena de se instituir um governo de juízes, inviabilizando-se a própria administração pública e comprometendo o sistema de pesos e contrapesos. Repiso esse detalhe: os juízos de mera conveniência e de mera oportunidade escapam, em regra, do controle jurisdicional, salvo quando se tratar de escolhas manifestamente desastrosas, desproporcionais, que comprometam a própria moralidade pública ou mesmo uma noção mínima de eficiência.
Colho a lição de Hans Wolff, Otto Bachof e Rolf Stober:
"Enquanto a Administração está orientada para a multiplicidade e tem responsabilidade metajurídica, a jurisprudência é de tipo monodisciplinar-jurídico (...). Por isso, o controlo jurisdicional circunscreve-se apenas ao controlo jurídico. Este controlo não se confunde com a vigilância completa (Rundum-Beaufsichtigung) da Administração. Por isso, o controle jurisdicional termina onde deixam de existir padrões jurídicos de controlo (...). Aqui a autonomia da Administração manifesta-se de forma particularmente clara. Em primeiro plano, está a auto-responsabilidade, que terá de ser respeitada pela jurisprudência, bem como a oportunidade, mas não a legalidade da actuação (...). A ideia nuclear é a de que o controlo jurisdicional não conduz a uma subalternização da Administração e os tribunais não devem substituir as apreciações (valorações) da Administração pelas suas próprias valorações.
Nesse contexto, devemos distinguir duas questões fundamentais. Por um lado, suscita-se a questão de saber se num Estado de direito que pratica a divisão de poderes haverá decisões 'livres do direito' para a Administração, no sentido de determinadas medidas estarem totalmente excluídas do controlo jurisdicional (os chamados actos de autoridade sem justiça). Esta questão suscitou-se quanto aos actos de governo e quanto aos actos de graça, mas que deve ser recusada na vigência da lei fundamental (...). Diferente é a questão de saber até que ponto o legislador exclui do controlo jurisdicional decisões administrativas por questões de celeridade e de eficiência administrativas, através da criação de normas de sanação e de preclusão (Heilungs- und Präklusionsvorschriften) (...)
Por outro lado, trata-se do problema de saber se e em que medida a Administração goza, quanto às decisões a tomar, de margens de conformação que apenas limitem a intensidade do controlo jurisdicional (a chamada densidade do controlo). Sejam aqui lembradas apenas as margens de discricionariedade, cujo exercício está subordinado a determinados limites jurídicos
." (WOLFF, Hans J.; BACHOF, Otto; STOBER, Rolf.
Direito administrativo. volume I.
Tradução do alemão por António F. de Souza. Calouste Gulbenkian, 2006, p. 247-248)
Em muitos casos, todavia, deve-se ter em conta a teoria dos motivos determinantes, bem explicitada por Hely Lopes Meireles:
"
A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos
. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro.
14ª ed. SP: RT, p. 175).
Compartilho, pois, da lição de José dos Santos Carvalho Filho quando argumenta:
"A teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. E não se afigura estranho que se chegue a essa conclusão: se o motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato."
(CARVALHO FILHO, José dos Santos.
Manual de direito administrativo.
24. ed. RJ: LJ 2011, p. 109).
Conquanto o Poder Judiciário não possa invadir a esfera decisória que é própria do Poder Executivo - o que não se discute -, também é fato que se deve
"fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a interdição do seu exercício abusivo."
(FAGUNDES, Seabra.
O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
Atual. G. Binenbojm. 7. ed. RJ: Forense, 2005, p. 191).
Conjugando-se todos esses elementos, vê-se que o Direito Administrativo contemporâneo não mais acolhe a premissa de que o mérito dos atos administrativos seriam sempre insuscetíveis de controle judicial. Isso não ocorre em um Estado Constitucional, dado que administrar é exercer função (é atuar em nome próprio, mas no interesse alheio). Também é possível o controle de decisões fundadas em fontes normativas que veiculam conceitos porosos, imprecisos, indeterminados (leia-se CARRIÓ, Genaro R.
Notas sobre Derecho y lenguaje.
6. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2011).
Isso significa que, diante da efetividade dos princípios constitucionais, o administrador público não pode decidir ao seu líbito, já que - mesmo em tais casos - há zonas de certeza positiva e negativas, suscetíveis de aferição judicial. Menciono o seguinte julgado:
(...) 1.
De acordo com a doutrina mais autorizada, os conceitos jurídicos indeterminados, como, no caso, procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, sujeitam-se a controle judicial de sua configuração concreta. 2. Não é omissão de aplicação do disposto no art. 37, I, da Constituição e no art. 8o., I, do Dec.-Lei n. 2.320/87 a afirmação de que os fatos alegados - acontecidos há mais de dez anos e em razão dos quais, processado, o apelado restou absolvido - não justificam exclusão do Curso de Agente de Polícia Federal.
(EDAC 964030319994010000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO BATISTA MOREIRA, TRF1 - QUINTA TURMA, DJ DATA:14/11/2002 PAGINA:207.)
No que toca à fiscalização dos atos discricionários, menciono os precedentes abaixo, colhidos junto ao STF e STJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE PROFESSORES. EXISTÊNCIA DE CANDIDADOS APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVIMENTO EFETIVO. ILEGALIDADE. LEI ESTADUAL 6.915/2007. EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 279 DESTA CORTE. ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280 DO STF. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS ABUSIVOS E ILEGAIS. AGRAVO IMPROVIDO. I - Inviável o recurso extraordinário quando sua apreciação demanda o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como da legislação infraconstitucional local aplicável à espécie. Incidência das Súmulas 279 e 280 do STF. Precedentes. II - Esta Corte possui entendimento no sentido de que o exame pelo Poder Judiciário do ato administrativo tido por ilegal ou abusivo não viola o princípio da separação dos poderes. Precedentes. III - Agravo regimental improvido. (RE-AgR 654170, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PODER DISCIPLINAR. LIMITES DE ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. ATO DE IMPROBIDADE. 1. Servidor do DNER demitido por ato de improbidade administrativa e por se valer do cargo para obter proveito pessoal de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, com base no art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/92 e art. 117, IX, da Lei n. 8.112/90. 2. A autoridade administrativa está autorizada a praticar atos discricionários apenas quando norma jurídica válida expressamente a ela atribuir essa livre atuação. Os atos administrativos que envolvem a aplicação de "conceitos indeterminados" estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. 3. Processo disciplinar, no qual se discutiu a ocorrência de desídia --- art. 117, inciso XV da Lei n. 8.112/90. Aplicação da penalidade, com fundamento em preceito diverso do indicado pela comissão de inquérito. A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa. De outra parte, o motivo apresentado afigurou-se inválido em face das provas coligidas aos autos. 4. Ato de improbidade: a aplicação das penalidades previstas na Lei n. 8.429/92 não incumbe à Administração, eis que privativa do Poder Judiciário. Verificada a prática de atos de improbidade no âmbito administrativo, caberia representação ao Ministério Público para ajuizamento da competente ação, não a aplicação da pena de demissão. Recurso ordinário provido. (RMS 24699, EROS GRAU, STF.)
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - MILITAR - SARGENTO DO QUADRO COMPLEMENTAR DA AERONÁUTICA - INGRESSO E PROMOÇÃO NO QUADRO REGULAR DO CORPO DE PESSOAL GRADUADO - ESTÁGIO PROBATÓRIO NÃO CONVOCADO - CONDIÇÃO "SINE QUA NON" - APLICAÇÃO DO ART. 49 DO DECRETO Nº 68.951/71 - RECURSO ESPECIAL - LIMITAÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE - MORALIDADE PÚBLICA, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. A discricionariedade atribuída ao Administrador deve ser usada com parcimônia e de acordo com os princípios da moralidade pública, da razoabilidade e da proporcionalidade, sob pena de desvirtuamento. 2. As razões para a não convocação de estágio probatório, que é condição indispensável ao acesso dos terceiros sargentos do quadro complementar da Aeronáutica ao quadro regular, devem ser aptas a demonstrar o interesse público. 3. Decisões desse quilate não podem ser imotivadas. Mesmo o ato decorrente do exercício do poder discricionário do administrador deve ser fundamentado, sob pena de invalidade. 4. A diferença entre atos oriundos do poder vinculado e do poder discricionário está na possibilidade de escolha, inobstante, ambos tenham de ser fundamentados. O que é discricionário é o poder do administrador. O ato administrativo é sempre vinculado, sob pena de invalidade. 5. Recurso conhecido e provido. ..EMEN: (RESP 199500599678, ANSELMO SANTIAGO, STJ - SEXTA TURMA, DJ DATA:09/06/1997 PG:25574 RSTJ VOL.:00097 PG:00404 ..DTPB:.)
Concluo, pois, ser cabível o controle judicial dos atos administrativos, mesmo quando discricionários. Deve-se atuar com circunspeção, todavia, a fim de que o Poder Judiciário não se substitua ao Poder Executivo, no juízo de conveniência e oportunidade de determinadas políticas públicas, salvo quando manifestamente ineficientes, inadequadas ou abusivas.
2.31. Controle da proporcionalidade:
Ademais, como notório, a atuação das entidades estatais deve respeitar ao postulado da proporcionalidade, questão verbalizada expressamente pelo art. 18 da Constituição de Portugal de 1976 e que remanesce implícita, na Lei Maior brasileira (art. 5º, LIV - enquanto projeção material da cláusula do devido processo).
Art. 18 - Constituição de Portugal - 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2.
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Reporto-me, tanto por isso, à lição de Bernal Pulido:
"1. Segundo o
subprincípio da idoneidade
, toda intervenção nos direitos fundamentais deve ser adequada para contribuir para a obtenção de um fim constitucionalmente legítimo. 2. Conforme o
subprincípio de necessidade
, toda medida de intervenção nos direitos fundamentais deve se a mais benigna com o direito no qual se interveio, dentre todas aquelas que revistam da mesma idoneidade para contribuir para alcançar o fim proposto. 3. No fim, conforme o
princípio da proporcionalidade em sentido estrito
, a importância dos objetivos perseguidos por toda intervenção nos direitos fundamentais deve guardar uma adequada relação com o significado do direito intervindo. Em outros termos, as vantagens que se obtém mediante a intervenção no direito devem compensar os sacrifícios que esta implica para seus titulares e para a sociedade em geral."
(PULIDO, Carlos Bernal.
El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales:
el principio de proporcionalidad como criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales vinculantes para el legislador. 3. ed. Madri: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. 2007. p. 42)
Ou seja, as opções estatais não podem ser promovidas com excesso, eis que deve se conter ao mínimo indispensável para a salvaguarda dos interesses públicos que o justificam. Deve-se atentar para o conhecido postulado
odiosa sunt restringenda
(
Übermaßverbot
).
A respeito do tema, menciono também a obra de Suzana de Toledo Barros.
O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das Leis restritivas de direitos fundamentais.
Brasília jurídica, 2ª ed., p. 69/82.
Transcrevo a análise de Canotilho e Vital Moreira:
"O terceiro pressuposto material para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias consiste naquilo que genericamente se designa por princípio da proporcionalidade. Foi a LC 01/82 que deu expressa guarida constitucional a tal princípio (art. 18-2, 2ª parte), embora já antes, não obstante a ausência de texto expresso, ele fosse considerado um princípio material inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias. O princípio da proporcionalidade (também chamado de princípio da proibição de excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado como princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado de princípio de necessidade, ou da indispensabilidade), u seja, as medidas restritivas previstas na Lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela Lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos. Em qualquer caso, há um limite absoluto para a restrição de direitos, liberdades e garantias, que consiste no respeito ao conteúdo essencial dos respectivos preceitos."
(CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital.
Constituição da República Portuguesa Anotada.
Volume 1: arts. 1º a 107. 1ª ed. brasileira. 4ª edição portuguesa. ST: RT, Coimbra: Coimbra Editora, p. 394-395)
Vale dizer
: a restrição a direitos fundamentais deve ser graduada pelo critério da indispensabilidade; ela somente pode ser imposta quando - e no limite em que - se revelar indispensável. Do contrário, o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais (
Wesengehalt
) restaria atingido, como reconhecem expressamente o art. 18 da Constituição de Portugal/1976 e implicitamente a nossa Lei Maior.
2.32. Motivação dos atos administrativos:
Ora, como sabido, a motivação das decisões vinculadas é um dever da Administração Pública, consectário direto do postulado da legalidade.
"A motivação é elemento essencial para o controle, sobretudo para o controle judicial. Não haverá possibilidade de aferir se o ato se conteve dentro da competência administrativa, dentro da razoabilidade, que deve nortear toda competência, caso não sejam explicitadas as razões condutoras do provimento emanado."
(FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Curso de direito administrativo.
5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 174).
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da motivação
'implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.'
(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.
Curso de Direito administrativo.
19ª Ed, rev. at. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 100).
Destaco também que o art. 2º,
caput,
lei 9784/1999 dispõe expressamente que
"
A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência
."
O art. 38, §1º da mesma lei preconiza que os elementos probatórios colhidos no curso da instrução devem ser considerados na motivação do relatório e da decisão. A motivação é invocada, por exemplo, nos arts. 45 e 49 da mesma lei. O seu art. 50, §1º dispõe que
"A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato."
Esse também é o conteúdo do julgado:
"(...) 3. O princípio da ampla defesa, que rege o processo administrativo, não se limita a assegurar o oferecimento de resposta e a produção de provas pelo administrado,
impondo, ainda, que os argumentos do administrado sejam apreciados fundamentadamente, ainda que seja para rejeitá-los
. Precedente do Supremo Tribunal Federal. 4. Não se qualifica como apreciação das razões de defesa e dos elementos probatórios carreados menção genérica de que a defesa teria sido apresentada sem nenhum fato que pudesse amparar a conduta da concessionária. 5. A Administração não está impedida de apurar irregularidades eventualmente cometidas e adotar, respeitando o devido processo legal, as medidas legais cabíveis, incluindo a rescisão do contrato. 6. Apelação provida."
(AC 200434000294352, JUIZ FEDERAL MARCELO ALBERNAZ (CONV.), TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:26/09/2008 PAGINA:684.)
Registre-se, todavia, que os tribunais têm reconhecido a validade da fundamentação
per relationem,
inclusive quanto a deliberações judiciais. Reporto-me aos julgados abaixo:
"A decisão administrativa do Corregedor-Geral de Justiça empregou a chamada motivação per relationem - isto é, valeu-se integralmente das razões lançadas no parecer da Juíza-Corregedora para não conhecer do recurso -,
técnica essa que não é vedada, tampouco importa ausência de fundamentação desde que o decisum se reporte a manifestações ou peças processuais que contenham os motivos, de fato e de direito, a amparar a conclusão judicial esposada, como na espécie
." (ROMS 200601698350, CASTRO MEIRA, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/02/2011 ..DTPB:. omiti o restante da ementa)
"Conforme restou decidido pelo Pretório Excelso (ARE 646862 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 13/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-032 DIVULG 13-02-2012 PUBLIC 14-02-2012; ARE 657355 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 06/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 31-01-2012 PUBLIC 01-02-2012), possui legitimidade jurídico-constitucional a técnica de fundamentação que consiste na incorporação, ao acórdão, dos fundamentos que deram suporte a anterior decisão (motivação per relationem)." (REO 200751010201997, Desembargadora Federal VERA LUCIA LIMA, TRF2 - OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::15/05/2013, omiti parte da ementa)
Menciono também o seguinte precedente, que versa sobre a incorporação, no âmbito da decisão administrativa, dos pareceres anteriores:
(...) 3.
O fato do Termo de Rescisão contratual fazer expressa remissão aos "termos constantes do Processo nº 59400.9460/2009-80", em cujo bojo estariam os fundamentos do mencionado ato administrativo, atende ao requisito da motivação do ato, sob a modalidade "per relationem" ou por referência, prevista no art. 50, parágrafo 1º, segunda parte, da Lei n. 9.784/99
("A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato"). (...)
(AG 00125847420104050000, Desembargador Federal Leonardo Resende Martins, TRF5 - 3.Turma, DJE - Data::30/11/2010 - Página::407.)
2.33. Presunção de legitimidade dos atos administrativos:
As presunções podem ser absolutas ou relativas. As absolutas implicam regras remissivas, verdadeiras ficções jurídicas:
"Em princípio, as presunções absolutas penetram no ordenamento como normas remissivas (ou, em alguns casos, restritivas da hipótese ou modificativas do mandamento da norma). Assim, mesmo que, de forma genérica ou em face de um ou outro caso concreto, a presunção não corresponda à realidade (o fato A não leve ao fato B), isso não a torna, por si só, inválida, principalmente quando, além da pretensa vinculação causal entre os fatos, outras razões levaram à edição da norma."
(PAOLA, Leonardo Sperb de.
Presunções e ficções no direito tributário.
BH: Del Rey, 1997, p. 64).
Por seu turno,
"
O que caracteriza as presunções legais relativas é a previsão, pelo legislador, que, salvo prova em contrário, a ocorrência de um determinado fato faz pressupor a existência de outro, ao qual estão vinculadas cercas consequências jurídicas.
No dizer de Aloísio Surgik, o liame entre os fatos já é estabelecido pela lei, cabendo, apenas, a valoração de provas contrárias."
(PAOLA, Leonardo Sperb de.
Obra citada,
p. 65).
Semelhante é análise de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart na obra Prova. São Paulo: RT, 2009, p. 137. Em regra, os atos administrativos revelam-se autoexecutáveis; e ensejam, pois, a presunção
iuris tantum
de legitimidade.
"
A autoexecutoriedade indica a possibilidade de a Administração Pública obter a satisfação de um direito ou de dirimir um litígio de que participa sem a intervenção imediata do Poder Judiciário
, produzindo atos materiais necessários a obter o bem da vida buscado. A auto-executoriedade pode conduzir obviamente ao impedimento da prática de certos atos pelos particulares. (...)
Não há vedação radical ao uso da força pela Administração Pública, na medida em que tal seja a solução adequada para a realização do Direito.
Mas o uso da força deverá refletir um devido processo legal, sendo acompanhado da observância de todas as formalidades comprobatórias necessárias e das garantias inerentes ao processo
. Mais ainda, não se admite o uso da força mediante mera invocação de fórmulas genéricas determinadas, tais como interesse público, bem comum, segurança, etc. Deve-se identificar, de modo concreto, o bem jurídico tutelado e expor o o motivo pelo qual se reputa que a força deva ser utilizada. É evidente que existem situações concretas emergenciais em que o cumprimento destas formalidades é impossível." (JUSTEN FILHO, Marçal.
Curso de direito administrativo.
Saraiva, p. 207).
"As medidas de polícia administrativa freqüentemente são autoexecutórias: i.e., pode a Administração Pública promover por si mesma, independentemente de remeter-se ao Poder Judiciário, a conformação do comportamento do particular às injunções dela emanadas, sem necessidade de um prévio juízo de cognição e ulterior juízo de execução processado perante as autoridades judiciárias. Assim, uma ordem para dissolução de comício ou passeata, quando estes sejam perturbadores da tranqüilidade pública, será coativamente assegurado pelos órgãos administrativos. Estes se dispensam de obter uma declaração preliminar do Judiciário, seja para declaração do caráter turbulento do comício ou passeata, seja para determinar sua dissolução. (...)
Todas essas providências (...) têm lugar em três diferentes hipóteses: a) quando a Lei expressamente o autorizar; b) quando a adoção da medida for urgente para a defesa do interesse público e não comportar delongas naturais do pronunciamento judicial sem sacrifício ou risco para a coletividade; c) quando inexistir outra via de direito capaz de assegurar a satisfação do interesse público que a Administração está obrigada a defender em cumprimento à medida de polícia." (BANDEIRA DE MELLO,
Curso de Direito Administrativo.
p. 681, grifei e omiti parte do texto).
A administração pública é exercício de função: exercício de atos em nome próprio, mas no interesse alheio. Daí que, por conta disso, o ordenamento jurídico recepciona regras especiais de ônus da prova, segundo a lição de Hely Lopes Meirelles:
"Os atos administrativos, qualquer que seja a sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma legal que a estabeleça. Já a presunção de veracidade, inerente à de legitimidade, refere-se aos fatos alegados e afirmados pela Administração para a prática do ato, os quais são tidos e havidos como verdadeiros até prova em contrário.
A presunção também ocorre com os atestados, certidões, informações e declarações da Administração, que, por isso, gozam de fé pública. Esta presunção decorre do princípio de legalidade da Administração, que nos Estados de Direito, informa toda a atuação governamental
. Além disso, a presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos responde a exigências de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade dos seus atos, para só após dar-lhes execução.
A presunção de legitimidade autoriza a imediata execução ou operatividade dos atos administrativos, mesmo que arguidos de vícios ou defeitos que os levem à invalidade. Enquanto, porém, não sobrevier o pronunciamento de nulidade os atos administrativos são tidos por válidos e operantes, quer para a Administração, quer para os particulares sujeitos ou beneficiários dos seus efeitos. Admite-se, todavia, a sustação dos efeitos dos atos administrativos através de recursos internos ou de ordem judicial, em que se conceda a suspensão liminar, até o pronunciamento final de validade ou invalidade do ato impugnado.
Outra consequência da presunção de legitimidade e veracidade é a transferência do ônus da prova da invalidade do ato administrativo para quem a invoca. Cuida-se de arguição de nulidade do ato, por vício formal ou ideológico ou de motivo, a prova do defeito apontado ficará sempre a cargo do impugnante, e até a sua anulação o ato terá plena eficácia
." (MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito administrativo brasileiro.
29 ed. atualizado por Eurico de Andrade Azevedo e outros. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 156)
Maria Sylvia Zanella di Pietro diz que
"A presunção de veracidade inverte o ônus da prova; é errado afirmar que a presunção de legitimidade produz esse feito, uma vez que, quando se trata de confronto entre o ato e a lei, não há matéria de fato a ser produzida; nesse caso, o efeito é apenas o anterior, ou seja, o juiz só apreciará a nulidade se arguida pela parte."
(PIETRO, Maria Sylvia Z. di.
Direito administrativo.
18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 192).
"1. Dentre os postulados consagrados pelo regime jurídico administrativo, destaca-se o princípio da presunção de legitimidade dos atos administrativos, que pode ser lido de acordo com 3 acepções: a presunção de legitimidade, que encerra obediência às regras morais, a presunção de legalidade, que impõe observância da lei, e a presunção de veracidade, que corresponde à verdade dos fatos. 2.
Trata-se de presunção relativa, transferindo-se o ônus da prova ao administrado caso esse pretenda desconstituir a presunção de legitimidade do ato administrativo
. Assim, referido princípio tem como consequência prática a aplicação imediata do ato administrativo, consagrando o atributo da autoexecutoriedade, sem prejuízo de sua contestação em momento posterior (...)" (AI 00013894420134030000, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MARCONDES, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/09/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:., omiti o restante)
Com efeito, em regra, os atestados, certidões e afirmações de servidores públicos possuem, em seu favor, a presunção de autenticidade do queé declarado. Do contrário, a atividade administrativa se tornaria praticamente inviável (devendo juntar, a cada certidão, um vídeo, uma fotografia acompanhada de duas testemunhas etc.). Isso não se aplica, porém, no âmbito de processos administrativos sancionadores, em cujo âmbito a inversão do ônus da prova deve ser apreciada com muita desconfiança.
2.34. Devido processo administrativo:
De outro tanto, como cediço, a
cláusula do
due process of law
submete-se tanto a um viés formal (procedimento, rito), quanto a um enfoque substancial ('justa causa' para a restrição a direitos fundamentais). O preceito deu causa à edição das conhecidas súmulas 70, 323, 523 e 547 do STF.
Transcrevo, por oportuno, o art. 5º, LIV e LV da Lei Fundamental/88:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV -
aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
.
Ora,
"A teoria do devido processo legal, construída na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, compreende duas perspectivas: substantive
due process
e
procedural due process
. A primeira é projeção do princípio no campo do direito material, enquanto a segunda funciona como garantia na esfera processual. O espectro da proteção é o trinômio vida-liberdade-propriedade."
(BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.
Processo administrativo disciplinar.
SP: Max Limonad. p. 223).
Desse modo,
"Quanto ao procedural du process, os dois interesses centrais podem ser identificados no caso Marschall versus Jerrico, inc. 446 US 238 (1980):
o governo não deve privar uma pessoa de um interesse importante a menos que a correta compreensão dos fatos e a lei permita; mesmo se o governo puder legalmente privar alguém de um interesse importante, o indivíduo tem o direito de ser ouvido perante uma Corte neutra antes da privação
. Enquanto a primeira regra prende-se à realidade da Justiça ('actuality of justice'), a segunda envolve a aparência de justiça ('appearance of justice')"
(BACELLAR FILHO.
Obra citada.
p. 224).
Reporto-me também à lição de Canotilho:
"
Processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade
. Dito por outras palavras: due process equivalente ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves (...) o due process of law pressupõe que o processo legalmente previsto para a aplicação de penas seja ele próprio um processo devido, obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembléias legislativas."
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7ª ed. Almedina, p. 493)
Sob o enfoque material, portanto, a cláusula do art. 5º, LIV, CF, condiciona a restrição a direitos fundamentais aos requisitos de idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
2.35. Livre exercício de ofício/profissão:
Como notório, no seu art. 5, XIII, a Constituição da República assegura a todos os brasileiros e aos estrangeiros que se encontrem em solo brasileiro o livre exercício da atividade profissional, observados os requisitos legais pertinentes: "
É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer
."
Conquanto aludido preceito tenha aludido às qualificações profissionais a serem estabelecidas em lei, isso não pode se traduzir em verdadeira delegação para o Congresso. Melhor dizendo, apenas requisitos realmente pertinentes, adequados, proporcionais podem ser exigidos. Cuida-se de uma restrição à liberdade de atuação, de modo que os requisitos cobram justificação substancial.
É razoável, e penso que poucos discordariam disso, que a medicina seja exercida apenas por quem efetivamente cursou e foi aprovado em uma faculdade, quem tem destreza e efetivo conhecimento técnico. Daí que a lei 3.268/1957 condicione a atuação como médico à prévia admissão no CRM. O Código Penal tipifica como crime a conduta de quem exerce, ainda que a título gratuito, a profissão de médico (art. 282, CP/40).
Referidas normas são válidas, eis que é indiscutível o elevado risco social presente na atividade de quem se dispõe a intervir no corpo alheio, criando expectativas de cura. Apenas profissionais efetivamente capazes, habilitados, podem atuar nesse âmbito. Semelhante raciocínio se impõe quanto à uma vasta gama de profissões, cujo desempenho demanda prova de alguma acurácia e expertise. Esse é o caso, por exemplo, da advocacia (arts. 3º e 8º da lei 8906/1994), da engenharia civil (art. 6º da lei 5.194/1966), da atividade farmacêutica (art. 57, lei 5991/1973), contabilidade (art. 26 da lei 9.295/1946).
O mesmo não ocorre, todavia, quanto a outras profissões que, conquanto extremamente relevantes, demandam requisitos menores. Esse é o caso dos pedreiros,
office-boys
, carpinteiros, cantores etc
. Repiso que, conquanto a Constituição tenha condicionado a liberdade de exercício profissional à edição de leis infraconstitucionais, isso não se traduz no reconhecimento automático da validade das normas assim produzidas. A legislação não pode simplesmente esvaziar referida garantia.
Reporto-me à lição de Ingo Wolfgang Sarlet:
"
Considerando a finalidade da autorização constitucional para a restrição da liberdade de profissão, a fixação de exigências e qualificações profissionais evidentemente deverá guardar relação com a peculiaridade das funções a serem desempenhadas, não se tolerando, de resto, restrições de caráter discriminatório
."
(SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Curso de direito constitucional.
3. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, p. 512).
Tampouco é o caso de se reviver, nos tempos modernos, as antigas corporações de ofício, concebidas como mecanismos de reserva de mercado. Importa dizer: conquanto os Conselhos profissionais cumpram uma função de extremo relevo para a sociedade, não podem se converter em uma espécie de vaticínio ou
conditio sine qua non
para o exercício de toda e qualquer atividade.
Atente-se ao entendimento do STF sobre o tema:
"Nem todos os ofícios ou profissões podem ser condicionadas ao cumprimento de condições legais para o seu exercício. A regra é a liberdade.
Apenas quando houver potencial lesivo na atividade é que pode ser exigida inscrição em conselho de fiscalização profissional
. A atividade de músico prescinde de controle. Constitui, ademais, manifestação artística protegida pela garantia da liberdade de expressão."
(RE 414.426, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 1º-8-2011, DJE de 10-10-2011.)
No mesmo sentido, destaco os seguintes julgados: RE 635.023-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012; RE 509.409, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 31-8-2011, DJE de 8-9-2011. A Suprema Corte brasileira julgou dispensável, por sinal, para o exercício da atividade de jornalista, a apresentação de diploma de curso superior. Por sinal, semelhante foi a opinião consultiva n. 05/1985, da Corte Interamericana dos Direitos Humanos.
"O jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e de informação. O jornalismo é a própria manifestação e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada. Isso implica, logicamente, que a interpretação do art. 5º, XIII, da Constituição, na hipótese da profissão de jornalista, se faça, impreterivelmente, em conjunto com os preceitos do art. 5º, IV, IX, XIV, e do art. 220, da Constituição, que asseguram as liberdades de expressão, de informação e de comunicação em geral. (...)
No campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal quanto às qualificações profissionais
. O art. 5º, IV, IX, XIV, e o art. 220 não autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de jornalista.
Qualquer tipo de controle desse tipo, que interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação, expressamente vedada pelo art. 5º, IX, da Constituição
. A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a profissão jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão. O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam as liberdades de expressão e de informação. Jurisprudência do STF: Representação 930, Rel. p/ o ac. Min. Rodrigues Alckmin, DJ de 2-9-1977." (RE 511.961, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 17-6-2009, Plenário, DJE de 13-11-2009)
2.36. Correção judicial de provas de concursos:
Nos termos do art. 5º, XXXV, CF, "
a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito
."
Isso significa que, como regra, o Poder Judiciário não pode se abster de examinar a alegação de lesão ou perigo de lesão a direitos, observados determinados pressupostos e condições (p.ex., art. 17, CPC). Há temas nos quais, por sinal, impera a jurisdição autorizativa, ou de 'primeira palavra' - na expressão de Canotilho -, como bem ilustram os casos de decretação de prisão preventiva, franquia de monitoramento de conversas telefônicas alheias etc. Também há casos nos quais cabe apenas ao Congresso a última palavras sobre a questão, como ocorre com a declaração da guerra, por exemplo (art. 21, II e art. 49, II, CF).
Deve-se reconhecer que, em princípio, o Poder Judiciário pode e deve sindicalizar os atos administrativos realizados no âmbito de concursos públicos. Igualmente certo, todavia, que, ao exercer esse controle, o Judiciário tampouco pode desconsiderar vetores importantíssimos: a liberdade de cátedra e a razoável imprecisão de muitos conceitos acadêmicos. Como regra, o Poder Judiciário não pode se arvorar na condição de conferir/impor conceitos ao reexaminar provas aplicadas pela Administração Pública.
Basta imaginar, por exemplo, que determinado candidato seja desclassificado em concurso para provimento do cargo de professor de física Nuclear
. O Judiciário deve conferir se as regras legais e do edital foram respeitadas pela banca examinadora, mas já não poderá avaliar se as mais avançadas teorias sobre mecânica quântica foram aplicadas de forma escorreita.
Afinal de contas - e é importante que isso fique bem vincado - o que se assegura no âmbito da
conferência de provas de concurso jurídico
deve ser aplicado também em outros inúmeros âmbitos, a exemplo da
computação quântica
,
álgebra de Lie
,
geometria diferencial
,
geometria algebraica
,
teoria ergódica
, física da matéria condensada,
topologia avançada
, história da arte, sociologia das religiões etc. Pode-se muito bem cogitar, em casos tais, da designação de perícia técnica, composta de
experts
no assunto. Afinal de contas, como registrei acima, não se admite âmbitos de absoluto arbítrio, de cabal ausência de controle democrático.
De toda sorte, são inúmeras as dificuldades presentes em algo do gênero, sobremodo porquanto há uma complexa discussão epistemológica na sua base, eis que muitas questões não admitem respostas absolutamente acuradas, exatas
(e isso está na base da mencionada liberdade de cátedra). Apenas em casos
verdadeiramente teratológicos
é que o Poder Judiciário pode ingressar no exame do mérito das questões aplicadas no concurso público.
Caso a banca de determinado concurso público adote, por absurdo, como resposta correta, que
'25 é número primo'
, algo semelhante deverá ser
anulado
pelo Judiciário, a fim de que a prerrogativa/
munus
de elaborar e corrigir provas não se traduza em simples arbítrio e abuso de poder.
Desse modo, o Poder Judiciário deve assegurar o fiel respeito às regras do jogo: ou seja, o procedimento imposto pela legislação e pelo edital
(o que passa pelo respeito à transparência, isonomia, devido processo etc.). Também deve inibir respostas verdadeiramente absurdas.
Nos demais casos, todavia, a intervenção judicial deve ser promovida com redobrados temperamentos
, sob pena de que, a cada nota baixa que um aluno obtenha na faculdade, ele ingresse em juízo questionando o professor pertinente. A vingar essa lógica, não tardará e o Judiciário terá aniquilado, então, a autonomia universitária, assegurada constitucionalmente. Para se precaverem, as universidades teriam então que submeter ao crivo dos juízes a proposta de prova e seu gabarito, a fim de que sejam ratificadas pela autoridade julgadora. Isso significa uma invasão indevida do Judicíario no exercício da liberdade de ensino e de aprendizagem, como se percebe.
AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES OBJETIVAS. IMPOSSIBILIDADE.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que ao Poder Judiciário não é dado substituir banca examinadora de concurso público, seja para rever os critérios de correção das provas, seja para censurar o conteúdo das questões formuladas. Agravo regimental a que se nega provimento
." (AI 827.001 AgR/RJ, Relator Ministro JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 01/03/2011, DJe-061 30/03/2011, publicado 31/03/2011)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. OAB. EXAME DE ORDEM. CONTROLE JURISDICIONAL. CORREÇÃO DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MONOCRÁTICA FUNDAMENTADA EM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1.
O Poder Judiciário não pode substituir a banca examinadora, tampouco se imiscuir nos critérios de correção de provas e de atribuição de notas, visto que sua atuação cinge-se ao controle jurisdicional da legalidade do concurso público, aí incluído o exame da Ordem dos Advogados do Brasil. 2. A decisão monocrática ora agravada baseou-se em jurisprudência desta Corte, razão pela qual não merece reforma
. 3. Agravo regimental não provido." (AgRg no REsp 1.133.058/SC, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, julgado em 04/05/2010, DJe 21/05/2010)
EXAME DA OAB. PROVA DISCURSIVA. QUESTÃO ANULADA. INSCRIÇÃO NO CONSELHO PROFISSIONAL NA QUALIDADE DE APROVADO. -
Os critérios utilizados pela banca examinadora para correção e formulação das provas, por mais injustos que possam parecer ao concursando, não podem ser substituídos pelos critérios de avaliação do Poder Judiciário, que tem uma atuação limitada, devendo apenas intervir em questões formais, nunca no mérito da formulação das questões nem na forma como a correção é procedida
. (AG 200504010461526, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, DJ 17/05/2006 PÁGINA: 739.)
EMEN: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONCURSO PÚBLICO. REEXAME DE QUESTÕES DE PROVA. DESCABIMENTO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende ser cabível, ao Poder Judiciário, a apreciação da legalidade do concurso público, sendo-lhe vedado, todavia, substituir-se à Banca Examinadora do certame, para reexaminar questões de prova, sob pena de indevida incursão no mérito do ato administrativo. II. Na forma da jurisprudência desta Corte, "a intervenção do Judiciário no controle dos atos de banca examinadora em concurso público está restrita ao exame da legalidade do procedimento, não lhe cabendo substituir-se à referida banca para reexaminar o conteúdo das questões formuladas ou os critérios de correção das provas. Precedentes deste Tribunal e do Supremo Tribunal Federal" (STJ, RMS 30.018/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe de 09/04/2012). III. Agravo Regimental improvido. ..EMEN: (AROMS 200702661590, ASSUSETE MAGALHÃES, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:23/09/2013 ..DTPB:.)
ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROCURADOR DO ESTADO DA PARAÍBA. PROVA. CRITÉRIOS DE CORREÇÃO. APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. MATÉRIA PREVISTA EM EDITAL. 1.
Nas demandas em que se discutem concurso público, a atuação do Poder Judiciário limita-se ao exame da legalidade do certame, vedada a apreciação dos critérios utilizados pela banca examinadora para formulação de questões e atribuição das notas aos candidatos, sob pena de indevida incursão no mérito administrativo. Precedentes
. 2. A aplicação de prova discursiva em concurso público visa avaliar a apresentação e estrutura textual, conhecimento da norma culta de gramática, e domínio do conteúdo indicado. Em razão disso, não raro, a questão exige do candidato conhecimento multidisciplinar e a capacidade de examinar a matéria sob o prisma constitucional e de legislação infra-constitucional. 3. O exame atento da questão impugnada, cuja anulação se objetiva no writ, evidencia que o assunto suscitado - dissertação sobre os requisitos para a conversão do negócio jurídico - estava incluso no conteúdo programático previsto em edital. 4. Recurso ordinário a que se nega provimento ..EMEN: (ROMS 200901784310, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:04/12/2012 ..DTPB:.)
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. EXAME DA ORDEM. CORREÇÃO DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA BANCA EXAMINADORA. RECURSO DESPROVIDO. 1- Não é dado ao Judiciário substituir-se à banca examinadora do exame para revisar a correção empreendida e a decorrente atribuição de nota ao candidato. 2. A interveniência do Poder Judiciário em atos administrativos cinge-se ao controle de legalidade, sendo-lhe vedado imiscuir-se no mérito das decisões. 2. Apelação desprovida. (TRF-3 - ApCiv: 5024484-41.2019.4.03.6100 SP, Relator: NERY DA COSTA JUNIOR, Data de Julgamento: 14/12/2023, 3ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 15/12/2023)
ADMINISTRATIVO. OAB. EXAME DE ORDEM. PROVA PRÁTICA. REVISÃO DE NOTAS PELO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE.
Não cabe ao Poder Judiciário substituir-se à Banca Examinadora do Exame da OAB, devendo ser sua atuação limitada, em casos tais, à apreciação de eventual ilegalidade do procedimento administrativo do exame em referência. Afigura-se incabível a apreciação do mérito dos critérios de correção das provas aplicadas no certame
. (TRF-4 - AC: 50266315020154047200 SC 5026631-50.2015.404.7200, Relator: LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Data de Julgamento: 08/03/2017, QUARTA TURMA)
2.37. Exame dos requisitos procedimentais:
Por outro lado, conquanto seja excepcional a retificação de notas dos candidatos, mediante modificação dos critérios adotados pela banca dos concursos ou correção de provas em faculdades, aludida limitação não se coloca no que toca aos demais requisitos procedimentais
. Não há restrição à atividade jurisdicional quanto se cuida de confer se a banca atendeu aos requisitos do edital, quando em causa o exame de laudos de saúde, comprovantes de vida pregressa ou documentação semelhante, quando exigida.
APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR. CONCURSO. SERVIÇO MILITAR TEMPORÁRIO. ETAPA DE VERIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS. APRESENTAÇÃO DE CARTEIRA PROFISSIONAL VENCIDA EM VEZ DA ATUAL. EXCESSO DE FORMALISMO. RAZOABILIDADE. 1. De acordo com as informações prestadas pela autoridade impetrada, o Processo Seletivo para a prestação do SMV nos termos do Aviso de Convocação nº 07/2016 é constituído de sete etapas, entre elas a 1ª Etapa: Prova Escrita Objetiva (PO) - eliminatória e classificatória; 2ª Etapa: Verificação de Dados Biográficos (VDB) - eliminatória; 3ª Etapa: Inspeção de Saúde (IS) - eliminatória; 4ª Etapa: Prova de Títulos (PT) - classificatória; 5ª Etapa: Verificação de Documentos (VD) - eliminatória; 6ª Etapa: Designação à incorporação; e 7ª Etapa: Incorporação. O impetrante foi eliminado por não apresentar uma das condições necessárias à inscrição, qual seja, ter apresentado registro profissional dentro na validade, contrariando os itens 3.3 e) e 3.7 do Edital, sendo informado pela autoridade impetrada que "A enfermagem somente pode ser exercida por pessoas habilitadas e inscritas no Conselho Regional de Enfermagem". 2. O impetrante alega e prova que, na data de apresentação dos documentos perante a comissão organizadora (15/03/2017 a 10/04/2017), já possuía registro profissional válido, cuja expedição ocorrera em 26/04/2016 e possuía validade até 26/04/2021, mas que, por um engano, teria apresentado o registro profissional vencido. 3. O edital é ato vinculante tanto para a Administração Pública, quanto para os candidatos que se inscrevem no concurso público e, por isso, todos passam a ter que observar as regras estabelecidas no ato convocatório do certame. No entanto, a jurisprudência dos Tribunais tem mantido o entendimento de que a atuação do Poder Judiciário, no tocante ao controle dos critérios previstos no edital de concurso público, não se limita ao mero exame da sua legalidade formal e da competência dos seus agentes, devendo alcançar, também, a razoabilidade de suas disposições e a sua proporcionalidade aos objetivos visados no certame (STJ, AgRg no REsp 1214561/MG, rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 1º turma, DJe 16/06/2012) 4. Verifica-se que, na decisão de fls. 138/141, o eminente magistrado de primeiro grau 1 indeferiu a liminar se baseando no fato de que "o impetrante, de fato, não possuía o documento válido para apresentação à banca do concurso na data prevista no edital". Ocorre que, sendo esclarecido posteriormente que, na data de apresentação dos documentos perante a comissão organizadora o impetrante (15/03/2017 a 10/04/2017) já possuía documento de identidade válido, cuja expedição ocorrera em 26/04/2016, o juiz a quo reconsiderou sua decisão, concluindo que "o impetrante ostentava a qualidade de habilitado no devido momento do certame. Nesse ponto, deve-se ressaltar a situação de fato: a habilitação do impetrante. Conclusão diferente decorreria caso o impetrante estivesse com a identidade (habilitação vencida) ou até mesmo com identidade expedida após o dia 10/04/2017, data limite para a entrega dos documentos". Tal entendimento merece prosperar. Houve apenas um descuido do impetrante ao entregar a sua carteira profissional anterior, sendo certo que, observando os dois documentos, constata-se que são quase iguais, com fotos quase idênticas, em que o autor parece estar até com a mesma camisa, só mudando a data de expedição e de validade. Deve-se analisar a situação de fato: o impetrante possuía, à época da data de entrega da documentação, a sua carteira profissional válida. Trata-se de um rigor formal exacerbado, em um concurso já nas suas fases finais, que poderia ser resolvido de forma simples administrativamente. Precedentes. 6.
A exegese conferida às normas editalícias não pode ser completamente enrijecida, sob pena de prevalecer o excesso de formalismo em detrimento do fim a que se pretende alcançar com a prática do ato, qual seja, a seleção dos candidatos mais qualificados
(TRF 2, 5ª Turma Especializada, APELREEX 0003861-43.2014.4.02.5001, Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO, E-DJF2R 17.7.2018; TRF 2, 5ª Turma Especializada, REEX 00387377520154025102, Desembargador Federal ALCIDES MARTINS, E-DJF2R 29.9.2017). 7. Também não se está diante de violação ao princípio da isonomia entre os demais concorrentes, uma vez que não se trata de candidato que não apresentava aptidão para o exercício do cargo em questão, sem o registro no respectivo conselho profissional. Ao revés, trata-se de candidato que demonstrou possuir o registro no conselho profissional válido, não se mostrando, portanto, razoável nem proporcional sua exclusão do certame. 8. Impende registrar que alegações genéricas de afronta aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório e da isonomia não são aptas a consagrar exigências não razoáveis e interpretações literais "cegas". O formalismo exacerbado, na presente controvérsia, somente conduz à afronta dos princípios constitucionais e prejuízos à própria Administração, que lesaria candidato mais qualificado. 9. Apelação conhecida e provida. (TRF-2 - AC: 01271145420174025101 RJ 0127114-54.2017.4.02.5101, Relator: JOSÉ ANTONIO NEIVA, Data de Julgamento: 18/10/2019, 7ª TURMA ESPECIALIZADA)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. SELEÇÃO DE PROFISSIONAIS DE NÍVEL SUPERIOR VOLUNTÁRIOS À PRESTAÇÃO DO SERVIÇO MILITAR TEMPORÁRIO. INSPEÇÃO DE SAÚDE INICIAL. ELIMINAÇÃO DO CERTAME. OBESIDADE E PRESSÃO ARTERIAL ELEVADA. LAUDOS MÉDICOS EM SENTIDO CONTRÁRIO. OBESIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. COMPATIBILIDADE COM AS ATRIBUIÇÕES DO CARGO PÚBLICO. RAZOABILIDADE. ILEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO IMPUGNADO. I- Embora a adoção de critérios para seleção de candidatos, em concurso público, se encontre dentro do poder discricionário da Administração, deve observância aos princípios da legalidade e da razoabilidade, afigurando-se, na espécie, o critério de eliminação do candidato na Inspeção de Saúde em razão de sobrepeso, preconceituoso, discriminatório e desprovido de razoabilidade. II-
A condição de obesidade não é suficiente para caracterizar a incapacidade funcional do autor, na medida em que não se trata de caso de obesidade mórbida, a impedir ou dificultar o exercício das atividades funcionais, sendo que, a todo modo, sequer há legislação regulamentando a matéria, afigurando-se totalmente ilegal a exclusão do candidato do certame com fundamento na referida condição física. Precedentes. III- Na espécie, o autor juntou aos autos teste ergométrico, realizado alguns dias após a inspeção de saúde, que aponta a sua total aptidão para o cargo pleiteado, afastando o diagnóstico de hipertensão e obesidade
. IV- Reexame oficial e apelação desprovidos. Sentença confirmada. (TRF-1 - AC: 10118399220184013400, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Data de Julgamento: 30/09/2020, 5ª Turma, Data de Publicação: PJe 06/10/2020 PAG PJe 06/10/2020 PAG)
2.38. Ônus da prova - mandado de segurança:
No âmbito do mandado de segurança, incumbe ao impetrante o ônus de comprovar, com documentos, já por época da impetração, a alegada veracidade da narrativa dos fatos, promovida na peça inicial.
Como já anotou o ministro Adhemar Ferreira Maciel, "
A essência do mandado de segurança está em ser ele um processo de documentos (Urkundenprozess), exigindo prova pré-constituída
. Quem não prova de modo insofismável com documentos o que deduz na inicial não tem a condição especial da ação de mandado de segurança. Logo, o julgador não tem como chegar ao mérito do pedido e deve extinguir o processo por carência de ação."
(STJ, RMS n. 4.258-8, DJU de 19.12.1994, p. 35.332).
Por conta disso, não se revela cabível a inversão do ônus da prova, prevista no art. 373, §1, CPC/15, eis que o rito do mandado de segurança não viabiliza a realização de diligências probatórias no seu curso. Eventual inversão do ônus implicaria sonegar à parte demandada a oportunidade de fazer prova das suas alegações, além de ser incompatível com a presunção
iuris tantum
de legitimidade dos atos administrativos.
2.39. Edital do exame de ordem - exame precário:
A impetrante apresentou cópia do edital veiculando regras sobre o 43. Exame de Ordem unificado - OAB. Segundo o item 1.2. do edital,
"o Exame de Ordem compreenderá a aplicação de prova objetiva e de prova prático-profissional, ambas de caráter obrigatório e eliminatório, efetuando o reaproveitamento da 1ª fase por uma única vez no Exame subsequente."
Segundo o item 1.4.3.3. do instrumento convocatório,
"o examinando poderá, em hipóteses excepcionais, interpor requerimento fundamentado, dirigido à Coordenação Nacional do Exame de Ordem Unificado, solicitando a realização da prova prático-profissional em estado distinto daquele onde realizada a prova objetiva, o qual deverá ser encaminhado exclusivamente para o correio eletrônico examedeordem@fgv.br. Os pedidos serão apreciados pela Coordenação Nacional do Exame de Ordem Unificado, que deliberará por seu deferimento ou indeferimento."
O anexo II do edital veiculou a lista de conteúdos suscetíveis de serem cobrados na prova prático-profissional, sendo que o anexo III tratou dos procedimentos para a realização do exame. O item 2.1.6 do edital tratou da vinculação do(a) candidato(a) à opção de disciplina promovida por época da inscrição no exame. O item 2.8.1. tratou do aproveitamento da nota obtida na primeira fase da prova, para fins de reiteração do exame em caso de não aprovação na prova prático-profissional. A respeito da prova prática, o edital veiculou o seguinte:
Ainda segundo o instrumento convocatório,
"A prova prático-profissional terá a duração de 5 (cinco) horas e será aplicada na data provável de 15 de junho de 2025, das 13 às 18 horas, no horário oficial de Brasília/DF. Os locais de realização da prova prático-profissional serão divulgados no endereço eletrônico http://oab.fgv.br, na data provável de 9 de junho de 2025."
Já o item 3.5. do edital veiculou:
"a prova prático-profissional valerá 10,00 (dez) pontos e será composta de duas partes: 3.5.1.1. 1ª parte: Redação de peça profissional, valendo 5,00 (cinco) pontos, acerca de tema da área jurídica de opção do examinando e do seu correspondente direito processual, observando, sempre que possível, a interdisciplinaridade, cujo conteúdo está especificado no Anexo II, indicada quando da sua inscrição, conforme as opções a seguir: a) Direito Administrativo; b) Direito Civil; c) Direito Constitucional; d) Direito do Trabalho; e) Direito Empresarial; f) Direito Penal; g) Direito Tributário."
O tópico 4.2. do edital tratou dos critérios de correção da prova prático-profissional.
"As questões e a redação de peça profissional serão avaliadas quanto à adequação das respostas ao problema apresentado. 4.2.2. A redação de peça profissional terá o valor máximo de 5,00 (cinco) pontos e cada questão terá o valor máximo de 1,25 (um e vinte e cinco) ponto. 4.2.3. A Nota na Prova Prático-Profissional (NPPP) será a soma das notas obtidas nas questões e na redação da peça profissional. 4.2.4. A NPPP será calculada na escala de 0,00 (zero) a 10,00 (dez) pontos. 4.2.4.1. Para cada examinando, a NPPP será obtida pelo seguinte procedimento: poderão ser concedidas notas não inteiras para as respostas do examinando tanto na peça profissional quanto nas questões; o somatório dessas notas constituirá a nota na prova prático-profissional, vedado o arredondamento. 4.2.5. Será considerado aprovado o examinando que obtiver NPPP igual ou superior a 6,00 (seis) pontos na prova prático-profissional, vedado o arredondamento. 4.2.6. Nos casos de propositura de peça inadequada para a solução do problema proposto, considerando para este fim peça que não esteja exclusivamente em conformidade com a solução técnica indicada no padrão de resposta da prova, ou de apresentação de resposta incoerente com situação proposta ou de ausência de texto, o examinando receberá nota ZERO na redação da peça profissional ou na questão. 4.2.6.1. A indicação correta da peça prática é verificada no nomen iuris da peça concomitantemente com o correto e completo fundamento legal usado para justificar tecnicamente a escolha feita."
Os recursos foram detalhados no item 5. do edital.
2.40. Demais elementos de convicção - exame precário:
A impetrante apresentou cópia do caderno de testes - Direito Tributário, que disse ter realizado. O enunciado da questão veiculou o seguinte:
"A Sra. Celina Macedo o(a) procurou em seu escritório, como advogado(a), desesperada porque a sua
aposentadoria, no valor de um salário mínimo, havia sido totalmente bloqueada naquele dia para o pagamento de uma dívida trabalhista no valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais)
. O gerente do banco, para quem Celina imediatamente ligou, disse que o bloqueio ocorrera por
ordem do Juiz da 220ª Vara do Trabalho de Campo Grande,
nos autos da
reclamação trabalhista
0100929-76.2019.5.24.0220. Tendo o número do processo em mãos, você buscou informações públicas no site do Tribunal Regional do Trabalho e verificou que a
ação foi proposta contra Celina Macedo
. Logo após a confirmação do bloqueio da aposentadoria, de valor muito inferior ao débito,
a exequente Ana Lucena requereu a penhora do imóvel em que Celina Macedo reside
.
Já consta despacho com deferimento e determinação para a expedição de mandado de penhora e avaliação, o que deixou Celina ainda mais apreensiva, pois é o único bem que possui, deixado por herança de sua falecida mãe, onde atualmente reside com seus cinco filhos menores, conforme as contas de água e luz que apresentou
. Na mais otimista hipótese, segundo disse,
o modesto imóvel vale R$ 35.000,00
(trinta e cinco mil reais).
Sem o valor da aposentadoria, único rendimento familiar, ela afirmou, convictamente, que sua família passará por dificuldades seríssimas e que, talvez, não tenha como se alimentar
. Celina disse que jamais recebeu comunicado ou chamado da justiça, sendo surpreendida com o bloqueio.
Além disso, ela confirmou que, no início de 2019, a exequente Ana Lucena trabalhou em sua residência como empregada doméstica. Ocorre que, após cinco meses de trabalho, Ana Lucena desapareceu e nunca mais deu notícias
. Pelas informações que você acessou no acompanhamento processual, houve
tentativa de citação com a justificativa “não localizado o endereço”, sendo que o endereço estava correto, coincidente com aquele estampado nas contas de água e luz exibidas por Celina Macedo
. Diante da informação dos Correios, o Juiz determinou a citação por edital mas, considerando que Celina Macedo não comparecera à audiência,
foi aplicada a revelia e confissão em desfavor dela
.
A condenação transitou em julgado em fevereiro de 2020 e algumas tentativas de execução de Celina Macedo foram feitas, sem sucesso, tendo Ana Lucena abandonado o processo, mesmo intimada pessoalmente em julho de 2020 para dar prosseguimento a ele
. Em junho de 2024, um novo advogado se apresentou para defender o seu interesse, requereu a juntada de substabelecimento e o bloqueio de qualquer valor ou benefício previdenciário de Celina Macedo,
o que foi acatado sem qualquer fundamentação jurídica, com início da constrição dos seus bens e direitos
. Considerando os fatos narrados, elabore a medida processual que permita a
defesa global
dos interesses de sua cliente Celina Macedo, sabendo-se que a condição financeira dela tornará impossível a garantia integral do Juízo. (Valor: 5,00) Obs.: a peça deve abranger todos os fundamentos de Direito que possam ser utilizados para dar respaldo à pretensão. A simples menção ou transcrição do dispositivo legal não confere pontuação. Nos casos em que a Lei exigir liquidação de valores, o examinando deverá representá-los somente pela expressão “R$”, admitindo-se que o escritório possui setor próprio ou contratado especificamente para este fim."
A folha de prova veicula ainda 4 questões discursivas, não impugnadas pela impetrante na peça inicial deste mandado de segurnaça. Ela comprovou o pagamento da taxa de inscrição - R$ 160,00, a favor da OAB.
2.41. Ausência de apresentação da prova:
Como registrei acima, a impetrante não apresentou, com a peça inicial, como lhe competia, como cópia da prova por ela preenchida e dos recursos porventura interpostos, com a resposta ofertada pela OAB. Cuidava-se de ônus inerente à impetração do mandado de segurança.
Não há demonstração, tanto por isso, a veracidade da sua alegação, promovida na inicial, quanto ao contéúdo da sua resposta, apresentada no exame prático-profissional. Facultarei, ao final desta decisão, que a impetrante emende a peça, apresentando tais documentos.
2.42. Tema 485 - STF:
Como registrei acima, como regra, não é dado aos Juízes substituírem às bancas de concurso ou aos professores em suas cátedras, reformulando a correção de provas. Isso apenas se faz admissível e devido quando se tratar de solução teratológica. Atente-se para o
tema 485, STF
:
"Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade."
Referido entendimento é de replicação cogente, conforme lógica dos arts. 489, §1, VI e 927, Código de Processo Civil, também aplicáveis ao rito do mandado de segurança.
2.43. Sequência do relato da prova:
Logo, deve-se apurar se a correção da prova da autora - segundo por ela narrado na peça inicial - teria se dado de modo teratológico. Para tanto, convém tomar em conta o enunciado, de modo resumido e sequenciado.
Segundo a prova, no
início de 2019
, a sra. ANA LUCENA teria trabalhado na casa da cliente da candidata, sra. CELINA MACEDO, na condição de empregada.
Ela teria trabalhado 5 meses nessa condição, abandonado o emprego, sem se comunicar mais com a empregadora
. No curso de 2019, a sra. ANA teria deflagrado uma reclamatória trabalhista perante o Juízo da 22. VT de Campo Grande.
No curso da reclamatória, teria sido encaminhada missiva para citação da sra. CELINA, em êxito; muito embora o endereço indicado para esse fim correspondesse àquele da sua residência. Sem novas buscas, o Juízo teria determinado a citação por edital da reclamada. Não há informação a respeito de eventual constituição de curador(a) especial. Por não ter comparecido à audiência aprazada, ela teria sido declarada revel, com a presunção de veracidade da narrativa dos fatos promovida pela reclamante.
Isso teria ensejado a condenação da sra. CELINA ao pagamento de valores a favor da reclamante
.
A sentença teria transitado em julgado
. Ato contínuo,
teriam sido intentadas medias de cumprimento de sentença
, sem êxito. Mesmo intimada pessoalmente, no curso de 2020, para dar prosseguimento à demanda, a sra. ANA teria quedado inerte.
Passados cerca de 4 anos, a reclamante teria constituído novo advogado - em junho de 2024 -, requerendo o bloqueio de ativos, até mesmo previdenciários, da reclamante, o que teria sido acatado pelo Juízo sem fundamentação
.
Desse modo,
a aposentadoria da cliente da candidata, sra. CELINA, teria sido penhorada
. Além disso, a pedido da reclamante, o Juízo Trabalhista teria
determinado a penhora do imóvel
em que a alegada devedora residiria com seus 5 filhos. Disse que a pretensa dívida estaria posicionada em R$ 150.000,00, e que o imóvel estaria avaliado em R$ 35.000,00.
2.44. Delimitação precária:
Assim, está em causa apurar se a resposta que a impetrante disse ter ofertado - questão insuscetível de ser conferida nessa quadra - deveria ter sido admitida como correta pela banca. Mais do que isso, deve-se apurar se a solução dispensada pela OAB teria sido teratológica.
O relato acima revela-se kafkiano. A reclamente teria sido condenada em um processo de cuja existência sequer teria tomado conhecimento. Não lhe teria sido assegurado o contraditório e demais garantias inerentes ao devido processo. Sem fundamentação, o Juízo teria decretado a penhora do seu patrimônio, desconsiderando a impenhorabilidade do mínimo existencial - aposentadoria e edificação em que residiria coom 5 filhos. De todo modo, essa questão de fundo não está em causa
.
Deve-se atentar para o requisito, veiculando no edital:
"Considerando os fatos narrados, elabore a medida processual que permita a defesa global dos interesses de sua cliente Celina Macedo, sabendo-se que a condição financeira dela tornará impossível a garantia integral do Juízo."
A questão gravita, portanto, na adoção de medida que ensejasse resultado cérele. De pouco adiantaria à cliente da candidata aguardar a solução de um processo que postergasse a apreciação do tema - liberação dos bens penhorados - às calendas gregas. Algumas medidas admitem a atribuição de efeitos suspensivos de modo imediato; enquanto que outros procrastinam aludida apreciação. Um exemplo pode ilustrar isso: quando o Juízo antecipa a tutela na sentença, a apelação é um instrumento que não viabiliza uma apreciação célere do tema. Afinal, apenas aportará junto ao Tribunal depois que o recorrido tenha tido oportunidade de apresentar contrarrazões, o que pode consumir um prazo razoável (15 ou 30 dias úteis, no rito comum).
Assim, uma preocupação inerente ao tema diz respeito à viabilidade de suspensão imediata do bloqueio da aposentadoria, medida comprometedora do mínimo existencial da sra. CELINA, segundo a narrativa da prova. Além disso, deve-se ter em conta a inviabilidade de se ofertar garantia para a dívida, diante do seu elevado valor. Acrescente-se ainda que, segundo o relato, a reclamante já teria deflagrado medidas de excussão, sem êxito, tendo aguardado cerca de 4 anos para retomar o cumprimento da sentença, em que pese a anterior intimação pessoal para esse fim.
2.45. Contornos da exceção de pré-executividade:
No que toca ao cabimento da exceção de pré-executividade, reporto-me à lição de Araken de Assis:
"Em geral, a análise dos pressupostos processuais envolve assunto que o juiz deve examinar de ofício ao lhe ser apresentada a peça inicial (retro, 122). Óbvias exceções, a exemplo da incompetência relativa - que, a teor da súmula 33, STJ, ao juiz é vedado declarar ex officio, ressalvada a hipótese do art. 112, parágrafo único -, por esta razão também designada de impedimento processual, apenas servem à confirmação da regra.
Tudo o que se expôs, acerca da problemática dos pressupostos (capítulo V), tem aqui especial aplicação, sendo de assinalar o esforço para harmonizar o tema às peculiaridades do processo executivo
.
Embora não haja qualquer previsão legal explícita, se o órgão judiciário, por lapso, tolerar a falta de algum pressuposto, é possível ao executado requerer seu exame, quiçá promovendo a extinção da demanda executória, a partir da citação e, até mesmo, antes do chamamento, mercê do seu comparecimento espontâneo (art. 214, §1º). Tal provocação de matéria passível de conhecimento de ofício pelo juiz prescinde de penhora, e a fortiori, do oferecimento de embargos. É manifestação do direito ao contraditório
.
E isso porque nem sempre a infração a pressuposto processual transparece na petição inicial, despertando a atenção do órgão judicial; ao invés, ela se encontra amiúde, insinuada e bosquejada em sítio remoto do título, principalmente o extrajudicial, e negada na peça vestibular. Algumas vezes, também, o juiz carece de dados concretos para avaliar a ausência do requisito em razão da escassez do conjunto probatório indicado pelo credor. Por exemplo, a alegação de litispendência - v.g., pretendendo o credor ajuizar duas execução, uma baseada no contrato e outra baseada na nota promissória, emitida em garantia da obrigação assumida naquele, para haver idêntico crédito, porquanto, neste caso, é obrigatório o simultaneo processu -, impedindo a instauração eficaz da segunda execução, reclama prova idônea e cabal da existência do processo simultâneo, permitindo ao juiz verificar a tríplice identidade (art. 301, §2º, CPC). Em tal contingência, parece natural que, a despeito da possibilidade de atuação ex officio do órgão judiciário, ao executado caberá produzir prova documental. Lícito se afigura ao juiz, igualmente, determinar semelhante prova.
Por outro lado, há casos em que a pretensão a executar se extinguiu, antecedentemente à instauração da execução, ou no seu curso, mostrando-se flagrante a situação. É o caso da prescrição da pretensão a executar (súmula 150, STF): os dados cronológicos já se encontram no processo, e ao juiz cabe conhecê-la e decretá-la de imediato (art. 219, §5º, CPC), mas o pormenor escapou-lhe à atenção
.
Pois bem: a jurisprudência pátria já enfrentou casos escandalosos - p.ex., a falsidade do autógrafo do executado no título -, em que se afigura injusto e até abusivo submeter o patrimônio do devedor aparente, e por tempo indeterminado, à penhora, cujos efeitos são graves e sérios. Em última análise, idêntica preocupação levou o art. 475-B, §3º, a permitir ao juiz controlar o valor do crédito pretendido e, no caso de discordância do exequente, limitou a penhora ao valor encontrado pelo contador. De toda sorte, legitima-se o executado a controverter o assunto na própria execução. E a evidente prescrição do crédito há de ser proclamada o quanto antes, evitando a tramitação inútil e, sobretudo, dispendiosa do processo. Um dos aspectos frisantes do princípio da economia processual, consiste em obter o máximo de resultados com o mínimo de esforços.
Pela via do progressivo consenso da doutrina e da jurisprudência, passou-se a reconhece a possibilidade de o executado provocar o órgão judiciário interinamente. Mas o regime particular da oposição do executado, através de embargos, que exigira, no procedimento expropriatório, a segurança do juízo - requisito que, hoje, permanece na execução fiscal, a teor do art. 16, I a III, da lei 6.830/1980 - suscitou via controvérsia sobre a possibilidade de o devedor provocar a apreciação dessa matéria na própria execução por quantia certa." (ASSIS, Araken.
Manual da execução.
13. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2010, p. 1224-1225)
A exceção de pré-executividade apenas é cabível quanto àqueles temas suscetíveis de apreciação
ex officio
pelo próprio Poder Judiciário. Enfim, é cabível para exame dos temas listados no art. 485, §3º, CPC.
Como também afirma Araken de Assis,
"
Esta modalidade excepcional de oposição do executado - somente em casos excepcionais, sobre os quais a doutrina e a jurisprudência vêm se debruçando, assentou a 4ª Turma do STJ, admite-se a oposição sem garantia do juízo -, controvertendo pressupostos do processo e da pretensão a executar, designa-se exceção ou objeção de pré-executividade. Também se emprega 'objeção de não executividade' para designá-la
."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
p. 1230).
Em princípio, a exceção de pré-executividade - melhor seria denominar de
exceção de não-executividade
- tem sua admissibilidade condicionada à presença de elementos de prova inequívoca nos autos e deve ser utilizada para solucionar questões de ordem pública, passíveis de serem apreciadas de ofício, e desde que não dependam de dilação probatória, por exemplo, a análise das condições da ação e dos pressupostos processuais, além da quitação, da decadência e prescrição do débito.
Ademais,
"Em que pese toda a polêmica sobre a utilização do termo “exceção” e não “objeção”, a doutrina e a jurisprudência consagraram a expressão exceção de pré-executividade. Ela não possui previsão típica, como meio de defesa que tenha regulado a sua forma de cabimento e de procedimento. No entanto, é possível extrair sua adesão ao CPC/2015 pelo art. 518: “Todas as questões relativas à validade do procedimento de cumprimento da sentença e dos atos executivos subsequentes poderão ser arguidas pelo executado nos próprios autos e nestes serão decididas pelo juiz”. Da mesma forma, na execução extrajudicial, o art. 803, parágrafo único, também permite o controle oficioso sobre as matérias referentes à higidez do título executivo, citação do executado e sobre a existência de causa obstativa da execução. O dispositivo expressa a possibilidade de que as questões relacionadas à validade de todo o procedimento do cumprimento de sentença possam ser conhecidas de ofício pelo juiz, o que também se aplica na execução extrajudicial. O STJ reconhece de modo unânime a possibilidade da exceção de pré-executividade no processo de execução, o que também se estende para a execução fiscal, na qual assume grande importância, pelo fato da natureza eminentemente documental do seu procedimento."
(ARAÚJO, Fabio.
Curso de Processo Civil.
São Paulo: RT. 2023. tópico 72).
Ademais,
"Basicamente são três os requisitos para a sua admissão no processo de execução: a) tratar-se de matéria que comporta conhecimento oficioso por parte do juiz; b) existência de prova documental que permita; e c) desnecessidade de dilação probatória. As matérias que são alegadas devem comportar conhecimento oficioso. Algumas matérias não seriam propriamente de conhecimento oficioso, como o pagamento, que depende de alegação e comprovação da parte. No entanto, consagrou-se na jurisprudência a sua possibilidade. A prescrição e a decadência também podem ser conhecidas de ofício, como prevê o art. 332, § 1º , do CPC . Todas as matérias que envolvam o procedimento e a prática dos atos executivos podem ser alegadas por meio da exceção. É importante que não exista a necessidade de dilação probatória sob pena de subversão na utilização deste instrumento processual. A prova documental deve ser semelhante à oferecida no mandado de segurança para permitir a apreciação de plano da matéria posta em julgamento. Apresentado o pedido deve ser aberto o contraditório para manifestação da parte contrária. O prazo apesar da ausência de previsão legal deve ser o mesmo concedido para os embargos, ou seja, de 15 dias. Este prazo é concedido expressamente pelo art. 921, § 5º, para o contraditório sobre a prescrição intercorrente. O juiz não poderá conhecer as matérias alegadas pelo executado de plano, sem abertura do contraditório, o que revelaria clara violação do art. 10 do CPC , que veda a possibilidade de decisão surpresa em relação a ambas as partes."
(ARAÚJO, Fabio.
Obra citada.
tópico 72).
Atente-se, por exemplo, para a súmula 393, STJ,
"
A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória
."
RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INVIABILIDADE. PRECEDENTES. 1.
A exceção de pré-executividade é cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, ou seja: (a) é indispensável que a matéria invocada seja suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (b) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória
. 2. A alegação de excesso de execução não é cabível em sede de exceção de pré-executividade, salvo quando esse excesso for evidente. Precedentes. 3. Recurso especial não provido. (STJ - REsp: 1717166 RJ 2017/0272939-3, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 05/10/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/11/2021)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ART. 535 DO CPC. VIOLAÇÃO NÃO-CONFIGURADA. ART. 117 DA LOMAN. NULIDADE. PRECLUSÃO. ART. 14 DO RITJPB. SÚMULA 399/STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-EVIDENCIADA. CÁLCULOS EFETUADOS PELA CONTADORIA DO JUÍZO. ALTERAÇÃO DO VALOR DO ALUGUEL FIXADO NO PROCESSO DE CONHECIMENTO. OFENSA À COISA JULGADA. ART. 610 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. EXCESSO DE EXECUÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CABIMENTO. PRECEDENTES. (...) 8. Este Superior Tribunal de Justiça admite o oferecimento de exceção de pré-executividade ante a manifesta ocorrência de excesso de execução. Precedentes. 9. Adequação do quantum devido a título de diferença de alugueres ao comando expresso na sentença exeqüenda. Respeito à coisa julgada. 10. Recurso especial provido em parte. Prosseguimento da execução no valor de R$ 706.054,41 (setecentos e seis mil e cinqüenta e quatro reais e quarenta e um centavos), para o mês de fevereiro de 2007. (REsp 852.294/PB , Rel. Ministro PAULO MEDINA, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 08/06/2009)
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL SÓCIO-GERENTE CUJO NOME CONSTA DA CDA. PRESUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA ARGUIDA EM EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INVIABILIDADE. PRECEDENTES. 1. A exceção de pré-executividade é cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, ou seja: (a) é indispensável que a matéria invocada seja suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (b) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória. 2. Conforme assentado em precedentes da Seção, inclusive sob o regime do art. 543-C do CPC ( REsp 1104900 , Min. Denise Arruda, sessão de 25.03.09), não cabe exceção de pré-executividade em execução fiscal promovida contra sócio que figura como responsável na Certidão de Dívida Ativa - CDA.
É que a presunção de legitimidade assegurada à CDA impõe ao executado que figura no título executivo o ônus de demonstrar a inexistência de sua responsabilidade tributária, demonstração essa que, por demandar prova, deve ser promovida no âmbito dos embargos à execução
. 3. Recurso Especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC. (REsp 1110925/SP , Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 04/05/2009)
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE EXECUÇÃO. JUROS DE MORA. POSSIBILIDADE DE EXAME. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. 1. Recurso especial interposto em 09/12/2019 e concluso ao gabinete em 14/10/2020. 2. O propósito recursal consiste em definir se a alegação de ilegalidade dos juros moratórios pode ser examinada em sede de exceção de pré-executividade e se, na hipótese dos autos, é cabível a aplicação de multa por embargos de declaração protelatórios. 3. A exceção de pré-executividade trata-se de incidente processual não previsto em lei, fruto de construção doutrinária e amplamente admitido pela jurisprudência. Vale dizer, é defesa atípica manifestada por meio de simples petição. 4.
A jurisprudência desta Corte é uníssona quanto à possibilidade de o executado valer-se da exceção de pré-executividade para suscitar a existência de excesso de execução, desde que haja prova pré-constituída. No particular, para aferir se a taxa de juros moratórios é ilegal, basta analisar a prova documental já constante dos autos, sendo desnecessária a dilação probatória. 5. A teoria da causa madura não é aplicável ao julgamento do recurso especial, devido à inafastável necessidade de prequestionamento da matéria. Precedentes
. 6. Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório (Súmula 98/STJ). 7. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp: 1896174 PR 2020/0243046-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 11/05/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2021)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE AGITANDO TESE ACERCA DE EXCESSO DE EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE, EM HIPÓTESES RESTRITAS E EXCEPCIONAIS, EM QUE O EXCESSO FOR EVIDENTE. SENTENÇA. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. REVISÃO, EM SEDE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, DE BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ESTABELECIDOS EM DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. INVIABILIDADE. 1. A alegação de excesso de execução, em exceção de pré-executividade, não é cabível, salvo quando esse excesso for evidente. (...). (REsp 1522479/RJ , Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 02/02/2017 – grifou-se)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE ERRO MATERIAL NO CÁLCULO. IMPUGNAÇÃO RECEBIDA COMO EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE PELA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. DISPENSA DA GARANTIA DO JUÍZO. EXCEPCIONALIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Embora rejeitados os embargos de declaração, a questão controvertida foi devidamente enfrentada pelo Colegiado de origem, que sobre ela emitiu pronunciamento de forma fundamentada, com enfoque suficiente a autorizar o conhecimento do recurso especial, não havendo que se falar, portanto, em ofensa ao art. 535, II, do CPC. 2. Excepcionalmente, pode o devedor fazer uso da exceção de pré-executividade, fruto de construção doutrinária, amplamente aceita pela jurisprudência, inclusive desta Corte, como meio de defesa prévia do executado, independentemente de garantia do juízo, quando se tratar de manifesta ocorrência de excesso de execução , assim como entendeu o acórdão recorrido. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. ( AgRg no REsp 1246326/MT , Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2016, DJe 22/06/2016)
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. NÃO CABIMENTO. SÚMULA 7 DO STJ. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. 1. A exceção de pré-executividade é cabível para discutir questões de ordem pública, quais sejam, os pressupostos processuais, as condições da ação, os vícios objetivos do título executivo atinentes à certeza, liquidez e exigibilidade, desde que não demandem dilação probatória. Precedentes. 2.
O Tribunal de origem foi enfático ao afirmar não ser cabível a exceção de pré-executividade, tendo em vista a imprescindibilidade de dilação probatória para o exame das questões de fato arguidas na objeção, tais como a incompatibilidade entre o título (contrato) e a demanda; a implementação da condição resolutiva; a aferição de que a única obrigação exequível é a restituição da unidade vendida em vez do pagamento do preço; as condições para pagamento do preço; o inadimplemento de obrigações essenciais; o desnaturamento e desequilíbrio do contrato; e a autorização de retenção de parcelas do preço. Incidência da Súmula 7 do STJ
. 3. Acórdão recorrido que reflete o posicionamento pacífico desta Corte Superior no sentido de que mesmo a matéria cognoscível de ofício precisa estar comprovada de plano para que seja possível a sua análise em sede de exceção de pré-executividade. Inocorrência de contradição ou omissão. 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1960444 SP 2021/0295868-1, Data de Julgamento: 23/08/2022, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 31/08/2022)
Os Tribunais têm enfatizado que a exceção de pré-executividade não se prestaria a substituir recursos porventura cabíveis: "
(...) E
xceção de pré-executividade que também não é substituto recursal
, servindo para, excepcionalmente, se debater matérias de ordem pública e que poderiam ser conhecidas de ofício – Precedentes deste E. Tribunal de Justiça – Princípio da unirrecorribilidade recursal que veda a interposição de múltiplos recursos sobre a mesma matéria e sobre a mesma decisão – Falta de interesse processual ao recorrente, uma vez que a sua tese defensiva já foi apresentada na ação rescisória – Recurso prejudicado – Recurso não conhecido, nos termos do artigo 932, inciso III, do Código de Processo Civil de 2015."
(TJ-SP - AI: 20492197920228260000 SP 2049219-79.2022.8.26.0000, Relator: Jane Franco Martins, Data de Julgamento: 11/03/2022, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 11/03/2022)
Nesse mesmo sentido,
"
A exceção de pré-executividade não é sucedâneo recursal da ação rescisória, único instrumento hábil a rescindir as decisões já transitadas em julgado, proferidas nos autos da ação ordinária ou dos Embargos à Execução. Precedentes.
"
(TRF-4 - AG: 50366822120174040000 5036682-21.2017.4.04.0000, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, 22/11/2017, QUARTA TURMA) Ademais,
"A matéria alegada de que os honorários advocatícios não são devidos à DPU
pelo fato de haver confusão credor-devedor não é passível de apreciação na presente exceção de pré-executividade, que não pode ser usada como sucedâneo recursal de ação rescisória, único instrumento hábil a desconstituir decisões já transitadas em julgado
.
" (TRF-4 - AG: 50162147020164040000 5016214-70.2016.4.04.0000, Relator: FERNANDO QUADROS DA SILVA, Data de Julgamento: 07/06/2016, TERCEIRA TURMA)
Menciono ainda o seguinte:
"
Conforme a Súmula 393 do STJ, a exceção de pré-executividade é cabível para arguição de matérias que possam ser conhecidas de ofício, desde que, para a sua aferição, não haja necessidade de dilação probatória. A análise de regularidade de citação ocorrida em processo conduzido por outra Corte é questão que demanda dilação probatória
. Mantida a rejeição à exceção de pré-executividade."
(TRF-4 - AG: 50312274120184040000 5031227-41.2018.4.04.0000, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 30/01/2019, QUARTA TURMA)
Desse modo,
"A exceção de pré-executividade decorre de uma construção da doutrina e da jurisprudência para permitir ao devedor, extraordinariamente, se opor a determinados aspectos da execução, sem a exigência de garantia do juízo. E, entre as matérias passíveis de arguição por meio da referida exceção, se destacam a nulidade da execução; a prescrição intercorrente; a transação, o pagamento ou a novação da dívida."
(TRT-4 - AP: 00000955720155040102, 10/08/2021, Seção Especializada em Execução)
Note-se, ademais, que ela
"
não tem prazo para ser oposta
. Mesmo preclusos os embargos, poderá o executado, através da exceção de pré-executividade, suscitar matérias passíveis de serem conhecidas de ofício pelo Juiz." No entanto, é recomendável que o executado apresente a exceção em até cinco dias após ter sido citado, pois a presente peça não é cabível após a penhora. Nesse sentido, "caberia ao coexecutado, depois da sua citação, insurgir-se mediante exceção de pré-executividade, na hipótese de inexistir necessidade de dilação probatória, ou mediante embargos à execução, após o oferecimento de bens à penhora."
(REsp 1773832/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 6/12/18, DJe 23/4/19)".
2.46. Exceção de pré-executividade e processo trabalhista:
Com as devidas adaptações, a medida possui esses mesmos contornos no âmbito do processo trabalhista, atentando-se para o alcance do
art. 889, Consolidação da Legislação do Trabalho
:
"Aplica-se a essa subsidiariedade a mesma restrição enaltecida pelo art. 769, qual seja, a indispensabilidade do respeito aos princípios que norteiam o processo do trabalho, como a gratuidade em grau mais expressivo, a celeridade, a simplicidade, a oralidade (que justifica inclusive a marcação de audiências em execução, para esclarecimentos e tentativas de conciliação adicionais), a irrecorribilidade das interlocutórias e, com grande destaque, o impulso de ofício pelo magistrado. Assim, não basta a regra constar da Lei dos Executivos Fiscais: é preciso que se submeta aos princípios processuais trabalhistas."
(BATISTA, Homero.
CLT comentada.
5. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024. p. 741).
A exceção surgiu como meio de viabilizar um exame imediato por parte dos(as) magistrados(as) a respeito de questões suscetíveis de apreciação de ofício, sem a necessidade de que a parte interessada submetesse bens à penhora para esse fim, como vinha exigido pelo CPC/1973
. O Código de Processo Civil de 2015 modificou aludida sistemática, ao admitir a impugnação ao cumprimento de sentença independentemente de oferecimento de bens à penhora, conforme se infere do art. 525 e art. 914, CPC/15.
2.47. Garantia do Juízo - processo trabalhista:
No âmbito trabalhista, a questão gravita em torno do
art. 884, CLT
:
"Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado 5 (cinco) dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exeqüente para impugnação. § 1º - A matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou prescrição da divida. § 2º - Se na defesa tiverem sido arroladas testemunhas, poderá o Juiz ou o Presidente do Tribunal, caso julgue necessários seus depoimentos, marcar audiência para a produção das provas, a qual deverá realizar-se dentro de 5 (cinco) dias. § 3º - Somente nos embargos à penhora poderá o executado impugnar a sentença de liquidação, cabendo ao exeqüente igual direito e no mesmo prazo. (Incluído pela Lei nº 2.244, de 23.6.1954) § 4o Julgar-se-ão na mesma sentença os embargos e as impugnações à liquidação apresentadas pelos credores trabalhista e previdenciário. (Redação dada pela Lei nº 10.035, de 2000) § 5o Considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001) § 6o A exigência da garantia ou penhora não se aplica às entidades filantrópicas e/ou àqueles que compõem ou compuseram a diretoria dessas instituições. (Lei nº 13.467, de 2017)"
Pode-se cogitar, é fato, que a desnecessidade de garantia do Juízo para impugnar o cumprimento de sentença seria aplicável também no processo trabalhista, por conta do
diálogo das fontes
. Contudo, convém tomar em conta que o art. 884, CLT, restou mantido, dadas as recentes alterações de aspectos da sua redação, mesmo depois da publicação do CPC/15.
Por sinal, a jurisprudência dos Tribunais trabalhistas têm reputado que a regra do art. 884, CLT, permaneceria hígida, mesmo depois da publicação do Código de Processo Civil/2015
:
RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. EXECUÇÃO . RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DESERÇÃO. AUSÊNCIA DE GARANTIA DO JUÍZO. REQUISITO INDISPENSÁVEL .
Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, em caso de execução, exige-se da parte executada que se encontre em recuperação judicial a garantia do juízo. O art. 884, § 6º, da CLT dispõe que somente é dispensada a garantia do juízo, na fase de execução, às entidades filantrópicas e/ou àqueles que compõem ou compuseram a diretoria dessas instituições
. Solucionada a lide em conformidade com a jurisprudência do TST, não há como processar o apelo . Recurso de revista de que não se conhece. (TST - RR: 01003394620215010561, Relator.: Alberto Bastos Balazeiro, Data de Julgamento: 11/09/2024, 3ª Turma, Data de Publicação: 27/09/2024)
AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA PELA EXECUTADA. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. GARANTIA DO JUÍZO . NECESSIDADE. No caso, o Tribunal Regional não conheceu do agravo de petição interposto pela recorrente por ausência de garantia do juízo. Trata-se, nos termos do art. 884 da CLT, de
pressuposto extrínseco indispensável para a interposição de recursos nos processos em fase de execução
. Não altera esse entendimento o fato de a reclamada encontrar-se em recuperação judicial, uma vez que o § 6º do referido art. 884 da CLT somente excepciona a garantia às entidades sem fins lucrativos. Agravo não provido. (TST - Ag: 118998620155010043, Relator.: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de Julgamento: 06/04/2022, 8ª Turma, Data de Publicação: 11/04/2022)
AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI N .º 13.015/2014. LEI N.º 13 .467/2017. EXECUÇÃO. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. GARANTIA DO JUÍZO EM EMBARGOS À EXECUÇÃO . NECESSIDADE. No caso, o TRT negou provimento ao agravo de petição da reclamada, sob o fundamento de que "o fato de a empresa encontrar-se em recuperação judicial não leva à dispensa da prévia garantia do juízo para fins de oferecimento de embargos à execução".
Conforme o art. 884 da CLT, a garantia do juízo é pressuposto extrínseco indispensável para a interposição de recursos nos processos em fase de execução
. Tal entendimento não é alterado pelo fato de a reclamada encontrar-se em recuperação judicial, pois o § 6º do mencionado art. 884 da CLT somente exclui a garantia do juízo às entidades sem fins lucrativos, o que não é o caso dos autos. Precedente da Segunda Turma. Agravo não provido . (TST - Ag: 104988320175030186, Relator.: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 23/02/2022, 2ª Turma, Data de Publicação: 25/02/2022)
2.48. Tema 144 - TST:
Questionando se seria
"recorrível de imediato a decisão que rejeita a exceção de pré-executividade."
(tema 144), Tribunal Superior do Trabalho fixou a tese de que
"A decisão que rejeita a exceção de pré-executividade, sempre que se revestir de natureza interlocutória, é irrecorrível de imediato, à luz do disposto no art. 893, § 1º, da CLT."
Em regra, os temas meramente consolidam entendimentos já sufragados pelos Tribunais Superiores. Assim, em princípio, o fato de o tema ter sido publicado depois da publicação do edital, não impede que a banca questione o entendimento porventura majoritário a respeito de determinado assunto. Em princípio, o tema da jurisprudência consistente justamente na documentação do entendimento já aplicado pelos Tribunais aos recursos pertinentes. Por outro lado, em primeiro exame, no que toca à peça prática, essa questão não parece ter sido o fator de rejeição da solução ofertada pela impetrante, enquanto candidata.
Ressalvo novo exame do tema em sentença.
2.49. Alegado equívoco da banca:
O ser humano atribui sentido para si e para o mundo circundante. Essa atividade é uma singularidade, sem dúvida. Contudo, não é livre de ambiguidades. Não há, a rigor, símbolos destiguídos de certa imprecisão. Basta ter em conta que "José" é, a um só tempo, o sujeito que tem esse nome, e também é o nome desse sujeito. O símbolo 2 (dois) é, a um só tempo, um par de objetos e também o signo que representa um par de objetos.
Essa ambiguidade se agiganta quando em causa questões valorativas. Afinal de contas, nenhum texto impõe regras a respeito da sua própria interpretação, em termos absolutos. Caso a Constituição veiculasse um anexo ditando regras como a Lei Maior deveria ser interpretada, esse mesmo anexo deveria ser interpretado, carecendo então de um anexo do anexo e assim por diante. Isso porque, em temas humanos, nada escapa da necessidade de interpretação. E isso não é, em si, um vício. Afinal de contas, a diversidade de interpretações é que garantie a pluralidade de opiniões, a diversidade de visões de mundo, reduzindo os efeitos inerentes à paralaxe.
Com efeito,
"
A pluralidade da interpretação, longe de ser um defeito ou uma desvantagem, é o sinal mais seguro da riqueza do pensamento humano. Tanto é verdade que nada é mais absurdo do que conceber a interpretação como única e definitiva, como quereriam aqueles que sustentam que um conhecimento somente é pleno e completo, se único; e que a pessoalidade do conhecimento é uma limitação deplorável e fatal
. O engano destes preconceitos é conceber a precisão e a evidência de um modo tão rasteiro e chamativo que não as saiba encontrar, de modo algum, lá onde vige a variedade e a novidade da vida humana."
(PAREYSON, Luigi. Verdade e interpretação. Tradução de Maria Helena Nery Garcez e Sandra Neves Abdo. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 51).
Note-se que, no âmbito jurídico, mesmo questões aparentemente prosaicas podem ensejar longas discussões, a exemplo do debate a respeito do cabimento de embargos infringentes no âmbito da ação penal do mensalão - AP 470, STF, que ensejou vários dias de deliberações da Suprema Corte. Isso denota, portanto, que essa natural pluralidade de opiniões a respeito de temas jurídicos não é um defeito. Antes, cuida-se de algo inexorável, dado que humanos não somos autômatos, máquinas. O discurso jurídico aproxima-se mais da arquitetura do que da engenharia; aproxima-se mais do chef de cozinha do que da nutricionista; trata mais da retórica do que da lógica formal.
Tanto por isso, não desconsidero a qualidade dos argumentos da impetrante. Em determinado contexto, é possível que a apresentação dos embargos à execução pudessem ensejar adequada defesa aos interesses da sra. CELINA, reclamada no contexto da prova em questão. Contudo, diante das premissas acima, não é disso que se cuida. Deve-se examinar se a solução dispensada pela OAB teria sido aberrante, totalmente em desacordo com a técnica jurídica. Como registrei acima, isso ocorreria caso, em uma dada prova, alguém sustentasse que 25 é número primo - sabidamente não é -, ou que maioridade penal no Brasil se daria com 14 anos, o que sabidamente não ocorre. Exceção feita aos casos de erros gritantes, nos demais casos o Judiciário não pode substituir-se à manda, modificando a nota atribuída ao candidato.
Repiso que se cuida do tema 485, STF, de replicação obrigatória, conforme lógica dos arts. 489, §1, VI e 927, Código de Processo Civil. No caso em exame, em primeira análise, isso não parece ocorrer, diante do disposto no art. 884, CLT e dado o entendimento jurisprudencial sobre o tema.
No caso em exame, a solução dispensada pela OAB não aparenta ser teratológica, nesse primeiro e precário exame, diante do alcance do art. 884, CLT
.
Em princípio, nos termos da jurisprudência antes mencionada, a oposição de embargos à execução dependeria de garantia do Juízo, ao contrário do que preconiza o art. 525, CPC, no âmbito da jurisdição não especializada. Por outro lado, pode-se cogitar que o prazo para oposição de embargos já houvesse decorrido, dada a menção às medidas iniciais de execução intentadas pela reclamante, abstraindo-se o exame a respeito da ausência de intimação da reclamada para o ato, como mencionei acima.
De todo modo, ainte da interpretação que tem sido conferida ao art. 884, CLT, a oposição de exceção de pré-executividade - que melhor seria denominada de exceção de não-executividade - revela-se adequada. A solução aplicada pela OAB não aparenta ser esdrúxula, de modo a ensejar a superação do tema 485, STF. Sendo assim, não há como o juízo, esse exame preambular, deferir o provimento de urgência requerido pela impetrante
.
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSIÇÃO EM 17.03.2023 . AÇÃO RESCISÓRIA. CONCURSO PÚBLICO PARA OUTORGA DE DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTROS. TEMA 485 DA REPERCUSSÃO GERAL. CRITÉRIOS ADOTADOS POR BANCA EXAMINADORA . SUBSTITUIÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1 .
O acórdão recorrido destoa da jurisprudência desta Corte, sedimentada no julgamento do RE RG 632.853, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 29 .06.2015 (tema 485), no sentido de que não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora de concurso para avaliar respostas dadas às questões e notas pertinentes, salvo na hipótese de ilegalidade, de ocorrência de erro flagrante nas questões impugnadas, o que não se verificou na hipótese em análise
. 2. Agravo regimental a que se nega provimento, com previsão de aplicação da multa do art . 1.021, § 4º, CPC c/c art. 81, § 2º, do CPC. Majorados em ¼ (um quarto) os honorários fixados anteriormente, nos termos do art . 85, § 11, do CPC, devendo ser observados os §§ 2º e 3º do mesmo dispositivo e a suspensão da exigibilidade, no caso de eventual deferimento do benefício da justiça gratuita. (STF - RE: 1385684 MA, Relator.: Min. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 18/10/2023, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-11-2023 PUBLIC 17-11-2023)
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO EM 21.06.2023 . DIREITO ADMINISTRATIVO. EXAME DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. NULIDADE PARCIAL DE QUESTÃO DE PROVA. CRITÉRIOS ADOTADOS POR BANCA EXAMINADORA . SUBSTITUIÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO. NÃO OCORRÊNCIA NA HIPÓTESE. ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA SEPARAÇÃO DE PODERES. IMPROCEDÊNCIA . REEXAME DE FATOS E PROVAS E DE INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS EDITALÍCIAS. SÚMULAS 279 E 454 DO STF. RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. 1 . Eventual divergência ao entendimento adotado pelo juízo a quo, no que concerne ao reconhecimento da má formulação da questão de direito penal do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil demandaria, na hipótese, o reexame de fatos e provas da causa e a interpretação de cláusulas editalícias, de modo a inviabilizar o processamento do apelo extremo, tendo em vista as vedações contidas nas Súmulas 279 e 454 do STF. 2. No que tange à alegada contrariedade ao artigo 2º da Constituição Federal, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que o julgamento, pelo Poder Judiciário, da legalidade dos atos dos demais poderes, não representa ofensa ao princípio da separação dos poderes. Precedentes . 3.
Ademais, esta Corte, ao julgar o RE 632.853- RG, rel. Min . Gilmar Mendes, DJe 29.06.2015, Tema 485 da repercussão geral, concluiu que, excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame
. 4 . Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - ARE: 1435814 DF, Relator.: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 22/08/2023, Segunda Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 01-09-2023 PUBLIC 04-09-2023)
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. EXAME DA ORDEM UNIFICADO. PROVA PRÁTICO-PROFISSIONAL . SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
Não cabe ao Poder Judiciário reexaminar critérios de correção de provas e de atribuição de notas, ou, ainda, revisar conteúdo de questões ou parâmetros utilizados nas correções das provas pelas bancas examinadoras dos concursos públicos. Tema 485 do STF
. (TRF-4 - AC: 50024771020204047000 PR 5002477-10 .2020.4.04.7000, Relator.: CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Data de Julgamento: 15/07/2020, QUARTA TURMA)
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. OAB . EXAME DA ORDEM. DISCORDÂNCIA DA CORREÇÃO. QUESTÕES DISCURSIVAS. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO . 1. Ainda que o provimento nº 144/2011 estabeleça a responsabilidade do Conselho Federal da OAB pelas matérias relacionas à aplicação e avaliação do Exame Unificado, tal provimento não tem o condão de modificar a competência estipulada no Estatuto da OAB. Legitimidade passiva da Seccional. 2 .
Nos termos do Tema nº 485 do STF, somente é cabível a intervenção do Judiciário em casos excepcionais, considerados aqueles de desrespeito às normas editalícias, flagrante incorreção do gabarito ou manifesta ilegalidade. 3. No caso dos autos, diante de mero cotejo do padrão de resposta exigido àquele lançado pela autora na prova, deve ser a ela computada a pontuação referida na fundamentação da sentença, que segue mantida
. (TRF-4 - AC - Apelação Cível: 50370869320234047200 SC, Relator.: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 03/12/2024, 3ª Turma, Data de Publicação: 04/12/2024)
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO ORDINÁRIA. XXXIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO . PROVA DISCURSIVA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE IRREGULARIDADE. TEMA 485 STF. REPERCUSSÃO GERAL . APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Cinge-se a controvérsia sobre suposta ilegalidade na correção da prova prático-profissional da segunda fase do XXXIII Exame de Ordem Unificado, especificamente na disciplina de Direito do Trabalho, em razão de suposta ilegalidade na correção da prova discursiva. 2 . O caso ora em apreço se enquadra no precedente obrigatório/vinculante firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 632.853/CE, sob o
Tema 485, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que firmou a seguinte tese: "Não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade
" (DJe 29/06/2015). 3. Na espécie, verifica-se que as alegações da apelante versam sobre o mérito da banca examinadora quanto à correção da prova discursiva do XXXIII Exame de Ordem Unificado, hipótese que se amolda à tese fixada no Tema 485 do STF . 4. Ademais, a parte apelante não se desincumbiu de trazer aos autos qualquer prova tendente a infirmar eventual irregularidade na atuação administrativa. 5. Apelação não provida (TRF-1 - (AC): 10332385020224013300, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL PABLO ZUNIGA DOURADO, Data de Julgamento: 18/02/2025, DÉCIMA-PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: PJe 18/02/2025 PAG PJe 18/02/2025 PAG)
INDEFIRO, pois, o pedido de liminar.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência desta unidade jurisdicional para o processo e julgamento deste mandado de segurança.
3.2. ANOTO que não diviso um contexto de conexão processual a ensejar a reunião desta demanda com alguma outra para solução conjunta, na forma do art. 55, §1, CPC e leitura
a contrario sensu
da súmula 235, STJ.
3.3. ACRESCENTO que esta demanda é singular, eis que não incorre em violação à garantia da coisa julgada (art. 5, XXXVI, Constituição e art. 508, CPC) e tampouco reitera demanda em curso - art. 337, §2, CPC. Não é caso, ademais, de suspensão desta demanda na forma do art. 313, CPC.
3.4. REGISTRO que o pedido formulado na peça inicial suscita a impressão de que a impetrante buscaria anular a prova prática quanto à totalidade dos candidatos que teriam optado pelo exame trabalhista, não dispondo de legitimidade para isso. De todo modo, na forma do art. 322, §2, CPC, seu pleito deve ser compreendido de modo restritivo, ficando limitado à sua situação jurídica.
3.5. REPUTO que, com essa ressalva, a impetrante está legitimada para esta demanda, atuando em juízo com interesse processual. Aparentemente, porém, a pretensão deveria ter sido endereçada à autoridade responsável pela correção da prova no âmbito federal (Conselho Federal), questão a ser apreciada oportunamente, tão logo a demandante anexe aos autos cópia da sua prova corrigida e deliberação a respeito dos recursos porventura interpostos.
3.6. COGITA-SE de eventual litisconsórcio envolvendo a FGV, nos termos da fundamentação. Apreciarei, porém, aludida questão adiante.
3.7. REGISTRO que o direito à impetração não decaiu - art. 23 da lei 12.016/2009 -, e que a pretensão deduzida em juízo não foi fulminada pela prescrição, dada a aplicação do art. 1 do decreto 20.910/32.
3.8. DEFIRO a gratuidade de justiça requerida na inicial, com força no art. 99, §2º, CPC, adstrita à exoneração de custas, dado que no rito do mandado de segurança não há previsão de eventual arbitramento de honorários sucumbenciais - art. 25, lei 12.016/2009, súmulas 105, STJ e 512, STF.
3.9. EQUACIONEI acima alguns vetores, com cognição precária, para adequada apreciação do pedido de liminar e detalhei os elementos de convicção apresentados pela impetrante.
3.10. INDEFIRO o pedido liminar, nos termos da fundamentação, sem prejuízo de nova análise do tema, por época da prolação da sentença. Com cognição não exaustiva, reputo que a solução dispensada pela OAB ao tema não se revela teratológica, diante do art. 884, CLT e do entendimento do TST a respeito da questão. Por outro lado, a publicação do tema 144, TST, parece retratar entendimento já que era adotado pelo Tribunal antes da publicação do edital do exame de ordem.
3.11. INTIME-SE a impetrante para instruir a peça inicial com cópia da prova por ela preenchida, com a sua resposta, e também dos recursos que porventura tenha interposto no âmbito extrajudicial, acompanhados da decisão prolatada pela OAB quanto ao tema. Prazo de 15 dias úteis, contados da intimação, sob pena de extinção da causa sem solução de mérito.
3.12. VOLTEM-ME conclusos para extinção do processo sem solução de mérito, caso aludidos documentos não sejam apresentados pela impetrante no prazo assinalado - art. 321 e art. 485, I, CPC/15.
3.13. NOTIFIQUE-SE a autoridade impetrada - tão logo a peça inicial seja emandada - para que preste informações em 10 dias úteis, contados da notificação, na forma do art. 7º da lei de mandado de segurança.
3.14. INTIMEM-SE o órgão jurídico de representação judicial da OAB/PR, nos termos do art. 7º, II, lei 12.016/2009, a fim de que tome conhecimento da deflagração desta demanda.
3.15. INTIME-SE o MPF para apresentar parecer no processo, em 10 dias úteis, contados da intimação, na forma do art. 12, LMS, tão logo sejam prestadas as informações ou decorrido o prazo para tanto.
3.16. VOLTEM conclusos para sentença, tão logo o parecer do MPF seja anexado aos autos ou se esgote o prazo para tanto fixado. Caso repute necessária a convocação da FVG para o caso, o julgamento será convertido em diligência para esse fim.
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