Processo nº 0003376-94.2025.4.05.8001
ID: 283254146
Tribunal: TRF5
Órgão: 10ª Vara Federal AL
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 0003376-94.2025.4.05.8001
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARIANA PEREIRA SILVA BORBA DE OLIVEIRA
OAB/AL XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL DA 5ª REGIÃO Processo Judicial Eletrônico 10ª VARA FEDERAL AL PROCESSO: 0003376-94.2025.4.05.8001 - PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) AUTOR: ANTONIO CARLOS PEREIRA PACHECO …
JUSTIÇA FEDERAL DA 5ª REGIÃO Processo Judicial Eletrônico 10ª VARA FEDERAL AL PROCESSO: 0003376-94.2025.4.05.8001 - PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) AUTOR: ANTONIO CARLOS PEREIRA PACHECO Advogado do(a) AUTOR: MARIANA PEREIRA SILVA BORBA DE OLIVEIRA - AL14719 REU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF SENTENÇA 1. RELATÓRIO: Trata-se de ação sumaríssima proposta por ANTONIO CARLOS PEREIRA PACHECO contra a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF), em que objetiva autorização judicial para saque do valor depositado na conta do FGTS do autor, para fins de tratamento de saúde. No mais, relatório dispensado, nos termos do parágrafo único do art. 38 da Lei nº 9.099/1995, aplicável subsidiariamente aos Juizados Especiais Federais, em consonância com o art. 1º da Lei nº 10.259/2001. 2. FUNDAMENTAÇÃO: Comporta a lide imediato julgamento, nos moldes do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil - CPC, por se tratar de matéria de direito e de fato cuja análise independe de outras provas além dos documentos existentes nos autos. Depreende-se da proemial (ID 63739323) que o autor, empregado da CEF diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), ajuizou ação visando à liberação do saldo integral de sua conta vinculada ao FGTS, no valor de R$ 63.679,33, para custear tratamento de saúde. Alega que seu pedido administrativo foi indeferido sob a justificativa de ausência de “Relatório Médico de Doenças Graves”, exigência que considera desarrazoada e desproporcional, pois apresenta relatório médico suficiente emitido por psiquiatra. Sustenta que, embora a hipótese não esteja expressamente prevista no art. 20 da Lei nº 8.036/1990, a jurisprudência reconhece a possibilidade de saque em casos análogos, especialmente diante do caráter social do FGTS e dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde. Requereu a procedência da ação, “com o deferimento do saque do valor depositado na conta do FGTS do Autor, hoje no total de R$ 63.679,33 (sessenta e três mil, seiscentos e setenta e nove reais e trinta e três centavos)”. Em sede de contestação (ID 61020335), a CEF sustenta que a liberação do FGTS por motivo de doença grave está condicionada ao cumprimento das exigências legais previstas no art. 20 da Lei nº 8.036/1990, na Circular CAIXA 1.058/2024 e em diversas ações civis públicas, exigindo-se laudo médico e atestado emitido por Perito Médico Federal, conforme determina a Lei nº 13.846/2019. Alega que o pedido da parte autora foi indeferido administrativamente por ausência da documentação exigida, notadamente a análise pericial. Argumenta, ainda, que a opção da parte autora pelo “Saque-Aniversário” não autoriza a liberação integral dos valores, salvo nas hipóteses expressamente previstas em lei. Destaca que a condição de saúde invocada não atende aos critérios legais de gravidade exigidos, especialmente quanto ao TEA, cuja autorização de saque depende da comprovação de grau severo (nível 3), nos termos da Ação Civil Pública nº 5039405-17.2022.4.02.5101. A CEF frisa, ainda, que atua como agente operador do fundo, sem competência para decidir sobre a liberação fora dos parâmetros legais, e ressalta que o FGTS tem destinação específica, sendo vedado seu saque fora das hipóteses previstas, a fim de garantir a sustentabilidade do fundo e o atendimento de suas finalidades sociais. Pugnou pela improcedência da demanda. Na réplica (ID 67783335), o autor refuta os argumentos da parte adversa, sustentando que a negativa de saque do FGTS com base na ausência de previsão expressa no art. 20 da Lei nº 8.036/1990 e na não apresentação de relatório médico padronizado é indevida. Defende que o rol legal é exemplificativo e que a jurisprudência admite o saque em situações excepcionais, como no caso de pessoa diagnosticada com TEA, independentemente do grau da condição. Ressalta que o relatório médico apresentado é suficiente para demonstrar a gravidade da enfermidade e a necessidade de tratamento, sendo desproporcional a exigência de formulário específico. Argumenta ainda que a adesão ao saque-aniversário não impede a liberação judicial do saldo em casos de doença grave. Conclui pela procedência do pedido inicial, como forma de garantir os direitos fundamentais à saúde e à dignidade da pessoa humana. Em despacho de ID 68375212, restou determinada a designação de perícia médica judicial, a qual foi realizada, em 05/05/2025, consoante laudo de ID 70530970. Intimadas acerca do laudo médico, as partes se manifestaram, respectivamente, em IDs 70829987 e 72099255. Estabelecidas as características e limites da lide, com a exposição sintética da causa de pedir e dos pedidos, passo a analisar o mérito da causa, notadamente pela inexistência de questões preliminares. Pois bem. Avaliando as questões deduzidas no feito, verifica-se que as teses sustentadas pela parte ré não se sustentam diante da robusta fundamentação jurídica e fática apresentada pela parte autora. Inicialmente, quanto à alegação de que a movimentação da conta vinculada ao FGTS depende, necessariamente, da observância estrita do rol previsto no art. 20 da Lei nº 8.036/1990 e da apresentação de laudo emitido por Perito Médico Federal, impõe-se registrar que tal entendimento não encontra respaldo na interpretação que se extrai da própria finalidade do FGTS, tampouco na jurisprudência consolidada dos tribunais superiores. Com efeito, o referido rol legal, embora indique hipóteses autorizadoras do saque, tem sido compreendido como exemplificativo, de modo a admitir, em situações excepcionais e devidamente comprovadas, a liberação dos valores quando em evidência estiverem direitos fundamentais, como a saúde e a dignidade da pessoa humana. A propósito, pertinente colacionar o entendimento sedimentado dos Tribunais Regionais Federais, na esteira da compreensão firmada pelo Superior Tribunal de Justiça: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA. FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. MOVIMENTAÇÃO DA CONTA VINCULADA PARA TRATAMENTO DE DOENÇA DO DEPENDENTE NÃO PREVISTA NA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. EXCEPCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. Trata-se de remessa oficial em face de sentença que concedeu a segurança pleiteada, confirmando a liminar, autorizando a liberação do saque do FGTS, a fim de custear tratamento médico do filho da impetrante que possui Transtorno do Espectro Autista (CID F84). 2. Consoante a jurisprudência pacífica o rol previsto no art. 20 da Lei n.º 8.036/90 não é exaustivo, razão pela qual deve ser assegurada a liberação do saldo de FGTS em situações nas quais os direitos fundamentais estejam ameaçados, como no caso de doença grave do dependente da conta, ainda que se trate de doença não prevista de forma expressa na legislação de regência. Precedentes: (REO 1022771-42.2018.4.01 .3400, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 - QUINTA TURMA, PJe 03/03/2021; AC 1001255-28.2021.4.01 .3507, DESEMBARGADOR FEDERAL JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA, TRF1 - SEXTA TURMA, PJe 13/12/2021). 3. Na hipótese, a impetrante possui um filho com autismo, o qual necessita de tratamento com profissionais especializados de forma frequente e contínua, a fim de estimular o seu pleno desenvolvimento, resultando em um procedimento de alto custo. Por tal razão deve ser mantida a sentença que assegurou o saque integral dos valores depositados na conta vinculada do FGTS da impetrante. 4. Remessa necessária desprovida. (TRF-1 - AMS: 10170553420184013400, Relator.: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS AUGUSTO PIRES BRANDÃO, Data de Julgamento: 01/12/2022, 5ª Turma, Data de Publicação: PJe 01/12/2022 PAG PJe 01/12/2022 PAG – sem grifos no original). REMESSA NECESSÁRIA. FGTS. LEVANTAMENTO. SAQUE PARA TRATAMENTO DE DOENÇA DE DEPENDENTE. AUTISMO GRAVE E OUTRAS ENFERMIDADES. POSSIBILIDADE. ART. 20 DA LEI Nº 8 .036/90. ROL NÃO TAXATIVO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Remessa necessária em face da sentença que, confirmando a liminar anteriormente deferida, concedeu parcialmente a segurança para determinar a liberação de levantamento do saldo integral da conta fundiária do impetrante, em razão da gravidade do estado de saúde de seu filho. 2. Na origem, o impetrante narrou que seu filho é absolutamente incapaz e portador de autismo grave, obesidade e diabetes mellitus, encontrando-se internado desde agosto de 2017. Diante de tal situação, postulou a liberação dos recursos existentes na sua conta fundiária, alegando que o estado de saúde do rapaz exige a aquisição de remédios caros e contratação profissional para acompanhamento permanente (24 horas). 3. O STJ possui entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que o rol das hipóteses de movimentação da conta de FGTS, estabelecido no art. 20 da Lei nº 8.036/90, é exemplificativo. Precedente: STJ, 3ª Turma, REsp 1.083.061, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJE 7.4.2010. Em igual sentido, no TRF2: 5ª Turma Especializada, AC 00045730920094025001, Rel. Des. Fed. RICARDO PERLINGEIRO, DJE: 28.1 .2016; 5ª Turma Especializada, AC 00072147220064025001, Rel. Des. Fed. MARCUS ABRAHAM, DJE: 20 .6.2013). 4. O vulto das despesas inerentes ao tratamento de determinadas doenças justifica o saque dos recursos do FGTS, podendo a medida significar para o paciente, não apenas uma chance maior de recuperação, mas, em certos casos, no mínimo, a garantia de uma sobrevida mais digna. Por essa razão, não se mostra razoável nem condizente com o princípio da dignidade humana restringir a movimentação da conta fundiária aos casos em que a doença esteja "em estado terminal", como poderia sugerir, em uma análise superficial, o inciso XVI do art. 20 da Lei nº 8.036/90. 5. Restou demonstrado que o filho do impetrante, com aproximadamente 27 anos de idade, é portador de autismo grave, além de obesidade e diabetes mellitus, encontrando-se internado, sem previsão de alta hospitalar. Tal quadro, por si só, é suficiente para demonstrar que o mesmo necessita de diversos tratamentos regulares e simultâneos, razão pela qual se afigura pertinente a autorização de saque dos depósitos do FGTS. 6. Tratando-se de mandado de segurança, sem honorários advocatícios, ex vi do art. 25 da Lei 12.016/2009 e da Súmula nº 105 do STJ. 7. Remessa necessária não provida. (TRF-2 - REOAC: 00761788820184025101 RJ 0076178-88.2018.4.02 .5101, Relator.: RICARDO PERLINGEIRO, Data de Julgamento: 16/10/2019, 5ª TURMA ESPECIALIZADA – sem grifos no original). APELAÇÃO. LEVANTAMENTO DO SALDO DE CONTA VINCULADA AO FGTS. AUTISMO E TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. DOENÇA GRAVE NÃO PREVISTA EXPRESSAMENTE PELA LEI N. 8.036/1990. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. TUTELA AO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. RECURSO PROVIDO. 1. O FGTS, conforme se infere da jurisprudência deste Tribunal, possui natureza alimentar, tendo como objetivo assegurar ao trabalhador o mínimo de dignidade - princípio maior do ordenamento constitucional pátrio - nos momentos de maiores dificuldades (desemprego, doença grave, etc): 2. O artigo 20 d Lei 8.036/90 elenca quais são as hipóteses autorizadoras da movimentação do saldo do FGTS. Nesse cenário, constata-se que o artigo 20 da Lei 8.036/90 não pode ser interpretado de maneira restritiva, mas sim de forma teleológica, juntamente com o artigo 6º da Constituição Federal, que alça a saúde ao patamar de direito constitucional social e fundamental. 3. Por tais razões, independentemente de se aferir se o fundista ou seu familiar está em estágio terminal, pode o magistrado ordenar o levantamento do saldo da conta do FGTS mesmo fora das hipóteses previstas no art. 20 da Lei n. 8 .036/90, desde que tal liberação tenha como finalidade atender à necessidade social premente, sobretudo em hipóteses em que se busca resguardar a saúde de membro da família da parte autora, assegurando-lhe melhor qualidade de vida, logo um bem jurídico constitucionalmente tutelado. 4. A jurisprudência pátria vem decidindo a favor do levantamento do saque do FGTS em diversos casos de pessoas diagnosticadas autismo e Transtorno do Espectro Autista. Precedentes. 5. Apelação provida. (TRF-3 - ApCiv: 50277108320214036100 SP, Relator.: Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, Data de Julgamento: 08/09/2022, 2ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 13/09/2022 – sem grifos no original). ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SAQUE. FGTS. AUTISMO. POSSIBILIDADE. 1. Há entendimento consolidado no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região permitindo o levantamento dos valores depositados nas contas vinculadas de FGTS sob o fundamento de que o rol do art. 20 do referido diploma legal não é taxativo, e sua interpretação deve atender aos fins sociais da norma. 2. Ainda, o artigo 1º da Lei 12.764/2012, que institui a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, no seu parágrafo segundo, determina que "a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais". 3. Nesse contexto, considerando que a recorrente comprovou que o seu filho é portador de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), CID 10 F.84, com necessidade de realização de terapia multidisciplinar contínua. assiste-lhe o direito ao saque do saldo atual e existente na conta vinculada do FGTS. 4. Agravo de instrumento provido. (TRF-4 - AG: 50305252220234040000 RS, Relator.: ROGER RAUPP RIOS, Data de Julgamento: 21/11/2023, 3ª Turma – sem grifos no original). DIREITO ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. LEVANTAMENTO DE FGTS. SAQUE PARA TRATAMENTO DE DOENÇA DE DEPENDENTE. AUTISMO. POSSIBILIDADE. ART. 20 DA LEI Nº 8.036/90. ROL NÃO TAXATIVO. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA NECESSÁRIA NÃO PROVIDA. 1. Trata-se de remessa necessária em face de sentença proferida pelo juízo da 18ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará que, em sede de mandado de segurança contra ato reputado abusivo e ilegal atribuído a Gerente da Caixa Econômica Federal, que obstou o saque dos valores devidos a título de FGTS, concedeu a segurança pleiteada, confirmando a decisão liminar proferida nos autos que determinou à autoridade impetrada que possibilitasse o levantamento dos valores depositados na (s) conta (s) fundiária (s) do impetrante. 2. Narrou o impetrante na exordial, em síntese: 1) foi demitido sem justa pelo Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar em 22/02/2022, seu cônjuge faleceu em 26/01/2020 e é responsável pelos cuidados de seus 2 (dois) filhos menores, sendo que um deles é portador de Transtorno do Espectro Autista, o que demanda excessivos gastos; 2) o próprio impetrante está em tratamento médico psiquiátrico (4058103.26061356). 3. No caso tratado nos autos, o impetrante, optante do saque na modalidade aniversário, foi demitido sem justa pelo Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar em 22/02/2022. Contudo, a despeito da opção na modalidade constante do art. 20-A, § 2º, II, da Lei nº 8.036/90, a hipótese que justifica a possibilidade de saque da conta fundiária fundamenta-se na existência de doença grave de membro da família (filho com diagnóstico de autismo). 4. Em que pese a não inclusão da doença que acomete o filho do impetrante no rol do citado dispositivo, a jurisprudência, com supedâneo em uma interpretação teleológica e axiológica, vem permitindo o saque dos valores depositados na conta fundiária, quando o titular sofrer de enfermidade diversa, mas igualmente grave que justifique a sua inserção na hipótese de exceção. 5. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que o rol das hipóteses de movimentação da conta de FGTS estabelecido no art. 20 da Lei nº 8 .036/90 é exemplificativo. 6. Embora o transtorno do espectro autista não esteja dentre as doenças elencadas na Lei 8.036/90, equipara-se à moléstia grave, tendo em vista que o vulto das despesas inerentes ao seu tratamento justifica o saque dos recursos do FGTS. Por essa razão, não se mostra razoável nem condizente com o princípio da dignidade humana restringir a movimentação da conta fundiária aos casos em que a doença esteja "em estado terminal", como poderia sugerir, em uma análise superficial, o inciso XVI do art. 20 da Lei nº 8.036/90. 7. No caso dos autos, conforme Laudo médico, o filho do impetrante é portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA) e necessita ser submetido a tratamento multidisciplinar. Tal quadro, por si só, é suficiente para demonstrar que o mesmo necessita de diversos tratamentos regulares e simultâneos, razão pela qual se afigura pertinente a autorização de saque dos depósitos do FGTS. 8. Remessa oficial não provida. Retifique-se a autuação para excluir a existência de apelação. (TRF-5 - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA: 0801603-68.2022.4 .05.8103, Relator.: LEONARDO AUGUSTO NUNES COUTINHO, Data de Julgamento: 07/11/2023, 7ª TURMA – sem grifos no original). ADMINISTRATIVO. LEVANTAMENTO DO SALDO DE CONTA VINCULADA AO FGTS. DOENÇA GRAVE NÃO PREVISTA EXPRESSAMENTE PELA LEI 8.036/90. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. REMESSA DESPROVIDA. 1. A relação de doenças previstas no artigo 20 da Lei 8.036/90, como hipóteses de levantamento em uma única vez do saldo do FGTS, não é exaustiva, devendo, no caso concreto, ser analisada a gravidade da moléstia que acomete o titular da conta vinculada ou seus dependentes. Assim, cabível interpretação extensiva das hipóteses descritas no mencionado artigo com o intuito de conferir a máxima efetividade à tutela da saúde. 2. Nos casos de doenças comprovadamente graves, que limitam as atividades do indivíduo ou seus dependentes, causando-lhe sérias restrições de toda a ordem, não há justificativa para que seja interpretada restritivamente a norma, podendo ser acolhido o pedido de liberação do saldo da conta de FGTS para o caso de autismo severo da filha da titular. 3. Remessa desprovida. (TRF-6 - RemNec: 10001758720234063808 MG, Relator.: GLAUCIO FERREIRA MACIEL GONCALVES, Data de Julgamento: 06/12/2024, 3ª Turma, Data de Publicação: 09/12/2024 – sem grifos no original). No caso concreto, ficou incontroverso o diagnóstico do autor como pessoa com TEA, conforme documentação médica idônea firmada por profissional habilitado (IDs 63739330, 63739331 e 63739332), além de laudo pericial judicial que confirma a condição clínica e a necessidade de tratamento terapêutico contínuo. Nesse ponto, indispensável destacar que, ante a controvérsia instalada na presente demanda, nos moldes estabelecidos no despacho de ID 68375212, a parte autora se submeteu a perícia médica judicial, sobrevindo aos autos o laudo médico de ID 70530970, o qual, além de corroborar as alegações autorais, não restou impugnado pela parte demandada. Assim, o laudo médico é bastante claro e indene de dúvidas, sendo acolhido por este juízo em sua integralidade. Outrossim, a exigência formal de apresentação de laudo pericial federal, ainda que respaldada por norma infralegal e orientações internas da CEF, mostra-se desproporcional e ineficaz diante da realidade individual do autor, sobretudo quando se verifica que já há nos autos comprovação suficiente da gravidade da condição de saúde, sendo suplantada, notadamente, pela perícia médica judicial realizada. Portanto, a atuação da CEF se mostra incompatível com os princípios constitucionais da proteção integral à saúde, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, porquanto a exigência de um único tipo de laudo, de natureza administrativa, com exclusão de qualquer outro meio probatório legítimo e eficaz, representa violação ao princípio do devido processo legal substantivo e nega efetividade ao direito fundamental à saúde. Ademais, a alegação de que a opção do autor pela modalidade “Saque-Aniversário” obsta a liberação do saldo total do FGTS não merece prosperar. Conforme reconhecido em diversas decisões judiciais, a adesão ao saque-aniversário não impede a movimentação da conta vinculada nos casos excepcionais de doença grave do titular ou de seus dependentes, uma vez que a própria legislação que trata da modalidade admite a coexistência com outras hipóteses legais de saque, o que aponta ao entendimento de que essa opção contratual não se sobrepõe a situações que demandem a máxima proteção de direitos fundamentais. Nesse contexto, a propósito, transcrevo precedente elucidativo sobre a questão: FGTS. LEVANTAMENTO DO SALDO DA CONTA VINCULADA. DOENÇA GRAVE. ARTIGO 20 DA LEI 8 .036/1990. ROL NÃO EXAUSTIVO. DOENÇA DO ESPECTRO AUTISTA. SAQUE ANIVERSÁRIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA. 1. Resta consolidada a jurisprudência no sentido de que o rol de doenças graves, previsto no artigo 20 da Lei 8 .036/1990, para movimentação da conta do FGTS, não é exaustivo, podendo ser deferido o benefício diante de outras doenças à luz da finalidade social da legislação, como no caso do transtorno do espectro autista (TEA). 2. A Lei 12.764/2012 instituiu a denominada Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, prevendo, expressamente, no artigo 1º, § 2º, que “A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”. 3. A legislação conferiu, pois, tratamento especial para tornar mais digna a vida e promover a integração social dos portadores do transtorno do espectro autista, revelando que a liberação do saldo do FGTS para custear despesas de tratamento vai ao encontro da política nacional adotada e cumpre mandamento jurisprudencial no sentido da “Possibilidade de liberação do saldo do FGTS não elencada na lei de regência, mas que se justifica, por ser o direito à vida, à saúde e à dignidade do ser humano garantias fundamentais assegurada constitucionalmente” (REsp 750.756). 4. A opção pela modalidade saque-aniversário não impede levantamento do saldo de FGTS, no caso de grave enfermidade do titular da conta ou dependente, conforme preceitua o artigo 20-A, § 2º, II, da Lei 8.036/1990. Ademais, em que pese haver alienação fiduciária na conta, é permitido levantamento do saldo depositado em conta com execução antecipada da dívida, nos termos de seu artigo 20, XI, XIII e XIV, e do artigo 7º, § 2º, da Resolução 958/2020, do Conselho Curador do FGTS. 5. Apelação e remessa necessária desprovidas. (TRF-3 - ApelRemNec: 50261645620224036100 SP, Relator.: LUIS CARLOS HIROKI MUTA, Data de Julgamento: 08/06/2023, 1ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 13/06/2023 – sem grifos no original). Logo, ainda que se pudesse argumentar que o TEA exige comprovação de um grau elevado de comprometimento (nível 3) para fins de liberação do FGTS, tal exigência não encontra amparo na legislação vigente. A classificação por níveis dentro do espectro do autismo é ferramenta clínica, não jurídica, e sua utilização como critério limitador ao exercício de direitos sociais esvazia o sentido de proteção conferido pela Lei nº 12.764/2012, que equipara expressamente a pessoa com TEA à pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais. Dessarte, condicionar a liberação do FGTS a essa gradação significa ignorar o caráter multidimensional das necessidades associadas ao autismo e, mais grave, legitimar uma discriminação arbitrária entre sujeitos de direitos igualmente tutelados. Cumpre ainda consignar recente julgado da Egrégia Turma Recursal acerca de caso de grande similitude: RESPOSNABILIDADE CIVIL. LIBERAÇÃO DE SALDO FGTS. LEVANTAMENTO EM RAZÃO DE FILHO AUTISTA. ARTIGO 20, XIV, DA LEI Nº 8.036/1990. ROL EXEMPLIFICATIVO. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Recurso inominado interposto em face de sentença que julgou PROCEDENTE a pretensão autoral no sentido de garantir o direito do autor ao levantamento do FGTS em razão de filho autista. 2. Pretensão recursal do réu no sentido da impossibilidade do levantamento pelos motivos que aduz em sede recursal, precisamente, por ausência de requisitos legais. 3. Narra a autora que: “A autora, empregada sob o regime celetista, tem conta vinculada ao FGTS, com saldo de R$ 67.083,05, conforme extrato anexo. Em 08.02.2018 nasceu seu filho Enzo Lemuel Moreira Pitanga. No início de 2022 foram identificados sinais de atraso no desenvolvimento da criança, bem como frequentes crises de ansiedade, comportamento agressivo, instabilidade no humor e retração social. Conforme “relatório médico” anexo, firmado pelo Dr. Humberto Santos Júnior, psiquiatra da infância: 2 Filho Autista A autora, empregada sob o regime celetista, tem conta vinculada ao FGTS, com saldo de R$ 67.083,05, conforme extrato anexo. Em 08.02.2018 nasceu seu filho Enzo Lemuel Moreira Pitanga. No início de 2022 foram identificados sinais de atraso no desenvolvimento da criança, bem como frequentes crises de ansiedade, comportamento agressivo, instabilidade no humor e retração social. Conforme “relatório médico” anexo, firmado pelo Dr. Humberto Santos Júnior, psiquiatra da infância:“...o paciente acima citado (Enzo Lemuel Moreira Pitanga) faz acompanhamento ambulatorial desde 09/05/2022 devido diagnóstico F 84.0 (CID-10) (autismo infantil). (...) Resta, assim, demonstrada a necessidade de cuidados especiais em casa, bem como a submissão a terapias multidisciplinares. No entanto, a autora não tem condições financeiras para suportar os encargos extraordinários decorrentes do tratamento de seu filho. Assim, necessita, com urgência, da liberação do saldo de sua conta vinculada ao FGTS." 4. A CEF alegou em recurso que a parte não preenche os requisitos legais para liberação do saldo de FGTS. 5. A sentença recorrida analisou a matéria fático-probante com exatidão e de modo pormenorizado, reconhecendo a procedência do pedido ante a comprovação de que o autor tem filho com autismo e precisa dessa verba para custear seu tratamento, composto de • Fonoaudiologia – 5h, Psicologia – 10h e Terapia Ocupacional – 5h, fazendo jus ao levantamento do FGTS, nos termos do art. 20, XIV, da Lei nº 8.036/1990. 6. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AI 852.520 (AgRedD), entendeu que a fundamentação per relationem pode ser utilizada pelo julgador, sem que isso implique negativa de prestação jurisdicional. Dessa forma, adoto as razões da douta sentença, abaixo transcrita, como fundamento desta decisão: “Cabe analisar o direito alegado, qual seja, o direito à movimentação do FGTS com base em interpretação ampliativa do artigo 20, XIV da Lei nº 8.036/1990. O STJ tem julgados no sentido de que as hipóteses de levantamento de saldos do FGTS não se restringem àquelas previstas expressamente em lei, tendo por base o alcance social da norma (REsp n. 853.002/SC, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19/9/2006, DJ de 3/10/2006, p. 200.). Nesse contexto, passou a ampliar também as doenças graves que ensejariam a referida liberação, caracterizando o rol como meramente exemplificativo. Há, nos autos, relatório médio do psiquiatra Dr. Humberto Santos Junior (CRM/AL n. 3589) indicando que o filho da autora é portador de CID F84 (transtornos globais de desenvolvimento, autismo atípico) e que deve realizar terapias multidisciplinares 5 vezes por semana, com métodos PECS, TEACCH, PROMPT, ABA, Psicomotricidade, AVDs, integração sensorial com fonoaudiologia (5 horas semanais), psicologia (10 horas semanais) e terapia ocupacional (5 horas semanais) (cf. doc. id. 16126724). Assim, tenho por desnecessária perícia médica judicial. Nesse contexto, considerando a interpretação ampliativa da norma do artigo 20, XIV, da Lei nº 8.036/1990, levada a cabo pelo STJ em casos de doenças ou deficiências físicas e mentais congênitas ou de doenças de extrema gravidade, como o Mal de Parkinson (AGRESP 630602/CE, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª Turma, DJ 30/09/2004, p. 229), cabe depreender que o autismo constitui igualmente doença grave, a justificar o direito à movimentação de conta do FGTS. Neste sentido, a jurisprudência do Egrégia TRF da 5ª Região: ADMINISTRATIVO. FGTS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TR. INCIDÊNCIA. APELAÇÃO. PROVIMENTO. I - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte apontam na direção da possibilidade da liberação de saldo da conta vinculada do FGTS para tratamento de doença grave. II - O artigo 20, da Lei nº 8.036/90 não apresenta rol taxativo, mas exemplificativo. III - No caso dos autos, restou devidamente comprovado que o filho do autor é portador de Síndrome do Transtorno do Espectro do Autismo (CID10-DSM 5), sendo necessário tratamento contínuo e por tempo indeterminado. V - Provimento da Apelação. (PROCESSO: 08117492220184058100, APELAÇÃO CÍVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE, 1ª TURMA, JULGAMENTO: 24/10/2019) Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos para determinar, após o trânsito em julgado, e mediante expedição de alvará, a liberação do saldo do FGTS da parte autora..” 7. Tais fatos e fundamentos evidenciam a comprovação dos requisitos para saque do FGTS requerido, motivo pelo qual a sentença deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos. 8. Recurso improvido, condenando-se a recorrente, vencida, ao pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação. (PROCESSO: 00141835020234058000, RECURSO INOMINADO CÍVEL, SERGIO JOSE WANDERLEY DE MENDONCA, 3ª RELATORIA JF/AL, JULGAMENTO: 02/05/2024). Desse modo, é importante destacar que a pretensão da parte autora encontra respaldo não apenas na comprovação da necessidade, mas também na evidente finalidade social do FGTS: prover o trabalhador de recursos em momentos de especial vulnerabilidade. Assim, negar o acesso aos valores vinculados, especialmente quando já demonstrada a existência de tratamento necessário e contínuo para uma condição permanente como o TEA, implicaria conferir prevalência a formalidades administrativas em detrimento de garantias constitucionais inafastáveis. Não há, pois, óbice jurídico ou fático que justifique a negativa de liberação dos valores pleiteados, de modo que a pretensão autoral está amparada por fundamentos legítimos, por provas inequívocas e pela interpretação que melhor concretiza os direitos fundamentais em testilha, razão pela qual deve ser integralmente acolhida. 3. DISPOSITIVO: Ante o exposto, julgo procedente a pretensão autoral, para determinar a liberação do saldo do FGTS da parte autora, na forma requerida na exordial. Sem condenação em custas e honorários advocatícios (art. 55 da Lei nº 9.099/1995). No caso de recurso, os autos deverão ser enviados à Turma Recursal. Não havendo recurso ou no retorno deste com a manutenção da sentença: (a) certifique-se, na primeira hipótese, o trânsito em julgado; (b) intime-se a parte autora para que, no prazo de 15 (quinze) dias, demonstre interesse em impulsionar a execução, caso em que deverá requerer a intimação da parte ré e apresentar planilha de cálculos com demonstrativo discriminado e atualizado do crédito; (c) comprovado nos autos o depósito dos valores referentes à condenação, vistas à parte exequente pelo prazo de 05 (cinco) dias. Após, inexistindo impugnação, expeça-se alvará; (d) nada mais sendo requerido pelas partes, remeta-se o processo para baixa e arquivamento. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Providências necessárias. Arapiraca/AL, data da assinatura eletrônica. Juiz Federal
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