Francisco Josue Da Silva x 99 Taxis Desenvolvimento De Softwares Ltda.
ID: 262453572
Tribunal: TRT7
Órgão: OJ de Análise de Recurso
Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA
Nº Processo: 0000937-54.2024.5.07.0032
Data de Disponibilização:
29/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUIZ ANTONIO DOS SANTOS JUNIOR
OAB/SP XXXXXX
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PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA
OAB/MG XXXXXX
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PEDRO ZATTAR EUGENIO
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relatora: REGINA GLAUCIA CAVALCANTE NEPOMUCENO 0000937-54.2024.5.07.0032 : FRANCISCO J…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relatora: REGINA GLAUCIA CAVALCANTE NEPOMUCENO 0000937-54.2024.5.07.0032 : FRANCISCO JOSUE DA SILVA : 99 TAXIS DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARES LTDA. INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Decisão ID 460ed25 proferida nos autos. 0000937-54.2024.5.07.0032 - 1ª TurmaRecorrente(s): 1. FRANCISCO JOSUE DA SILVA Recorrido(a)(s): 1. 99 TAXIS DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARES LTDA. RECURSO DE: FRANCISCO JOSUE DA SILVA PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS Recurso tempestivo (decisão publicada em 11/02/2025 - Id 22715e3; recurso apresentado em 18/02/2025 - Id cbbd84e). Representação processual regular (Id 8425b5c). Preparo dispensado (Id 0ea4a44). PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS TRANSCENDÊNCIA Nos termos do artigo 896-A, § 6º, da Consolidação das Leis do Trabalho, cabe ao Tribunal Superior do Trabalho analisar se a causa oferece transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica. 1.1 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR (14007) / INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL 1.2 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR (14007) / INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL Alegação(ões): - contrariedade à(ao): Súmula nº 392; Súmula nº 126 do Tribunal Superior do Trabalho. - violação do(s) inciso XXII do artigo 7º; incisos V e X do artigo 5º; inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal. - divergência jurisprudencial. O Recorrente sustenta que o TRT interpretou de forma restritiva o dever da empresa em garantir um ambiente de trabalho seguro, desconsiderando a responsabilidade objetiva do empregador pelos riscos inerentes ao trabalho (Súmula 392 do TST) e o direito à redução desses riscos (CF, art. 7º, XXII). A alegação central é que, mesmo sem vínculo empregatício formal, a 99 tinha o dever de proporcionar condições mínimas de segurança ao reclamante, e a sua omissão contribuiu para o ocorrido. O recorrente afirma que a negativa de indenização por danos morais viola os direitos fundamentais à inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem, e a proteção contra ofensas à dignidade (CF, art. 5º, V e X). A falta de suporte e assistência por parte da 99 após o assalto, segundo o recorrente, configura ato ilícito e gera responsabilidade civil da empresa. Alega, por fim, que o TRT não analisou adequadamente as provas apresentadas, ignorando a responsabilidade objetiva da empresa em garantir segurança, contrariando a Súmula 126 do TST e o princípio da motivação das decisões judiciais (CF, art. 93, IX). A empresa teria falhado na prestação de serviços seguros e na assistência ao reclamante após o roubo. O reclamante/recorrente requer a reforma do acórdão do TRT da 7ª Região para: Reconhecimento da responsabilidade civil objetiva da reclamada pelos danos materiais: No valor total de R$ 55.830,00, decorrentes do roubo sofrido enquanto trabalhava. Reconhecimento da responsabilidade civil da reclamada pelos danos morais: No valor de R$ 20.000,00, baseado na violação dos artigos 5º, V e X da Constituição Federal. Fundamentos do acórdão recorrido: […] ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade recursal, a saber, tempestividade, regularidade formal e inexigível o depósito recursal. Custas processuais dispensadas em face da concessão dos benefícios da justiça gratuita. Presentes, também, os pressupostos intrínsecos, legitimidade, interesse recursal e cabimento. Merece conhecimento o apelo ordinário. MÉRITO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. Em sua petição inicial, aduz o reclamante que atua como motorista da reclamada desde 21/01/2021, tendo no trabalho sua principal fonte de renda. Sustenta que realiza longas jornadas de trabalho auferindo uma média de R$ 1.400,00 reais mensais a título de remuneração. Relata que durante o exercício de sua função como motorista de aplicativo para a plataforma 99, sofreu um roubo com emprego de arma de fogo no dia 17/07/2023, e, em mencionado incidente, todos os pertences do autor foram subtraídos, incluindo um carro no valor de R$ 55.000,00, modelo FIAT/Mobi like, placa PNY2G5B, ano 2017/2018, um celular no valor de R$ 500,00, óculos de grau no valor de R$ 250,00 e um carregador de celular no valor de R$ 80,00. Afirma que vivenciou uma situação de extremo estresse psicológico e emocional e que a plataforma 99 não prestou qualquer tipo de assistência ao obreiro após o assalto, deixando-o à própria sorte, o que agrava ainda mais a situação de desamparo. Defende que, em face da dinâmica de eventos, configura-se a responsabilidade da plataforma 99 pelas consequências do assalto, já que a atividade do motorista de aplicativo envolve riscos à sua integridade física e patrimonial. Assim, a omissão da empresa em fornecer condições mínimas de segurança a seus colaboradores afronta diretamente os ditames constitucionais e legais. Pugna pela reparação em danos materiais e morais, nos termos consignados na exordial. O julgador monocrático, em sentença proferida no Id. 0ea4a44 (fls. 1517/1527), julgou improcedentes os pedidos formulados na presente reclamação trabalhista. Inconformado, com a decisão acima, recorre ordinariamente o demandante alegando, em síntese, que o evento danoso ocorreu durante o desempenho de sua função, caracterizando-se como um acidente de trabalho nos termos do art. 19 da Lei nº 8.213/91. Sustenta que a atividade exercida pelo autor envolve riscos inerentes à profissão, sendo dever da empresa proporcionar condições mínimas de segurança aos seus colaboradores, conforme preconiza o artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal e o artigo 157 da CLT. Afirma que a decisão de primeiro grau ignorou a responsabilidade civil objetiva do empregador em situações onde há omissão na prestação de segurança ao trabalhador. Aduz que a jurisprudência tem reconhecido que mesmo em casos onde não se verifica vínculo empregatício formalizado, a empresa pode ser responsabilizada por danos sofridos pelo trabalhador durante a execução das atividades laborais e que o Tribunal Superior do Trabalho já se manifestou nesse sentido ao afirmar que "o empregador deve garantir um ambiente seguro para seus empregados" (Súmula nº 392). Argumenta que as empresas têm obrigações específicas em relação à proteção dos seus trabalhadores enquanto estes estão executando suas funções. Deste modo, a ausência de medidas adequadas para garantir essa segurança pode configurar culpa ou omissão por parte da empresa, ensejando sua responsabilização pelos danos materiais sofridos pelo obreiro. Requer a reforma da decisão monocrática a fim de que se reconheça a responsabilidade civil da reclamada pelos danos materiais e morais. Ao exame. Precedentemente, é importante trazer a lume que a Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) estabelece os princípios, garantias, direitos e deveres para uso da internet no país e determina que a livre iniciativa - de vital importância para o progresso econômico, cultural e científico - e a defesa do consumidor não são excludentes. O art. 2º da precitada Lei dispõe o seguinte: "Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: I - o reconhecimento da escala mundial da rede; II - os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III - a pluralidade e a diversidade; IV - a abertura e a colaboração; V - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI - a finalidade social da rede. A mesma norma estabelece, em seu art. 4º, o seguinte: Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se: I - transporte urbano: conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utilizados para o deslocamento de pessoas e cargas nas cidades integrantes da Política Nacional de Mobilidade Urbana; II - mobilidade urbana: condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano; III - acessibilidade: facilidade disponibilizada às pessoas que possibilite a todos autonomia nos deslocamentos desejados, respeitando-se a legislação em vigor; IV - modos de transporte motorizado: modalidades que se utilizam de veículos automotores; V - modos de transporte não motorizado: modalidades que se utilizam do esforço humano ou tração animal; VI - transporte público coletivo: serviço público de transporte de passageiros acessível a toda a população mediante pagamento individualizado, com itinerários e preços fixados pelo poder público; VII - transporte privado coletivo: serviço de transporte de passageiros não aberto ao público para a realização de viagens com características operacionais exclusivas para cada linha e demanda; VIII - transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas; IX - transporte urbano de cargas: serviço de transporte de bens, animais ou mercadorias; X - transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede. XI - transporte público coletivo intermunicipal de caráter urbano: serviço de transporte público coletivo entre Municípios que tenham contiguidade nos seus perímetros urbanos; XII - transporte público coletivo interestadual de caráter urbano: serviço de transporte público coletivo entre Municípios de diferentes Estados que mantenham contiguidade nos seus perímetros urbanos; e XIII - transporte público coletivo internacional de caráter urbano: serviço de transporte coletivo entre Municípios localizados em regiões de fronteira cujas cidades são definidas como cidades gêmeas. Portanto, diante do exposto, infere-se que as atividades como as da 99 TECNOLOGIA LTDA permitem, por meio de seus aplicativos, que motoristas particulares e consumidores firmem contratos de transporte privado individual. Tais normas foram, num primeiro momento, invocadas por alguns governos municipais e estaduais para proibição da atividade de aplicativos de transporte individual, o que não se sustentou, inclusive sob a ótica da Constituição da República, que fomenta a livre concorrência em seu art. 170, IV. Em sua defesa (Id. 77d7b7b), a demandada assim conceitua sua própria atividade: "Note, Exa., que a 99 é uma empresa exclusivamente de tecnologia, enquadrada pela Lei n.º 12.965/2.014 (conhecida como o Marco Civil da Internet) como sendo uma empresa provedora de aplicação de Internet. A empresa oferta ao público em geral um aplicativo móvel digital desenvolvido por ela ("99APP"), cujo propósito é revolucionar a mobilidade urbana, aproximando (i) Passageiros que buscam transporte de qualidade a um preço justo, (ii) aos Motoristas/Taxistas autônomos que pretendem incrementar as suas atividades e ganhos com um maior volume de corridas (todos denominados em conjunto como "Usuários"). O licenciamento e utilização do software se dá gratuitamente a todos os usuários e de forma NÃO EXCLUSIVA. Tanto que é comum que os motoristas tenham em seus celulares concomitantemente mais de uma plataforma de intermediação, prestando seus serviços paralelamente por meio de múltiplas plataformas. A Reclamada apenas cobra dos motoristas cadastrados uma taxa pela intermediação das corridas que ele mesmo aceita, a fim de prestar seus serviços aos passageiros. " Esta auto-descrição traz em si mesma a postura da empresa diante de terceiros. De fato, tais empresas atuam no ramo da tecnologia, produzindo softwares, e não "empregam" motoristas no sentido convencional da norma de regência. Entretanto, ao organizar sua atividade de forma empresarial, sistemática, habitual, profissional e com ela obter lucro mediante a realização do serviço, adquire o ônus de responder judicialmente pelos danos eventualmente causados a terceiros. Ademais, é consabido que o valor da corrida é pré-fixado, não tendo o motorista nenhuma liberdade de negociação ou definição de valores, os quais, no caso, são controlados pela 99 TECNOLOGIA LTDA, que previamente estabelece o preço da corrida, ressaltando-se que o pagamento da corrida é recebido pela empresa de Aplicativo, que, posteriormente, realiza o pagamento ao motorista pelo serviço por este prestado, já com os respectivos descontos em favor da empresa de Aplicativo. Ainda merece ser pontuado que acaso o serviço de transporte de passageiro fosse prestado exclusivamente pelo motorista, certamente os clientes ou usuários deveriam efetuar o pagamento do valor do serviço diretamente ao motorista. Em assim, se a reclamada fosse uma mera empresa de fomento de tecnologia, caberia ao reclamante, ou qualquer motorista, fazer o pagamento à empresa pelo uso do aplicativo, numa espécie de aluguel ou cessão de uso. Entretanto, o que se verifica, em verdade, é que a empresa reclamada presta o serviço de transporte de passageiro aos clientes, recebe o pagamento destes e realiza o repasse ao motorista. Portanto, não resta dúvida de que, ainda que a empresa ré atue também no desenvolvimento de tecnologias como meio de operacionalização de seu negócio, tal condição, todavia, não afasta o fato de ser ela, sobretudo, uma empresa de transporte. Sobreleva acrescer-se que a prestação do serviço de transporte é totalmente regulada pela reclamada, a qual se intitula mera intermediadora do negócio, consistindo tal regulação na determinação no tempo em que o motorista deve aguardar o usuário, bem como no desenvolvimento do sistema de avaliação qualitativa do serviço de transporte e na cessação da prestação de serviços de intermediação unilateralmente, a qualquer tempo, caso seu contratante (dono do negócio) for mal avaliado pelo usuário /passageiro. Tais premissas afiguram inteiramente incompatíveis com a intermediação de serviço, visto que a reclamada atua em condição de verdadeira dona do empreendimento. Deflui-se, pois, que o Software que a ré licencia gratuitamente aos motoristas viabiliza a prestação de um serviço que é de transporte, cuja demanda é identificada pela reclamada e cujo preço é por ela definido, ressaltando-se que o valor lhe é imediatamente pago, sendo a empresa remunerada diretamente pelo beneficiado do serviço prestado (usuário/passageiro). De se consignar, por oportuno, que a empresa demandada, no caso, pode dispensar os serviços por parte do motorista, o que pode ocorrer, por exemplo, diante de notas baixas atribuídas pelos passageiros aos motoristas. Na hipótese de o motorista cancelar viagens que lhe forem encaminhadas pelo aplicativo, também poderá ser afastado da Plataforma. Conclui-se, pois, levando-se em linha de consideração todas as premissas fáticas apreciadas, que a empresa reclamada, por meio do seu Aplicativo, identifica a demanda de serviço de transporte dos usuários/passageiros; presta serviços de transporte em favor dos usuários/passageiros, recebendo diretamente deles o valor da contraprestação dos seus serviços, cujo preço define, altera e cancela por seu único e exclusivo critério. Os serviços de transporte da ré são prestados através da contratação de motoristas que a reclamada remunera e cuja atividade regula e avalia, evidenciando-se, portanto, verdadeira relação de trabalho. Por fim, não há prosperar o argumento de que a relação existente entre a 99 TECNOLOGIA LTDA e a parte reclamante trata-se de modelo de economia compartilhada. Esta, em essência, representa a prática de divisão do uso de serviços e produtos, numa espécie de consumo colaborativo, mas numa perspectiva horizontal, propiciada, em regra, pelas tecnologias digitais. Dessarte, na hipótese em apreciação, tem-se uma relação estabelecida por meio de contrato de transporte, o qual fora firmado entre o motorista e a empresa 99 TECNOLOGIA LTDA no momento em que o usuário (passageiro) solicita um motorista por intermédio do aplicativo, após efetuar o download, assiná-lo e aceitar as condições ali estabelecidas. Deflui-se, pois, que a empresa promovida 99 TECNOLOGIA LTDA, conforme se evidencia nos autos, não oferece mero serviço de intermediação, mas, sim, autêntico serviço de transporte, cujos respectivos motoristas, no exercício de tal mister profissional, desempenham suas atividades durante várias horas por dia, o fazendo em nome e em qualidade de representante da empresa demandada, afigurando-se, portanto, verdadeira relação de trabalho, e não de consumo, sendo esta estabelecida entre a 99 TECNOLOGIA LTDA e o passageiro, e não com o motorista, apresentando-se a empresa de Aplicativo, em verdade, como tomadora de serviços, hipótese evidenciadora da competência da Justiça Laboral. Vale ressaltar que no Direito Processual do Trabalho, quando a reclamada nega o trabalho de forma geral, elaborando uma defesa de mérito direta, não atrai para si o ônus da prova, incumbindo exclusivamente ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito, ou seja, demonstrar a presença do trabalho e dos pressupostos inerentes à relação de emprego, nos moldes do art. 3º, da CLT. Por outro lado, admitida a prestação de serviços, a reclamada atrai para si o onus probandi da relação de trabalho que ostente natureza jurídica diversa da relação empregatícia, presumindo-se, caso não se desincumba satisfatoriamente de tal ônus, a existência do vínculo. Impera no âmbito do Direito do Trabalho, o princípio da primazia da realidade sobre a forma, segundo o qual nas relações jurídico-trabalhistas prevalecem os fatos efetivamente ocorridos, em detrimento da forma que lhe foi atribuída. Considerando-se a relação havida entre as partes, infere-se que a relação jurídica existente entre as partes se amolda a da prestação de serviços pois quem decide os dias e horários em que irá ligar o aplicativo é o próprio motorista, podendo desligar sempre que desejar; que não há penalidade se o motorista desligar o aplicativo; que ficava a critério do motorista a participação ou não em promoções; que não havia exigência quanto ao número de viagens diárias; que a reclamada aceita que dois ou mais motoristas usarem o mesmo carro/moto; que a reclamada não garante remuneração mínima ao final do dia /mês e o motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro. Deste modo, o quadro fático delineado supra demonstra a existência da prestação de serviços autônomos. Segundo a doutrina, a linha de distinção entre o contrato autônomo e o contrato de trabalho é sutil. Assim, a contratação de autônomo detém características que o aproximam da relação de emprego, entretanto, com ela não se confunde, em face da autonomia da atividade. Esse tipo de contrato traz em seu bojo as características da não eventualidade, da exclusividade (requisito acidental), da restrição de zonas de operação, pagamentos periódicos, dever de fidelidade e de produtividade, inclusive com estabelecimento de metas, sem que isso importe em contrato de emprego, em virtude da manutenção da autonomia de atuação. Logo, a distinção entre o trabalhador autônomo e o empregado, nesse caso, depende basicamente da aferição da existência ou não de subordinação jurídica na realização de suas atividades e no relacionamento com aquele que se beneficia com o serviço. A subordinação jurídica, no entender de Vólia Bomfim Cassar (2012, p. 267) nada mais é que o dever de obediência ou o estado de dependência na conduta profissional, a sujeição às regras, orientações e normas estabelecidas pelo empregador inerentes ao contrato, à função, desde que legais e não abusivas. Esclarece, ainda, Arion Sayão Romita: "A subordinação não significa sujeição ou submissão pessoal. Este conceito corresponde a etapa histórica já ultrapassada e faz lembrar lutas políticas que remontam à condição do trabalhador como objeto de locatio, portanto equiparado a coisa (res). O trabalhador, como pessoa, não pode ser confundido com a atividade, este sim, objeto de relação jurídica. Para verificar-se a existência de subordinação não seria exigida "a efetiva e constante atuação da vontade do empregador. Basta a possibilidade jurídica dessa atuação. Por isso, a subordinação não deve ser confundida com submissão a horário, controle direto do cumprimento de ordens, etc. O que importa é a possibilidade, que assiste ao empregador, de intervir na atividade do empregado" (ROMITA, Arion Sayão. A subordinação no contrato de trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1979.) In casu, é de conhecimento público e notório que o próprio motorista de aplicativo arca com valores de combustível, seguro e afins, além de poder ter outras pessoas cadastradas para utilização do mesmo carro. Registre-se que o motorista de aplicativo age com total autonomia, ou seja, não cumpre horário pré-estabelecido, não recebe punições, bem como não é proibido prestar serviço para outras empresas. Assim, por todo o exposto, tem-se como robustamente comprovada pela demandada a inexistência de vínculo de emprego. Nesse trilhar, insta trazer à colação os parâmetros adotados pelo C. TST a respeito de semelhante questão, cujas ementas seguem a seguir transcritas: "RECURSO DE REVISTA OBREIRO - VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE O MOTORISTA DE APLICATIVO E A EMPRESA PROVEDORA DA PLATAFORMA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO (UBER) - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA - RECURSO DESPROVIDO. 1. Avulta a transcendência jurídica da causa (CLT, art. 896-A, § 1º, IV), na medida em que o pleito de reconhecimento do vínculo de emprego envolvendo os recentes modelos de contratação firmados entre motoristas de aplicativo e empresas provedoras de plataformas de tecnologia por eles utilizadas ainda é nova no âmbito desta Corte, demandando a interpretação da legislação trabalhista em torno da questão. 2. Ademais, deixa-se de aplicar o óbice previsto na Súmula 126 desta Corte, uma vez que os atuais modelos de contratação firmados entre as empresas detentoras da plataforma de tecnologia (Uber) e os motoristas que delas se utilizam são de conhecimento público e notório (art. 374, I, do CPC) e consona com o quadro fático delineado pelo Regional. 3. Em relação às novas formas de trabalho e à incorporação de tecnologias digitais no trato das relações interpessoais - que estão provocando uma transformação profunda no Direito do Trabalho, mas carentes ainda de regulamentação legislativa específica - deve o Estado-Juiz, atento a essas mudanças, distinguir os novos formatos de trabalho daqueles em que se está diante de uma típica fraude à relação de emprego, de modo a não frear o desenvolvimento socioeconômico do país no afã de aplicar regras protetivas do direito laboral a toda e qualquer forma de trabalho. 4. Nesse contexto, analisando, à luz dos arts. 2º e 3º da CLT, a relação existente entre a Uber e os motoristas que se utilizam desse aplicativo para obterem clientes dos seus serviços de transporte, tem-se que: a) quanto à habitualidade, inexiste a obrigação de uma frequência predeterminada ou mínima de labor pelo motorista para o uso do aplicativo, estando a cargo do profissional definir os dias e a constância em que irá trabalhar; b) quanto à subordinação jurídica, a par da ampla autonomia do motorista em escolher os dias , horários e forma de labor, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber ou sanções decorrentes de suas escolhas, a necessidade de observância de cláusulas contratuais (v.g. valores a serem cobrados, código de conduta, instruções de comportamento, avaliação do motorista pelos clientes), com as correspondentes sanções no caso de descumprimento (para que se preserve a confiabilidade e a manutenção do aplicativo no mercado concorrencial), não significa que haja ingerência no modo de trabalho prestado pelo motorista, reforçando a convicção quanto ao trabalho autônomo a inclusão da categoria de motorista de aplicativo independente, como o motorista da Uber, no rol de atividades permitidas para inscrição como Microempreendedor Individual - MEI, nos termos da Resolução 148/2019 do Comitê Gestor do Simples Nacional; c) quanto à remuneração, o caráter autônomo da prestação de serviços se caracteriza por arcar, o motorista, com os custos da prestação do serviço (manutenção do carro, combustível, IPVA), caber a ele a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos ocorridos, dentre outros (ainda que a empresa provedora da plataforma possa a vir a ser responsabilizada solidariamente em alguns casos), além de os percentuais fixados pela Uber, de cota parte do motorista, entre 75% e 80% do preço pago pelo usuário , serem superiores ao que este Tribunal vem admitindo como suficientes a caracterizar a relação de parceria entre os envolvidos. 5. Já quanto à alegada subordinação estrutural, não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos a fim de reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que atuam em novas formas de trabalho, emergentes da dinâmica do mercado concorrencial atual e, principalmente, de desenvolvimentos tecnológicos, nas situações em que não se constata nenhuma fraude, como é o caso das empresas provedoras de aplicativos de tecnologia, que têm como finalidade conectar quem necessita da condução com o motorista credenciado, sendo o serviço prestado de motorista, em si, competência do profissional e apenas uma consequência inerente ao que propõe o dispositivo. 6. Assim sendo, não merece reforma o acórdão regional que não reconheceu o vínculo de emprego pleiteado na presente reclamação, sob o fundamento de ausência de subordinação jurídica entre o motorista e a empresa provedora do aplicativo Uber. Recurso de revista desprovido." (TST - RR: 105555420195030179, Relator: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 02/03/2021, 4ª Turma, Data de Publicação: 05/03/2021) "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. RELAÇÃO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO. TRABALHADOR AUTÔNOMO. MOTORISTA. APLICATIVO. UBER. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO. I. Discute-se a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista profissional que desenvolve suas atividades com utilização do aplicativo de tecnologia "Uber" e a sua criadora, Uber do Brasil Tecnologia Ltda. II. Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista (arts. 2º, 3º, e 6º, da CLT), sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconhece-se a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT). III. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve, pelos próprios fundamentos, a sentença em que se reconheceu a condição de trabalhador autônomo do Reclamante. No particular, houve reconhecimento na instância ordinária de que o Reclamante ostentava ampla autonomia na prestação de serviços, sendo dele o ônus da atividade econômica. Registrou-se, ainda, a ausência de subordinação do trabalhador para com a Reclamada, visto que "o autor não estava sujeito ao poder diretivo, fiscalizador e punitivo da ré". Tais premissas são insusceptíveis de revisão ou alteração nessa instância extraordinária, conforme entendimento consagrado na Súmula nº 126 do TST. IV. A relação de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego. O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo). O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. O STF já declarou constitucional tal enquadramento jurídico de trabalho autônomo (ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, DJE nº 123, de 18/05/2020), a evidenciar a possibilidade de que nem todo o trabalho pessoal e oneroso deve ser regido pela CLT. V. O trabalho pela plataforma tecnológica - e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de transporte para os usuários-clientes, sem qualquer exigência de trabalho mínimo, de número mínimo de viagens por período, de faturamento mínimo , sem qualquer fiscalização ou punição por esta decisão do motorista, como constou das premissas fáticas incorporadas pelo acórdão Regional, ao manter a sentença de primeiro grau por seus próprios fundamentos, em procedimento sumaríssimo. VI. Sob esse enfoque, fixa-se o seguinte entendimento: o trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de oferta de motoristas-usuários e demanda de clientes-usuários, não se dá para a plataforma e não atende aos elementos configuradores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, inexistindo, por isso, relação de emprego entre o motorista profissional e a desenvolvedora do aplicativo, o que não acarreta violação do disposto no art. 1º, III e IV, da Constituição Federal . VII. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento" (AIRR-10575-88.2019.5.03.0003, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 11/09/2020). "AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. Em razão de provável caracterização de ofensa ao art. 3º, da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Destaque-se, de início, que o reexame do caso não demanda o revolvimento de fatos e provas dos autos, isso porque a transcrição do depoimento pessoal do autor no acórdão recorrido contempla elemento fático hábil ao reconhecimento da confissão quanto à autonomia na prestação de serviços. Com efeito, o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar " off line", sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia. Tal auto-determinação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo. Não bastasse a confissão do reclamante quanto à autonomia para o desempenho de suas atividades, é fato incontroverso nos autos que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. Dentre os termos e condições relacionados aos referidos serviços, está a reserva ao motorista do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário, conforme consignado pelo e. TRT. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1000123-89.2017.5.02.0038, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 07/02/2020). Diante de tais conclusões, extrai-se dos autos a ausência de vínculo empregatício com a demandada, nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT. Quanto ao infortúnio ocorrido, há que se destacar que o acidente no local de trabalho, no curso da prestação de serviços, que envolve trabalhador autônomo, não se enquadra no conceito de acidente de trabalho, nos termos da lei previdenciária, art. 19 da Lei nº 8.213/91, sendo enquadrado como acidente comum. Ao contrário da relação de natureza empregatícia, quando há presunção acerca da culpa do empregador, em se tratando de relação de trabalho autônomo incumbe ao trabalhador, prestador dos serviços, ou a seus sucessores, a demonstração acerca da existência de culpa do contratante, tomador de serviços. Assim, somente se comprovada a presença dos requisitos necessários para a responsabilização civil, quais sejam, dano, nexo de causalidade e culpa, exsurge para os tomadores dos serviços o dever de indenizar, nos termos dos artigos 186 e 927 do CCB. Neste sentido, inviável a análise de eventual descumprimento contratual por parte da demandada em relação ao alegado dever de segurança dos motoristas credenciados, relativamente à fiscalização dos perfis de seus usuários/passageiros ante a ausência da juntada aos autos do contrato entabulado entre as partes. De qualquer forma, também não se vislumbra, na hipótese, responsabilidade civil extracontratual, seja objetiva ou subjetiva, por parte da 99 TECNOLOGIA LTDA, pelos danos decorrentes do roubo que vitimou o reclamante, enquanto prestava serviços de motorista credenciado do aludido aplicativo. Na verdade, a jurisprudência do STJ tem se firmado no sentido de que o roubo, mediante uso de arma de fogo, em regra, é fato de terceiro equiparável à força maior - atualmente nomeado como fortuito externo - e que exclui o dever de indenizar, mesmo no sistema de responsabilidade civil objetivo, por danos ao consumidor. Nesse sentido destacam-se os excertos abaixo transcritos: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ROUBO PERPETRADO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL DIVERSO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANOS MATERIAIS. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. FORTUITO EXTERNO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR A LESÃO. AUSÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Em se tratando de responsabilidade civil de empresa fornecedora de bens e serviços, de natureza diversa à das instituições financeiras ou outras atividades que demandam vigilância e segurança ostensivas reforçadas, não tem obrigação de indenizar as lesões material e extrapatrimonial, pelo roubo mediante uso de arma de fogo ocorrido no interior de seu estabelecimento comercial. 2. Em tais situações, a jurisprudência desta Casa entende que o evento é equiparado a fortuito externo, situando fora do risco da atividade mercantil.3. O roubo, mediante uso de arma de fogo, em regra é fato de terceiro equiparável a força maior, que deve excluir o dever de indenizar, mesmo no sistema de responsabilidade civil objetiva. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.801.784/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, j. 20/8/2019, DJe 23/8/2019 - sem destaque no original) RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ROUBO COM ARMA DE FOGO COMETIDO CONTRA HÓSPEDE DE HOTEL EM VIA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTABELECIMENTO HOTELEIRO. INEXISTÊNCIA. FORTUITO EXTERNO. ROMPIMENTO DO NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE DEFEITO NO SERVIÇO PRESTADO. RECURSO PROVIDO. 1. Discute-se neste feito se o hotel recorrente tem responsabilidade por crime de roubo cometido com emprego de arma de fogo contra hóspede em estacionamento gratuito, localizado em área pública em frente ao respectivo estabelecimento hoteleiro. 2. A responsabilidade civil dos hotéis, em relação aos hóspedes, é objetiva, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual "o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos". O parágrafo 3º do referido dispositivo legal, no entanto, estabelece que o fornecedor de serviços não será responsabilizado quando provar que o defeito inexiste ou comprovar a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, situações que rompem o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano ocorrido. 3. No caso em julgamento, não há que se falar em responsabilidade civil do hotel pelo roubo cometido com emprego de arma de fogo contra hóspede em via pública, mesmo que a ação delituosa tenha ocorrido em frente ao respectivo estabelecimento hoteleiro, porquanto, além de não ter ficado comprovado qualquer defeito no serviço prestado, houve rompimento do nexo de causalidade na hipótese, em razão da culpa exclusiva de terceiro (CDC, art. 14, § 3º, II), equiparado ao fortuito externo. 4. Recurso especial provido. (REsp 1.763.156/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, j. 5/2/2019, DJe 15/2/2019 - sem destaque no original) Assim, o roubo de que foi vítima o reclamante, por se enquadrar no conceito de fato de terceiro, rompe o nexo de causalidade entre a conduta da reclamada e o fato danoso, cujo risco é inerente à atuação do transportador e que por ele deve ser assumido. O risco é, portanto, assumido pelo motorista, no exato momento em que aceita prestar o serviço de transporte de forma autônoma. Neste sentido, destaco ementa do Superior Tribunal de Justiça, abaixo transcrita: EMENTA CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ROUBO PRATICADO POR PASSAGEIROS CONTRA MOTORISTA DE APLICATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA GERENCIADORA DO APLICATIVO (UBER). IMPOSSIBILIDADE. CASO FORTUITO EXTERNO. IMPREVISIBILIDADE E INEVITABILIDADE DA CONDUTA. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA NA RELAÇÃO PROFISSIONAL DESEMPENHADA POR APLICATIVO E SEUS MOTORISTAS CREDENCIADOS. AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA DA UBER (GERENCIADORA DE APLICATIVO) E O FATO DANOSO. RISCO DA ATIVIDADE DE TRANSPORTE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDO. SÚMULA 83 DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. 1. É do terceiro a culpa de quem pratica roubo contra o motorista de aplicativo. Caso fortuito externo a atuação da UBER. 2. A jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que o roubo é fato de terceiro que rompe o nexo de causalidade. Precedentes. 3. Inexistência, por outro lado, de vínculo de subordinação entre motoristas de aplicativo e a empresa gerenciadora da plataforma. Precedentes (Nesse sentido, confira-se: STJ, CC nº 164.544/MG, de minha relatoria, DJe 4/9/2019; e recente julgado do STF, Rcl nº 59.795, de relatoria do Min. ALEXANDRE DE MORAES, Dje 19/5/2023). 4. Não há ingerência da UBER na atuação do motorista de aplicativo, considerado trabalhador autônomo (art. 442-B, da CLT), salvo quanto aos requisitos técnicos necessários para esse credenciamen to que decorrem estritamente da relação estabelecida entre o transportador e a gerenciadora da plataforma, e que se limitam à parceria entre eles ajustada. 5. Assalto, fato de terceiro, estranho ao contrato de fornecimento/gerenciamento de aplicativo tecnológico oferecido pela UBER, para a intermediação entre o passageiro e o motorista credenciado, foge completamente de sua atividade-fim, caracterizando fortuito externo. 6. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. Acórdão em consonância com a orientação do STJ. Súmula 83 do STJ. Não conhecimento. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. (RECURSO ESPECIAL Nº 2018788 - RS (2022/0179533-0), Ministro relator Moura Ribeiro, Decisão de 27/06/2023, Superior Tribunal de Justiça-STJ) (destaquei). Deste modo, irretocável a decisão guerreada. Conclusão do recurso Conhecer do recurso, e, no mérito, negar-lhe provimento. […] Acórdão recorrido sintetizado na seguinte ementa: […] RECURSO ORDINÁRIO DO AUTOR. MOTORISTAS E EMPRESAS DE APLICATIVOS. 99 TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA DA VINCULAÇÃO EXISTENTE ENTRE AS PARTES LITIGANTES. VÍNCULO EMPREGATÍCIO NÃO COMPROVADO. É cediço que para a configuração do vínculo empregatício é necessária a existência dos elementos fático-jurídicos componentes da relação de emprego, a saber: prestação de trabalho por pessoa física, com pessoalidade, a um tomador, de forma não-eventual, efetuada sob subordinação jurídica e com onerosidade, requisitos configuradores do liame empregatício, previstos nos artigos 2º e 3º da CLT. A ausência de qualquer um desses pressupostos fático-jurídicos impossibilita o reconhecimento da relação de emprego entre as partes. ROUBO. RESPONSABILIDADE CIVIL DA EMPRESA POR APLICATIVO. DANO MORAL E MATERIAL. O acidente no local de trabalho, no curso da prestação de serviços, que envolve trabalhador autônomo, não se enquadra no conceito de acidente de trabalho, nos termos da lei previdenciária, art. 19 da Lei nº 8.213/91, sendo enquadrado como acidente comum. Não se vislumbra, na hipótese, responsabilidade civil extracontratual, seja objetiva ou subjetiva, por parte da reclamada, pelos danos decorrentes do roubo que vitimou o reclamante, enquanto prestava serviços de motorista credenciado do aludido aplicativo. A jurisprudência do STJ tem se firmado no sentido de que o roubo, mediante uso de arma de fogo, em regra, é fato de terceiro equiparável à força maior - atualmente nomeado como fortuito externo - e que exclui o dever de indenizar, mesmo no sistema de responsabilidade civil objetivo, por danos ao consumidor. Assim, o roubo de que foi vítima o reclamante, por se enquadrar no conceito de fato de terceiro, rompe o nexo de causalidade entre a conduta da reclamada e o fato danoso, cujo risco é inerente à atuação do transportador e que por ele deve ser assumido. O risco é, portanto, assumido pelo motorista, no exato momento em que aceita prestar o serviço de transporte de forma autônoma. Recurso ordinário conhecido e não provido. […] À análise. Quanto à alegada contrariedade à Súmula 392 do TST e violação ao artigo 7º, XXII, da CF, verifica-se que o Tribunal Regional, ao julgar improcedente o pedido, fundamentou sua decisão na ausência de vínculo empregatício e na impossibilidade de responsabilizar a empresa por evento de terceiro, equiparado a força maior. Não há, portanto, ofensa direta e literal à Constituição ou à Súmula 392, que exige a existência de vínculo empregatício para a aplicação da responsabilidade objetiva. A ofensa alegada, se existisse, seria meramente reflexa e indireta, ou seja, insuficiente para o conhecimento do recurso. A alegação de violação aos artigos 5º, V e X, da Constituição Federal, também não configura ofensa direta e literal. A decisão do TRT, ao negar a indenização por danos morais, baseou-se na ausência de nexo causal direto entre a conduta da reclamada e o evento danoso. Novamente, a ofensa alegada não é direta e literal, sendo incabível o recurso de revista. Similarmente, a alegada contrariedade à Súmula 126 do TST e violação ao artigo 93, IX, da Constituição Federal, não se sustenta. O TRT analisou as provas apresentadas, embora o tenha feito de forma contrária aos interesses do recorrente. Tal discordância quanto à interpretação das provas não configura negativa de prestação jurisdicional ou ofensa direta e literal à Constituição. Em assim, não merece seguimento o recurso de revista. CONCLUSÃO a) DENEGO SEGUIMENTO ao(s) Recurso(s) de Revista. Dê-se ciência à(s) parte(s) recorrente(s). b) Decorrido o prazo concedido sem manifestação, certifique-se o trânsito em julgado e, ato contínuo, independentemente de nova conclusão, encaminhem-se os autos à Vara de Origem. c) Interposto Agravo de Instrumento, independentemente de nova conclusão, notifique-se a parte agravada, para, querendo, apresentar contraminuta ao Agravo de Instrumento e contrarrazões ao Recurso de Revista, no prazo de 8 (oito) dias. c.1) No mesmo prazo, excepcionando-se os processos em que são partes os entes incluídos na definição de Fazenda Pública, também deverão as partes, querendo, manifestar interesse na designação de audiência para fins conciliatórios, nos termos do Ato da Presidência do TRT da 7ª Região nº 420/2014. O silêncio será interpretado como desinteresse. c.2) Havendo anseio comum entre ao menos uma parte autora e uma parte demandada, salvo nos processos em que são partes os entes incluídos na definição de Fazenda Pública, o feito deverá ser encaminhado ao Juízo Conciliador dos Feitos em Segundo Grau, a fim de que sejam adotados os procedimentos necessários para que se chegue a uma composição amigável, nos termos do Ato da Presidência do TRT da 7ª Região nº 420/2014. c.3) Inviável a conciliação ou inexistindo interesse comum em conciliar, uma vez decorrido o prazo legal, com ou sem a apresentação de contraminuta e/ou contrarrazões, deverão os autos ser remetidos ao Colendo Tribunal Superior do Trabalho, independentemente de nova decisão/despacho. d) Interposto Agravo Interno (Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, art. 219-A [Redação dada pela Emenda Regimental nº 15, de 7 de fevereiro de 2025]), atue-se em autos suplementares e notifique-se a parte agravada, para, querendo, apresentar contraminuta ao Agravo de Interno e contrarrazões ao Recurso de Revista, quanto ao capítulo objeto da insurgência, no prazo de 8 (oito) dias; decorrido o prazo legal, com ou sem a apresentação de contraminuta e/ou contrarrazões, deverão os autos ser conclusos à Presidência, independentemente de nova decisão/despacho, conforme previsão do art. 219-B do referenciado Regimento Interno desta Corte. d.1) Na hipótese da interposição simultânea de agravo de instrumento e de agravo interno, deverá a Secretaria Judiciária, independentemente de nova conclusão, notificar a parte agravada, para, querendo, apresentar contraminuta ao Agravo de Instrumento e contrarrazões ao Recurso de Revista, no prazo de 8 (oito) dias, e, em seguida, sobrestar o processamento do agravo de instrumento, conforme art. 219-A, § 2º, do Regimento Interno desta Corte. FORTALEZA/CE, 28 de abril de 2025. FERNANDA MARIA UCHOA DE ALBUQUERQUE Desembargadora Federal do Trabalho
Intimado(s) / Citado(s)
- FRANCISCO JOSUE DA SILVA
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