Processo nº 0009362-49.2014.8.08.0030
ID: 291162874
Tribunal: TJES
Órgão: 013 - Gabinete Des. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY
Classe: APELAçãO / REMESSA NECESSáRIA
Nº Processo: 0009362-49.2014.8.08.0030
Data de Disponibilização:
06/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSEMAR DE DEUS
OAB/ES XXXXXX
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LUCIANO RODRIGUES BRUM
OAB/ES XXXXXX
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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO 3ª CÂMARA CÍVEL PROCESSO Nº 0009362-49.2014.8.08.0030 APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) APELANTE: LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA e outros (2) APELADO: VIACAO…
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO 3ª CÂMARA CÍVEL PROCESSO Nº 0009362-49.2014.8.08.0030 APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) APELANTE: LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA e outros (2) APELADO: VIACAO JOANA D'ARC S/A e outros (2) RELATOR DESIGNADO: FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ EMENTA DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ACIDENTE DE TRÂNSITO ENVOLVENDO TRANSPORTE COLETIVO. COLISÃO ENTRE MOTOCICLETA E ÔNIBUS. MORTE DO MOTOCICLISTA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. RECURSOS PROVIDOS. I. CASO EM EXAME Ação de reparação de danos morais e materiais ajuizada por LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA contra VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A e MUNICÍPIO DE LINHARES, em razão do falecimento de seu filho, Leandro Santos Silva, decorrente de colisão entre motocicleta por ele conduzida e ônibus da empresa ré. Sentença de primeiro grau reconheceu a responsabilidade objetiva primária da transportadora e subsidiária do município, condenando-as ao pagamento de danos morais (R$ 150.000,00), danos materiais (R$ 980,00) e pensão mensal. Interposição de apelações por ambas as rés buscando a reforma da sentença, com base na tese de culpa exclusiva da vítima. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se houve culpa exclusiva da vítima, apta a romper o nexo causal entre a conduta do motorista do ônibus e o acidente fatal; e (ii) verificar se estão presentes os pressupostos da responsabilidade civil objetiva da empresa de transporte e do ente público municipal. III. RAZÕES DE DECIDIR O acervo probatório revela duas versões para a dinâmica do acidente, com maior consistência na narrativa de que a motocicleta, conduzida em alta velocidade no sentido oposto ao do ônibus, colidiu na lateral traseira direita do coletivo durante manobra de conversão à esquerda realizada em via perpendicular, o que afasta a hipótese de ultrapassagem. A versão firmada nos autos encontra respaldo em testemunhos colhidos na seara criminal e na ação civil, além do Boletim de Acidente de Trânsito, que atesta a posição dos veículos, o local do impacto e a ausência de marcas de frenagem da motocicleta, elementos que corroboram a imprudência do motociclista. A conduta da vítima, não habilitada para conduzir veículos e que trafegava em alta velocidade sem demonstrar reação de diminuição de velocidade ou frenagem, configura culpa exclusiva, rompendo o nexo de causalidade necessário à responsabilização civil dos réus. A responsabilidade objetiva, baseada na teoria do risco administrativo, exige a demonstração do dano, da conduta e do nexo causal, cabendo ao réu comprovar excludentes de responsabilidade. No caso, a culpa exclusiva da vítima restou amplamente demonstrada. A jurisprudência do próprio tribunal, em julgamento anterior envolvendo a mesma dinâmica fática no âmbito criminal, já havia reconhecido a ausência de culpa do motorista e a imperícia da vítima, somada agora a prova da sua imprudência. IV. DISPOSITIVO E TESE Recursos providos. Tese de julgamento: A culpa exclusiva da vítima rompe o nexo de causalidade necessário à configuração da responsabilidade civil objetiva por acidente de trânsito. O conjunto probatório, incluindo prova testemunhal e Boletim de Acidente de Trânsito, apontam para a conduta imprudente da vítima. Não é cabível indenização por danos morais, materiais ou pensão mensal quando comprovado que a vítima foi a única responsável pelo evento danoso. ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ ACÓRDÃO Decisão: Por maioria, conhecer e dar provimento aos recursos, nos termos do voto divergente. Órgão julgador vencedor: 013 - Gabinete Des. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY Composição de julgamento: 027 - Gabinete Desª. DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA - DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA - Relator / 005 - Gabinete Des. CARLOS SIMÕES FONSECA - CARLOS SIMOES FONSECA - Vogal / 013 - Gabinete Des. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY - FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY - Vogal / 017 - Gabinete Des. JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS - JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS - Vogal / 025 - Gabinete Des. SÉRGIO RICARDO DE SOUZA - SERGIO RICARDO DE SOUZA - Vogal VOTOS VOGAIS 005 - Gabinete Des. CARLOS SIMÕES FONSECA - CARLOS SIMOES FONSECA (Vogal) Proferir voto para acompanhar divergência 013 - Gabinete Des. FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY - FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY (Vogal) Proferir voto escrito divergente 017 - Gabinete Des. JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS - JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar divergência 025 - Gabinete Des. SÉRGIO RICARDO DE SOUZA - SERGIO RICARDO DE SOUZA (Vogal) Proferir voto escrito para acompanhar divergência ______________________________________________________________________________________________________________________________________________ RELATÓRIO _______________________________________________________________________________________________________________________________________________ NOTAS TAQUIGRÁFICAS TERCEIRA CÂMARA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0009362-49.2014.8.08.0030 DATA DA SESSÃO: 18/02/2025 R E L A T Ó R I O A SRª. DESEMBARGADORA DÉBORA MARIA AMBOS CORRÊA DA SILVA (RELATORA):- Tratam-se os autos de recursos de Apelação Cível interpostos por VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A e pelo MUNICÍPIO DE LINHARES contra a r. sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública Municipal e Estadual, Registro Público e Meio Ambiente de Linhares/ES que, nos autos da Ação de Reparação de Danos Morais e Materiais ajuizada por LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA em face dos apelantes, julgou procedente a demanda, para reconhecer a responsabilidade civil primária da VIAÇÃO JOANA D’ARC S.A e condená-la a pagar: R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a título de compensação por danos morais, já atualizado monetariamente ao tempo dessa decisão e acrescidos de juros de mora desde a data do evento danoso (súmula 54 do STJ); R$ 980,00 (novecentos e oitenta reais) a título de indenização por danos materiais, atualizados desde a data do desembolso, e juros de mora desde a citação da empresa; e 2/3 do salário-mínimo, dos 18 até 25 anos de idade da vítima, reduzido, então, para 1/3 do salário-mínimo até a data em que o de cujus completaria 72 anos de idade, como pensão mensal. Na oportunidade, reconheceu a responsabilidade civil subsidiária da ré MUNICÍPIO DE LINHARES, que ficará obrigada a cumprir essa decisão, atendida a ordem de execução. Por fim, julgou extinto o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC. Em suas razões recursais (ID 8307382), o Ente Público Municipal alega, em síntese, o magistrado ignorou de forma inexorável a dinâmica do acidente, as provas colacionadas aos autos, bem como a adequada responsabilidade daqueles diretamente ligados ao acidente, uma vez que estaríamos diante de evidente culpa exclusiva da vítima que, inclusive, assumiu a direção de veículo em que jamais foi habilitado a conduzir, circunstância totalmente ignorada pelo magistrado prolator da sentença Por sua vez, a empresa apelante VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A (ID 8307434) pleiteou o provimento do seu recurso para que seja decretada a total improcedência de todos os pedidos postos na inicial, por não haver comprovação de culpa do preposto da Apelante no acidente em debate, afastando-se o nexo causal o qual exime de indenizar. Ainda em face do Princípio das Eventualidades, em havendo por este Juízo discordância a tese anteriormente apresentada, requer seja declarada a culpa concorrente das partes, devendo o valor indenizatório ser distribuído de forma correspondente à proporção da culpa atribuída, para efeitos de indenização pecuniária e obrigacional. Contrarrazões apresentadas nos Ids 8307437 e 8307438. É o relatório. Inclua-se o feito em pauta para julgamento. Vitória/ES, 14 de outubro de 2024. * O SR. DESEMBARGADOR CARLOS SIMÕES FONSECA (PRESIDENTE):- Com a palavra a ilustre advogada, pelo prazo regimental de até 15 minutos. * A SRA. ADVOGADA CAMILA BASONI JUSTE: Boa tarde a todos. Cumprimento inicialmente o Presidente desta colenda Câmara, doutor Carlos Simões Fonseca, doutor Fernando Stevam Bravin Ruy (composição da mesa), doutor Sérgio Ricardo e a Relatoria, doutora Débora Maria Ambos Corrêa, a Procuradoria, os Serventuários da Justiça e os nobres colegas advogados aqui presentes. Trata-se de um recurso de apelação cível contra a sentença da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Linhares, a qual condenou em responsabilidade civil primária a aviação Joana D'Arc ao pagamento de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a título de compensação por danos morais, mais R$980,00 (novecentos e oitenta ) reais a título de indenização por danos materiais, bem como ao pagamento de dois terços do salário mínimo dos 18 a 25 anos de idade da vítima, e depois diminuído de um terço, para que até o de cujus completaria 72 anos. O esboço histórico deste caso, foi um fatídico acidente de trânsito envolvendo o veículo da apelante, Viação Joana D'Arc, com o filho do apelado, o senhor Leandro Santos Silva, que conduzia uma motocicleta no determinado Bairro de Linhares chamado Planalto. Em razão do acidente, infelizmente, a vítima veio a óbito no local. A dinâmica que foi feita aconteceu da seguinte forma: o ônibus pertencente a apelante estava na Avenida Cerejeiras, em direção ao bairro Planalto, e tal via é via de mão e contramão. Parou no ponto de ônibus para embarque e desembarque de passageiros, e naquela localidade não há recuo. Então o ônibus precisa parar na via de rolamento. E aí ele parou no ponto para embarque e desembarque de passageiros. Assim que completou a manobra, o preposto à época, o motorista era o senhor Fábio Delarmelinda, e retornou ao seu trajeto; ele iniciou o trajeto, dando o sinal para continuar a sua passagem. Quando ele estava conduzindo esse veículo, quando ele saiu do ponto de ônibus, ao convergir da Avenida Cerejeiras para Maria Bonna Marinato, que ele adentraria ao Bairro, ele sentiu uma batida na sua lateral traseira direita, que seria a motocicleta conduzida pelo filho do apelado, o senhor Leandro Santos Silva. A R-sentença do douto Magistrado a quo, foi um tanto quanto equivocada pela dinâmica do acidente, porque o douto juízo, naquela oportunidade, nas palavras dele, teve uma interpretação diversa, dizendo que o ônibus e a moto estariam em mão e contramão de direção. Acontece que tanto o ônibus quanto a moto estavam na mesma mão de direção, ao passo que, quando o ônibus saiu para convergir da Avenida Cerejeiras para a Bonna Marinato, o motociclista bateu atrás, na lateral traseira direita, isso é demonstrado, inclusive, no Boletim de Acidente de Trânsito, em folha 124, que está disponibilizado no ID 23048773. Ali ele informa que foi perante a batida lateral traseira. Ainda assim, diversas testemunhas naquela localidade, que estavam dentro do ônibus, afirmam que o Leandro, que conduzia a motocicleta, bateu atrás do ônibus, e ainda ele estaria em alta velocidade. Naquele sentido, ele não teve como reduzir a velocidade para que não acertasse o ônibus da empresa apelante. Destaca que o ônibus parou no ponto de ônibus, para embarque e desembarque de passageiros, e iniciou a sua retomada de rota. Ou seja, em nenhum momento, não há frenada brusca do ônibus, que possa ter visto uma frenada brusca, ou que o ônibus estar em alta velocidade, não ter dado seta e convergiu de maneira brusca para a sua direita, ao passo que o motociclista poderia, por exemplo, não ter tempo de frear. Acontece que, neste momento, o ônibus estava saindo do embarque e desembarque de passageiro, ou seja, a sua velocidade era mínima. Ainda, temos várias testemunhas nesse caso. Cito aqui uma, o senhor Gessi Gonçalves da Vitória, em seu depoimento, inclusive, na Ação Penal 0016-216-25-2015, que foi em face do preposto à época do senhor Fábio de Larmelinda. E ali ele fala: "A moto via no sentido do ônibus, só que o ônibus saiu, e bateu na traseira do ônibus.". Então a moto teria batido, de fato, na lateral traseira direita do ônibus. Temos inúmeras testemunhas que afirmam tanto a trajetória da moto e do ônibus ser no mesmo sentido, quanto que a motocicleta atingiu o ônibus na lateral traseira direita. Outro fato interessante neste processo, que devemos chamar a atenção, é que o condutor do veículo da motocicleta, o senhor Leandro, não possuía habilitação naquele momento. Inclusive, isso é confirmado em depoimento pessoal do autor. O autor diz: "Meu filho não possuía habilitação.". Além disso, o filho do autor estava em alta velocidade; bateu atrás, na lateral traseira direita do ônibus, não possuía, naquele momento, habilitação. Chamo a atenção inclusive para os autos do processo criminal, em que o senhor Fábio Delarmelinda foi absolvido, inclusive tendo como relatoria desse processo, na época do processo criminal, a douta Relatora aqui, a doutora Débora Maria Ambos Corrêa da Silva; peço vênia, para falar um pouco da transcrição do seu voto citado: "Pela descrição dos fatos, por todas as testemunhas, o ônibus estava parado em um ponto, logo estava alinhado à direita da via e fazendo sua saída regular. Pela descrição do boletim de acidente de trânsito, o ônibus sofreu colisão em seu lado direito, o que demonstra que a motocicleta ou tentou ultrapassagem pelo lado incorreto, de acordo com o artigo 29, inciso IX do Código de Trânsito Brasileiro, ou executou uma conversão sem os cuidados." Tanto é que, na oitiva de todas as testemunhas nesse processo, tanto no processo criminal que foi pego como prova emprestada para esses autos, o doutor Juiz se apegou apenas ao fato de que, de acordo com todas as testemunhas, inclusive ouvidas nesse processo e como prova emprestada na Ação Penal citada, o ônibus estava parado para embarque e desembarque de passageiros. O que temos aqui também, outro fato, é que o processo criminal foi julgado, absolvendo o motorista perante inclusive a este Tribunal, colocando a culpa exclusiva da vítima. Em razão desta, entre diversos fatos aqui narrados, não possuía Carteira Nacional de Habilitação. Vale lembrar que, quanto ao documento, à CNH, a ausência desta deste, não pode ser tratado como mera infração administrativa, haja vista que, para termos direito à Carteira Nacional de Habilitação, temos que passar por inúmeros requisitos. Primeiro, ter 18 anos completos, possuir aptidão física, psicológica, passar por inúmeros exames, fazer um estudo teórico, fazer uma prova teórica no DETRAN, ser aprovado nessa prova teórica, fazer aulas práticas em uma autoescola, ser aprovado nessas aulas práticas. E aí, sim, você tem uma permissão para dirigir, a qual dura um ano, se você não tomar nenhuma das infrações estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro. Aqui, nesse caso, a vítima agiu por imprudência e imperícia. Imprudência porque ela estava em alta velocidade e possivelmente tentou a ultrapassagem em seu lado direito, porque não tinha uma ultrapassagem totalmente proibida, e ainda tentou ultrapassar um veículo automotor de transporte coletivo de passageiros, não só colocando a própria vida em risco, como também das demais que utilizam aquele transporte. Vale ressaltar que o condutor não estava devidamente habilitado. Não estamos falando aqui de um condutor que teve a sua habilitação suspensa, a sua habilitação cassada ou a sua habilitação vencida. Temos aqui um condutor que nunca teve habilitação. Ou seja, ele já começou a infringir as normas de trânsito a partir do momento em que pegou um veículo sem estar devidamente habilitado, ou seja, não tinha nenhuma perícia para estar habilitado. Isso também foi tratado nos autos do processo criminal; foi levada em consideração a ausência da CNH. Neste caso aqui, o douto Juiz atribuiu uma culpa à Viação Joana D'arc, a qual ela não tem; a culpa inteira e exclusiva é da vítima, do filho do apelado, o seu Leandro. É óbvio, Excelências, que o falecimento de uma pessoa atribui a cargo de um sentimento ruim. Não estamos aqui questionando se esta pessoa merece ou não, mas aqui, de fato, infelizmente, temos um acidente do qual a culpa foi totalmente do filho do apelado. Portanto, de maneira justa, requer-se que a sentença de Primeiro Piso seja totalmente reformada, decretada a sua improcedência, reconhecendo a culpa exclusiva da vítima. Caso mantida a sentença, seja pelo menos decretada a culpa, a responsabilidade recíproca, tendo a maior culpabilidade pela vítima, que se findou naquele fatídico dia. É assim que se requer. * V O T O A SRª. DESEMBARGADORA DÉBORA MARIA AMBOS CORRÊA DA SILVA (RELATORA):- Conforme brevemente relatado, tratam-se os autos de recursos de Apelação Cível interpostos por VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A e pelo MUNICÍPIO DE LINHARES contra a r. sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública Municipal e Estadual, Registro Público e Meio Ambiente de Linhares/ES que, nos autos da Ação de Reparação de Danos Morais e Materiais ajuizada por LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA em face dos apelantes, julgou procedente a demanda, para reconhecer a responsabilidade civil primária da VIAÇÃO JOANA D’ARC S.A e condená-la a pagar: R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a título de compensação por danos morais, já atualizado monetariamente ao tempo dessa decisão e acrescidos de juros de mora desde a data do evento danoso (súmula 54 do STJ); R$ 980,00 (novecentos e oitenta reais) a título de indenização por danos materiais, atualizados desde a data do desembolso, e juros de mora desde a citação da empresa; e 2/3 do salário-mínimo, dos 18 até 25 anos de idade da vítima, reduzido, então, para 1/3 do salário-mínimo até a data em que o de cujus completaria 72 anos de idade, como pensão mensal. Na oportunidade, reconheceu a responsabilidade civil subsidiária da ré MUNICÍPIO DE LINHARES, que ficará obrigada a cumprir essa decisão, atendida a ordem de execução. Por fim, julgou extinto o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC. Em suas razões recursais (ID 8307382), o Ente Público Municipal alega, em síntese, o magistrado ignorou de forma inexorável a dinâmica do acidente, as provas colacionadas aos autos, bem como a adequada responsabilidade daqueles diretamente ligados ao acidente, uma vez que estaríamos diante de evidente culpa exclusiva da vítima que, inclusive, assumiu a direção de veículo em que jamais foi habilitado a conduzir, circunstância totalmente ignorada pelo magistrado prolator da sentença Por sua vez, a empresa apelante VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A (ID 8307434) pleiteou o provimento do seu recurso para que seja decretada a total improcedência de todos os pedidos postos na inicial, por não haver comprovação de culpa do preposto da Apelante no acidente em debate, afastando-se o nexo causal o qual exime de indenizar. Ainda em face do Princípio das Eventualidades, em havendo por este Juízo discordância a tese anteriormente apresentada, requer seja declarada a culpa concorrente das partes, devendo o valor indenizatório ser distribuído de forma correspondente à proporção da culpa atribuída,para efeitos de indenização pecuniária e obrigacional. Contrarrazões apresentadas nos Ids 8307437 e 8307438. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos e passo à análise. Trata-se, na origem, de Ação de Reparação de Danos Morais e Materiais proposta por LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA em face de VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A e pelo MUNICÍPIO DE LINHARES, em razão dos danos causados ao autor pela morte de seu filho. A fim de esclarecer os fatos que norteiam a lide posta em exame, transcrevo parte do relatório da sentença objurgada: Alega a parte autora que: “[...] é pai de Leandro Santos Silva, de cujus, falecido em 31 de julho de 2011 em decorrência de acidente de trânsito entre o de cujus e a requerida Viação Joana D’arc, cessionária de serviço público do requerido Município de Linhares-ES.” “[...] segundo o boletim de ocorrência, em virtude da colisão o condutor da motocicleta fora encontrado segundo o mesmo documento em decúbito dorsal, inconsciente [...]”. “Devido a gravidade dos ferimentos o condutor não resistiu, vindo a óbito.” “Diante de tais fatos o requerente busca a tutela jurisdicional a fim de pleitear a devida indenização pela perda de seu filho[...]”. Ademais, o autor ainda alega que o filho (de cujus) também “[...] auxiliava e contribuía nas despesas ao seu sustento.” Nos pedidos a parte autora requer “o ressarcimento dos danos materiais nos valores de R$ 980,00 (novecentos e oitenta reais) e pensão no valor de R$ 40.543,44 (quarenta mil quinhentos e quarenta e três reais e quarenta e quatro centavos) até a data em que a vítima completaria 25 anos e R$ 139.008,00 (cento e trinta e nove mil e oito reais) considerando a data em que a vítima faria 25 anos e sua provável expectativa de vida [...]”. A requerida Viação Joana D’arc apresentou a contestação de fls. 41/56, alegando que: “[...] ficou de igual forma comprovado através do referido boletim, que o de cujus, não possuía Carteira Nacional de Habilitação, o que por si só, constitui gravíssima infração [...]” “[...] se o de cujus possuísse a perícia necessária para condução de automotores, certamente, referido acidente poderia ter sido evitado [...]” “[...] em singelo estudo do Boletim de Ocorrência trazida a baila pelo o Autor, fica comprovada de forma incontestável que o de cujus trafegava em velocidade incompatível para o local.” “[...] o condutor do V1 (ÔNIBUS), jamais poderia impedir o INEVITÁVEL e IMPREVISÍVEL, tão somente, por não estar ao seu alcance, ou seja, que o condutor de V2 (MOTOCICLETA), viola-se as normas de trânsito [...]”. Ademais, o réu ainda alega que “A empresa primeira requerida NÃO É A OFENSORA, e consequentemente, NÃO É RESPONSÁVEL CIVIL PELOS DANOS experimentados pelo requerente em virtude da morte de seu filho.” Quanto ao pedido de pensão alimentícia, o réu aponta que o autor, por se tratar de “pessoa maior, com vida independente”, não faz jus a pensão. Além disso, ele aponta que o pagamento da pensão alimentícia somente deve ser estipulado caso o autor comprove a contribuição do filho para com as despesas familiares. Por fim, o réu alega que por se tratar de ação de indenização proposta por somente um dos genitores, o magistrado deverá considerar uma diminuição no pleito inicial, dado que a genitora pode vir a realizar pedido parecido. Assim, caso não fosse observado tal ponto, o valor total a que se admite a pensão, por exemplo, poderia já estar absorvido por somente um dos genitores. O requerido Município de Linhares apresentou a contestação de fls. 100/107, alegando que: “[...] a responsabilidade pela indenização pleiteada é da empresa privada no exercício da função pública [...]” “Assim, imputar ao município a responsabilidade de indenizar é o mesmo que extinguir a responsabilidade da empresa prestadora de serviço público e agraciar um único indivíduo em detrimento de toda uma população que necessita da verba municipal.” “Assim, requer desde já o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva [...]” No mérito, o município alega que “[...] inexiste nos autos documentos indispensáveis à constituição do direito pleiteado pelo Autor. Não há prova de que o Município teve influência sobre o acidente. De tal sorte ser impossível se manifestar acerca do pedido autoral.” “Necessário se faz comprovar o nexo de causalidade entre o dano relatado e a conduta omissiva do ente, não sendo possível considerar as informações contidas na inicial, não tendo força para comprovar que o município participou de alguma forma do fato alegado [...]” “No caso concreto, o próprio requerente afirma que seu filho foi surpreendido por um ônibus da Viação Joana D’arc prestadora de serviço público. Isso, por si só, já demonstra que o município não tem relação com o fato.” O réu ainda alega deverá ser reconhecida a sua responsabilidade subsidiária em caso de não serem acolhidas as teses já apontadas. (...) Seguindo o iter procedimental, sobreveio sentença, devidamente fundamentada, tendo o MM. Juiz de Direito julgado procedentes os pedidos iniciais, na forma do art. 487, I do CPC, conforme acima discriminado. Pois bem. Cinge-se a controvérsia da presente demanda em apurar se há responsabilidade dos réus pelos danos materiais e morais alegados pelo autor em razão do acidente de trânsito que vitimou seu filho. Considerando a semelhança da matéria versada em ambos os recursos de apelação, os apreciarei de forma conjunta. Consoante dispõe o art. 186 do Código Civil, "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". A negligência e imprudência do condutor são aspectos importantes da caracterização do ato ilícito, o que pode configurar a responsabilidade do agente pelo evento danoso. Além disso, o art. 927 do Código Civil estabelece que "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo", sendo essa reparação de natureza integral. A configuração de responsabilidade civil em acidentes de trânsito está intrinsecamente ligada aos elementos necessários para a caracterização de um ato ilícito, conforme preceituado pela ordem jurídica. Para que seja reconhecida a obrigação de indenizar, é necessário que estejam presentes determinados requisitos fundamentais, os quais têm sido amplamente aplicados em casos envolvendo colisões e demais eventos de trânsito. Primeiramente, destaca-se o fato lesivo voluntário, que pode ser compreendido como uma ação ou omissão por parte do agente envolvido no acidente. No trânsito, essa conduta ilícita pode se manifestar de diversas formas, como por exemplo, através de imprudência (dirigir acima da velocidade permitida), negligência (não respeitar as regras de segurança) ou imperícia (falta de habilidade ao manusear o veículo). Cada uma dessas condutas, ao provocar um acidente, pode configurar o primeiro elemento do ato ilícito. O segundo elemento necessário é a ocorrência de um dano, seja ele de natureza patrimonial ou moral. Em acidentes de trânsito, os danos patrimoniais são, geralmente, aqueles relacionados aos prejuízos materiais, como a destruição de veículos ou outros bens afetados pela colisão. Já os danos morais envolvem o sofrimento psicológico, o trauma ou outras consequências imateriais experimentadas pelas vítimas. Nesse contexto, a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admite a possibilidade de cumulação de indenizações por danos materiais e morais quando ambos são decorrentes do mesmo fato, como ocorre frequentemente em acidentes de trânsito. Por fim, o nexo de causalidade é o terceiro elemento essencial para a configuração da responsabilidade civil. Para que haja a obrigação de indenizar, é necessário que se estabeleça uma relação direta entre o comportamento do agente e o dano causado. Em um cenário de acidente de trânsito, essa relação causal pode ser claramente identificada, por exemplo, quando um motorista em alta velocidade provoca uma colisão. Nesse caso, a imprudência do condutor está diretamente relacionada ao acidente e aos danos que dele advêm. Portanto, é necessária a aplicação desses elementos aos casos de acidentes de trânsito a fim de fundamentar adequadamente pedidos de reparação de danos, tanto materiais quanto morais, assegurando que a vítima seja indenizada de forma justa pelo prejuízo sofrido e que o causador seja responsabilizado por sua conduta ilícita. In casu, há que se aplicar a Teoria do Risco Administrativo, cujas premissas estão intrinsecamente ligadas ao regime de responsabilidade civil objetiva dos entes públicos, conforme previsto no artigo 37, §6º da Constituição Federal de 1988. Segundo esse dispositivo, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos são responsáveis pelos danos que seus agentes, atuando nessa condição, causarem a terceiros. Tal responsabilidade independe de dolo ou culpa, sendo necessária apenas a comprovação do dano, da ação ou omissão do agente público e do nexo causal entre ambos: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. A responsabilidade objetiva decorre do fato de que, ao desempenhar funções públicas, o Estado gera, de forma inerente, riscos para a sociedade. Desse modo, se um indivíduo sofre prejuízo em decorrência de uma ação estatal, o ente público deve arcar com os danos causados, buscando-se uma forma de proteger e resguardar os direitos dos cidadãos. Essa responsabilização não exige a prova de que o agente público agiu de forma negligente, imprudente ou com intenção de causar dano. A simples existência do dano e do vínculo entre a conduta estatal e o prejuízo são suficientes para que o Estado tenha o dever de indenizar. Essa concepção de responsabilidade objetiva baseia-se na referida Teoria do Risco Administrativo, que justifica que o Estado, ao atuar, gera riscos à coletividade e, por isso, deve assumir as consequências de eventuais danos causados. No entanto, essa teoria admite algumas excludentes de responsabilidade, como casos de força maior, fato de terceiro ou culpa exclusiva da vítima. Nessas circunstâncias, o ente público pode ser eximido da obrigação de reparar o dano. Conforme já relatado, os requeridos apresentaram recurso de apelação, aduzindo, em síntese, que a sentença ignorou a dinâmica do acidente, as provas colacionadas aos autos, bem como a adequada responsabilidade daqueles diretamente ligados ao acidente, uma vez que estaríamos diante de evidente culpa exclusiva da vítima que, inclusive, assumiu a direção de veículo em que jamais foi habilitado a conduzir, circunstância totalmente ignorada pelo magistrado prolator da sentença. Subsidiariamente, pleitearam que seja declarada a culpa concorrente das partes, devendo o valor indenizatório ser distribuído de forma correspondente à proporção da culpa atribuída. Inicialmente, cumpre esclarecer que a circunstância referente à ausência de habilitação do de cujus para a condução da motocicleta, diferentemente do que tenta sustentar os apelantes, não foi ignorada pelo magistrado a quo. Conforme se infere na sentença: (...) Não houve culpa alguma do motociclista e o fato dele não possuir Carteira Nacional de Habilitação constitui mera infração administrativa, uma vez que ele apenas seguia conduzindo a motocicleta em sua mão de direção quando foi surpreendido com o ônibus fazendo uma conversão irregular a sua frente. (...) Os requeridos, ora apelantes, em nenhum momento negam a ocorrência do acidente, porém pretendem que seja reconhecido que este ocorreu por culpa exclusiva da vítima, que, por total imperícia, conduziu a motocicleta sem habilitação para tanto, contribuindo diretamente para a ocorrência do acidente, devendo ser afastadas quaisquer indenizações e reparações pleiteadas. A culpa exclusiva da vítima ocorre quando o dano é causado inteiramente por uma conduta imprudente, negligente ou imperita da própria vítima, sem que haja participação ou falha de terceiro. Nesse caso, não há responsabilidade do agente que, inicialmente, seria considerado o causador do dano, porque a conduta da vítima rompe o nexo de causalidade entre o ato praticado pelo agente e o dano. Em termos práticos, o autor do ato não é obrigado a indenizar, pois o evento lesivo decorre exclusivamente da ação ou omissão da vítima. Todavia, para o agravamento do risco em determinado acidente, o colendo Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que não basta a ausência de habilitação do condutor, mas sim que a falta desta tenha sido determinante para a ocorrência do acidente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE. AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. CONCLUSÃO ACERCA DA INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL EXCLUINDO A COBERTURA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5, 7 E 83/STJ. RECURSO IMPROVIDO. 1. Tendo o Tribunal de origem concluído que no contrato firmado não há cláusula que exclua a indenização em acidente sofrido por segurado sem a devida habilitação para dirigir, bem como que este fato não contribuiu para a ocorrência do infortúnio, a inversão do julgado encontra óbice nos enunciados n. 5 e 7 da Súmula desta Casa. Ademais, é compreensão do Superior Tribunal de Justiça que a ausência de habilitação para dirigir não configura, por si só, o agravamento intencional do risco por parte do segurado, apto a afastar a obrigação de indenizar da seguradora. Incidência do enunciado n. 83 da Súmula desta Corte. 2. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 990.103/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 09/02/2017) CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. AUSÊNCIA DE BREVÊ PARA PILOTAR AERONAVE. AGRAVAMENTO DE RISCO NÃO CONFIGURADO. EXCLUDENTE DA COBERTURA DO SEGURO NÃO CARACTERIZADA. PRECEDENTES. 1. Em relação à falta de habilitação para dirigir veículos, e o mesmo pode-se dizer em relação a aeronaves, a jurisprudência da 2ª Seção pacificou-se no sentido que sua ausência não configura, por si só, o agravamento intencional do risco por parte do segurado, apto a afastar a obrigação de indenizar da seguradora. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 218.061/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 04/02/2014) Outro não é o entendimento deste egrégio Tribunal de Justiça: EMENTA: APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DA LOCADORA. SÚMULA 492 DO STF. VÍTIMA FATAL. MENOR DE IDADE. AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO PARA CONDUZIR. CULPA EXCLUSIVA OU CONCORRENTE DA VÍTIMA. NÃO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ADMISSIBILIDADE. CULPA COMPROVADA. QUANTUM ARBITRADO NÃO CONDIZ COM REALIDADE DOS FATOS. NECESSÁRIA A MAJORAÇÃO. FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. PENSIONAMENTO DEVIDO. DESPROVIDOS OS RECURSOS DAS PARTES REQUERIDAS E PROVIDO À PARTE AUTORA. 1. Preliminar rejeitada: Incidência da súmula 492 do STF onde “a empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado.” 2. É notório que não se presume a culpa em razão unicamente da falta de habilitação para dirigir. Para caracterizar a culpa exclusiva ou concorrente da vítima, é necessário demonstrar que a conduta desta, contribuiu ou foi determinante para a ocorrência do acidente. 3. In casu, os requeridos não lograram êxito em demonstrar que a ausência de habilitação foi fator determinante ou que tenha contribuído minimamente com o evento danoso. 4. De acordo com a jurisprudência, o fato da família ser de baixa renda presume-se a dependência econômica. No caso, os autos apresentam provas robustas de que a vítima fatal, à época, menor de idade, contribui substancialmente no sustento da família, gerando portanto, o dever de indenizar. Pensionamento devido. 5. Em relação ao quantum fixado a título de danos morais, a montante fixado em primeiro grau se destoa do valor arbitrado em casos semelhantes, portanto, necessária a majoração do valor sopesada a gravidade e a natureza do abalo sofrido pela autora, dada as peculiaridades do caso in examine, para que ela seja devidamente compensada e, os ofensores, pedagogicamente punidos. 6. Desprovidos os recursos de LEONARDO ARRIEN FERNANDES e LOCALIZA RENT A CAR e provido parcialmente o recurso de JAQUELINE DA PAIXÃO SOBRINHO. (TJES, Apelação Cível nº 0002143-49.2019.8.08.0049, Relator: JAIME FERREIRA ABREU, Órgão julgador: 2ª Câmara Cível, Data: 18/12/2023). APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO – AMBULÂNCIA DO SAMU – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – POSSIBILIDADE DE ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE – CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA – NÃO DEMONSTRADA – PRIORIDADE NA PASSAGEM DO VEÍCULO DE SALVAMENTO – NECESSIDADE DE ACIONAR ALARME SONORO (SIRENE), ILUMINAÇÃO INTERMITENTE (GIROFLEX) E REALIZAR A PASSAGEM COM VELOCIDADE REDUZIDA E DEVIDOS CUIDADOS DE SEGURANÇA – DEVERES NÃO OBSERVADOS – VÍTIMA COM CARTEIRA DE HABILITAÇÃO VENCIDA – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE NEXO CAUSAL ENTRE A INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA O EVENTO DANOSO – DANOS MORAIS POR MORTE DE FAMILIAR – VALOR INDENIZATÓRIO CONDIZENTE COM AS PECULIARIDADES DO CASO – JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA – INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 54 E 362 DO STJ – RECURSO DESPROVIDO. 1. A teoria da responsabilidade objetiva do Estado – positivada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal – se, por um lado, torna prescindível a comprovação do dolo ou culpa, por outro, não exime a parte interessada de comprovar a existência da conduta administrativa ilícita, do dano e do nexo de causalidade entre tais vetores. Isto faz com que a responsabilidade do Poder Público seja afastada se presente a culpa exclusiva da vítima, causa assaz a romper o nexo de causalidade. 2. O artigo 29, inciso VII, alíneas “a” e “d”, do Código de Trânsito Brasileiro preconiza que as ambulâncias, quando em serviço de urgência, gozam de prioridade na passagem de vias e cruzamentos. Todavia, esta prioridade não se operacionaliza de maneira insensata. Para seu exercício, é preciso que o veículo esteja com os dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação intermitente acionados e o condutor realize a passagem com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança. 3. Os elementos de cognição produzidos nos autos indicam que a ambulância do SAMU, quando do acidente de trânsito, ultrapassou semáforo vermelho em alta velocidade, com sirene e giroflex desligados, ato este que, inexoravelmente, guarda o predicado de ilícito. 4. Dirigir com carteira de habilitação vencida é infração de trânsito gravíssima, punida com pena de multa e medida administrativa de retenção do veículo, ex vi do artigo 162, inciso V, do Código de Trânsito Brasileiro. Ocorre que tal conduta, isoladamente, não tem o condão de configurar culpa exclusiva da vítima, sendo imperioso, para isso, comprovar a relação de causalidade entre a condução do automóvel com habilitação vencida e o acidente, ônus do qual o apelante não se desincumbiu. 5. No que concerne ao arbitramento dos danos morais, o valor de R$ 139.500,00 (cento e trinta e nove mil e quinhentos reais), a ser dividido entre os 04 (quatro) apelados, é condizente com as peculiaridades do caso analisado, dada a dor psíquica intensa por eles experimentada com a morte trágica e inopinada da vítima, não tendo o magistrado monocrático destoado do razoável frente ao ocorrido. 6. A atualização dos danos extrapatrimoniais foi fixada de forma escorreita pelo juiz de instância ordinária, com juros de mora a partir do evento danoso e correção monetária desde a data do arbitramento, nos moldes dos respectivos verbetes sumulares nºs 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça. (TJES, Apelação Cível e Remessa Necessária nº 0010168-10.2011.8.08.0024, Relatora: ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA, Órgão julgador: 4ª Câmara Cível, Data: 03/04/2023). CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE. AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO DO SEGURADO. AGRAVAMENTO INTENCIONAL DO RISCO. INEXISTÊNCIA. CAUSA NÃO DETERMINANTE PARA O SINISTRO. COBERTURA CONTRATUAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PERCENTUAL MÍNIMO. 1. A ausência de habilitação do segurado falecido em acidente de trânsito, por si só, não configura o agravamento intencional do risco objeto do seguro de vida passível do afastamento da responsabilidade de a seguradora arcar com a indenização prevista na apólice contratada, devendo ser causa determinante para o sinistro. Precedentes do STJ e TJES. 2. O valor dos honorários advocatícios sucumbenciais deve ser fixado entre 10 e 20% sobre a condenação, sendo inviável a redução do montante quando arbitrado no percentual mínimo previsto no ordenamento jurídico processual. Art. 85, §§2º e 3º, CPC⁄15. (TJES, Classe: Apelação, 9150000835, Relator: SAMUEL MEIRA BRASIL JUNIOR, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 12/07/2016, Data da Publicação no Diário: 22/07/2016) Nesse sentido, é cediço que dirigir sem carteira de habilitação é infração de trânsito gravíssima, punida com pena de multa e medida administrativa de retenção do veículo, nos termos do art. 162, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro. Ocorre que tal conduta, isoladamente, não tem o condão de configurar culpa exclusiva da vítima, sendo imperioso, para isso, comprovar a relação de causalidade entre a condução do automóvel com habilitação vencida e o acidente, ônus do qual os apelantes não se desincumbiram, pois não lograram êxito em demonstrar que a ausência de habilitação foi fator determinante ou que tenha contribuído minimamente com o evento danoso. Na hipótese dos autos, o magistrado sentenciante foi categórico em registrar (i) a ocorrência da conduta comissiva (colisão) do preposto da empresa de transporte, (ii) em consignar os pressupostos da responsabilidade civil objetiva, os quais, inclusive, não foram objetos da defesa e/ou manifestação por parte dos apelantes, bem como (iii) que os requeridos não obtiveram sucesso em comprovar o fato alegado, qual seja, de que foi a vítima quem, exclusivamente, deu causa ao acidente: Entendo que a conduta, o primeiro dos pressupostos, resta comprovada nos autos. Isso porque, além de se tratar de fato incontroverso entre as partes, houve testemunha ocular do acidente (Venício Gonçalves da Vitória - fl. 268). Vejamos seu relato: Juíza Elaine Carvalho - O senhor viu o momento desse acidente? Testemunhas Venício Gonçalves da Vitória - Vi sim, estava perto. Juíza Elaine Carvalho - O senhor estava lá na rua, é isso? Testemunhas Venício Gonçalves da Vitória - Isso. Juíza Elaine Carvalho - O momento desse impacto, [...] foi assim em uma curva, foi em uma reta? Testemunhas Venício Gonçalves da Vitória - Olha o ônibus parado no ponto né, para descer algum passageiro, pegar alguns, ai nesse momento o menino ia passar pelo ônibus, o motorista eu creio eu que ele não olhou se ele vinha ou não, arrancou com o ônibus ai houve a colisão. Diante desse relato da testemunha, não restam dúvidas acerca da conduta comissiva do preposto da empresa de transporte que provocou o acidente de trânsito (colisão). Todavia, saliento que a convicção deste julgador não foi formada apenas com base no depoimento de referida testemunha. Não ignoro que o juízo criminal concluiu de forma diversa e absolveu o motorista por falta de clareza sobre a dinâmica do acidente. Ocorre que, no presente caso, a responsabilidade dos réus deve ser aferida à luz da responsabilidade objetiva, ou seja, basta ao demandante comprovar a conduta (que no caso foi comissiva), o dano e o nexo de causalidade, e, aos réus, recai o ônus da prova sobre as excludentes de responsabilidade, já que sustentam que houve culpa exclusiva da vítima. Assim sendo, os pressupostos da responsabilidade civil objetiva estão presentes, uma vez que os réus não comprovaram o fato alegado, qual seja, de que foi a vítima quem, exclusivamente, deu causa ao acidente. Aliás, houve divergência do relato do próprio motorista quando ele prestou os esclarecimentos aos agentes públicos que confeccionaram o Boletim de Acidente de Trânsito (fl. 90v), afirmando que faria uma conversão à ESQUERDA, para a Rua Maria das Graças Bonna Marinato (Bairro Planalto) - o ônibus vinha da Rua/Av. Cerejeira (também conhecida por Carlos Aberto Pessoti) e, depois, no Termo de Declaração e Diagrama que instrui o B.AT, o motorista disse que estaria convergido para a DIRETA "quando moto veio bateu atrás do ônibus em alta velocidade". No entanto, as imagens do local do acidente, que podem ser acessadas pela ferramenta do Google Maps (Google Street View set. de 2013 a jun. 2023), mostram que, no único cruzamento entre a Rua/Av. Cerejeira (também conhecida por Carlos Aberto Pessoti) e a Rua Maria das Graças Bonna Marinato, não seria provável que o motorista faria conversão à direita, pois nessa direção a rua não possui saída. A conclusão, portanto, é que a conversão do ônibus para a Rua Maria das Graças Bonna Marinato ocorreu para a esquerda, sendo que o motorista chega a afirmar isso em seu depoimento em juízo. Os agentes de trânsito que preencheram o B.A.T também registraram que a colisão ocorreu enquanto o ônibus convergia para a esquerda. Observa-se que o campo do B.A.T. transcrito adiante não é reservado para lançar nota sobre declarações de condutores, mas apenas sobre informações objetivas de acidente de trânsito apuradas pelo agente: (...) Já o motociclista (vítima), que vinha pela Rua/Av. Cerejeira (também conhecida por Carlos Aberto Pessoti), sentido BR 101, em linha reta (ou seja, em direção oposta a do ônibus), colidiu na parte de trás da lateral do ônibus durante a conversão irregular deste. Isso porque referido veículo não poderia simplesmente convergir para a Rua Maria das Graças Bonna Marinato, como foi feito, uma vez que, se vinha a sua frente a motocicleta, ele deveria parar e aguardar a passagem do motociclista. A conclusão de que o motociclista vinha em direção oposta ao ônibus pode ser extraída do B.A.T e conferida pelo Google Maps: (...) Portanto, vejamos a dinâmica do acidente que faz sentido; 1) não houve tentativa de ultrapassagem porque o ônibus e a motocicleta estavam em sentidos opostos na via, ou seja, a vítima não estava seguindo o fluxo atrás do ônibus; 2) o ônibus convergiu repentinamente para a esquerda, na Rua Maria das Graças Bonna Marinato, à frente do motociclista; 3) o motociclista não conseguiu frear, evitou bater no meio da lateral direita do ônibus, mas acabou colidindo mais na traseira (ou na ponta traseira) da mesma lateral (direita). Nota-se que, além da existência de testemunha ocular do acidente, Sr. Venício Gonçalves da Vitória, tem-se que, embora o motorista tenha sido absolvido no âmbito criminal por falta de provas, no processo civil, ficou comprovada a conduta comissiva do motorista, o dano (morte do motociclista) e o nexo de causalidade. Neste ponto, é imperioso retomar a tese do risco administrativo, segundo o qual a responsabilidade dos réus deve ser analisada sob o prisma da responsabilidade objetiva, o que significa que ao autor cabe apenas demonstrar a conduta (neste caso, comissiva), o dano e o nexo de causalidade. Já aos réus, incumbe o encargo de provar eventuais excludentes de responsabilidade, uma vez que alegam a culpa exclusiva da vítima. Nesta linha intelectiva, não há elementos probatórios suficientes que indiquem culpa exclusiva da vítima ou que justifiquem a aplicação da tese de culpa concorrente, nos termos do art. 945 do Código Civil, que só pode ser invocado quando a conduta da vítima concorre diretamente para o dano, o que não se verifica no presente caso, sobretudo diante divergência do relato do próprio motorista que prestou esclarecimentos distintos aos agentes públicos que confeccionaram o Boletim de Acidente de Trânsito e, depois, no Termo de Declaração e Diagrama que instrui o referido B.A.T Logo, não merece prosperar o argumento utilizado pelos réus de culpa exclusiva da vítima ou culpa concorrente das partes, sendo imperiosa a manutenção da sentença vergastada. Quanto ao valor dos danos morais, entendo que este foi fixado em conformidade com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em conta a gravidade das lesões sofridas e o impacto na vida dos pais da vítima. O art. 944 do Código Civil determina que "a indenização mede-se pela extensão do dano", e os danos imateriais aqui são de grande magnitude, dado o sofrimento físico e psicológico duradouro da dos genitores da vítima. Importante ressaltar que a fixação do quantum indenizatório fica adstrita ao prudente arbítrio do Juiz, consoante o seu livre convencimento motivado, também chamado de persuasão racional, princípio do sistema processual que permite ao juiz decidir com base em sua convicção pessoal, construída a partir da análise das provas apresentadas no processo. No entanto, essa liberdade não é absoluta: ela deve ser sempre fundamentada. O juiz precisa expor os motivos pelos quais tomou determinada decisão, apontando as provas e os argumentos que o levaram a essa conclusão. O princípio visa garantir que a decisão seja transparente, racional e, principalmente, justificável. Analisando a sentença vergastada, verifico que o juízo a quo cumpriu com o seu dever de motivação, na medida em que explicitou os critérios subjetivos e objetivos para fixação do montante indenizatório, como: a extensão do dano causado; a capacidade econômica das partes; o grau de culpa ou dolo do ofensor e a função pedagógica e preventiva da indenização: Nesse linear, diante da culpa exclusiva do condutor do veículo de propriedade da primeira parte ré durante a execução de serviço de transporte coletivo, não há como afastar o dever dos referidos réus em reparar os danos causados à parte autora. Hoje, mais de 20 anos após o evento danoso, já em idade avançada, o autor não poderá contar com o suporte de seu filho, fato esse que muitas das vezes é imprescindível para o resguardo do bem-estar do idoso, seja por razões de saúde ou outras peculiaridades próprias da senilidade. Dada tamanha a importância do suporte dos filhos aos pais na velhice, há previsão desse dever familiar no artigo 229 da Constituição da República de 1988: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”, amparo esse material e afetivo. (...) No caso, sem qualquer esforço cognitivo complexo é possível concluir que a perda do filho pelo pau ajusta-se às hipóteses de compensação por danos morais, já que violado um direito da personalidade, gerando, para o ofensor, o dever de gratificar o ofendido. (...) Na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado. Diante disso, dadas as circunstâncias do caso concreto e pelos fundamentos esposados, considerando ainda as condições econômicas das partes, entendo que o quantum compensatório deve ser fixado em R$150.000,00. Ad argumentandum, lembra-nos o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, o dano moral possui função meramente satisfatória, que objetiva a suavização de um pesar, insuscetível de restituição ao status quo ante. Assim, nada indenizará a perda do filho pelo autor, mas a compensação monetária fixada pode suavizar essa triste lembrança decorrente do ilícito causado. Assim, a indenização de R$150.000,00 deve ser mantida, pois atende aos requisitos da reparação integral, sem ser fonte de enriquecimento indevido. É relevante salientar que, no que tange à correção monetária, a atualização do valor referente aos danos morais deve ter como ponto de partida a data em que a indenização foi fixada, conforme previsto na Súmula nº 362 do Superior Tribunal de Justiça. Quanto ao início da contagem dos juros de mora, por se tratar de uma responsabilidade civil extracontratual, aplica-se o entendimento da Súmula nº 54 do mesmo tribunal, que estabelece como marco inicial a data do evento danoso, estando correta a decisão do Juízo de primeira instância. Por fim, quanto à condenação ao pagamento de pensionamento no importe de 2/3 do salário mínimo, dos 18 até 25 anos de idade da vítima, reduzido, então, para 1/3 do salário mínimo até a data em que o de cujus completaria 72 anos de idade, como pensão mensal, melhor sorte não assiste ao apelante. Isso porque, em que pese alegação de que a dependência financeira dos pais de filho maior não é presumida, inexistindo prova concreta da contribuição financeira do de cujus em favor do apelado, registro que o c. STJ possui sólido entendimento no sentido de que “no caso de morte de filho menor, os pais terão direito a pensionamento de 2/3 do salário percebido (ou do salário mínimo, caso não exercesse trabalho remunerado) até a data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade e, a partir daí, reduzido para 1/3 do salário até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos”. (STJ; AgRg-REsp 1.325.246; Proc. 2012/0107666-4; SC; Segunda Turma; Rel. Min. Og Fernandes; DJE 14/10/2015), prevalecendo a compreensão de que, em se tratando de família de baixa renda, presume-se que o filho contribuiria para o sustento dos genitores, o que também leva à conclusão do acerto da sentença quanto a esse ponto. Confira-se recente julgado daquela Corte Superior: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA C DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO. MORTE DA VÍTIMA. PENSÃO AOS GENITORES. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO. NÃO CABIMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. BASES FÁTICAS DISTINTAS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Em relação às famílias de baixa renda, presume-se que o filho contribui para as despesas domésticas, razão pela qual, em caso de seu falecimento, é devida a pensão por morte aos genitores. [...] (STJ; AgInt-REsp 2.043.637; Proc. 2022/0391361-8; CE; Quarta Turma; Rel. Min. João Otávio de Noronha; DJE 16/11/2023) Este egrégio Tribunal de Justiça já enfrentou a matéria, tendo alcançado o mesmo entendimento: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA EM VIRTUDE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. MOTOCICLETA. CULPA CONCORRENTE RECONHECIDA. MANUTENÇÃO. PENSIONAMENTO EM FAVOR DOS GENITORES DA VÍTIMA. NECESSIDADE PRESUMIDA. POSTERIOR FALECIMENTO DO CAUSADOR DO DANO. AUSÊNCIA DE PATRIMÔNIO HERDADO. VERIFICAÇÃO EM SEDE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1 – A tese recursal acerca da culpa exclusiva da vítima não se sustenta, posto que, em que pese a demonstração de que o ‘de cujus’ estaria trafegando em baixa velocidade na rodovia, de forma aparentemente desatenta (conversando) com outros dois colegas motociclistas, a conduta imprudente do companheiro da apelante concorreu de forma clara para o fatídico acidente, pois evidenciado que Sr. Antônio Garcia Ourives tentou realizar ultrapassagem arriscada, a qual fora malsucedida, vindo a colidir com duas motocicletas na via em que seguia direção, sendo que a vítima fatal foi lançada ao para-brisa do veículo, caindo, posteriormente, sob o veículo Ford/Verona, ocorrendo o óbito a caminho do pronto atendimento. 2 – O c. STJ possui sólido entendimento no sentido de que “no caso de morte de filho menor, os pais terão direito a pensionamento de 2/3 do salário percebido (ou do salário mínimo, caso não exercesse trabalho remunerado) até a data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade e, a partir daí, reduzido para 1/3 do salário até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos”. (STJ; AgRg-REsp 1.325.246; Proc. 2012/0107666-4; SC; Segunda Turma; Rel. Min. Og Fernandes; DJE 14/10/2015), prevalecendo a compreensão no sentido de que em se tratando de família de baixa renda, presume-se que o filho contribuiria para o sustento dos genitores, não comportando qualquer retoque a sentença quanto ao ponto. 3 – Não prospera, neste momento, a alegação concernente à impossibilidade de condenação dos herdeiros do causador do dano ao pagamento da obrigação imposta, ante suposta ausência de bens herdados, porquanto tal condição deverá ser objeto de análise por ocasião do cumprimento de sentença. 4 – Recurso conhecido e desprovido. (TJES, Apelação Cível nº 0001535-59.2002.8.08.0045, Relator: FÁBIO BRASIL NERY, Órgão julgador: 4ª Câmara Cível, Data: 17/05/2024) APELAÇÕES CÍVEIS. AJG. INDEFERIMENTO SEM PRÉVIA INTIMAÇÃO. POSSIBILIDADE. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE. PENSIONAMENTO. FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. EXPECTATIVA DE VIDA DA VÍTIMA. QUANTUM FIXADO EM 2/3 DO SALÁRIO-MÍNIMO ATÉ OS 25 ANOS E 1/3 APÓS TAL IDADE. DANOS MORAIS. FILHO MORTO. IN RE IPSA. I – DO PRIMEIRO APELO: Não havendo dúvidas pelo magistrado acerca da suficiência de recursos da parte postulante, é legítimo o indeferimento do benefício da assistência judiciária gratuita sem prévia intimação. II – DO SEGUNDO APELO: Consoante a legislação civil, nos casos de homicídio é cabível prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, considerando-se a duração provável da vida da vítima. III – O pensionamento pressupõe a dependência econômica, porém, em se tratando de família de baixa renda, esta é presumida, nos termos da jurisprudência do STJ. IV – O valor do pensionamento deverá ser sobre os vencimentos da vítima ou, não havendo provas deste, o valor do salário-mínimo, em qualquer caso decotado 1/3 como sendo a quantia que esta utilizaria para sua sobrevivência. V – O quantum mensal dos alimentos será de 2/3 do salário-mínimo até a vítima completar 25 anos e, 1/3 do salário-mínimo após tal marco. VI – A morte de filho decorrente de ilícito acarreta danos morais in re ipsa, sendo razoável o arbitramento de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada genitor. VII – Recursos conhecidos, sendo improvido o do requerido e provido o dos requerentes. (TJES, Apelação Cível nº 0001344-15.2015.8.08.0059, Relator: ROBSON LUIZ ALBANEZ, Órgão julgador: 4ª Câmara Cível, Data: 10/07/2023) Outrossim, em que pese o julgado indicar 65 anos de idade como termo final para recebimento da pensão, como bem pontuou o juiz a quo, o Superior Tribunal de Justiça, no informativo nº 561, lembra que “(...) tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a regra prevista no parágrafo único não deve ser interpretada como direito absoluto da parte, podendo o magistrado avaliar, em cada caso concreto, sobre a conveniência de sua aplicação, considerando a situação econômica do devedor, o prazo de duração do pensionamento, a idade da vítima, etc. (…)”. CONCLUSÃO Ante o exposto, CONHEÇO dos recursos de apelação cível interpostos e, no tocante ao mérito, NEGO-LHES PROVIMENTO. Na forma do §11, do art. 85 do CPC/15, majoro os honorários recursais em 1% (um por cento) sobre o valor da condenação, considerando o grau de complexidade da causa e o trabalho adicional realizado nesta instância recursal, devendo-se também observar a ordem subsidiária para a cobrança. É como voto * V O T O O SR. DESEMBARGADOR CARLOS SIMÕES FONSECA:- Acompanho o voto da eminente Relatora. * V I S T A O SR. DESEMBARGADOR FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY (RELATOR):- Senhor Presidente, um dos fundamentos trazidos pela eminente e culta Desembargadora Relatora, inclusive mediante transcrição da sentença, cita que o motociclista que foi vítima, vinha pela rua Cerejeira, também conhecida por Carlos Alberto Pessoti, sentido BR 101, em linha reta. E aí o detalhe é esse, ou seja, em direção oposta do ônibus, e colidiu na parte traseira e lateral do ônibus. E na tribuna, a douta advogada cita que a moto ela vinha no mesmo sentido do ônibus. Então, diante desse quadro, que altera a dinâmica do acidente, respeitosamente vou pedir vista para cotejar melhor as provas dos autos, e ver se o motociclista veio realmente pela traseira do ônibus, que o ônibus faz uma conversão para a esquerda, ou se, diante dessa conversão para a esquerda, o motociclista vinha em sentido oposto. Respeitosamente, peço vista dos autos. * swa* DATA DA SESSÃO: 25/03/2025 V O T O (PEDIDO DE VISTA) DIVERGENTE O SR. DESEMBARGADOR FERNANDO ESTEVAM BRAVIN RUY:- Trata-se de recursos de Apelação Cível interpostos pela VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A e pelo MUNICÍPIO DE LINHARES contra a r. sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública Municipal e Estadual, Registro Público e Meio Ambiente da Comarca de Linhares, que, nos autos da ação de reparação de danos morais e materiais ajuizada por LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA em face dos apelantes, “julgou procedente a demanda, para reconhecer a responsabilidade civil primária da VIAÇÃO JOANA D’ARC S.A e condená-la a pagar: R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a título de compensação por danos morais, já atualizado monetariamente ao tempo dessa decisão e acrescidos de juros de mora desde a data do evento danoso (súmula 54 do STJ); R$ 980,00 (novecentos e oitenta reais) a título de indenização por danos materiais, atualizados desde a data do desembolso, e juros de mora desde a citação da empresa; e 2/3 do salário-mínimo, dos 18 até 25 anos de idade da vítima, reduzido, então, para 1/3 do salário-mínimo até a data em que o de cujus completaria 72 anos de idade, como pensão mensal”. Na oportunidade, o Juízo a quo reconheceu a responsabilidade civil subsidiária da ré MUNICÍPIO DE LINHARES, que ficará obrigada a cumprir essa decisão, atendida a ordem de execução. Assim, resolveu o mérito do processo, nos termos do artigo 487, I, do CPC. Em suas razões recursais (evento nº 8307382), o ente público municipal alega, em síntese, que (i) “todo o contexto do acidente foi desconsiderado pelo magistrado prolator da sentença, que se apegou única e exclusivamente a informação prestada pela testemunha Venício” (fl. 03); (ii) “estamos diante de evidente culpa exclusiva da vítima que, inclusive, assumiu a direção de veículo em que jamais foi habilitado a conduzir” (fl. 04); (iii) “em relação a demanda criminal (0016216-25.2015.8.08.0030) em que trata sobre a participação do motorista do ônibus, foi proferido acórdão mantendo a absolvição do motorista considerando a comprovada imperícia da vítima que conduzia a motocicleta” (fl. 05); (iv) “não estão presentes nenhum dos requisitos para a configuração dos supostos danos morais narrados pela apelada” (fl. 07); e que (v) “não existiu qualquer ação ou omissão do condutor do ônibus que pudesse ensejar na condenação dos requeridos (incluindo o município de forma subsidiária) pela ocorrência do evento danoso, e consequentemente, pelo dever de reparar os supostos danos” (fl. 08). Por sua vez, a empresa apelante VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A, em suas razões recursais (evento nº 8307434), aduz, em resumo, que (i) “no processo criminal de nº 0016216-25.2015.8.08.0030, fora estabelecido a culpa exclusiva da vítima” (fl. 12); (ii) “o requerente se vitimou por culpa exclusiva, com consequente ruptura do nexo de causalidade” (fl. 17); (iii) há, no mínimo, a caracterização de culpa concorrente na espécie; (iv) a condenação por danos morais deve ser reduzida; (v) “não existe em nossas jurisprudências, em especial dos Tribunais Superiores, decisões que impõem pagamento de pensão em razão de danos sofridos, que ultrapassem a idade de 65 (sessenta e cinco) anos” (fl. 26); e que (vi) “descabe eventual incidência de correção monetária, nos casos em que a condenação for determinada por meio de número de salários-mínimos, porquanto essa eventual quantidade de salários-mínimos sofre, automaticamente, a atualização de acordo com o determinado pelo Governo Federal, devendo os demais valores serem atualizados pela SELIC” (fl. 28). A eminente Desembargadora Débora Maria Ambos Corrêa da Silva proferiu voto de relatoria no sentido de negar provimento ao recursos. Sua Excelência destacou, em suma, que: […] Na hipótese dos autos, o magistrado sentenciante foi categórico em registrar (i) a ocorrência da conduta comissiva (colisão) do preposto da empresa de transporte, (ii) em consignar os pressupostos da responsabilidade civil objetiva, os quais, inclusive, não foram objetos da defesa e/ou manifestação por parte dos apelantes, bem como (iii) que os requeridos não obtiveram sucesso em comprovar o fato alegado, qual seja, de que foi a vítima quem, exclusivamente, deu causa ao acidente: […] Nota-se que, além da existência de testemunha ocular do acidente, Sr. Venício Gonçalves da Vitória, tem-se que, embora o motorista tenha sido absolvido no âmbito criminal por falta de provas, no processo civil, ficou comprovada a conduta comissiva do motorista, o dano (morte do motociclista) e o nexo de causalidade. Neste ponto, é imperioso retomar a tese do risco administrativo, segundo o qual a responsabilidade dos réus deve ser analisada sob o prisma da responsabilidade objetiva, o que significa que ao autor cabe apenas demonstrar a conduta (neste caso, comissiva), o dano e o nexo de causalidade. Já aos réus, incumbe o encargo de provar eventuais excludentes de responsabilidade, uma vez que alegam a culpa exclusiva da vítima. Nesta linha intelectiva, não há elementos probatórios suficientes que indiquem culpa exclusiva da vítima ou que justifiquem a aplicação da tese de culpa concorrente, nos termos do art. 945 do Código Civil, que só pode ser invocado quando a conduta da vítima concorre diretamente para o dano, o que não se verifica no presente caso, sobretudo diante divergência do relato do próprio motorista que prestou esclarecimentos distintos aos agentes públicos que confeccionaram o Boletim de Acidente de Trânsito e, depois, no Termo de Declaração e Diagrama que instrui o referido B.A.T Logo, não merece prosperar o argumento utilizado pelos réus de culpa exclusiva da vítima ou culpa concorrente das partes, sendo imperiosa a manutenção da sentença vergastada. Quanto ao valor dos danos morais, entendo que este foi fixado em conformidade com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em conta a gravidade das lesões sofridas e o impacto na vida dos pais da vítima [...]. Não obstante os judiciosos fundamentos lançados no voto de relatoria, peço vênia para alcançar conclusão diversa. Da análise da prova testemunhal produzida na esfera criminal, no bojo da ação penal ajuizada em desfavor do motorista do ônibus, e na instrução desta ação indenizatória, exsurgem duas versões distintas para a dinâmica do acidente que vitimou Leandro Santos Silva, filho do autor. Os depoentes Marco Antônio Cardoso, Venício Gonçalves da Vitória e Jessi Gonçalves da Vitória, no âmbito da referida ação penal, afirmaram que o motociclista conduzia na mesma mão de direção do ônibus, quando colidiu na traseira deste no momento em que o coletivo saía de um ponto de ônibus. Por outro lado, as testemunhas Eitor Marchiori e Javé Areis Neto, confirmaram, na esfera criminal, a versão narrada pelo motorista do ônibus Fábio Delarmelina, segundo a qual o coletivo, ao sair da Av. Cerejeira, de mão dupla, para convergir à esquerda na Rua Maria das Graças Bonna Marinato, foi colhido em sua lateral direita da parte traseira pelo motociclista, que conduzia na Av. Cerejeira no sentido contrário. Essa mesma narrativa foi empreendida pelo motorista do coletivo Fábio Delarmelina, tanto na ação penal quanto na instrução desta ação indenizatória, ou seja, de que a motocicleta era conduzida em sentido contrário ao ônibus na Av. Cerejeira. Tal versão é confirmada pelo Boletim de Acidente de Trânsito de fl. 21, em que consta que (i) o ônibus era conduzido na Av. Cerejeira convergindo à esquerda para a Rua Maria das Graças Bonna Marinato; (ii) a motocicleta era conduzida na Av. Cerejeira sentido Planalto X BR 101, ou seja, sentido contrário ao ônibus; e que (iii) o ônibus foi colhido em sua lateral direita na parte traseira, conforme imagens do documento abaixo colacionadas: Sentido ônibus: Sentido da motocicleta: Ponto de colisão: Essa é a dinâmica extraída a partir da aferição dos elementos de prova constantes dos autos, pois, além de contar com amparo das declarações de testemunhas nas esferas cível e criminal e da narrativa do próprio motorista arrolado como informante nestes autos, encontra respaldo na descrição minuciosa constante do B.A.T. de fl. 21. Aliás, essa mesma percepção foi registrada na r. sentença de primeiro grau, nos seguintes termos: Portanto, vejamos a dinâmica do acidente que faz sentido; 1) não houve tentativa de ultrapassagem porque o ônibus e a motocicleta estavam em sentidos opostos na via, ou seja, a vítima não estava seguindo o fluxo atrás do ônibus; 2) o ônibus convergiu repentinamente para a esquerda, na Rua Maria das Graças Bonna Marinato, à frente do motociclista; 3) o motociclista não conseguiu frear, evitou bater no meio da lateral direita do ônibus, mas acabou colidindo mais na traseira (ou na ponta traseira) da mesma lateral (direita). Quanto ao termo de declaração e diagrama de fl. 22, segundo o qual o motorista teria afirmado que convergiu para direita em vez da esquerda, trata-se de documento que não merece ser sopesado como prova, pois muito provavelmente preenchido com erro material, já que manifestamente dissociado das duas versões identificadas do acidente e também dos demais elementos produzidos no curso da instrução processual, principalmente do próprio boletim de acidente de trânsito a que se refere. Elucidadas as circunstâncias em que ocorreu o sinistro, não há solução diversa que não o reconhecimento da culpa exclusiva do motociclista pela colisão. Segundo a imagem abaixo, extraída da aplicação Google Maps, verifica-se que a Rua Maria das Graças Bonna Marinato para a qual o ônibus convergiu à esquerda é perpendicular à Av. Cerejeira (ângulo de 90º), da qual havia saído, o que torna impossível que tal manobra seja realizada em alta velocidade. A testemunha Javé Areis Neto, que encontrava-se no interior do coletivo no momento do acidente, forneceu detalhes do momento do acidente, afirmando que viu a moto se aproximando em alta velocidade em sentido contrário, colidindo com o lado direito do para-choque traseiro do ônibus. Na mesma linha, a testemunha Eitor Marchiori, que chegou ao local logo após o acidente, afirmou que o motociclista atingiu o ônibus na lateral traseira direita quando este já tinha praticamente completado a conversão à esquerda da Av. Cerejeira para a Rua Maria das Graças Bonna Marinato. Aduz a testemunha que viu exatamente o local em que o ônibus foi abalroado. Merece também atenção a ausência de relatos sobre marca de frenagem no local, o que sugere conduta imprudente empreendida pelo motociclista ao tentar um possível desvio da traseira do ônibus que já terminava a conversão a sua frente. A testemunha Javé Areis Neto afirma expressamente que não havia marcas de frenagem no asfalto. Nesse contexto, estou convencido que a motocicleta, no momento do acidente, era conduzida em alta velocidade pela Av. Cerejeira por Leandro Santos Silva, que, além de sequer tentar frear, não foi capaz de desviar da traseira do ônibus, o que significa que foi o único responsável pelo acidente que o vitimou. Ressalto que essa mesma linha de raciocínio foi desenvolvida pela eminente relatora, Desembargadora Débora Maria Ambos Corrêa da Silva, quando da análise do recurso de apelação interposto diante da sentença que absolveu o motorista do ônibus na ação criminal por ausência de prova, oportunidade em que, em sede argumentativa, assentou a ausência de cuidados e perícia do motociclista, que sequer era habilitado, conforme ementa abaixo transcrita: APELAÇÃO CRIMINAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DINÂMICA DOS FATOS. BOLETIM DE ACIDENTE E PROVAS TESTEMUNHAIS. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CULPA. VÍTIMA NÃO HABILITADA. REFORÇO NA COMPREENSÃO DO DESCONHECIMENTO DA DINÂMICA DO TRÂNSITO. RECURSO DESPROVIDO. A dinâmica do acidente deduzida do acervo probatório aliada ao fato de a vítima nunca ter sido habilitada indicam uma ausência de cuidados e de perícia desta e não do recorrido. Recurso desprovido. (TJES, Classe: Apelação Criminal, 030150151790, Relator: WILLIAN SILVA - Relator Substituto: DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 09/03/2022, Data da Publicação no Diário: 21/03/2022) No bojo do voto condutor do referido acórdão, a nobre relatora consignou que “pela descrição realizada pelo Boletim de Acidente e pela dinâmica confirmada por todos os depoentes, exsurge que a imperícia não foi do motorista profissional, mas da vítima”. Nesse contexto, em sentido diverso daquele trilhado pelo voto de relatoria, não identifico nenhuma conduta praticada pelo motorista do ônibus que tenha sequer contribuído para o acidente que resultou no óbito de Leandro Santos Silva, que, diante de sua condução imprudente, foi o exclusivo responsável pelo sinistro. Rompido o nexo de causalidade entre a conduta do motorista de ônibus e os danos decorrentes do acidente pelo reconhecimento da culpa exclusiva da vítima, merece reforma a r. sentença de primeiro grau a fim de que sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais. Pelo exposto, rogando a vênia a culta relatora, INAUGURO divergência para CONHECER dos recursos de apelação e, no mérito, DOU-LHES PROVIMENTO para reformar integralmente a r. sentença de primeiro grau, no sentido de JULGAR IMPROCEDENTES os pedidos autorais. Inverto os ônus sucumbenciais para condenar o autor ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, ressalvada a suspensão da exigibilidade das referidas verbas em razão do sucumbente litigar sob o pálio da assistência judiciária gratuita. É, respeitosamente, como voto. * O SR. DESEMBARGADOR CARLOS SIMÕES FONSECA (PRESIDENTE):- Diante da divergência, consulto a eminente Relatora, se mantém o seu voto? * A SRª. DESEMBARGADORA DÉBORA MARIA AMBOS CORRÊA DA SILVA:- Mantenho. * REFORMULAÇÃO DE VOTO O SR. DESEMBARGADOR CARLOS SIMÕES FONSECA:- Peço todas as vênias a Vossa Excelência, mas vou reformular o meu voto. Até porque, embora as Jurisdições Cível e Criminal sejam independentes, mas a verificação de culpa também, ela tem uma conotação diferente no campo Criminal e no campo Cível, mas a prova que foi produzida, ela é praticamente a mesma. E houve uma conclusão anterior, de que inclusive no Criminal, Vossa Excelência foi até a Relatora, no mesmo raciocínio de hoje, desenvolvido pelo voto divergente. Então, nessas condições, havia acompanho Vossa Excelência, mas vou pedir todas as vênias, respeitosamente, vou divergir, vou reformular o meu voto, para acompanhar a divergência agora inaugurada pelo eminente Desembargador Fernando Bravin, nos termos do seu voto. * O SR. DESEMBARGADOR CARLOS SIMÕES FONSECA (PRESIDENTE):- Na sequência, consulto o Desembargador Sérgio Ricardo de Souza. * V I S T A O SR. DESEMBARGADOR SÉRGIO RICARDO DE SOUZA: - Respeitosamente, peço vista dos autos, senhor Presidente. * O SR. DESEMBARGADOR CARLOS SIMÕES FONSECA (PRESIDENTE):- Fica convocado o Desembargador Jorge Henrique para compor o quórum de julgamento. * swa* CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO: 08/04/2025 V O T O (PEDIDO DE VISTA) O SR. DESEMBARGADOR SÉRGIO RICARDO DE SOUZA:- Trata-se de Apelação Cível interposta por VIAÇÃO JOANA D’ARC S/A e pelo MUNICÍPIO DE LINHARES contra sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública Municipal e Estadual de Linhares/ES, que julgou procedentes os pedidos deduzidos na Ação de Reparação de Danos Morais e Materiais ajuizada por LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA, em razão do falecimento de seu filho em acidente de trânsito envolvendo ônibus da empresa concessionária. A sentença reconheceu a responsabilidade civil objetiva e primária da empresa VIAÇÃO JOANA D’ARC S/A, com fixação de indenização por danos morais no montante de R$ 150.000,00, danos materiais de R$ 980,00 e pensionamento mensal correspondente a 2/3 do salário mínimo dos 18 aos 25 anos, e 1/3 até os 72 anos do falecido. Reconheceu, ainda, a responsabilidade civil subsidiária do MUNICÍPIO DE LINHARES. Os apelantes sustentam a inexistência de responsabilidade civil, sob o argumento de culpa exclusiva da vítima, que conduzia a motocicleta sem habilitação, em alta velocidade, e de forma imprudente. Subsidiariamente, pleiteiam o reconhecimento de culpa concorrente. A Relatora, Des.ª Débora Maria Ambos Corrêa da Silva, votou pelo desprovimento dos recursos, mantendo integralmente a sentença, sob o fundamento de que os elementos dos autos demonstram a ocorrência de conduta comissiva do preposto da empresa, o dano e o nexo de causalidade, não se tendo comprovado a alegada culpa exclusiva da vítima. O Desembargador Fernando Bravin Ruy divergiu, inaugurando voto no sentido de dar provimento aos recursos, reconhecendo a culpa exclusiva da vítima e afastando a responsabilidade civil da empresa concessionária e do Município, com fundamento na ruptura do nexo causal diante da conduta imprudente do motociclista, desprovido de habilitação e que trafegava em velocidade incompatível, o qual foi acompanhado pelo Desembargador Carlos Simões Fonseca. Pedi vista dos autos, a fim de melhor examinar os fundamentos apresentados, especialmente da tese recursal de excludente de responsabilidade civil do Estado por culpa exclusiva da vítima. Após detida análise do conjunto probatório, pedindo máxima vênia à relatora, divirjo da sua conclusão por entender, como pontuado pelo eminente Des. Fernando Bravin, que a responsabilidade pelo evento danoso não pode ser imputada à concessionária nem ao Município, diante da presença de excludente de responsabilidade plenamente configurada: a culpa exclusiva da vítima. Embora a responsabilidade civil do Estado e de seus delegatários por prestação de serviço público seja objetiva (as pessoas jurídicas de direito público e privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos causados a terceiros por seus agentes, independentemente de culpa), nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, há hipótese de rompimento do nexo causal quando restar demonstrado que a vítima deu causa exclusiva ao evento danoso. É precisamente o que se verifica no caso concreto. A culpa exclusiva da vítima é caracterizada quando o dano decorre unicamente da conduta da própria vítima, sem qualquer contribuição do Estado ou de seus agentes. Essa excludente rompe o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano, afastando o dever de indenizar. A jurisprudência tem reconhecido essa excludente em diversos casos de acidente de trânsito, como no julgamento recente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: EMENTA: APELAÇAO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - INDENIZAÇÃO DANO MORAL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO - CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE - COMPROVAÇÃO - PEDIDO IMPROCEDENTE - SENTENÇA MANTIDA. A Constituição Federal estabeleceu para todas as atividades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiro por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão (art. 37). Para a caracterização da responsabilidade civil do Estado é necessária a presença de três elementos essenciais, quais sejam: a existência do dano material ou moral; a ação ou omissão imputável ao Estado; e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta estatal . Além disso, não pode estar presente nenhuma causa excludente da responsabilidade estatal. Não há como imputar ao ente municipal a responsabilidade pelos danos sofridos em razão do acidente de trânsito, porquanto está presente uma causa excludente da responsabilidade civil objetiva consubstanciada na culpa exclusiva de terceiro. Ausentes os requisitos necessários à atribuição da responsabilidade civil ao ente municipal, imperiosa a manutenção da sentença que julgou improcedente o pedido inicial. Recurso não provido (TJ-MG - Apelação Cível: 50074467920238130145 1 .0000.24.167072-8/001, Relator.: Des.(a) Fábio Torres de Sousa, Data de Julgamento: 25/07/2024, 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/07/2024). Do contexto fático delineado nos autos, extraem-se dados objetivos e testemunhos majoritários quanto à dinâmica do acidente: a motocicleta pilotada pelo filho do autor, sem habilitação legal para conduzir o veículo, rodava em alta velocidade e colidiu na lateral traseira direita do ônibus (Boletim de Acidente de Trânsito de fls. 124), após o coletivo retomar sua trajetória e quase completar uma conversão à esquerda, em velocidade compatível com a via, depois de sair da parada regulamentar para embarque e desembarque de passageiros. Da análise dos autos, não se tratou de conversão irregular do motorista, mas sim de manobra de reintegração ao fluxo, em plena conformidade com a sinalização e com as obrigações do condutor profissional, o qual foi surpreendido pela colisão da motocicleta na traseira direita do ônibus. No que se refere à dinâmica do acidente, a prova testemunhal colhida revela-se particularmente elucidativa e converge no sentido de excluir a responsabilidade do coletivo envolvido. A testemunha Javé Areis Neto, que se encontrava no interior do ônibus no exato momento do sinistro, ocupando posição privilegiada de observação, foi categórica ao afirmar que avistou a motocicleta aproximando-se em alta velocidade, no sentido contrário, vindo a colidir com o lado direito do para-choque traseiro do veículo de transporte coletivo. Em consonância, a testemunha Eitor Marchiori, que chegou ao local instantes após o acidente, confirmou que o impacto se deu na lateral traseira direita do ônibus, precisamente quando este já havia praticamente concluído a conversão à esquerda, saindo da Avenida Cerejeira em direção à Rua Maria das Graças Bonna Marinato. Segundo afirmou, pôde ver nitidamente o ponto de abalroamento, corroborando a narrativa de que o coletivo já se encontrava devidamente posicionado na via, sendo surpreendido pela colisão do motociclista. Assim, como também salientado pelo nobre Des. Fernando Bravin, o ônibus encontrava-se em velocidade reduzida, como ordinariamente ocorre após parada em ponto de embarque, e não há nos autos nenhum indicativo de que seu condutor tenha procedido a manobra brusca, imprudente ou em desacordo com as normas de trânsito. Ao contrário, as evidências convergem para a atuação correta do motorista, que, inclusive, foi absolvido criminalmente por ausência de provas de autoria delitiva pelo fato imputado. Embora o julgamento penal não vincule o juízo cível, seu conteúdo, aliado à prova oral colhida — inclusive com testemunha ocular que confirmou a colisão na traseira do ônibus e a alta velocidade da motocicleta —, reforça-se a tese da ausência de nexo causal entre eventual falha da concessionária e o resultado danoso. Em tal cenário, a culpa exclusiva da vítima rompe o nexo de causalidade e exclui a responsabilidade do agente, ainda que se trate de responsabilidade objetiva. E tal assertiva se confirma no caso sob exame: não há como atribuir à empresa concessionária ou ao Município responsabilidade por um sinistro cuja gênese encontra-se exclusivamente na conduta imprudente da vítima. Destaca-se, complementarmente, que a ausência de habilitação não é circunstância irrelevante como quer fazer crer a r. sentença. Embora, isoladamente, não configure agravamento automático do risco, deve ser considerada em conjunto com a condução imprudente da vítima, notadamente quando há demonstração de que o sinistro foi causado por conduta imprudente do condutor da motocicleta. Também não se pode cogitar de culpa concorrente, por ausência de qualquer falha imputável ao preposto da empresa ou à fiscalização municipal. A aplicação do art. 945 do Código Civil pressupõe concausa eficiente e relevante atribuível ao agente, o que não se verifica nos autos. Quanto ao pensionamento e à indenização por danos morais, entendo que, diante da exclusão da responsabilidade dos apelantes, tais pedidos devem ser julgados improcedentes, não sendo possível transferir à coletividade o ônus por um trágico evento causado pela imprudência da própria vítima. Diante do exposto, e com a devida vênia à ilustre Relatora, acompanho a divergência inaugurada pelo Desembargador Fernando Estevam Bravin Ruy e dou provimento aos recursos de apelação interpostos por VIAÇÃO JOANA D’ARC S/A e pelo MUNICÍPIO DE LINHARES, para julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. * O SR. DESEMBARGADOR CARLOS SIMÕES FONSECA (PRESIDENTE):- Os autos irão com vista ao Desembargador Jorge Henrique Valle dos Santos. * lsl* DATA DA SESSÃO: 06/05/2025 V O T O O SR. DESEMBARGADOR JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS:- Trata-se de remessa necessária e apelações interpostas em face de sentença proferida em ação de reparação por danos morais e materiais, cujo decisum julgou procedente a pretensão exordial de LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA para reconhecer a responsabilidade civil primária da VIAÇÃO JOANA D’ARC S.A e condená-la a pagar R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a título de danos morais, R$ 980,00 (novecentos e oitenta reais) a título de danos materiais e 2/3 do salário-mínimo, dos 18 até 25 anos de idade da vítima, reduzido para 1/3 do salário-mínimo até a data em que o de cujus completaria 72 anos de idade, como pensão mensal; bem como a responsabilidade civil subsidiária do MUNICÍPIO DE LINHARES, que restou obrigado a cumprir a decisão, atendida a ordem de execução. Após o voto da eminente Desª Débora Maria Ambos Corrêa da Silva pelo desprovimento dos recursos, fora inaugurada divergência pelo ínclito Des. Fernando Estevam Bravin Ruy para dar provimento aos apelos e julgar improcedentes os pedidos autorais, ocasião na qual o Des. Carlos Simões Fonseca reformulou seu voto para acompanhá-lo, sendo prosseguido pelo Des. Sérgio Ricardo de Souza que também acompanhou a divergência. Nesta oportunidade, adianto que comungo da compreensão externada pelo voto divergente, eis que a análise acuidada do feito me convence de que a dinâmica do acidente, de fato, não favorece a imputação da responsabilidade pelo evento danoso à concessionária ou mesmo à municipalidade em razão da culpa exclusiva da vítima configurada. Digo isto porque, a meu ver, o cenário probatório como apresentado não se mostra suficiente a ilidir a dinâmica tal como consignada de forma elucidativa pelo eminente Des. Sérgio Ricardo de Souza no sentido de que “a motocicleta pilotada pelo filho do autor, sem habilitação legal para conduzir o veículo, rodava em alta velocidade e colidiu na lateral traseira direita do ônibus, após o coletivo retomar sua trajetória e quase completar uma conversão à esquerda, em velocidade compatível com a via, depois de sair da parada regulamentar para embarque e desembarque de passageiros”, panorama este corroborado pelo próprio boletim de ocorrência colacionado. Diante de tal cenário, acompanho integralmente o voto divergente inaugurado pelo Des. Fernando Estevam Bravin Ruy. É como voto. DES. JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS * ________________________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTO VENCEDOR VOTO DE VISTA DIVERGENTE Trata-se de recursos de Apelação Cível interpostos pela VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A e pelo MUNICÍPIO DE LINHARES contra a r. sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública Municipal e Estadual, Registro Público e Meio Ambiente da Comarca de Linhares, que, nos autos da ação de reparação de danos morais e materiais ajuizada por LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA em face dos apelantes, “julgou procedente a demanda, para reconhecer a responsabilidade civil primária da VIAÇÃO JOANA D’ARC S.A e condená-la a pagar: R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a título de compensação por danos morais, já atualizado monetariamente ao tempo dessa decisão e acrescidos de juros de mora desde a data do evento danoso (súmula 54 do STJ); R$ 980,00 (novecentos e oitenta reais) a título de indenização por danos materiais, atualizados desde a data do desembolso, e juros de mora desde a citação da empresa; e 2/3 do salário-mínimo, dos 18 até 25 anos de idade da vítima, reduzido, então, para 1/3 do salário-mínimo até a data em que o de cujus completaria 72 anos de idade, como pensão mensal”. Na oportunidade, o Juízo a quo reconheceu a responsabilidade civil subsidiária da ré MUNICÍPIO DE LINHARES, que ficará obrigada a cumprir essa decisão, atendida a ordem de execução. Assim, resolveu o mérito do processo, nos termos do artigo 487, I, do CPC. Em suas razões recursais (evento nº 8307382), o ente público municipal alega, em síntese, que (i) “todo o contexto do acidente foi desconsiderado pelo magistrado prolator da sentença, que se apegou única e exclusivamente a informação prestada pela testemunha Venício” (fl. 03); (ii) “estamos diante de evidente culpa exclusiva da vítima que, inclusive, assumiu a direção de veículo em que jamais foi habilitado a conduzir” (fl. 04); (iii) “em relação a demanda criminal (0016216-25.2015.8.08.0030) em que trata sobre a participação do motorista do ônibus, foi proferido acórdão mantendo a absolvição do motorista considerando a comprovada imperícia da vítima que conduzia a motocicleta” (fl. 05); (iv) “não estão presentes nenhum dos requisitos para a configuração dos supostos danos morais narrados pela apelada” (fl. 07); e que (v) “não existiu qualquer ação ou omissão do condutor do ônibus que pudesse ensejar na condenação dos requeridos (incluindo o município de forma subsidiária) pela ocorrência do evento danoso, e consequentemente, pelo dever de reparar os supostos danos” (fl. 08). Por sua vez, a empresa apelante VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A, em suas razões recursais (evento nº 8307434), aduz, em resumo, que (i) “no processo criminal de nº 0016216-25.2015.8.08.0030, fora estabelecido a culpa exclusiva da vítima” (fl. 12); (ii) “o requerente se vitimou por culpa exclusiva, com consequente ruptura do nexo de causalidade” (fl. 17); (iii) há, no mínimo, a caracterização de culpa concorrente na espécie; (iv) a condenação por danos morais deve ser reduzida; (v) “não existe em nossas jurisprudências, em especial dos Tribunais Superiores, decisões que impõem pagamento de pensão em razão de danos sofridos, que ultrapassem a idade de 65 (sessenta e cinco) anos” (fl. 26); e que (vi) “descabe eventual incidência de correção monetária, nos casos em que a condenação for determinada por meio de número de salários-mínimos, porquanto essa eventual quantidade de salários-mínimos sofre, automaticamente, a atualização de acordo com o determinado pelo Governo Federal, devendo os demais valores serem atualizados pela SELIC” (fl. 28). A eminente Desembargadora Débora Maria Ambos Corrêa da Silva proferiu voto de relatoria no sentido de negar provimento ao recursos. Sua Excelência destacou, em suma, que: […] Na hipótese dos autos, o magistrado sentenciante foi categórico em registrar (i) a ocorrência da conduta comissiva (colisão) do preposto da empresa de transporte, (ii) em consignar os pressupostos da responsabilidade civil objetiva, os quais, inclusive, não foram objetos da defesa e/ou manifestação por parte dos apelantes, bem como (iii) que os requeridos não obtiveram sucesso em comprovar o fato alegado, qual seja, de que foi a vítima quem, exclusivamente, deu causa ao acidente: […] Nota-se que, além da existência de testemunha ocular do acidente, Sr. Venício Gonçalves da Vitória, tem-se que, embora o motorista tenha sido absolvido no âmbito criminal por falta de provas, no processo civil, ficou comprovada a conduta comissiva do motorista, o dano (morte do motociclista) e o nexo de causalidade. Neste ponto, é imperioso retomar a tese do risco administrativo, segundo o qual a responsabilidade dos réus deve ser analisada sob o prisma da responsabilidade objetiva, o que significa que ao autor cabe apenas demonstrar a conduta (neste caso, comissiva), o dano e o nexo de causalidade. Já aos réus, incumbe o encargo de provar eventuais excludentes de responsabilidade, uma vez que alegam a culpa exclusiva da vítima. Nesta linha intelectiva, não há elementos probatórios suficientes que indiquem culpa exclusiva da vítima ou que justifiquem a aplicação da tese de culpa concorrente, nos termos do art. 945 do Código Civil, que só pode ser invocado quando a conduta da vítima concorre diretamente para o dano, o que não se verifica no presente caso, sobretudo diante divergência do relato do próprio motorista que prestou esclarecimentos distintos aos agentes públicos que confeccionaram o Boletim de Acidente de Trânsito e, depois, no Termo de Declaração e Diagrama que instrui o referido B.A.T Logo, não merece prosperar o argumento utilizado pelos réus de culpa exclusiva da vítima ou culpa concorrente das partes, sendo imperiosa a manutenção da sentença vergastada. Quanto ao valor dos danos morais, entendo que este foi fixado em conformidade com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em conta a gravidade das lesões sofridas e o impacto na vida dos pais da vítima [...]. Não obstante os judiciosos fundamentos lançados no voto de relatoria, peço vênia para alcançar conclusão diversa. Da análise da prova testemunhal produzida na esfera criminal, no bojo da ação penal ajuizada em desfavor do motorista do ônibus, e na instrução desta ação indenizatória, exsurgem duas versões distintas para a dinâmica do acidente que vitimou Leandro Santos Silva, filho do autor. Os depoentes Marco Antônio Cardoso, Venício Gonçalves da Vitória e Jessi Gonçalves da Vitória, no âmbito da referida ação penal, afirmaram que o motociclista conduzia na mesma mão de direção do ônibus, quando colidiu na traseira deste no momento em que o coletivo saía de um ponto de ônibus. Por outro lado, as testemunhas Eitor Marchiori e Javé Areis Neto, confirmaram, na esfera criminal, a versão narrada pelo motorista do ônibus Fábio Delarmelina, segundo a qual o coletivo, ao sair da Av. Cerejeira, de mão dupla, para convergir à esquerda na Rua Maria das Graças Bonna Marinato, foi colhido em sua lateral direita da parte traseira pelo motociclista, que conduzia na Av. Cerejeira no sentido contrário. Essa mesma narrativa foi empreendida pelo motorista do coletivo Fábio Delarmelina, tanto na ação penal quanto na instrução desta ação indenizatória, ou seja, de que a motocicleta era conduzida em sentido contrário ao ônibus na Av. Cerejeira. Tal versão é confirmada pelo Boletim de Acidente de Trânsito de fl. 21, em que consta que (i) o ônibus era conduzido na Av. Cerejeira convergindo à esquerda para a Rua Maria das Graças Bonna Marinato; (ii) a motocicleta era conduzida na Av. Cerejeira sentido Planalto X BR 101, ou seja, sentido contrário ao ônibus; e que (iii) o ônibus foi colhido em sua lateral direita na parte traseira, conforme imagens do documento abaixo colacionadas: Sentido do ônibus: Sentido da motocicleta: Ponto de colisão: Essa é a dinâmica extraída a partir da aferição dos elementos de prova constantes dos autos, pois, além de contar com amparo das declarações de testemunhas nas esferas cível e criminal e da narrativa do próprio motorista arrolado como informante nestes autos, encontra respaldo na descrição minuciosa constante do B.A.T. de fl. 21. Aliás, essa mesma percepção foi registrada na r. sentença de primeiro grau, nos seguintes termos: Portanto, vejamos a dinâmica do acidente que faz sentido; 1) não houve tentativa de ultrapassagem porque o ônibus e a motocicleta estavam em sentidos opostos na via, ou seja, a vítima não estava seguindo o fluxo atrás do ônibus; 2) o ônibus convergiu repentinamente para a esquerda, na Rua Maria das Graças Bonna Marinato, à frente do motociclista; 3) o motociclista não conseguiu frear, evitou bater no meio da lateral direita do ônibus, mas acabou colidindo mais na traseira (ou na ponta traseira) da mesma lateral (direita). Quanto ao termo de declaração e diagrama de fl. 22, segundo o qual o motorista teria afirmado que convergiu para direita em vez da esquerda, trata-se de documento que não merece ser sopesado como prova, pois muito provavelmente preenchido com erro material, já que manifestamente dissociado das duas versões identificadas do acidente e também dos demais elementos produzidos no curso da instrução processual, principalmente do próprio boletim de acidente de trânsito a que se refere. Elucidadas as circunstâncias em que ocorreu o sinistro, não há solução diversa que não o reconhecimento da culpa exclusiva do motociclista pela colisão. Segundo a imagem abaixo, extraída da aplicação Google Maps, verifica-se que a Rua Maria das Graças Bonna Marinato para a qual o ônibus convergiu à esquerda é perpendicular à Av. Cerejeira (ângulo de 90º), da qual havia saído, o que torna impossível que tal manobra seja realizada em alta velocidade. A testemunha Javé Areis Neto, que encontrava-se no interior do coletivo no momento do acidente, forneceu detalhes do momento do acidente, afirmando que viu a moto se aproximando em alta velocidade em sentido contrário, colidindo com o lado direito do para-choque traseiro do ônibus. Na mesma linha, a testemunha Eitor Marchiori, que chegou ao local logo após o acidente, afirmou que o motociclista atingiu o ônibus na lateral traseira direita quando este já tinha praticamente completado a conversão à esquerda da Av. Cerejeira para a Rua Maria das Graças Bonna Marinato. Aduz a testemunha que viu exatamente o local em que o ônibus foi abalroado. Merece também atenção a ausência de relatos sobre marca de frenagem no local, o que sugere conduta imprudente empreendida pelo motociclista ao tentar um possível desvio da traseira do ônibus que já terminava a conversão a sua frente. A testemunha Javé Areis Neto afirma expressamente que não havia marcas de frenagem no asfalto. Nesse contexto, estou convencido que a motocicleta, no momento do acidente, era conduzida em alta velocidade pela Av. Cerejeira por Leandro Santos Silva, que, além de sequer tentar frear, não foi capaz de desviar da traseira do ônibus, o que significa que foi o único responsável pelo acidente que o vitimou. Ressalto que essa mesma linha de raciocínio foi desenvolvida pela eminente relatora, Desembargadora Débora Maria Ambos Corrêa da Silva, quando da análise do recurso de apelação interposto diante da sentença que absolveu o motorista do ônibus na ação criminal por ausência de prova, oportunidade em que, em sede argumentativa, assentou a ausência de cuidados e perícia do motociclista, que sequer era habilitado, conforme ementa abaixo transcrita: APELAÇÃO CRIMINAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. DINÂMICA DOS FATOS. BOLETIM DE ACIDENTE E PROVAS TESTEMUNHAIS. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CULPA. VÍTIMA NÃO HABILITADA. REFORÇO NA COMPREENSÃO DO DESCONHECIMENTO DA DINÂMICA DO TRÂNSITO. RECURSO DESPROVIDO. A dinâmica do acidente deduzida do acervo probatório aliada ao fato de a vítima nunca ter sido habilitada indicam uma ausência de cuidados e de perícia desta e não do recorrido. Recurso desprovido. (TJES, Classe: Apelação Criminal, 030150151790, Relator: WILLIAN SILVA - Relator Substituto: DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 09/03/2022, Data da Publicação no Diário: 21/03/2022) No bojo do voto condutor do referido acórdão, a nobre relatora consignou que “pela descrição realizada pelo Boletim de Acidente e pela dinâmica confirmada por todos os depoentes, exsurge que a imperícia não foi do motorista profissional, mas da vítima”. Nesse contexto, em sentido diverso daquele trilhado pelo voto de relatoria, não identifico nenhuma conduta praticada pelo motorista do ônibus que tenha sequer contribuído para o acidente que resultou no óbito de Leandro Santos Silva, que, diante de sua condução imprudente, foi o exclusivo responsável pelo sinistro. Rompido o nexo de causalidade entre a conduta do motorista de ônibus e os danos decorrentes do acidente pelo reconhecimento da culpa exclusiva da vítima, merece reforma a r. sentença de primeiro grau a fim de que sejam julgados improcedentes os pedidos iniciais. Pelo exposto, rogando a vênia a culta relatora, INAUGURO divergência para CONHECER dos recursos de apelação e, no mérito, DOU-LHES PROVIMENTO para reformar integralmente a r. sentença de primeiro grau, no sentido de JULGAR IMPROCEDENTES os pedidos autorais. Inverto os ônus sucumbenciais para condenar o autor ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, ressalvada a suspensão da exigibilidade das referidas verbas em razão do sucumbente litigar sob o pálio da assistência judiciária gratuita. É, respeitosamente, como voto. _________________________________________________________________________________________________________________________________ VOTOS ESCRITOS (EXCETO VOTO VENCEDOR) DESEMBARGADOR SÉRGIO RICARDO DE SOUZA Vogal VOTO (Acompanhar a divergência) Trata-se de Apelação Cível interposta por VIAÇÃO JOANA D’ARC S/A e pelo MUNICÍPIO DE LINHARES contra sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública Municipal e Estadual de Linhares/ES, que julgou procedentes os pedidos deduzidos na Ação de Reparação de Danos Morais e Materiais ajuizada por LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA, em razão do falecimento de seu filho em acidente de trânsito envolvendo ônibus da empresa concessionária. A sentença reconheceu a responsabilidade civil objetiva e primária da empresa VIAÇÃO JOANA D’ARC S/A, com fixação de indenização por danos morais no montante de R$ 150.000,00, danos materiais de R$ 980,00 e pensionamento mensal correspondente a 2/3 do salário mínimo dos 18 aos 25 anos, e 1/3 até os 72 anos do falecido. Reconheceu, ainda, a responsabilidade civil subsidiária do MUNICÍPIO DE LINHARES. Os apelantes sustentam a inexistência de responsabilidade civil, sob o argumento de culpa exclusiva da vítima, que conduzia a motocicleta sem habilitação, em alta velocidade, e de forma imprudente. Subsidiariamente, pleiteiam o reconhecimento de culpa concorrente. A Relatora, Des.ª Débora Maria Ambos Corrêa da Silva, votou pelo desprovimento dos recursos, mantendo integralmente a sentença, sob o fundamento de que os elementos dos autos demonstram a ocorrência de conduta comissiva do preposto da empresa, o dano e o nexo de causalidade, não se tendo comprovado a alegada culpa exclusiva da vítima. O Desembargador Fernando Bravin Ruy divergiu, inaugurando voto no sentido de dar provimento aos recursos, reconhecendo a culpa exclusiva da vítima e afastando a responsabilidade civil da empresa concessionária e do Município, com fundamento na ruptura do nexo causal diante da conduta imprudente do motociclista, desprovido de habilitação e que trafegava em velocidade incompatível, o qual foi acompanhado pelo Desembargador Carlos Simões Fonseca. Pedi vista dos autos, a fim de melhor examinar os fundamentos apresentados, especialmente da tese recursal de excludente de responsabilidade civil do Estado por culpa exclusiva da vítima. Após detida análise do conjunto probatório, pedindo máxima vênia à relatora, divirjo da sua conclusão por entender, como pontuado pelo eminente Des. Fernando Bravin, que a responsabilidade pelo evento danoso não pode ser imputada à concessionária nem ao Município, diante da presença de excludente de responsabilidade plenamente configurada: a culpa exclusiva da vítima. Embora a responsabilidade civil do Estado e de seus delegatários por prestação de serviço público seja objetiva (as pessoas jurídicas de direito público e privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos causados a terceiros por seus agentes, independentemente de culpa), nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição, há hipótese de rompimento do nexo causal quando restar demonstrado que a vítima deu causa exclusiva ao evento danoso. É precisamente o que se verifica no caso concreto. A culpa exclusiva da vítima é caracterizada quando o dano decorre unicamente da conduta da própria vítima, sem qualquer contribuição do Estado ou de seus agentes. Essa excludente rompe o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano, afastando o dever de indenizar. A jurisprudência tem reconhecido essa excludente em diversos casos de acidente de trânsito, como no julgamento recente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: EMENTA: APELAÇAO CÍVEL - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - INDENIZAÇÃO DANO MORAL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO - CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE - COMPROVAÇÃO - PEDIDO IMPROCEDENTE - SENTENÇA MANTIDA. A Constituição Federal estabeleceu para todas as atividades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiro por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão (art. 37). Para a caracterização da responsabilidade civil do Estado é necessária a presença de três elementos essenciais, quais sejam: a existência do dano material ou moral; a ação ou omissão imputável ao Estado; e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta estatal . Além disso, não pode estar presente nenhuma causa excludente da responsabilidade estatal. Não há como imputar ao ente municipal a responsabilidade pelos danos sofridos em razão do acidente de trânsito, porquanto está presente uma causa excludente da responsabilidade civil objetiva consubstanciada na culpa exclusiva de terceiro. Ausentes os requisitos necessários à atribuição da responsabilidade civil ao ente municipal, imperiosa a manutenção da sentença que julgou improcedente o pedido inicial. Recurso não provido (TJ-MG - Apelação Cível: 50074467920238130145 1 .0000.24.167072-8/001, Relator.: Des.(a) Fábio Torres de Sousa, Data de Julgamento: 25/07/2024, 5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/07/2024). Do contexto fático delineado nos autos, extraem-se dados objetivos e testemunhos majoritários quanto à dinâmica do acidente: a motocicleta pilotada pelo filho do autor, sem habilitação legal para conduzir o veículo, rodava em alta velocidade e colidiu na lateral traseira direita do ônibus (Boletim de Acidente de Trânsito de fls. 124), após o coletivo retomar sua trajetória e quase completar uma conversão à esquerda, em velocidade compatível com a via, depois de sair da parada regulamentar para embarque e desembarque de passageiros. Da análise dos autos, não se tratou de conversão irregular do motorista, mas sim de manobra de reintegração ao fluxo, em plena conformidade com a sinalização e com as obrigações do condutor profissional, o qual foi surpreendido pela colisão da motocicleta na traseira direita do ônibus. No que se refere à dinâmica do acidente, a prova testemunhal colhida revela-se particularmente elucidativa e converge no sentido de excluir a responsabilidade do coletivo envolvido. A testemunha Javé Areis Neto, que se encontrava no interior do ônibus no exato momento do sinistro, ocupando posição privilegiada de observação, foi categórica ao afirmar que avistou a motocicleta aproximando-se em alta velocidade, no sentido contrário, vindo a colidir com o lado direito do para-choque traseiro do veículo de transporte coletivo. Em consonância, a testemunha Eitor Marchiori, que chegou ao local instantes após o acidente, confirmou que o impacto se deu na lateral traseira direita do ônibus, precisamente quando este já havia praticamente concluído a conversão à esquerda, saindo da Avenida Cerejeira em direção à Rua Maria das Graças Bonna Marinato. Segundo afirmou, pôde ver nitidamente o ponto de abalroamento, corroborando a narrativa de que o coletivo já se encontrava devidamente posicionado na via, sendo surpreendido pela colisão do motociclista. Assim, como também salientado pelo nobre Des. Fernando Bravin, o ônibus encontrava-se em velocidade reduzida, como ordinariamente ocorre após parada em ponto de embarque, e não há nos autos nenhum indicativo de que seu condutor tenha procedido a manobra brusca, imprudente ou em desacordo com as normas de trânsito. Ao contrário, as evidências convergem para a atuação correta do motorista, que, inclusive, foi absolvido criminalmente por ausência de provas de autoria delitiva pelo fato imputado. Embora o julgamento penal não vincule o juízo cível, seu conteúdo, aliado à prova oral colhida — inclusive com testemunha ocular que confirmou a colisão na traseira do ônibus e a alta velocidade da motocicleta —, reforça-se a tese da ausência de nexo causal entre eventual falha da concessionária e o resultado danoso. Em tal cenário, a culpa exclusiva da vítima rompe o nexo de causalidade e exclui a responsabilidade do agente, ainda que se trate de responsabilidade objetiva. E tal assertiva se confirma no caso sob exame: não há como atribuir à empresa concessionária ou ao Município responsabilidade por um sinistro cuja gênese encontra-se exclusivamente na conduta imprudente da vítima. Destaca-se, complementarmente, que a ausência de habilitação não é circunstância irrelevante como quer fazer crer a r. sentença. Embora, isoladamente, não configure agravamento automático do risco, deve ser considerada em conjunto com a condução imprudente da vítima, notadamente quando há demonstração de que o sinistro foi causado por conduta imprudente do condutor da motocicleta. Também não se pode cogitar de culpa concorrente, por ausência de qualquer falha imputável ao preposto da empresa ou à fiscalização municipal. A aplicação do art. 945 do Código Civil pressupõe concausa eficiente e relevante atribuível ao agente, o que não se verifica nos autos. Quanto ao pensionamento e à indenização por danos morais, entendo que, diante da exclusão da responsabilidade dos apelantes, tais pedidos devem ser julgados improcedentes, não sendo possível transferir à coletividade o ônus por um trágico evento causado pela imprudência da própria vítima. Diante do exposto, e com a devida vênia à ilustre Relatora, acompanho a divergência inaugurada pelo Desembargador Fernando Estevam Bravin Ruy e dou provimento aos recursos de apelação interpostos por VIAÇÃO JOANA D’ARC S/A e pelo MUNICÍPIO DE LINHARES, para julgar improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. É como voto. Acompanho o voto de relatoria. APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA Nº 0009362-49.2014.8.08.0030 APELANTES: LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA, VIACAO JOANA D'ARC S/A E MUNICIPIO DE LINHARES APELADOS: VIACAO JOANA D'ARC S/A, MUNICIPIO DE LINHARES E LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA RELATORA: DESª. DEBORA MARIA AMBOS CORREA DA SILVA VOTO Trata-se de remessa necessária e apelações interpostas em face de sentença proferida em ação de reparação por danos morais e materiais, cujo decisum julgou procedente a pretensão exordial de LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA para reconhecer a responsabilidade civil primária da VIAÇÃO JOANA D’ARC S.A e condená-la a pagar R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a título de danos morais, R$ 980,00 (novecentos e oitenta reais) a título de danos materiais e 2/3 do salário-mínimo, dos 18 até 25 anos de idade da vítima, reduzido para 1/3 do salário-mínimo até a data em que o de cujus completaria 72 anos de idade, como pensão mensal; bem como a responsabilidade civil subsidiária do MUNICÍPIO DE LINHARES, que restou obrigado a cumprir a decisão, atendida a ordem de execução. Após o voto da eminente Desª Débora Maria Ambos Corrêa da Silva pelo desprovimento dos recursos, fora inaugurada divergência pelo ínclito Des. Fernando Estevam Bravin Ruy para dar provimento aos apelos e julgar improcedentes os pedidos autorais, ocasião na qual o Des. Carlos Simões Fonseca reformulou seu voto para acompanhá-lo, sendo prosseguido pelo Des. Sérgio Ricardo de Souza que também acompanhou a divergência. Nesta oportunidade, adianto que comungo da compreensão externada pelo voto divergente, eis que a análise acuidada do feito me convence de que a dinâmica do acidente, de fato, não favorece a imputação da responsabilidade pelo evento danoso à concessionária ou mesmo à municipalidade em razão da culpa exclusiva da vítima configurada. Digo isto porque, a meu ver, o cenário probatório como apresentado não se mostra suficiente a ilidir a dinâmica tal como consignada de forma elucidativa pelo eminente Des. Sérgio Ricardo de Souza no sentido de que “a motocicleta pilotada pelo filho do autor, sem habilitação legal para conduzir o veículo, rodava em alta velocidade e colidiu na lateral traseira direita do ônibus, após o coletivo retomar sua trajetória e quase completar uma conversão à esquerda, em velocidade compatível com a via, depois de sair da parada regulamentar para embarque e desembarque de passageiros”, panorama este corroborado pelo próprio boletim de ocorrência colacionado. Diante de tal cenário, acompanho integralmente o voto divergente inaugurado pelo Des. Fernando Estevam Bravin Ruy. É como voto. DES. JORGE HENRIQUE VALLE DOS SANTOS Conforme brevemente relatado, tratam-se os autos de recursos de Apelação Cível interpostos por VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A e pelo MUNICÍPIO DE LINHARES contra a r. sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública Municipal e Estadual, Registro Público e Meio Ambiente de Linhares/ES que, nos autos da Ação de Reparação de Danos Morais e Materiais ajuizada por LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA em face dos apelantes, julgou procedente a demanda, para reconhecer a responsabilidade civil primária da VIAÇÃO JOANA D’ARC S.A e condená-la a pagar: R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a título de compensação por danos morais, já atualizado monetariamente ao tempo dessa decisão e acrescidos de juros de mora desde a data do evento danoso (súmula 54 do STJ); R$ 980,00 (novecentos e oitenta reais) a título de indenização por danos materiais, atualizados desde a data do desembolso, e juros de mora desde a citação da empresa; e 2/3 do salário-mínimo, dos 18 até 25 anos de idade da vítima, reduzido, então, para 1/3 do salário-mínimo até a data em que o de cujus completaria 72 anos de idade, como pensão mensal. Na oportunidade, reconheceu a responsabilidade civil subsidiária da ré MUNICÍPIO DE LINHARES, que ficará obrigada a cumprir essa decisão, atendida a ordem de execução. Por fim, julgou extinto o processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do CPC. Em suas razões recursais (ID 8307382), o Ente Público Municipal alega, em síntese, o magistrado ignorou de forma inexorável a dinâmica do acidente, as provas colacionadas aos autos, bem como a adequada responsabilidade daqueles diretamente ligados ao acidente, uma vez que estaríamos diante de evidente culpa exclusiva da vítima que, inclusive, assumiu a direção de veículo em que jamais foi habilitado a conduzir, circunstância totalmente ignorada pelo magistrado prolator da sentença Por sua vez, a empresa apelante VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A (ID 8307434) pleiteou o provimento do seu recurso para que seja decretada a total improcedência de todos os pedidos postos na inicial, por não haver comprovação de culpa do preposto da Apelante no acidente em debate, afastando-se o nexo causal o qual exime de indenizar. Ainda em face do Princípio das Eventualidades, em havendo por este Juízo discordância a tese anteriormente apresentada, requer seja declarada a culpa concorrente das partes, devendo o valor indenizatório ser distribuído de forma correspondente à proporção da culpa atribuída, para efeitos de indenização pecuniária e obrigacional. Contrarrazões apresentadas nos Ids 8307437 e 8307438. Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos e passo à análise. Trata-se, na origem, de Ação de Reparação de Danos Morais e Materiais proposta por LUIZ CARLOS BORGES DA SILVA em face de VIAÇÃO JOANA D'ARC S/A e pelo MUNICÍPIO DE LINHARES, em razão dos danos causados ao autor pela morte de seu filho. A fim de esclarecer os fatos que norteiam a lide posta em exame, transcrevo parte do relatório da sentença objurgada: Alega a parte autora que: “[...] é pai de Leandro Santos Silva, de cujus, falecido em 31 de julho de 2011 em decorrência de acidente de trânsito entre o de cujus e a requerida Viação Joana D’arc, cessionária de serviço público do requerido Município de Linhares-ES.” “[...] segundo o boletim de ocorrência, em virtude da colisão o condutor da motocicleta fora encontrado segundo o mesmo documento em decúbito dorsal, inconsciente [...]”. “Devido a gravidade dos ferimentos o condutor não resistiu, vindo a óbito.” “Diante de tais fatos o requerente busca a tutela jurisdicional a fim de pleitear a devida indenização pela perda de seu filho[...]”. Ademais, o autor ainda alega que o filho (de cujus) também “[...] auxiliava e contribuía nas despesas ao seu sustento.” Nos pedidos a parte autora requer “o ressarcimento dos danos materiais nos valores de R$ 980,00 (novecentos e oitenta reais) e pensão no valor de R$ 40.543,44 (quarenta mil quinhentos e quarenta e três reais e quarenta e quatro centavos) até a data em que a vítima completaria 25 anos e R$ 139.008,00 (cento e trinta e nove mil e oito reais) considerando a data em que a vítima faria 25 anos e sua provável expectativa de vida [...]”. A requerida Viação Joana D’arc apresentou a contestação de fls. 41/56, alegando que: “[...] ficou de igual forma comprovado através do referido boletim, que o de cujus, não possuía Carteira Nacional de Habilitação, o que por si só, constitui gravíssima infração [...]” “[...] se o de cujus possuísse a perícia necessária para condução de automotores, certamente, referido acidente poderia ter sido evitado [...]” “[...] em singelo estudo do Boletim de Ocorrência trazida a baila pelo o Autor, fica comprovada de forma incontestável que o de cujus trafegava em velocidade incompatível para o local.” “[...] o condutor do V1 (ÔNIBUS), jamais poderia impedir o INEVITÁVEL e IMPREVISÍVEL, tão somente, por não estar ao seu alcance, ou seja, que o condutor de V2 (MOTOCICLETA), viola-se as normas de trânsito [...]”. Ademais, o réu ainda alega que “A empresa primeira requerida NÃO É A OFENSORA, e consequentemente, NÃO É RESPONSÁVEL CIVIL PELOS DANOS experimentados pelo requerente em virtude da morte de seu filho.” Quanto ao pedido de pensão alimentícia, o réu aponta que o autor, por se tratar de “pessoa maior, com vida independente”, não faz jus a pensão. Além disso, ele aponta que o pagamento da pensão alimentícia somente deve ser estipulado caso o autor comprove a contribuição do filho para com as despesas familiares. Por fim, o réu alega que por se tratar de ação de indenização proposta por somente um dos genitores, o magistrado deverá considerar uma diminuição no pleito inicial, dado que a genitora pode vir a realizar pedido parecido. Assim, caso não fosse observado tal ponto, o valor total a que se admite a pensão, por exemplo, poderia já estar absorvido por somente um dos genitores. O requerido Município de Linhares apresentou a contestação de fls. 100/107, alegando que: “[...] a responsabilidade pela indenização pleiteada é da empresa privada no exercício da função pública [...]” “Assim, imputar ao município a responsabilidade de indenizar é o mesmo que extinguir a responsabilidade da empresa prestadora de serviço público e agraciar um único indivíduo em detrimento de toda uma população que necessita da verba municipal.” “Assim, requer desde já o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva [...]” No mérito, o município alega que “[...] inexiste nos autos documentos indispensáveis à constituição do direito pleiteado pelo Autor. Não há prova de que o Município teve influência sobre o acidente. De tal sorte ser impossível se manifestar acerca do pedido autoral.” “Necessário se faz comprovar o nexo de causalidade entre o dano relatado e a conduta omissiva do ente, não sendo possível considerar as informações contidas na inicial, não tendo força para comprovar que o município participou de alguma forma do fato alegado [...]” “No caso concreto, o próprio requerente afirma que seu filho foi surpreendido por um ônibus da Viação Joana D’arc prestadora de serviço público. Isso, por si só, já demonstra que o município não tem relação com o fato.” O réu ainda alega deverá ser reconhecida a sua responsabilidade subsidiária em caso de não serem acolhidas as teses já apontadas. (...) Seguindo o iter procedimental, sobreveio sentença, devidamente fundamentada, tendo o MM. Juiz de Direito julgado procedentes os pedidos iniciais, na forma do art. 487, I do CPC, conforme acima discriminado. Pois bem. Cinge-se a controvérsia da presente demanda em apurar se há responsabilidade dos réus pelos danos materiais e morais alegados pelo autor em razão do acidente de trânsito que vitimou seu filho. Considerando a semelhança da matéria versada em ambos os recursos de apelação, os apreciarei de forma conjunta. Consoante dispõe o art. 186 do Código Civil, "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". A negligência e imprudência do condutor são aspectos importantes da caracterização do ato ilícito, o que pode configurar a responsabilidade do agente pelo evento danoso. Além disso, o art. 927 do Código Civil estabelece que "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo", sendo essa reparação de natureza integral. A configuração de responsabilidade civil em acidentes de trânsito está intrinsecamente ligada aos elementos necessários para a caracterização de um ato ilícito, conforme preceituado pela ordem jurídica. Para que seja reconhecida a obrigação de indenizar, é necessário que estejam presentes determinados requisitos fundamentais, os quais têm sido amplamente aplicados em casos envolvendo colisões e demais eventos de trânsito. Primeiramente, destaca-se o fato lesivo voluntário, que pode ser compreendido como uma ação ou omissão por parte do agente envolvido no acidente. No trânsito, essa conduta ilícita pode se manifestar de diversas formas, como por exemplo, através de imprudência (dirigir acima da velocidade permitida), negligência (não respeitar as regras de segurança) ou imperícia (falta de habilidade ao manusear o veículo). Cada uma dessas condutas, ao provocar um acidente, pode configurar o primeiro elemento do ato ilícito. O segundo elemento necessário é a ocorrência de um dano, seja ele de natureza patrimonial ou moral. Em acidentes de trânsito, os danos patrimoniais são, geralmente, aqueles relacionados aos prejuízos materiais, como a destruição de veículos ou outros bens afetados pela colisão. Já os danos morais envolvem o sofrimento psicológico, o trauma ou outras consequências imateriais experimentadas pelas vítimas. Nesse contexto, a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admite a possibilidade de cumulação de indenizações por danos materiais e morais quando ambos são decorrentes do mesmo fato, como ocorre frequentemente em acidentes de trânsito. Por fim, o nexo de causalidade é o terceiro elemento essencial para a configuração da responsabilidade civil. Para que haja a obrigação de indenizar, é necessário que se estabeleça uma relação direta entre o comportamento do agente e o dano causado. Em um cenário de acidente de trânsito, essa relação causal pode ser claramente identificada, por exemplo, quando um motorista em alta velocidade provoca uma colisão. Nesse caso, a imprudência do condutor está diretamente relacionada ao acidente e aos danos que dele advêm. Portanto, é necessária a aplicação desses elementos aos casos de acidentes de trânsito a fim de fundamentar adequadamente pedidos de reparação de danos, tanto materiais quanto morais, assegurando que a vítima seja indenizada de forma justa pelo prejuízo sofrido e que o causador seja responsabilizado por sua conduta ilícita. In casu, há que se aplicar a Teoria do Risco Administrativo, cujas premissas estão intrinsecamente ligadas ao regime de responsabilidade civil objetiva dos entes públicos, conforme previsto no artigo 37, §6º da Constituição Federal de 1988. Segundo esse dispositivo, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos são responsáveis pelos danos que seus agentes, atuando nessa condição, causarem a terceiros. Tal responsabilidade independe de dolo ou culpa, sendo necessária apenas a comprovação do dano, da ação ou omissão do agente público e do nexo causal entre ambos: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. A responsabilidade objetiva decorre do fato de que, ao desempenhar funções públicas, o Estado gera, de forma inerente, riscos para a sociedade. Desse modo, se um indivíduo sofre prejuízo em decorrência de uma ação estatal, o ente público deve arcar com os danos causados, buscando-se uma forma de proteger e resguardar os direitos dos cidadãos. Essa responsabilização não exige a prova de que o agente público agiu de forma negligente, imprudente ou com intenção de causar dano. A simples existência do dano e do vínculo entre a conduta estatal e o prejuízo são suficientes para que o Estado tenha o dever de indenizar. Essa concepção de responsabilidade objetiva baseia-se na referida Teoria do Risco Administrativo, que justifica que o Estado, ao atuar, gera riscos à coletividade e, por isso, deve assumir as consequências de eventuais danos causados. No entanto, essa teoria admite algumas excludentes de responsabilidade, como casos de força maior, fato de terceiro ou culpa exclusiva da vítima. Nessas circunstâncias, o ente público pode ser eximido da obrigação de reparar o dano. Conforme já relatado, o requeridos apresentaram recurso de apelação, aduzindo, em síntese, que a sentença ignorou a dinâmica do acidente, as provas colacionadas aos autos, bem como a adequada responsabilidade daqueles diretamente ligados ao acidente, uma vez que estaríamos diante de evidente culpa exclusiva da vítima que, inclusive, assumiu a direção de veículo em que jamais foi habilitado a conduzir, circunstância totalmente ignorada pelo magistrado prolator da sentença. Subsidiariamente, pleitearam que seja declarada a culpa concorrente das partes, devendo o valor indenizatório ser distribuído de forma correspondente à proporção da culpa atribuída. Inicialmente, cumpre esclarecer que a circunstância referente à ausência de habilitação do de cujus para a condução da motocicleta, diferentemente do que tenta sustentar os apelantes, não foi ignorada pelo magistrado a quo. Conforme se infere na sentença: (...) Não houve culpa alguma do motociclista e o fato dele não possuir Carteira Nacional de Habilitação constitui mera infração administrativa, uma vez que ele apenas seguia conduzindo a motocicleta em sua mão de direção quando foi surpreendido com o ônibus fazendo uma conversão irregular a sua frente. (...) Os requeridos, ora apelantes, em nenhum momento negam a ocorrência do acidente, porém pretendem que seja reconhecido que este ocorreu por culpa exclusiva da vítima, que, por total imperícia, conduziu a motocicleta sem habilitação para tanto, contribuindo diretamente para a ocorrência do acidente, devendo ser afastadas quaisquer indenizações e reparações pleiteadas. A culpa exclusiva da vítima ocorre quando o dano é causado inteiramente por uma conduta imprudente, negligente ou imperita da própria vítima, sem que haja participação ou falha de terceiro. Nesse caso, não há responsabilidade do agente que, inicialmente, seria considerado o causador do dano, porque a conduta da vítima rompe o nexo de causalidade entre o ato praticado pelo agente e o dano. Em termos práticos, o autor do ato não é obrigado a indenizar, pois o evento lesivo decorre exclusivamente da ação ou omissão da vítima. Todavia, para o agravamento do risco em determinado acidente, o colendo Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que não basta a ausência de habilitação do condutor, mas sim que a falta desta tenha sido determinante para a ocorrência do acidente: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE. AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR. AGRAVAMENTO DO RISCO NÃO RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. CONCLUSÃO ACERCA DA INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA CONTRATUAL EXCLUINDO A COBERTURA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5, 7 E 83/STJ. RECURSO IMPROVIDO. 1. Tendo o Tribunal de origem concluído que no contrato firmado não há cláusula que exclua a indenização em acidente sofrido por segurado sem a devida habilitação para dirigir, bem como que este fato não contribuiu para a ocorrência do infortúnio, a inversão do julgado encontra óbice nos enunciados n. 5 e 7 da Súmula desta Casa. Ademais, é compreensão do Superior Tribunal de Justiça que a ausência de habilitação para dirigir não configura, por si só, o agravamento intencional do risco por parte do segurado, apto a afastar a obrigação de indenizar da seguradora. Incidência do enunciado n. 83 da Súmula desta Corte. 2. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 990.103/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 09/02/2017) CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. AUSÊNCIA DE BREVÊ PARA PILOTAR AERONAVE. AGRAVAMENTO DE RISCO NÃO CONFIGURADO. EXCLUDENTE DA COBERTURA DO SEGURO NÃO CARACTERIZADA. PRECEDENTES. 1. Em relação à falta de habilitação para dirigir veículos, e o mesmo pode-se dizer em relação a aeronaves, a jurisprudência da 2ª Seção pacificou-se no sentido que sua ausência não configura, por si só, o agravamento intencional do risco por parte do segurado, apto a afastar a obrigação de indenizar da seguradora. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 218.061/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 04/02/2014) Outro não é o entendimento deste egrégio Tribunal de Justiça: EMENTA: APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA DA LOCADORA. SÚMULA 492 DO STF. VÍTIMA FATAL. MENOR DE IDADE. AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO PARA CONDUZIR. CULPA EXCLUSIVA OU CONCORRENTE DA VÍTIMA. NÃO CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ADMISSIBILIDADE. CULPA COMPROVADA. QUANTUM ARBITRADO NÃO CONDIZ COM REALIDADE DOS FATOS. NECESSÁRIA A MAJORAÇÃO. FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. PENSIONAMENTO DEVIDO. DESPROVIDOS OS RECURSOS DAS PARTES REQUERIDAS E PROVIDO À PARTE AUTORA. 1. Preliminar rejeitada: Incidência da súmula 492 do STF onde “a empresa locadora de veículos responde, civil e solidariamente com o locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado.” 2. É notório que não se presume a culpa em razão unicamente da falta de habilitação para dirigir. Para caracterizar a culpa exclusiva ou concorrente da vítima, é necessário demonstrar que a conduta desta, contribuiu ou foi determinante para a ocorrência do acidente. 3. In casu, os requeridos não lograram êxito em demonstrar que a ausência de habilitação foi fator determinante ou que tenha contribuído minimamente com o evento danoso. 4. De acordo com a jurisprudência, o fato da família ser de baixa renda presume-se a dependência econômica. No caso, os autos apresentam provas robustas de que a vítima fatal, à época, menor de idade, contribui substancialmente no sustento da família, gerando portanto, o dever de indenizar. Pensionamento devido. 5. Em relação ao quantum fixado a título de danos morais, a montante fixado em primeiro grau se destoa do valor arbitrado em casos semelhantes, portanto, necessária a majoração do valor sopesada a gravidade e a natureza do abalo sofrido pela autora, dada as peculiaridades do caso in examine, para que ela seja devidamente compensada e, os ofensores, pedagogicamente punidos. 6. Desprovidos os recursos de LEONARDO ARRIEN FERNANDES e LOCALIZA RENT A CAR e provido parcialmente o recurso de JAQUELINE DA PAIXÃO SOBRINHO. (TJES, Apelação Cível nº 0002143-49.2019.8.08.0049, Relator: JAIME FERREIRA ABREU, Órgão julgador: 2ª Câmara Cível, Data: 18/12/2023). APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO – AMBULÂNCIA DO SAMU – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – POSSIBILIDADE DE ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE – CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA – NÃO DEMONSTRADA – PRIORIDADE NA PASSAGEM DO VEÍCULO DE SALVAMENTO – NECESSIDADE DE ACIONAR ALARME SONORO (SIRENE), ILUMINAÇÃO INTERMITENTE (GIROFLEX) E REALIZAR A PASSAGEM COM VELOCIDADE REDUZIDA E DEVIDOS CUIDADOS DE SEGURANÇA – DEVERES NÃO OBSERVADOS – VÍTIMA COM CARTEIRA DE HABILITAÇÃO VENCIDA – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE NEXO CAUSAL ENTRE A INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA O EVENTO DANOSO – DANOS MORAIS POR MORTE DE FAMILIAR – VALOR INDENIZATÓRIO CONDIZENTE COM AS PECULIARIDADES DO CASO – JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA – INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 54 E 362 DO STJ – RECURSO DESPROVIDO. 1. A teoria da responsabilidade objetiva do Estado – positivada no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal – se, por um lado, torna prescindível a comprovação do dolo ou culpa, por outro, não exime a parte interessada de comprovar a existência da conduta administrativa ilícita, do dano e do nexo de causalidade entre tais vetores. Isto faz com que a responsabilidade do Poder Público seja afastada se presente a culpa exclusiva da vítima, causa assaz a romper o nexo de causalidade. 2. O artigo 29, inciso VII, alíneas “a” e “d”, do Código de Trânsito Brasileiro preconiza que as ambulâncias, quando em serviço de urgência, gozam de prioridade na passagem de vias e cruzamentos. Todavia, esta prioridade não se operacionaliza de maneira insensata. Para seu exercício, é preciso que o veículo esteja com os dispositivos regulamentares de alarme sonoro e iluminação intermitente acionados e o condutor realize a passagem com velocidade reduzida e com os devidos cuidados de segurança. 3. Os elementos de cognição produzidos nos autos indicam que a ambulância do SAMU, quando do acidente de trânsito, ultrapassou semáforo vermelho em alta velocidade, com sirene e giroflex desligados, ato este que, inexoravelmente, guarda o predicado de ilícito. 4. Dirigir com carteira de habilitação vencida é infração de trânsito gravíssima, punida com pena de multa e medida administrativa de retenção do veículo, ex vi do artigo 162, inciso V, do Código de Trânsito Brasileiro. Ocorre que tal conduta, isoladamente, não tem o condão de configurar culpa exclusiva da vítima, sendo imperioso, para isso, comprovar a relação de causalidade entre a condução do automóvel com habilitação vencida e o acidente, ônus do qual o apelante não se desincumbiu. 5. No que concerne ao arbitramento dos danos morais, o valor de R$ 139.500,00 (cento e trinta e nove mil e quinhentos reais), a ser dividido entre os 04 (quatro) apelados, é condizente com as peculiaridades do caso analisado, dada a dor psíquica intensa por eles experimentada com a morte trágica e inopinada da vítima, não tendo o magistrado monocrático destoado do razoável frente ao ocorrido. 6. A atualização dos danos extrapatrimoniais foi fixada de forma escorreita pelo juiz de instância ordinária, com juros de mora a partir do evento danoso e correção monetária desde a data do arbitramento, nos moldes dos respectivos verbetes sumulares nºs 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça. (TJES, Apelação Cível e Remessa Necessária nº 0010168-10.2011.8.08.0024, Relatora: ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA, Órgão julgador: 4ª Câmara Cível, Data: 03/04/2023). CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DE VIDA. ACIDENTE. AUSÊNCIA DE HABILITAÇÃO DO SEGURADO. AGRAVAMENTO INTENCIONAL DO RISCO. INEXISTÊNCIA. CAUSA NÃO DETERMINANTE PARA O SINISTRO. COBERTURA CONTRATUAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PERCENTUAL MÍNIMO. 1. A ausência de habilitação do segurado falecido em acidente de trânsito, por si só, não configura o agravamento intencional do risco objeto do seguro de vida passível do afastamento da responsabilidade de a seguradora arcar com a indenização prevista na apólice contratada, devendo ser causa determinante para o sinistro. Precedentes do STJ e TJES. 2. O valor dos honorários advocatícios sucumbenciais deve ser fixado entre 10 e 20% sobre a condenação, sendo inviável a redução do montante quando arbitrado no percentual mínimo previsto no ordenamento jurídico processual. Art. 85, §§2º e 3º, CPC⁄15. (TJES, Classe: Apelação, 9150000835, Relator: SAMUEL MEIRA BRASIL JUNIOR, Órgão julgador: TERCEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Julgamento: 12/07/2016, Data da Publicação no Diário: 22/07/2016) Nesse sentido, é cediço que dirigir sem carteira de habilitação é infração de trânsito gravíssima, punida com pena de multa e medida administrativa de retenção do veículo, nos termos do art. 162, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro. Ocorre que tal conduta, isoladamente, não tem o condão de configurar culpa exclusiva da vítima, sendo imperioso, para isso, comprovar a relação de causalidade entre a condução do automóvel com habilitação vencida e o acidente, ônus do qual os apelantes não se desincumbiram, pois não lograram êxito em demonstrar que a ausência de habilitação foi fator determinante ou que tenha contribuído minimamente com o evento danoso. Na hipótese dos autos, o magistrado sentenciante foi categórico em registrar (i) a ocorrência da conduta comissiva (colisão) do preposto da empresa de transporte, (ii) em consignar os pressupostos da responsabilidade civil objetiva, os quais, inclusive, não foram objetos da defesa e/ou manifestação por parte dos apelantes, bem como (iii) que os requeridos não obtiveram sucesso em comprovar o fato alegado, qual seja, de que foi a vítima quem, exclusivamente, deu causa ao acidente: Entendo que a conduta, o primeiro dos pressupostos, resta comprovada nos autos. Isso porque, além de se tratar de fato incontroverso entre as partes, houve testemunha ocular do acidente (Venício Gonçalves da Vitória - fl. 268). Vejamos seu relato: Juíza Elaine Carvalho - O senhor viu o momento desse acidente? Testemunhas Venício Gonçalves da Vitória - Vi sim, estava perto. Juíza Elaine Carvalho - O senhor estava lá na rua, é isso? Testemunhas Venício Gonçalves da Vitória - Isso. Juíza Elaine Carvalho - O momento desse impacto, [...] foi assim em uma curva, foi em uma reta? Testemunhas Venício Gonçalves da Vitória - Olha o ônibus parado no ponto né, para descer algum passageiro, pegar alguns, ai nesse momento o menino ia passar pelo ônibus, o motorista eu creio eu que ele não olhou se ele vinha ou não, arrancou com o ônibus ai houve a colisão. Diante desse relato da testemunha, não restam dúvidas acerca da conduta comissiva do preposto da empresa de transporte que provocou o acidente de trânsito (colisão). Todavia, saliento que a convicção deste julgador não foi formada apenas com base no depoimento de referida testemunha. Não ignoro que o juízo criminal concluiu de forma diversa e absolveu o motorista por falta de clareza sobre a dinâmica do acidente. Ocorre que, no presente caso, a responsabilidade dos réus deve ser aferida à luz da responsabilidade objetiva, ou seja, basta ao demandante comprovar a conduta (que no caso foi comissiva), o dano e o nexo de causalidade, e, aos réus, recai o ônus da prova sobre as excludentes de responsabilidade, já que sustentam que houve culpa exclusiva da vítima. Assim sendo, os pressupostos da responsabilidade civil objetiva estão presentes, uma vez que os réus não comprovaram o fato alegado, qual seja, de que foi a vítima quem, exclusivamente, deu causa ao acidente. Aliás, houve divergência do relato do próprio motorista quando ele prestou os esclarecimentos aos agentes públicos que confeccionaram o Boletim de Acidente de Trânsito (fl. 90v), afirmando que faria uma conversão à ESQUERDA, para a Rua Maria das Graças Bonna Marinato (Bairro Planalto) - o ônibus vinha da Rua/Av. Cerejeira (também conhecida por Carlos Aberto Pessoti) e, depois, no Termo de Declaração e Diagrama que instrui o B.AT, o motorista disse que estaria convergido para a DIRETA "quando moto veio bateu atrás do ônibus em alta velocidade". No entanto, as imagens do local do acidente, que podem ser acessadas pela ferramenta do Google Maps (Google Street View set. de 2013 a jun. 2023), mostram que, no único cruzamento entre a Rua/Av. Cerejeira (também conhecida por Carlos Aberto Pessoti) e a Rua Maria das Graças Bonna Marinato, não seria provável que o motorista faria conversão à direita, pois nessa direção a rua não possui saída. A conclusão, portanto, é que a conversão do ônibus para a Rua Maria das Graças Bonna Marinato ocorreu para a esquerda, sendo que o motorista chega a afirmar isso em seu depoimento em juízo. Os agentes de trânsito que preencheram o B.A.T também registraram que a colisão ocorreu enquanto o ônibus convergia para a esquerda. Observa-se que o campo do B.A.T. transcrito adiante não é reservado para lançar nota sobre declarações de condutores, mas apenas sobre informações objetivas de acidente de trânsito apuradas pelo agente: (...) Já o motociclista (vítima), que vinha pela Rua/Av. Cerejeira (também conhecida por Carlos Aberto Pessoti), sentido BR 101, em linha reta (ou seja, em direção oposta a do ônibus), colidiu na parte de trás da lateral do ônibus durante a conversão irregular deste. Isso porque referido veículo não poderia simplesmente convergir para a Rua Maria das Graças Bonna Marinato, como foi feito, uma vez que, se vinha a sua frente a motocicleta, ele deveria parar e aguardar a passagem do motociclista. A conclusão de que o motociclista vinha em direção oposta ao ônibus pode ser extraída do B.A.T e conferida pelo Google Maps: (...) Portanto, vejamos a dinâmica do acidente que faz sentido; 1) não houve tentativa de ultrapassagem porque o ônibus e a motocicleta estavam em sentidos opostos na via, ou seja, a vítima não estava seguindo o fluxo atrás do ônibus; 2) o ônibus convergiu repentinamente para a esquerda, na Rua Maria das Graças Bonna Marinato, à frente do motociclista; 3) o motociclista não conseguiu frear, evitou bater no meio da lateral direita do ônibus, mas acabou colidindo mais na traseira (ou na ponta traseira) da mesma lateral (direita). Nota-se que, além da existência de testemunha ocular do acidente, Sr. Venício Gonçalves da Vitória, tem-se que, embora o motorista tenha sido absolvido no âmbito criminal por falta de provas, no processo civil, ficou comprovada a conduta comissiva do motorista, o dano (morte do motociclista) e o nexo de causalidade. Neste ponto, é imperioso retomar a tese do risco administrativo, segundo o qual a responsabilidade dos réus deve ser analisada sob o prisma da responsabilidade objetiva, o que significa que ao autor cabe apenas demonstrar a conduta (neste caso, comissiva), o dano e o nexo de causalidade. Já aos réus, incumbe o encargo de provar eventuais excludentes de responsabilidade, uma vez que alegam a culpa exclusiva da vítima. Nesta linha intelectiva, não há elementos probatórios suficientes que indiquem culpa exclusiva da vítima ou que justifiquem a aplicação da tese de culpa concorrente, nos termos do art. 945 do Código Civil, que só pode ser invocado quando a conduta da vítima concorre diretamente para o dano, o que não se verifica no presente caso, sobretudo diante divergência do relato do próprio motorista que prestou esclarecimentos distintos aos agentes públicos que confeccionaram o Boletim de Acidente de Trânsito e, depois, no Termo de Declaração e Diagrama que instrui o referido B.A.T Logo, não merece prosperar o argumento utilizado pelos réus de culpa exclusiva da vítima ou culpa concorrente das partes, sendo imperiosa a manutenção da sentença vergastada. Quanto ao valor dos danos morais, entendo que este foi fixado em conformidade com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em conta a gravidade das lesões sofridas e o impacto na vida dos pais da vítima. O art. 944 do Código Civil determina que "a indenização mede-se pela extensão do dano", e os danos imateriais aqui são de grande magnitude, dado o sofrimento físico e psicológico duradouro da dos genitores da vítima. Importante ressaltar que a fixação do quantum indenizatório fica adstrita ao prudente arbítrio do Juiz, consoante o seu livre convencimento motivado, também chamado de persuasão racional, princípio do sistema processual que permite ao juiz decidir com base em sua convicção pessoal, construída a partir da análise das provas apresentadas no processo. No entanto, essa liberdade não é absoluta: ela deve ser sempre fundamentada. O juiz precisa expor os motivos pelos quais tomou determinada decisão, apontando as provas e os argumentos que o levaram a essa conclusão. O princípio visa garantir que a decisão seja transparente, racional e, principalmente, justificável. Analisando a sentença vergastada, verifico que o juízo a quo cumpriu com o seu dever de motivação, na medida em que explicitou os critérios subjetivos e objetivos para fixação do montante indenizatório, como: a extensão do dano causado; a capacidade econômica das partes; o grau de culpa ou dolo do ofensor e a função pedagógica e preventiva da indenização: Nesse linear, diante da culpa exclusiva do condutor do veículo de propriedade da primeira parte ré durante a execução de serviço de transporte coletivo, não há como afastar o dever dos referidos réus em reparar os danos causados à parte autora. Hoje, mais de 20 anos após o evento danoso, já em idade avançada, o autor não poderá contar com o suporte de seu filho, fato esse que muitas das vezes é imprescindível para o resguardo do bem-estar do idoso, seja por razões de saúde ou outras peculiaridades próprias da senilidade. Dada tamanha a importância do suporte dos filhos aos pais na velhice, há previsão desse dever familiar no artigo 229 da Constituição da República de 1988: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”, amparo esse material e afetivo. (...) No caso, sem qualquer esforço cognitivo complexo é possível concluir que a perda do filho pelo pau ajusta-se às hipóteses de compensação por danos morais, já que violado um direito da personalidade, gerando, para o ofensor, o dever de gratificar o ofendido. (...) Na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado. Diante disso, dadas as circunstâncias do caso concreto e pelos fundamentos esposados, considerando ainda as condições econômicas das partes, entendo que o quantum compensatório deve ser fixado em R$150.000,00. Ad argumentandum, lembra-nos o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, o dano moral possui função meramente satisfatória, que objetiva a suavização de um pesar, insuscetível de restituição ao status quo ante. Assim, nada indenizará a perda do filho pelo autor, mas a compensação monetária fixada pode suavizar essa triste lembrança decorrente do ilícito causado. Assim, a indenização de R$150.000,00 deve ser mantida, pois atende aos requisitos da reparação integral, sem ser fonte de enriquecimento indevido. É relevante salientar que, no que tange à correção monetária, a atualização do valor referente aos danos morais deve ter como ponto de partida a data em que a indenização foi fixada, conforme previsto na Súmula nº 362 do Superior Tribunal de Justiça. Quanto ao início da contagem dos juros de mora, por se tratar de uma responsabilidade civil extracontratual, aplica-se o entendimento da Súmula nº 54 do mesmo tribunal, que estabelece como marco inicial a data do evento danoso, estando correta a decisão do Juízo de primeira instância. Por fim, quanto à condenação ao pagamento de pensionamento no importe de 2/3 do salário mínimo, dos 18 até 25 anos de idade da vítima, reduzido, então, para 1/3 do salário mínimo até a data em que o de cujus completaria 72 anos de idade, como pensão mensal, melhor sorte não assiste ao apelante. Isso porque, em que pese alegação de que a dependência financeira dos pais de filho maior não é presumida, inexistindo prova concreta da contribuição financeira do de cujus em favor do apelado, registro que o c. STJ possui sólido entendimento no sentido de que “no caso de morte de filho menor, os pais terão direito a pensionamento de 2/3 do salário percebido (ou do salário mínimo, caso não exercesse trabalho remunerado) até a data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade e, a partir daí, reduzido para 1/3 do salário até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos”. (STJ; AgRg-REsp 1.325.246; Proc. 2012/0107666-4; SC; Segunda Turma; Rel. Min. Og Fernandes; DJE 14/10/2015), prevalecendo a compreensão de que, em se tratando de família de baixa renda, presume-se que o filho contribuiria para o sustento dos genitores, o que também leva à conclusão do acerto da sentença quanto a esse ponto. Confira-se recente julgado daquela Corte Superior: “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ALÍNEA C DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO. MORTE DA VÍTIMA. PENSÃO AOS GENITORES. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO. NÃO CABIMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. BASES FÁTICAS DISTINTAS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Em relação às famílias de baixa renda, presume-se que o filho contribui para as despesas domésticas, razão pela qual, em caso de seu falecimento, é devida a pensão por morte aos genitores. [...] (STJ; AgInt-REsp 2.043.637; Proc. 2022/0391361-8; CE; Quarta Turma; Rel. Min. João Otávio de Noronha; DJE 16/11/2023) Este egrégio Tribunal de Justiça já enfrentou a matéria, tendo alcançado o mesmo entendimento: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA EM VIRTUDE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. MOTOCICLETA. CULPA CONCORRENTE RECONHECIDA. MANUTENÇÃO. PENSIONAMENTO EM FAVOR DOS GENITORES DA VÍTIMA. NECESSIDADE PRESUMIDA. POSTERIOR FALECIMENTO DO CAUSADOR DO DANO. AUSÊNCIA DE PATRIMÔNIO HERDADO. VERIFICAÇÃO EM SEDE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1 – A tese recursal acerca da culpa exclusiva da vítima não se sustenta, posto que, em que pese a demonstração de que o ‘de cujus’ estaria trafegando em baixa velocidade na rodovia, de forma aparentemente desatenta (conversando) com outros dois colegas motociclistas, a conduta imprudente do companheiro da apelante concorreu de forma clara para o fatídico acidente, pois evidenciado que Sr. Antônio Garcia Ourives tentou realizar ultrapassagem arriscada, a qual fora malsucedida, vindo a colidir com duas motocicletas na via em que seguia direção, sendo que a vítima fatal foi lançada ao para-brisa do veículo, caindo, posteriormente, sob o veículo Ford/Verona, ocorrendo o óbito a caminho do pronto atendimento. 2 – O c. STJ possui sólido entendimento no sentido de que “no caso de morte de filho menor, os pais terão direito a pensionamento de 2/3 do salário percebido (ou do salário mínimo, caso não exercesse trabalho remunerado) até a data em que a vítima completaria 25 (vinte e cinco) anos de idade e, a partir daí, reduzido para 1/3 do salário até a data em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos”. (STJ; AgRg-REsp 1.325.246; Proc. 2012/0107666-4; SC; Segunda Turma; Rel. Min. Og Fernandes; DJE 14/10/2015), prevalecendo a compreensão no sentido de que em se tratando de família de baixa renda, presume-se que o filho contribuiria para o sustento dos genitores, não comportando qualquer retoque a sentença quanto ao ponto. 3 – Não prospera, neste momento, a alegação concernente à impossibilidade de condenação dos herdeiros do causador do dano ao pagamento da obrigação imposta, ante suposta ausência de bens herdados, porquanto tal condição deverá ser objeto de análise por ocasião do cumprimento de sentença. 4 – Recurso conhecido e desprovido. (TJES, Apelação Cível nº 0001535-59.2002.8.08.0045, Relator: FÁBIO BRASIL NERY, Órgão julgador: 4ª Câmara Cível, Data: 17/05/2024) APELAÇÕES CÍVEIS. AJG. INDEFERIMENTO SEM PRÉVIA INTIMAÇÃO. POSSIBILIDADE. ACIDENTE DE TRÂNSITO. MORTE. PENSIONAMENTO. FAMÍLIA DE BAIXA RENDA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. EXPECTATIVA DE VIDA DA VÍTIMA. QUANTUM FIXADO EM 2/3 DO SALÁRIO-MÍNIMO ATÉ OS 25 ANOS E 1/3 APÓS TAL IDADE. DANOS MORAIS. FILHO MORTO. IN RE IPSA. I – DO PRIMEIRO APELO: Não havendo dúvidas pelo magistrado acerca da suficiência de recursos da parte postulante, é legítimo o indeferimento do benefício da assistência judiciária gratuita sem prévia intimação. II – DO SEGUNDO APELO: Consoante a legislação civil, nos casos de homicídio é cabível prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, considerando-se a duração provável da vida da vítima. III – O pensionamento pressupõe a dependência econômica, porém, em se tratando de família de baixa renda, esta é presumida, nos termos da jurisprudência do STJ. IV – O valor do pensionamento deverá ser sobre os vencimentos da vítima ou, não havendo provas deste, o valor do salário-mínimo, em qualquer caso decotado 1/3 como sendo a quantia que esta utilizaria para sua sobrevivência. V – O quantum mensal dos alimentos será de 2/3 do salário-mínimo até a vítima completar 25 anos e, 1/3 do salário-mínimo após tal marco. VI – A morte de filho decorrente de ilícito acarreta danos morais in re ipsa, sendo razoável o arbitramento de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) para cada genitor. VII – Recursos conhecidos, sendo improvido o do requerido e provido o dos requerentes. (TJES, Apelação Cível nº 0001344-15.2015.8.08.0059, Relator: ROBSON LUIZ ALBANEZ, Órgão julgador: 4ª Câmara Cível, Data: 10/07/2023) Outrossim, em que pese o julgado indicar 65 anos de idade como termo final para recebimento da pensão, como bem pontuou o juiz a quo, o Superior Tribunal de Justiça, no informativo nº 561, lembra que “(...) tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a regra prevista no parágrafo único não deve ser interpretada como direito absoluto da parte, podendo o magistrado avaliar, em cada caso concreto, sobre a conveniência de sua aplicação, considerando a situação econômica do devedor, o prazo de duração do pensionamento, a idade da vítima, etc. (…)”. CONCLUSÃO Ante o exposto, CONHEÇO dos recursos de apelação cível interpostos e, no tocante ao mérito, NEGO-LHES PROVIMENTO. Na forma do §11, do art. 85 do CPC/15, majoro os honorários recursais em 1% (um por cento) sobre o valor da condenação, considerando o grau de complexidade da causa e o trabalho adicional realizado nesta instância recursal, devendo-se também observar a ordem subsidiária para a cobrança. É como voto.
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