Processo nº 0000433-14.2017.8.18.0072
ID: 342513421
Tribunal: TJPI
Órgão: 1ª Câmara Especializada Criminal
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 0000433-14.2017.8.18.0072
Data de Disponibilização:
04/08/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Câmara Especializada Criminal RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) No 0000433-14.2017.8.18.0072 RECORRENTE: LUCIMAR JOSE LEAL RECORRIDO: PROCURA…
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ ÓRGÃO JULGADOR : 1ª Câmara Especializada Criminal RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) No 0000433-14.2017.8.18.0072 RECORRENTE: LUCIMAR JOSE LEAL RECORRIDO: PROCURADORIA GERAL DA JUSTICA DO ESTADO DO PIAUI RELATOR(A): Desembargador PEDRO DE ALCÂNTARA MACÊDO EMENTA EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO TENTADO. NULIDADE DA DECISÃO DE PRONÚNCIA POR EXCESSO DE LINGUAGEM. PRELIMINAR ACOLHIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso em Sentido Estrito interposto contra decisão da Vara Única da Comarca de São Pedro-PI que pronunciou o recorrente pela suposta prática dos crimes previstos nos art. 121, § 2º, II (motivo fútil) e IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido), c/c o art. 14, II (na forma tentada), ambos do Código Penal. 2. A defesa pleiteia, em sede de razões recursais, (i) a nulidade da decisão de pronúncia, sob o argumento de excesso de linguagem, e (ii) o afastamento das qualificadoras previstas no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. Verificar se a decisão de pronúncia incorreu em excesso de linguagem a ponto de ensejar sua nulidade. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. O reconhecimento de nulidade processual exige demonstração do efetivo prejuízo à defesa (art. 563 do CPP), o que se verifica quando há excesso de linguagem na decisão de pronúncia, na qual o julgador emite efetivo juízo de valor acerca da autoria do delito. 5. Na hipótese, constata-se a existência da nulidade suscitada, pois, segundo consta nos trechos acima grifados, o magistrado a quo afirmou que “não se trata, portanto, de desistência voluntária, como aduz a defesa”, enquanto destaca que “o autor não desistiu de consumar o crime, porém, a consumação não ocorreu por circunstância alheia a sua vontade”, ou seja, emitiu efetivo juízo de valor acerca da autoria do delito, de modo que ficou caracterizado o excesso de linguagem. 6. A jurisprudência do STJ orienta que a decisão de pronúncia deve conter linguagem sóbria e restrita à prova da materialidade e aos indícios de autoria, sendo vedada qualquer manifestação de certeza ou juízo de valor. 7. A mera supressão dos trechos viciados comprometeria a fundamentação da decisão, razão pela qual deve ser declarada sua nulidade, conforme precedentes do STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso conhecido e provido. Tese de julgamento: 1. A decisão de pronúncia que emite juízo de valor sobre a autoria delitiva e valida teses da acusação configura excesso de linguagem e deve ser anulada, por comprometer a imparcialidade do Tribunal do Júri. 2. A anulação da decisão de pronúncia é medida adequada quando a supressão dos trechos viciados acarretaria ausência de fundamentação, em violação ao art. 93, IX, da Constituição Federal. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Relator(a).. RELATÓRIO Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Lucimar José Leal contra a decisão proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de São Pedro-PI (em 25.1.2024, id. 24024536) que o pronunciou pela suposta prática do delito tipificado no art. 121, § 2º, II (motivo fútil) e IV (recurso que dificultou a defesa do ofendido), c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal (na forma tentada), diante da narrativa fática exposta na denúncia (id. 24024481), a saber: “(…) 1. Segundo consta do incluso repositório policial, que no dia 02/11/2016, por volta das 09:00 hs, a vítima estava em um bar, localizado no povoado "Morrinhos", conversando com colegas, quando foi surpreendido com uma "pesada" pelas costas desferida pelo acusado. 2. Nesse contexto, sem qualquer motivo aparente (fútil), o denunciado desferiu um tiro contra a pessoa do ofendido, com arma tipo "garrucha", atingindo-o na região peitoral. Ademais, o réu ainda deu um golpe com arma na cabeça da vítima, vindo este a desmaiar. 3. Assim sendo, os indícios de materialidade e autoria, ao término do trabalho investigativo policial, apresentam-se suficientemente fortes, especialmente pelos depoimentos testemunhais, para o oferecimento de pronunciamento delatório em desfavor deste. (...)”. Recebida a denúncia (em 20.6.2018, id. 24024481) e instruído o feito, sobreveio a decisão de pronúncia. A defesa suscita, em sede de razões recursais, (i) a preliminar de nulidade da decisão de pronúncia, sob o argumento de excesso de linguagem. No mérito, pleiteia (ii) o afastamento das qualificadoras previstas no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal. O Ministério Público Estadual refuta, em contrarrazões (id. 24024549), as teses defensivas e pugna pela manutenção da decisão. Por fim, o Ministério Público Superior opinou pelo conhecimento e improvimento do recurso (id. 24823083). Revisão dispensada, por se tratar de Recurso em Sentido Estrito (art. 610 do CPP c/c o art. 355 do RITJPI). É o relatório. Inclua-se o feito em pauta de julgamento na Sessão Virtual. Data registrada no sistema. VOTO Presentes os pressupostos gerais de admissibilidade recursal objetivos (previsão legal, forma prescrita e tempestividade) e subjetivos (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica), CONHEÇO do presente recurso. Antes da análise de mérito, passo à questão preliminar suscitada. 1. DA PRELIMINAR DE NULIDADE. Quanto à matéria de nulidades, tornou-se assente na jurisprudência pátria que o seu reconhecimento exige a demonstração do prejuízo, a teor do que dispõe o art. 563 do Código de Processo Penal1 – âmbito normativo do dogma fundamental da disciplina das nulidades pas de nullité sans grief –, que também compreende as nulidades absolutas2. Nesse sentido, colaciono jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DE DEFENSOR CONSTITUÍDO. PREJUÍZO DEMONSTRADO. Ausência de intimação do defensor constituído para comparecer na audiência de oitiva das testemunhas da acusação. O legislador processual penal acolheu expressamente o princípio de conservação, significando que, sem prejuízo, não há que se reconhecer nulidade, ainda que se esteja diante de vício existente. Prejuízo aferido em relação ao procedimento concreto no qual está sendo questionado o descumprimento da normativa estabelecida em lei. Desrespeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, uma vez que a prova oral produzida na audiência de instrução realizada sem a prévia intimação do defensor constituído e do próprio réu foi relevante na conclusão do juízo condenatório Prejuízo demonstrado. Nulidade reconhecida. Recurso ordinário em habeas corpus não provido, mas com concessão da ordem ofício, para invalidar, desde a audiência de inquirição de testemunhas da acusação, inclusive, o Processo nº 035.020.583.437 (2965) da Terceira Vara Criminal da Comarca de Vila Velha/ES, anulando, em consequência, a condenação penal imposta. (STF. RHC 107394, Rel. Min. ROSA WEBER, 1ªT., j.16/04/2013) [grifo nosso] Mais especificamente no que se refere às nulidades por vícios procedimentais (error in procedendo), para além da escolha doutrinária e jurisprudencial pelo princípio da conservação, - a implicar em necessária demonstração do prejuízo concreto efetivamente suportado pela parte, ainda que constatado o vício3 –, exige-se também arguição oportuna, sob pena de preclusão temporal e convalidação. Tecidas essas considerações iniciais, passo à análise das arguições em específico. A defesa alega que o juiz a quo condenou o recorrente antecipadamente pelo crime de tentativa de homicídio por motivo fútil, gerando influência negativa direta no julgamento dos jurados, o que implica em nulidade do decisum. DA NULIDADE APONTADA. Com efeito, deve-se analisar os fatos à luz do disposto no art. 413, §1º, do CPP, o qual retrata o dever de fundamentação da decisão de pronúncia e, no ponto que interessa ao recurso defensivo, apontar os indícios da autoria ou da participação delitiva. Na mesma esteira do dever de motivação das decisões previsto no art. 93, IX, da Constituição Federal, sua violação, ou até defeito na fundamentação, gera nulidade absoluta mesmo tratando-se de decisão de pronúncia, em que é assente a necessidade de sobriedade e comedimento no uso da linguagem. Deve o magistrado limitar-se a um juízo de suspeita ou probabilidade a respeito da acusação, apontando-se, no ponto que interessa citar, os elementos que indicariam a existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, evitando-se então qualquer indicativo de certeza, convencimento, considerações incisivas ou valorações sobre as teses da acusação ou da defesa, sob pena de indevida influência no ânimo do Conselho de Sentença. A cerca da matéria, colaciono o posicionado do Superior Tribunal de Justiça: RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. CONCLUSÃO PEREMPTÓRIA ACERCA DA INTENÇÃO DO AGENTE. MATÉRIA FÁTICA CONTROVERTIDA. REFUTAÇÃO DIRETA DA TESE DA DEFESA. INVASÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O art. 413, § 1.º, do Código de Processo Penal determina que a decisão ou o acórdão de pronúncia devem limitar-se à indicação da materialidade do fato e à verificação dos indícios suficientes de autoria ou de participação. Portanto, é vedado ao Juízo processante ou ao Tribunal a quo apresentar conclusões peremptórias acerca da dinâmica dos fatos nesta fase processual, sob pena de usurpação da competência do Tribunal do Júri. 2. Ao declarar de maneira resoluta que o Agente "visava atingir órgão vital do corpo do ofendido", a Corte estadual assentou verdadeira conclusão fática final acerca da intencionalidade do Acusado em sua conduta, emitindo juízo de mérito em matéria cuja cognição está reservada à análise soberana do Tribunal do Júri. 3. A assertiva contida no acórdão recorrido assume ainda maior relevância porque refuta de forma direta e conclusiva a versão defensiva sustentada pelo Recorrente, o qual afirmou em juízo que não pretendia atingir órgão vital da vítima, mas apenas golpear a sua mão, tratando-se, portanto, de um aspecto fático controvertido. 4. O acórdão recorrido encontra-se maculado por nulidade insanável, decorrente do excesso de linguagem, sendo necessária a anulação do referido ato judicial, a fim de que um novo acórdão seja proferido. Precedentes. 5. Recurso especial provido para anular o acórdão recorrido e determinar que outro seja proferido, com linguagem sóbria e comedida, nos termos do art. 413, § 1.º, do Código de Processo Penal. (STJ. REsp 1710209/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 03/04/2019). [grifo nosso] A propósito, destaco a lição de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes em comentários ao dispositivo legal em apreço: “não deve a pronúncia conter a exteriorização do convencimento do magistrado acerca do mérito da causa, pois isso certamente irá influenciar o ânimo dos jurados; assim, se, de um lado, está o juiz obrigado a fundamentar, por outro, prescreve a doutrina moderação nos termos empregados, sendo aconselhável consignar na decisão, sempre que houver controvérsias a respeito de pontos fundamentais, que a solução foi inspirada no desejo de deixar ao Júri o veredicto final.” (in As Nulidades no Processo Penal, 11ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.250) [grifo nosso] Visando melhor apreciar a matéria, destaque-se os trechos da decisão de pronúncia: “(…) Os indícios de autoria estão igualmente presentes. Com efeito, o acusado confessou o cometimento do delito, tanto na fase inquisitorial, quanto na audiência de instrução realizada por este juízo. Ademais, as demais provas produzidas em juízo apontam para a autoria do acusado. Com efeito, os depoimentos testemunhais são uníssonos no sentido de que foi o réu o responsável pelo disparo do tiro que alvejou a vítima João Pereira da Silva na região do peitoral. A própria vítima reconheceu o acusado a afirmou, em sede de depoimento à Polícia, que seria este o responsável pelo disparo. Assim, presentes os indícios suficientes de autoria para a pronúncia do acusado. Ademais, não exsurge límpida qualquer tese defensiva que, nesta fase, possa acarretar a absolvição do réu. Ora, não há provas, estreme de dúvidas, para que seja o réu absolvido sumariamente, ou que venha sequer a justificar uma decisão de impronúncia. Não merece ser acolhida, neste momento a tese de legítima defesa levantada pela Defensoria Pública, vez que não restou provado que o acusado utilizou do disparo para repelir injusta agressão oriunda da vítima. Ao contrário, a testemunha Nelson Moreira Lima afirmou em seu depoimento que segundo os comentários de populares que estavam no local, soube que “o rapaz chegou e acertou o pé nas costas do João coragem, em seguida atirou”. Não há elementos nos autos que comprovem o início dos ataques pela vítima. Ressalte-se que se trata de crime tentado, vez que o acusado praticou os atos necessários à consumação, que só não ocorreu porque a vítima foi socorrida por terceiro e levada ao hospital mais próximo, onde recebeu atendimento médico. Não se trata, portanto, de desistência voluntária, como aduz a defesa, o autor não desistiu de consumar o crime, porém, a consumação não ocorreu por circunstância alheia a sua vontade. Logo, provada a materialidade e havendo indícios suficientes de autoria, bem como nenhuma excludente de criminalidade sumariamente comprovada em favor do acusado, impõe-se a pronúncia. (…).” Pelo visto, assiste razão à defesa, senão vejamos. Na hipótese, constata-se a existência da nulidade suscitada, pois, segundo consta nos trechos acima grifados, o magistrado a quo afirmou que “não se trata, portanto, de desistência voluntária, como aduz a defesa”, enquanto destaca que “o autor não desistiu de consumar o crime, porém, a consumação não ocorreu por circunstância alheia a sua vontade”, ou seja, emitiu efetivo juízo de valor acerca da autoria do delito, de modo que ficou caracterizado o excesso de linguagem. Tal fato implica em patente prejuízo à defesa do recorrente, diante da elevada probabilidade de que sua leitura influencie os jurados. Com efeito, o magistrado deve empregar uma linguagem comedida acerca da prova da materialidade e dos indícios -e não a certeza - de autoria, sob pena de usurpar a competência constitucional do Tribunal do Júri. Nessa esteira, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que a decisão de pronúncia deve evitar termos que prejulguem ou demonstrem parcialidade do magistrado, sob pena de configurar excesso de linguagem e, por consequência, usurpar a competência do Tribunal do Júri, consoante se verifica nos seguintes julgados: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADMISSIBILIDADE. PRONÚNCIA. CONFIGURAÇÃO DE EXCESSO DE LINGUAGEM. POSSÍVEL INFLUÊNCIA SOBRE O ÂNIMO DOS JURADOS. ILEGALIDADE MANIFESTA. RECURSO PROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Apesar de inadmissível a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso próprio, o STJ entende possível a concessão da ordem de ofício quando verificada flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. Na primeira fase do procedimento especial do tribunal do júri, procede-se apenas a um juízo de admissibilidade da acusação. 3. A sentença de pronúncia deve limitar-se a um juízo de dúvida a respeito da acusação, evitando considerações incisivas ou valorações sobre as teses em confronto nos autos. 4. Há excesso de linguagem quando o magistrado togado emite juízo peremptório acerca do dolo do acusado. 5. Agravo regimental provido para conceder a ordem de ofício e anular a sentença de pronúncia. (AgRg no HC n. 673.891/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, relator para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 26/8/2022.) DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXCESSO DE LINGUAGEM EM DECISÃO DE PRONÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra a decisão monocrática que negou provimento a recurso especial, mantendo a decisão de pronúncia ante a ausência de excesso de linguagem. 2. Os agravantes alegam que a decisão de pronúncia excedeu os limites ao realizar prejulgamento dos réus, prejudicando a tese de defesa de negativa de autoria. II. Questão em discussão 3. A discussão consiste em saber se a decisão de pronúncia incorreu em excesso de linguagem, influenciando indevidamente o julgamento pelo Tribunal do Júri. III. Razões de decidir 4. A decisão de pronúncia limitou-se a apontar elementos que demonstram a prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, conforme o art. 413, § 1º, do Código de Processo Penal, sem emitir juízo de valor. 5. A jurisprudência do STJ estabelece que não há excesso de linguagem quando a decisão de pronúncia se refere às provas para verificar a materialidade e os indícios de autoria, sem usurpar a competência do Tribunal do Júri. 6. A decisão monocrática foi mantida, pois os argumentos dos agravantes não demonstraram a existência de excesso de linguagem que pudesse influenciar o Conselho de Sentença. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo regimental não provido. Tese de julgamento: 1. A decisão de pronúncia que se limita a demonstrar a materialidade e indícios de autoria, sem emitir juízo de valor, não incorre em excesso de linguagem. 2. A competência do Tribunal do Júri não é usurpada quando a decisão de pronúncia se refere às provas para verificar a materialidade e indícios de autoria. Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 413, § 1º; CF/1988, art. 5º, XXXVIII. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 2.765.383/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/2/2025; STJ, REsp 2.154.211/PR, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 17/12/2024. (AgRg no REsp n. 2.152.175/PA, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 14/4/2025, DJEN de 24/4/2025.) Na espécie, mostra-se patente o excesso de linguagem, que poderá influenciar na convicção dos jurados em desfavor da recorrente, cabendo então indagar qual o procedimento a ser adotado. A jurisprudência pátria adota um dentre dois procedimentos. Poder-se-ia, de um lado, sanar a nulidade, devendo o “trecho (…) ser extirpado da decisão” (STJ, HC 88.192/RS). Procedimento diverso seria “anular (…) a sentença de pronúncia, a fim de que outra seja proferida em observância aos limites legais, determinando seu desentranhamento dos autos” (STJ, AgRg no Ag 1278612/GO). Os dois entendimentos encontram respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça4. Confira-se: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DE PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. OCORRÊNCIA. ANULAÇÃO DA PRONÚNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Nos termos do art. 413, § 1º, do Código de Processo Penal, a decisão de pronúncia consiste em um simples juízo de admissibilidade da acusação, satisfazendo-se, tão somente, pelo exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não demandando juízo de certeza necessário à sentença condenatória. 2. No caso, o juízo singular, ao afirmar que as provas dos autos "apontam a existência do crime em análise em desfavor do réu", emitiu efetivo juízo de valor sobre a autoria do delito, de modo que foi caracterizado o excesso de linguagem. 3. Ao contrário do que afirma o Parquet, a expressão utilizada pelo magistrado não indica a existência de meros indícios de autoria, sugerindo, em verdade, convencimento a respeito da autoria delitiva, de modo a poder, posteriormente, influir no ânimo dos jurados quando do julgamento do réu pelo Tribunal do Júri. 4. Assim, se excesso de linguagem houve, ainda que em trecho diminuto da decisão, outra pronúncia deve ser proferida, desta vez sem máculas. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.573.349/SE, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/5/2024, DJe de 23/5/2024.) DIREITO PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. OMISSÃO QUANTO À INTIMAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE RAZÕES RECURSAIS. EXCESSO DE LINGUAGEM NO ACÓRDÃO RECORRIDO. VERIFICADO. ANULAÇÃO DO JULGADO. I. CASO EM EXAME Embargos de declaração opostos em face de acórdão que julgou apelação criminal sem que a embargante tivesse sido previamente intimada para apresentar razões de apelação, tendo sido julgado apenas o recurso ministerial. Além disso, o outro embargante alega excesso de linguagem no acórdão, o qual teria adiantado juízo de valor sobre sua autoria delitiva. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) se houve omissão no acórdão ao não intimar a apelante para apresentar suas razões de apelação; (ii) se o acórdão incorreu em excesso de linguagem ao afirmar a autoria delitiva do embargante, caracterizando prejulgamento. III. RAZÕES DE DECIDIR Ocorre omissão no acórdão recorrido, uma vez que, conforme o artigo 600, § 4º, do Código de Processo Penal, é obrigatória a intimação do apelante que manifesta o interesse de arrazoar em instância superior. O não cumprimento dessa formalidade processual configura nulidade, pois prejudica o exercício do contraditório e da ampla defesa. Constatado o excesso de linguagem no acórdão ao afirmar que o embargante era a única pessoa presente com capacidade de causar as lesões na vítima e que sua autoria estaria confirmada. Ultrapassou-se a descrição de indícios de autoria, caracterizando prejulgamento e violando o princípio da competência constitucional do Tribunal do Júri. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) sustenta que o excesso de linguagem em decisão de pronúncia ou acórdão confirmatório compromete a imparcialidade do julgamento pelo Tribunal do Júri, impondo a anulação do julgado. IV. DISPOSITIVO 4. Embargos de declaração providos. Dispositivos relevantes citados: CPP, arts. 600, § 4º e 619. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 1.647.372/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 30.05.2017; STF, HC nº 123.311/PR, Primeira Turma, DJe 27.10.2015. (TJPI - APELAÇÃO CRIMINAL 0800617-16.2021.8.18.0065 - Relator: JOSE VIDAL DE FREITAS FILHO - 2ª Câmara Especializada Criminal - Data 06/12/2024 ) (grifo nosso). EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, §2º, I, C/C O ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL) E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 14 DA LEI N. 10.826/03). PRELIMINAR DE NULIDADE EXCESSO DE LINGUAGEM. ACOLHIDA. PREJUDICIALIDADE DAS DEMAIS TESES. RECURSO CONHECIDO E PRELIMINAR ACOLHIDA. DECISÃO UNÂNIME. 1. A decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade para submissão do acusado a julgamento pela Corte Popular, daí porque basta o reconhecimento tão somente da materialidade delitiva e dos indícios de autoria ou de participação. 2. Na hipótese, constata-se a existência de excesso de linguagem em alguns trechos da pronúncia. Como o art. 413, § 1º, do Código de Processo Penal visa a garantir a íntima convicção dos jurados, a mera supressão desses trechos implicaria violação ao princípio constitucional da motivação. Portanto, impõe-se a anulação da decisão, o que torna prejudicada a análise das demais teses. Precedentes. 3. Recurso conhecido e preliminar acolhida. Decisão unânime. (TJPI - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO 0000002-33.2018.8.18.0043 - Relator: PEDRO DE ALCANTARA DA SILVA MACEDO - 1ª Câmara Especializada Criminal - Data 24/09/2024 ). Como é cediço, à luz do princípio da economia processual (art. 566 do CPP), é possível afastar a nulidade integral da decisão de pronúncia, notadamente quando a supressão das expressões eivadas do vício não acarretem, de outro lado, a indesejada ausência de fundamentação e o consequente vício, por ofensa ao princípio constitucional da motivação das decisões. A ponderação entre os princípios torna-se necessária quando, diante da retirada das expressões viciadas pelo excesso de linguagem, a manutenção da decisão possa acarretar a ausência de fundamentação, devendo então prevalecer o princípio constitucional da motivação (art. 93, IX, da CF). Na espécie, a decisão de pronuncia contém expressões com juízo de valor, de modo que a sua manutenção implicaria na permanência do vício do excesso de linguagem, enquanto a mera supressão das frases resultaria em verdadeira ausência de fundamentação, em patente ofensa ao princípio constitucional da motivação. Portanto, impõe-se reconhecer a nulidade da decisão de pronúncia, sob pena de indevida influência no ânimo dos jurados, ficando então prejudicada a análise das demais teses. 2. Do dispositivo. Posto isso, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao presente recurso, para acolher a preliminar suscitada e declarar a nulidade da decisão de pronúncia em face do excesso de linguagem, ao tempo em que determino o seu desentranhamento dos autos do Processo de Origem nº 0000433-14.2017.8.18.0072, devendo outra ser proferida, em observância aos limites previstos no art. 413, §1º do CPP, em dissonância com o parecer do Ministério Público Superior. Oficie-se ao juízo de origem para ciência e cumprimento da presente decisão, recomendando-se prioridade no julgamento do feito. É como voto. 1 Código de Processo Penal (Decreto Lei 3.689/1941). Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. 2 Confira-se no STF: ARE 984373 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, 1ªT., j.14/10/2016; RHC 122467, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, 2ªT., j.03/06/2014. 3 Confira-se na jurisprudência do STF: “EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. NULIDADE PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DE DEFENSOR CONSTITUÍDO. PREJUÍZO DEMONSTRADO. Ausência de intimação do defensor constituído para comparecer na audiência de oitiva das testemunhas da acusação. O legislador processual penal acolheu expressamente o princípio de conservação, significando que, sem prejuízo, não há que se reconhecer nulidade, ainda que se esteja diante de vício existente. Prejuízo aferido em relação ao procedimento concreto no qual está sendo questionado o descumprimento da normativa estabelecida em lei. Desrespeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, uma vez que a prova oral produzida na audiência de instrução realizada sem a prévia intimação do defensor constituído e do próprio réu foi relevante na conclusão do juízo condenatório Prejuízo demonstrado. Nulidade reconhecida. Recurso ordinário em habeas corpus não provido, mas com concessão da ordem ofício, para invalidar, desde a audiência de inquirição de testemunhas da acusação, inclusive, o Processo nº 035.020.583.437 (2965) da Terceira Vara Criminal da Comarca de Vila Velha/ES, anulando, em consequência, a condenação penal imposta.” (STF. RHC 107394, Rel. Min. ROSA WEBER, 1ªT., j.16/04/2013). 4 Confira-se ainda no STJ, in verbis: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO, SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. LEI 11.689/08. NOVO ART. 478 DO CPP. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Muito embora o STF, recentemente (HC 96.123/SP, Rel. Min. Carlos Brito, julgado em 3/2/09), tenha expressado entendimento no sentido de que, em razão da superveniência da Lei 11.689/08 – que deu nova redação ao art. 478 do CPP, impossibilitando as partes de fazerem referências à sentença de pronúncia durante os debates –, não mais haveria o interesse de agir das impetrações que alegassem excesso de linguagem, a norma inserta no novo art. 480, § 3º, do CPP permite aos jurados a oportunidade de examinar os autos logo após encerrados os debates. 2. Devem ser excluídos da sentença de pronúncia trechos nos quais o magistrado emite opinião quanto à autoria do crime, pois, de alguma forma, pode, em prejuízo à defesa, influir na convicção dos jurados. 3. Se a sentença de pronúncia subsiste de maneira independente, admitindo a acusação em face das provas até então produzidas quanto à materialidade e aos indícios de autoria (antigo art. 408 do Código de Processo Penal), não há por que anulá-la por completo. Precedentes do STJ. 4. Ordem parcialmente concedida para que o Juízo de primeiro grau risque da sentença de pronúncia o trecho no qual emite juízo de valor sobre a autoria do crime, identificado no corpo deste voto. (STJ, HC 84396/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, 5ªT., j.23/06/2009). DECISÃO Acordam os componentes da Egrégia 1ª Câmara Especializada Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, à unanimidade, em conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Relator(a). Participaram do julgamento os(as) Excelentíssimos(as) Senhores(as) Desembargadores(as): MARIA DO ROSARIO DE FATIMA MARTINS LEITE DIAS, PEDRO DE ALCANTARA DA SILVA MACEDO e SEBASTIAO RIBEIRO MARTINS. Acompanhou a sessão, o(a) Excelentíssimo(a) Senhor(a) Procurador(a) de Justiça, ANA CRISTINA MATOS SEREJO. Plenário Virtual do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, Teresina, 4 a 11 de julho de 2025. Des. Pedro de Alcântara da Silva Macêdo - Relator e Presidente da Sessão -
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