Wefferson Alexandre Tavares De Brito x Uber Do Brasil Tecnologia Ltda.
ID: 257198106
Tribunal: TRT13
Órgão: Gabinete da Vice Presidência
Classe: RECURSO ORDINáRIO - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0001407-13.2024.5.13.0002
Data de Disponibilização:
15/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANTONIO AUGUSTO COSTA SILVA
OAB/SP XXXXXX
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PEDRO ZATTAR EUGENIO
OAB/MG XXXXXX
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PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA
OAB/MG XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relator: THIAGO DE OLIVEIRA ANDRADE 0001407-13.2024.5.13.0002 : WEFFERSON ALEXANDRE TAVARES DE BRITO : UBER DO BRASIL TECNO…
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relator: THIAGO DE OLIVEIRA ANDRADE 0001407-13.2024.5.13.0002 : WEFFERSON ALEXANDRE TAVARES DE BRITO : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Decisão ID 22d21d2 proferida nos autos. 0001407-13.2024.5.13.0002 - 1ª TurmaRecorrente(s): 1. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. Recorrido(a)(s): 1. WEFFERSON ALEXANDRE TAVARES DE BRITO RECURSO DE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS Recurso tempestivo (decisão publicada em 31/03/2025 - Id bf355cf; recurso apresentado em 09/04/2025 - Id 099b813). Representação processual regular (Id 66590ad). Preparo satisfeito. Depósito do RR nos IDs 6b3b69d,53f6c48, a43f9f3. Custas nos Ids 855a855, 223c5c0. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS TRANSCENDÊNCIA Nos termos do artigo 896-A, § 6º, da Consolidação das Leis do Trabalho, cabe ao Tribunal Superior do Trabalho analisar se a causa oferece transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica. 1.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / ATOS PROCESSUAIS (8893) / NULIDADE (8919) / NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL Alegação(ões): - violação do(s) inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal. A recorrente alega que o acórdão recorrido foi omisso quanto à fixação do quadro fático e das provas produzidas em sua integralidade. E, ainda, acentua que o referido julgado suprimiu a competência da primeira instância, deixando de analisar os pedidos correlatos ao reconhecimento do vínculo de emprego. In casu, verifica-se que a parte recorrente atendeu ao disposto no artigo 896, § 1º-A, IV, da CLT, na medida em que promoveu a transcrição destacada dos tópicos da petição do acórdão principal e da decisão dos embargos de declaração. A Turma julgadora assim decidiu (ID f71e412) Em sede de Embargos de Declaração, a Turma assim decidiu (ID 8b347c4): "A embargante opôs embargos de declaração com o nítido propósito de rediscutir o mérito da decisão embargada, providência inadmitida na estreita via recursal ora examinada. Observe-se que o acórdão enfrentou detalhadamente a tese defendida pela demandada, no sentido de que havia liberdade de atuação na plataforma, desconstituindo-a, de modo exaustivamente fundamentado. A embargante sustenta a existência de omissão no v. acórdão quanto à análise do vínculo empregatício. Todavia, tal alegação não merece prosperar, visto que todas as questões atinentes ao reconhecimento da relação de emprego foram devidamente analisadas, concluindo pela existência dos requisitos caracterizadores da relação de emprego. Não há falar, portanto, em trabalho autônomo, tampouco em confissão real do autor que infirmasse a presença do vínculo empregatício, porquanto a prova produzida foi suficiente para afastar tal tese. O julgado explicitou que a prestação de serviços se deu com subordinação, pessoalidade, onerosidade e não eventualidade, preenchendo, assim, os requisitos previstos na legislação trabalhista. Dessa forma, resta afastada qualquer omissão no julgado, visto que a matéria foi plenamente apreciada. Alega a embargante que houve supressão de instância na análise dos pedidos decorrentes da relação de emprego. Contudo, não assiste razão a tal argumentação, uma vez que o processo já se encontrava maduro para julgamento. O Tribunal, ao examinar as consequências jurídicas do reconhecimento do vínculo empregatício, atuou nos limites de sua competência recursal, sem qualquer violação ao duplo grau de jurisdição. Ademais, não se faz necessário o retorno dos autos à instância originária quando as questões encontram-se suficientemente debatidas e provadas nos autos, conforme entendimento pacífico da jurisprudência trabalhista. As questões preliminares e prejudiciais suscitadas em contrarrazões ao recurso foram analisadas, contudo, desnecessário rebater todos os argumentos utilizados pelas partes, para que se tenha por completa a prestação jurisdicional. Em relação à fixação do prazo para o cumprimento da obrigação de fazer, inexiste a omissão apontada, porquanto, o acórdão determinou a forma e prazo de cumprimento da obrigação, conforme se observa na conclusão do julgado (ID. f71e412 -945). Ante o exposto, REJEITO os embargos de declaração. É o voto." Sabe-se que a negativa de prestação jurisdicional se configura com a ausência de posicionamento expresso, no julgado, acerca de questão suscitada pelos litigantes e que seja essencial e indispensável à solução da controvérsia. No presente caso, observa-se que as matérias suscitadas pela parte recorrente foram analisadas, destacando o Órgão julgador que o acórdão não contém omissão a ser sanada, considerando que a matéria foi analisada de forma clara, objetiva e exaustiva. Sendo assim, toda a matéria posta em discussão foi examinada e a prestação jurisdicional foi entregue de forma amplamente fundamentada. Desse modo, inviável o seguimento do recurso de revista quanto ao tema. 2.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA (8828) / COMPETÊNCIA Alegação(ões): - violação do(s) inciso I do artigo 114 da Constituição Federal. A recorrente pretende obter a modificação do acórdão recorrido para que seja afastada a competência desta Justiça Especializada em razão da matéria. Requer a extinção do presente feito, sem resolução de mérito. Decidiu a Turma: "A competência material é fixada pelo pedido e sua respectiva causa de pedir, competindo à Justiça do Trabalho apreciar e julgar as demandas relacionadas ao pretenso reconhecimento de relação de emprego - inserindo-se o presente caso no rol constante do inciso I do art. 114 da CF/1988. Reputo, portanto, acertado o posicionamento do magistrado de origem, ao declarar a competência desta Justiça Especializada para analisar e julgar a demanda, motivo pelo qual se rejeita a arguição em comento." Verifica-se que o órgão julgador decidiu em consonância com a jurisprudência do C. TST, in verbis: "RECURSO DE REVISTA. UBER. MOTORISTA DE APLICATIVO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114, I, DA CLT. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA.1. O STF tem entendimento sólido de que "a competência é definida ante as causas de pedir e o pedido da ação proposta" (STF, HC 110038, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe-219, PUBLIC 07-11-2014). Dessa maneira, "tendo como causa de pedir relação jurídica regida pela Consolidação das Leis do Trabalho e pleito de reconhecimento do direito a verbas nela previstas, cabe à Justiça do Trabalho julgá-la" (STF, CC 7950, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJe-168 PUBLIC 01-08-2017).2. O entendimento coaduna-se com a "teoria da asserção", muito bem sintetizada por DINAMARCO: "Define-se a competência do órgão jurisdicional de acordo com a situação (hipotética) proposta pelo autor. Não importa, por isso, "se o demandante postulou adequadamente ou não, se indicou para figurar como réu a pessoa adequada ou não (parte legítima ou ilegítima), se poderia ou deveria ter pedido coisa diferente da que pediu, etc. Questões como esta não influenciam na determinação da competência e, se algum erro dessa ordem houver sido cometido, a consequência jurídica será outra e não a incompetência. Esta afere-se invariavelmente pela natureza do processo concretamente instaurado e pelos elementos da demanda proposta, in status assertionis" (Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. I, p. 417-8).3. Não é demais, também, lembrar a antiga, mas sempre atual, lição de que a competência é definida a partir da especialização, uma vez que a Justiça Comum possui competência residual. 4. É difícil conceber a existência de uma Justiça Especializada quase que exclusivamente em um tipo de contrato, mas que não tem competência nem sequer para dizer quando é que se está na presença de tal contrato.5. Na hipótese, o autor pleiteou o reconhecimento do vínculo empregatício com a parte ré, motivo pelo qual é da Justiça do Trabalho a competência para acolher ou rejeitar a pretensão. Se a pretensão for rejeitada o resultado será a improcedência da ação e não a declaração de incompetência material. Logo, não é possível encaminhar os autos para a Justiça comum apreciar o pedido que envolve exclusivamente verbas de natureza trabalhista. Recurso de revista não conhecido, no tema.[...]" (RR-0021008-14.2021.5.04.0405, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 24/09/2024). "A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. RITO SUMARÍSSIMO. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RELAÇÃO ESTABELECIDA ENTRE MOTORISTA DE APLICATIVO E A EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. Hipótese em que a Corte Regional declarou de ofício a incompetência da justiça do trabalho para apreciar a matéria relativa ao reconhecimento de vínculo de emprego entre a plataforma digital UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA e o Reclamante. II. Demonstrada transcendência jurídica da causa e violação do art. 114, I, da Constituição Federal. III. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se dá provimento , para determinar o processamento do recurso de revista, observando-se o disposto no ATO SEGJUD.GP Nº 202/2019 do TST. B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. RITO SUMARÍSSIMO. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RELAÇÃO ESTABELECIDA ENTRE MOTORISTA DE APLICATIVO E A EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO. I. No caso, a Corte Regional declarou de ofício a incompetência da justiça do trabalho para apreciar a matéria relativa ao reconhecimento de vínculo de emprego entre a plataforma digital UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA e o Reclamante. II. Sobre a competência da Justiça do Trabalho, após a entrada em vigor da EC nº 45/05 houve uma ampliação da competência desta Justiça Especializada, passando a haver previsão expressa no sentido de que a esta compete processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho (art. 114, I, da CF/88). Conforme se observa do atual texto constitucional, o art. 114, I, da CF/88 não faz alusão apenas à relação de emprego (relação entre empregado e empregador), dizendo respeito à "relação de trabalho", que de acordo com a doutrina trata-se de conceito mais abrangente do que o primeiro. No que toca à relação jurídica existente entre trabalhadores e plataformas digitais, tais como Deliveroo, Glovo, Jumia Food, Rappi, iFood, Uber Eats, Zomato, tem se discutido no âmbito da Justiça do Trabalho a existência de relação de emprego entre tais empresas e os trabalhadores que se utilizam dessas plataformas digitais para a prestação de serviço. Tendo em vista que a competência é definida em razão da causa de pedir e do pedido, nas ações em que se discute a relação de emprego entre as plataformas digitais e o trabalhar, uma vez que se trata de causa oriunda de relação de trabalho, a competência para conhecimento e julgamento da causa é desta Especializada, nos moldes do art. 114, I, da Constituição Federal. III. Ao declarar a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente causa em que se discute a existência de relação de emprego entre a plataforma digital UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA e o trabalhador, a Corte Regional ofendeu o disposto no art. 114, I, da Constituição Federal. IV . Recurso de revista de que se conhece, por violação do art. 114, I, da Constituição Federal, e a que se dá provimento " (RR-1069-05.2023.5.19.0003, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 07/03/2025). "RECURSO DE REVISTA . ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . Constata-se, no caso, que a pretensão do autor, consistente na reativação de sua conta no aplicativo 99POP, bem como a condenação da empresa ao pagamento de lucros cessantes pelo suposto descredenciamento indevido, está relacionada à relação de parceria laboral travada com o aplicativo de ativação por demanda de usuários, pelo que emerge a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho para dirimir a controvérsia em torno dos danos decorrentes da cessação do contrato de parceria firmado com a empresa prestadora dos serviços de transporte de particulares. É importante compreender essa relação de intermediação da mão de obra autônoma do prestador de serviços no contexto das novas relações de trabalho, que emergem como consequência do desenvolvimento tecnológico eruptivo da revolução 4.0. As relações de trabalho operadas pelos novos meios tecnológicos, à parte de não configurarem em essência a relação jurídica de emprego prevista na CLT, não se afastam da premissa laboral do retorno financeiro guiado pela parceria de trabalho entre agente de mercado e agente de labor, o que no caso das relações entre o aplicativo e o motorista credenciado se desenvolvem por um princípio geral de distribuição equitativa de lucros, incompatível com a relação tradicional de emprego, mas plenamente classificável como relação autônoma de parceria laboral, intermediada por meios digitais próprios das novas formas de oferecimento da mão de obra dinâmica dos trabalhadores não enquadrados no modelo nine-to-five (das nove às cinco), cujo crepúsculo coincide com a emergência das novas demandas de mercado que a citada revolução 4.0 fomenta no seio da relação entre capital, labor e consumo. O alvorecer de uma sociedade 5.0, focada no ser humano e na inventividade atrelada aos novos meios de trabalho, aponta para um progresso dignitário cuja inspiração se encontra atrelada à agenda de sustentabilidade socioambiental e aos modelos ESG ( Enviromental, Social and Governence ) de gestão, os quais tangenciam as boas práticas de mercado e, por conseguinte, refletem-se em novas práticas laborais. Focadas em parcerias produtivas de trabalho, tendentes à valorização das habilidades singulares dos parceiros laborais (e à maximização dos ganhos por critérios individuais de engajamento e retorno), essas novas práticas laborais não deixam de ser ancoradas na função social que rege a capitalização das oportunidades pelo critério de livre iniciativa, já que no mesmo preceito constitucional em que se erige tal pilar como princípio fundante da República coabita a valorização social do trabalho (art. 1º, IV, da Constituição), sendo certo que ambos os aspectos valorativos da norma estão intimamente imbricados à noção sistêmica de relação laboral. Desse modo, o enquadramento jurídico das novas relações de trabalho na seara da Justiça do Trabalho atende, a um só tempo, à premissa histórico-efeitual da autoridade dos direitos sociais, cuja defesa é sediada na Justiça do Trabalho, assim como ao argumento de vanguarda política que impulsiona uma ressignificação necessária dos esforços de trabalhadores em regimes de parceria disruptiva mais livres e descentralizadas de poderes diretivos mais imediatos da força de trabalho. Assim é que se conclui que, em que pese tais relações de trabalho inovadoras já não pertençam ao modelo de produção típico do século XX, forjado pelo emprego formal celetista, nem por isso estão fora do contexto de regulação estatal dos direitos sociais, de modo que a sindicabilidade de direitos constitucionais, entre eles o de livre disposição da força de trabalho pelo parceiro laboral, está imediatamente ligado à história institucional da narrativa dos direitos laborais, embora sob uma perspectiva dialeticamente aberta e nova, que rejeita a simples redução do trabalho ao modelo empírico do emprego. É bem verdade que o engajamento em plataformas de ativação por demanda de usuários está longe de reproduzir todas as dimensões inovadoras do chamado "trabalho 5.0", até porque a função de motorista encontra-se dentro dos critérios de obsolescência programada das atividades monológicas de trabalho. Mas, até por isso, deve ser reforçada a competência jurisdicional desse ramo laboral da Justiça para o exame de tais relações descentralizadas , mas igualmente focadas na matéria-prima labor como condicionante central do objeto contratual firmado entre as partes. Ora, se até mesmo em relações mais sofisticadas de parceria laboral é essencial reconhecer a competência desta Justiça especializada para o processamento de ações entre parceiros e agentes de mercado, com maior razão enxerga-se nessa nova forma de aproximação entre o trabalhador e as oportunidades de trabalho uma semente inexorável da relação de trabalho lato sensu , cuja competência para o exame decorre do critério fixado pelo inciso IX do art. 114 da Constituição Federal, o qual dispõe ser competência desta Justiça especializada o exame de causas que versem sobre "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei" . Sendo a relação de intermediação entre o agente de labor e a plataforma de serviço um autêntico contrato de parceria laboral, cuja origem do interesse comum é exatamente o agenciamento do trabalho de transporte pessoal fornecido a terceiros, não há como excluir da competência da Justiça do Trabalho o exame de controvérsia que envolva a hipótese de ruptura do contrato de parceira laboral, bem como os danos emergentes da cessação unilateral desse instrumento individual de contrato firmado com a empresa. Em termos simples, conclui-se que a relação contratual entre essa empresa e seus clientes é consumerista, ao passo que a sua relação com seus prestadores de serviço é uma relação de trabalho lato sensu , o que atrai a competência da Justiça do Trabalho para quaisquer controvérsias que se travem em torno da relação de parceria do trabalho firmada entre os trabalhadores credenciados e a plataforma de serviços. Fixada a competência deste ramo trabalhista o exame da presente causa judicial, merece reforma a decisão do Regional, a fim de que os autos sejam remetidos à Vara do Trabalho para regular processamento e julgamento do feito, como se entender de direito. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-443-06.2021.5.21.0001, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 16/12/2022). "AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. SUMARÍSSIMO. RECLAMADA TRANSCENDÊNCIA. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. VÍNCULO DE EMPREGO DECORRENTE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS INTERMEDIADA POR PLATAFORMA DIGITAL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS VIA APLICATIVO . 1 - Há transcendência jurídica quando se constata em exame preliminar discussão a respeito de questão nova, ou em vias de construção jurisprudencial, na interpretação da legislação trabalhista. 2 - A controvérsia cinge-se sobre a competência da Justiça do Trabalho para apreciar o feito. A reclamada alega que não se trata de relação de emprego ou de trabalho, de modo que a Justiça Especializada não possui competência material, devendo a ação ser remetida à Justiça Comum. Para o TRT, contudo, esta ação é oriunda de relação de trabalho (art. 114, I, Constituição Federal), tal como todas as demais ações em que haja postulação de declaração de existência de vínculo de emprego acompanhada dos pedidos condenatórios decorrentes dessa relação jurídica. 3 - À Justiça do Trabalho compete processar e julgar ações oriundas das relações de trabalho (art. 114, I, da Constituição Federal), o que compreende, não exclusivamente, mas com maior frequência, as relações de emprego . É patente que o pedido e a causa de pedir expõem, como ponto de partida, pretensão declaratória (art. 19, I, do CPC), à qual se subordinam pretensões condenatórias típicas das relações de emprego. Logo, como a competência para processar e julgar causas em que se pretenda a declaração de existência de vínculo de emprego pertence à Justiça do Trabalho, é este ramo do Poder Judiciário o competente para analisar se, no caso concreto, existe, ou não, relação empregatícia gravada pelos requisitos do art. 3° da CLT, ou elementos que atraiam a aplicação do art. 9° da CLT. 4 - Registre-se que não é possível atrair ao debate sobre a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente ação os precedentes que tratam de definição de competência criados para tratar de relações de trabalho distintas, como a do Transportador Autônomo de Cargas, regido pela Lei n. 11.442/2007, a exemplo de quaisquer outras. Afinal, a eficácia erga omnes e o efeito vinculante dos precedentes firmados em controle concentrado de constitucionalidade restringem-se ao dispositivo (art. 28 da Lei n. 9.868/1999), não se estendendo à fundamentação da respectiva ação, já que o ordenamento jurídico brasileiro não suporta a teoria de matriz alemã da transcendência dos motivos determinantes (tragende gründe). Ainda que tal teoria fosse aplicável, não existe, atualmente, precedente de eficácia erga omnes e efeito vinculante que contemple as razões de decidir indispensáveis ao exame da existência de vínculo de emprego entre motorista de aplicativos e empresa que gerencie, mediante algoritmos, plataforma digital de transportes. 5 - Nesses termos, considerando que a ação trata de pedido de reconhecimento de vínculo de emprego, correto o acórdão do TRT que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho. 6 - Agravo de instrumento a que se nega provimento" (AIRR-10479-76.2022.5.15.0151, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 14/08/2023). "AGRAVO DE INSTRUMENTO. LEI 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO . MOTORISTA DE APLICATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ACESSO IRRESTRITO À PLATAFORMA. RELAÇÃO DE TRABALHO AUTÔNOMO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . A controvérsia diz respeito à competência da Justiça do Trabalho para julgar demanda relacionada ao funcionamento do aplicativo Uber que, por meio do seu sistema de inteligência artificial, impõe certas restrições territoriais aos motoristas parceiros. Há transcendência jurídica da causa, nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT, por se tratar de questão nova acerca da competência da Justiça Especializada para decidir sobre obrigação de fazer concernente a limitações no sistema de direcionamento de viagens do aplicativo Uber. Diante da potencial ofensa ao art. 114, I, da Constituição Federal, o agravo de instrumento merece provimento para processar o recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. MOTORISTA DE APLICATIVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ACESSO IRRESTRITO À PLATAFORMA. RELAÇÃO DE TRABALHO AUTÔNOMO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 ampliou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, rompendo a antiga ideia de que apenas as lides envolvendo relação de emprego, nos estritos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT, seriam dirimidas por esta Justiça Especializada. No caso, o demandante, que trabalha como motorista para a Uber, afirma que a empresa tem restringido o livre exercício de seu ofício, bem como seu direito de escolher o local em que prefere praticar sua atividade laborativa, diminuindo, com isso, sua receita. Em que pese o reclamante não ter pleiteado o reconhecimento do vínculo empregatício, mas, somente, que a parte reclamada seja compelida a suspender os bloqueios territoriais impostos pelo aplicativo, em especial quanto ao acesso ao Aeroporto Internacional de Confins-MG, verifica-se tratar de demanda que decorre de relação de trabalho, ainda que autônomo. A obrigação de fazer pretendida, concernente ao acesso irrestrito ao aplicativo, cuja última finalidade é o incremento da remuneração, está diretamente relacionada às condições de trabalho oferecidas pela Uber aos motoristas parceiros da marca , por meio de seu aplicativo, sobressaindo, assim, a competência desta Justiça para apreciá-la, à luz do inciso I do art. 114 da CF/88 . Transcendência jurídica reconhecida. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-10141-93.2021.5.03.0144 , 8ª Turma, Relator Ministro Aloysio Correa da Veiga, DEJT 26/08/2022). (grifos acrescidos) Diante disso, o seguimento do recurso resulta é obstado sob quaisquer alegações, consoante a disposição do art. 896, § 7º da CLT e entendimento cristalizado na Súmula n. 333 do TST, em razão dos quais não ensejam recurso de revista decisões superadas por iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. Nego seguimento. 3.1 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO (13707) / RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO (13722) / TRABALHO SOB APLICATIVOS E/OU PLATAFORMAS DIGITAIS Alegação(ões): - violação do(s) inciso IV do artigo 1º; incisos II do artigo 5º; caput do artigo 170 da Constituição Federal. - violação da(o) artigos 2, 3 e 6 da Consolidação das Leis do Trabalho; artigo 1025 do Código de Processo Civil de 2015; artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho; artigos 3 e 4 da Lei nº 12587/2012; Lei nº 12965/2014. - divergência jurisprudencial. A recorrente postula a reforma do acórdão recorrido, alegando que não restaram devidamente comprovados os requisitos legais para o reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes. Eis o trecho da decisão: "A controvérsia nos autos diz respeito à caracterização do vínculo empregatício entre os aplicativos de transporte e os motoristas que deles fazem uso. O mundo do trabalho vive tempos transformadores com a chegada da chamada Indústria 4.0, decorrente do avanço tecnológico. Passamos a conviver com novos conceitos, como economia colaborativa, economia de compartilhamento ("sharing economy"), 'economia do bico' ("gig economy"). A chamada Gig Economy, relacionada a oferta de serviços por meio de plataformas digitais, nos quais trabalhadores do mundo todo se inserem em novas formas de contratação e de desempenho de suas atividades laborais. As empresas que operam nessa 'economia do bico', adotando o modelo de trabalho 'on-demand', no qual os serviços são oferecidos por meio de aplicativo, estabelecem e garantem um padrão de qualidade mínimo na realização do trabalho, bem como seleciona e gerencia a mão de obra. Por meio do uso do aplicativo, o prestador de serviço e o consumidor identificam oferta e demanda, o trabalho é executado em face da necessidade apresentada e o pagamento realizado e dividido entre o trabalhador e a plataforma. Começo esclarecendo que, apesar de todos esses conceitos inovadores e modernos, não devemos nos esquecer do que permanece, e do que é o objeto de estudo do Direito do Trabalho desde o seu nascimento: os conceitos de empregado e empregador. EMMANUEL DOCKÈS, professor Titular de Direito do Trabalho na Universidade de Paris X - Nanterre, alerta para o risco de os intérpretes passarem a entender que os conceitos antigos não mais funcionam: Todos esses novos conceitos propagam a ideia de que nossos conceitos antigos não funcionam mais. Mas isso é apenas parcialmente correto. Por trás da novidade, real, se escondem negócios antigos, como o transporte pessoas ou de produtos, e até organizações antigas de trabalho. Antes da fábrica taylorista e depois fordista, já havia "finalizadores" e "tarefeiros", pagos por tarefa, às vezes muito especializadas, "autônomas" na fixação de seus horários, muitas vezes proprietários de suas ferramentas e instrumentos de trabalho e, mesmo assim, colocados em uma situação de submissão e de grande fraqueza. Esse tipo de trabalho, não apenas dependente mas submisso, embora autônomo em sua organização temporal ou espacial, nunca cessou completamente. Há mais permanência no trabalho das plataformas do que se costuma dizer. E há mais modernidade em nossos antigos instrumentos legais do que se costuma dizer. Ninguém questiona a modernidade do conceito de "contrato", embora anterior à invenção do papel. Comparativamente, o contrato de emprego e a subordinação que lhe serve de critério são de um modernismo escancarado. O Direito deve se adaptar, mas ele deve se adaptar à realidade em todas as suas dimensões. Mas as relações humanas mudam menos rapidamente do que os telefones celulares. E o progresso técnico nem sempre é libertador: há também novas tecnologias a serviço da submissão. DOCKÈS, Emmanuel. Os empregados das Plataformas. In Futuro do Trabalho - Os Efeitos da Revolução Digital na Sociedade. Organização: Rodrigo Lacerda Carelli, Tiago Muniz Cavalcanti, Vanessa Patriota da Fonseca. Brasília: Esmpu, 2020, p.174 (destaquei) Disponível em file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/Livro_Futuro+do+Trabalho.pdf VALÉRIO DE STEFANO, Professor de Direito do Trabalho na KU Leuven, University de Leuven, Bélgica, em documento elaborado para a Organização Internacional do Trabalho - OIT, ensina que a "gig economy" "não é um universo paralelo" fora dos domínios do Direito do Trabalho, nem é correto afirmar que as regras de Direito do Trabalho estejam desatualizadas e que necessariamente teríamos de abandonar toda a normatização existente para criar uma legislação nova supostamente adaptada a esses novos tempos: De fato, embora seja verdade que algumas de suas dimensões são peculiares, e que o papel principal das tecnologias em atender a demanda e a oferta de trabalho é certamente um deles, seria errado supor que a gig-economy seja uma espécie de dimensão impermeável da economia e do mercado de trabalho. Nem seria correto presumir que as instituições existentes do mercado de trabalho estão totalmente desatualizadas nessa área ou inadequadas para governá-la e que, portanto, teríamos necessariamente que abandonar as instituições e regulamentos existentes e introduzir novos, e possivelmente "mais leves", para acompanhar os desafios apresentados pela economia de bico. (Sachs, 2015b). O fato é, em vez disso, essa flexibilidade extrema, a transferência de riscos para os trabalhadores e a instabilidade de renda há muito se tornaram uma realidade para uma parcela da força de trabalho nos atuais mercados de trabalho que vão muito além das pessoas empregadas na gig-economy. De fato, pode-se argumentar que as formas de trabalho, como trabalho em massa e trabalho sob demanda por meio de aplicativos, fazem parte de uma tendência muito mais ampla em direção à precarização do trabalho. As economias desenvolvidas estão experimentando o surgimento de várias formas de trabalho, como contratos zero horas e trabalho sob demanda, que oferecem a possibilidade de „contratar e demitir ou, mais corretamente, mobilizar e desmobilizar uma porção significativa da força de trabalho em uma base sob demanda e „pay-as-you-go (Berg e De Stefano, 2015; Eurofound, 2015; Humblet, em breve; Labor Research Department, 2014). Por sua vez, formas extremas de precarização fazem parte de um processo de "desmutualização de riscos" que ocorreu em grande número de países desenvolvidos e em desenvolvimento nas últimas décadas e que também é conseqüência do aumento do recurso a formas atípicas de trabalho em vários mercados de trabalho (Freedland e Kountouris, 2011). Em particular, esta desmutualização também pode ocorrer através do uso de "relações de emprego disfarçadas" ou de trabalho autônomo simulado, a fim de contornar regulamentações trabalhistas e previdenciárias ou obrigações fiscais que podem ser atribuídas exclusivamente à relação de emprego dentro de uma determinada jurisdição (Eurofound, 2013; OIT, 2015a; OCDE, 2014). A relação de emprego disfarçada também pode contribuir para a informalização de partes da economia formal, ao permitir que uma parte da força de trabalho seja indevidamente excluída da proteção trabalhista e social. Além do mais, a economia de custos pode resultar significativamente em concorrência desleal com as empresas cumpridoras da lei e, em última análise, estimular o dumping social para termos e condições de trabalho piores. Apesar de muitas vezes negligenciadas, essas questões mais gerais são extremamente relevantes na análise da gig economy. E, de fato, uma das principais questões jurídicas que a ela dizem respeito, e que já gerou grandes litígios nessa área nos Estados Unidos, é justamente a classificação dos trabalhadores envolvidos como empregados ou autônomos. Isso também aumenta o argumento de que a gig-economy não deve ser considerada como um silo separado do mercado de trabalho, uma vez que o problema da classificação incorreta se estende muito além de seu domínio. DE STEFANO, Valerio. The rise of the "just-in-time workforce": on-demand work, crowdwork and labour protection in the "gig-economy". International Labour Office, Inclusive Labour Markets, Labour Relations and Working Conditions Branch. Geneva: ILO, 2016, Conditions of work and employment series; nº 71,p.6-7. Como será demonstrado, por trás desse aparato tecnológico, desses conceitos modernos e inovadores, estamos, na verdade, diante de uma relação subordinada entre uma empresa de transporte e um motorista, de uma fraude ao bom e velho contrato de emprego por prazo indeterminado. É importante trazer uma distinção trazida pelo Procurador do Trabalho e Professor da UFRJ, RODRIGO CARELLI, entre as plataformas digitais e plataformas de trabalho sob demanda. Como será demonstrado abaixo, a UBER e a 99 Tecnologia se enquadram nesse último conceito, vejamos: As plataformas digitais são um modelo empresarial que se utiliza da tecnologia digital e dos meios atuais disponíveis de telecomunicação para a instituição, de forma pura, parcial ou residual, de um "marketplace" ou mercado, no qual agentes interagem para a realização de negócios As plataformas de trabalho sob demanda, como as plataformas digitais de serviços de transporte de pessoas ou entrega de mercadorias, são formas deturpadas de plataforma, pois realizam intervenção máxima no mercado que dizem estabelecer, tomando corpo como um real negociante e parte interessada nos negócios, realizando por meio do formato de plataforma a própria atividade econômica que finge intermediar. A tecnologia é central somente na organização do trabalho e da atividade econômica, não sendo a própria razão de ser dessas empresas. Não há a criação de um setor econômico novo, mas sim o sequestro (ou disrupção) de um setor econômico existente com a implementação de nova organização do trabalho e de controle de trabalhadores. A principal tecnologia utilizada pelas plataformas é a social, de gerenciamento de trabalhadores, sendo a tecnologia digital escrava e dedicada àquela. CARELLI. Rodrigo Lacerda. " O projeto de regulamentação do trabalho em plataformas: um novo Código Negro?. Disponível em: https://jornalggn.com.br/cidadania/o-projeto-de-regulamentacao-do-trabalho-em-plataformas-um-novo-codigo-negro-por-rodrigo-de-lacerda-carelli/ É preciso deixar logo claro que as empresas desse tipo, como a UBER e a 99 TECNOLOGIA LTDA., são empresas de transporte, e não simples plataformas digitais, uma vez que o seu lucro está diretamente vinculado ao transporte de pessoas realizado pelos motoristas. Elas não cobram uma taxa fixa pela utilização do aplicativo; elas retêm parte do preço pago pelo passageiro; seu lucro está diretamente ligado ao transporte de pessoas e não ao número de motoristas cadastrados. A afastar qualquer dúvida a respeito do exercício da atividade econômica de transporte pela Uber e pela 99 Tecnologia, observe-se que as mencionadas empresas classificaram os seus pedidos de registro de marca, formulados perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), na especificação TRANSPORTE e ORGANIZAÇÃO DE VIAGEM (Número do processo da UBER: 840466854) e SERVIÇOS DE TRANSPORTE E LOGÍSTICA EM MATÉRIA DE TRANSPORTE; TRANSPORTE DE PASSAGEIROS E VIAJANTES (Número do processo da 99 Tecnologia: 915932105). O Ministério Público do Trabalho, em excelente estudo, cujo resultado final fora publicado em trabalho intitulado "Empresas de Transporte, Plataformas Digitais e a Relação de Emprego: Um Estudo do Trabalho Subordinado sob Aplicativos" (OITAVEN, Juliana Carreiro Corbal, CARELLI, Rodrigo de Lacerda, CASAGRANDE, Cássio Luís . - Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2018, disponível em file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/CONAFRET_WEB-compressed.pdf, acesso em 22.06.2020), pontua com muita propriedade que: O aplicativo é somente a interface visível presente nos aparelhos telefônicos dos clientes e trabalhadores. A empresa faz bem mais que ser detentora do aplicativo: ela tem em verdade toda uma infraestrutura de telecomunicações e alto poder de processamento com servidores potentes de armazenamento de dados que fazem ser possível sua atividade econômica - o serviço de transporte -, além de garantir meios materiais de execução, como pontos de apoio em aeroportos. A empresa monitora cada etapa da execução do serviço, em controle tanto da corrida, do motorista e do passageiro. A empresa impõe modelo de prestação de serviços de transporte, punindo os motoristas que não cumprirem as suas regras e seus padrões mínimos de qualidade. A Uber, inclusive, impõe o preço do serviço. O trabalhador não sabe nem mesmo o endereço para onde deverá levar o passageiro antes de aceitar realizar a corrida, nem fica com os contatos do cliente. Conforme já decidiu a Corte de Justiça da União Europeia, a empresa não é mera intermediadora entre cliente e prestador de serviço, ela é uma empresa de transporte, por organizar o funcionamento total do serviço. No mundo real é esse o negócio da empresa. Não se trata de economia compartilhada, ninguém fora do Brasil ainda mantém esse discurso, nem as próprias plataformas de intermediação de trabalhadores ousam declarar-se dessa forma. De fato, economia do compartilhamento se dá em plataformas como o Blablacar, por exemplo, pelo qual pessoas dão caronas umas para as outras, não fazendo disso suas profissões. Trata-se sim da chamada Gig Economy, ou economia do bico, baseada em tarefas fragmentadas realizadas por trabalhadores precários para a realização da atividade econômica da empresa, geralmente com a utilização de meios telemáticos para a arregimentação e controle desses trabalhadores. O magistrado britânico na decisão acima citada afirmou que é "irreal negar que a Uber não tenha como negócio o fornecimento de serviços de transporte."E continua mais à frente: "a noção que Uber em Londres é um mosaico de 30.000 pequenos negócios ligados por uma plataforma comum é para nosso senso ligeiramente ridículo." Eis a conclusão do acórdão da Corte da UNIÃO EUROPEIA sobre o tema em debate nos autos: "...um serviço de intermediação como o que está em causa no processo principal (UBER), que tem por objeto, através de uma aplicação para telefones inteligentes, estabelecer a ligação, mediante remuneração, entre motoristas não profissionais que utilizam o seu próprio veículo e pessoas que pretendam efetuar uma deslocação urbana, deve ser considerado indissociavelmente ligado a um serviço de transporte e, por conseguinte, abrangido pela qualificação de «serviço no domínio dos transportes», na acessão do artigo 58.o, n.o 1, TFUE. Tal serviço deve, portanto, ser excluído do âmbito de aplicação do artigo 56.o TFUE, da Diretiva 2006/123 e da Diretiva 2000/31". (http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30d62d2e459f88564c1292dd9ce276a2c0f1.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxyNa3z0?text=&docid=198047&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first∂=1&cid=403683 - Acesso em 27/08/2020.)" No mesmo sentido, decisão da Suprema Corte da Califórnia: The plain facts compel the conclusion that Defendants' "usual course" of business is providing rides to Passengers. Simply put, Defendants sell rides. Passengers contact Defendants to get rides. Passengers book and pay for rides through each Defendant's App. Rides are what Passengers pay the ride-hailing companies for, and providing rides is what the Defendants do. Os fatos simples levam à conclusão de que o "curso normal" dos negócios dos Réus é fornecer caronas aos Passageiros. Simplificando, os réus vendem caronas. Os passageiros entram em contato com os réus para obter caronas. Os passageiros reservam e pagam pelas viagens por meio de cada aplicativo do réu. Caronas são o que os Passageiros pagam às empresas de recebimento de caronas, e fornecer caronas é o que os Réus fazem. Disponível em file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/2020_06_25-People_MPA.pdf Se essas empresas não são uma empresa de transportes, mas sim meras plataformas que unem motoristas e passageiros, qual a razão de estarem investindo tanto em automóveis sem motoristas?: "Uber compra US$ 1 bilhão em carros que vão dirigir sem motorista, ( ... "ela só se torna um negócio comercial ao remover da equação o operador do veículo", diz Jeff Miller, chefe de alianças automotivas do Uber, à Reuters. No ano passado, o então CEO Travis Kalanick disse à Bloomberg que, no longo prazo, as corridas serão mais baratas nos carros autônomos porque não será necessário pagar o motorista.) disponível em https://tecnoblog.net/228386/uber-um-bilhao-carros-autonomos/ acesso em 22.06.2020. Os carros autônomos da 99 Os chineses da Didi - a gigante que comprou a startup brasileira 99 - não perderam isso de vista e por isso, desde maio, têm no carro autônomo o principal produto em desenvolvimento no novo laboratório instalado na mesma cidade onde o Google fincou os pés. https://99app.com/newsroom/os-carros-sem-motorista-da-99/ Nessas empresas, que, como visto, em verdade, atuam no setor de transportes, o serviço funciona da seguinte forma: um usuário, por meio do aplicativo, solicita um carro para fazer uma viagem, e um motorista, previamente cadastrado, que estiver "on line" e próximo ao local, aceita o trabalho. Segundo a alegação da empresa, esse motorista é um prestador de serviços independente, um parceiro comercial, conforme consta em seus TERMOS para utilização, enquanto ela, embora defina todo o negócio, ditando procedimentos e diretrizes, seria mera intermediadora digital. Seria razoável, então, pensar que, em razão desse formato e suposta parcela maior de autonomia, está esse trabalhador, pessoa física, por conta própria, como se totalmente independente fosse, admitindo-se o trabalho humano como mero serviço ou mercadoria, sob a máscara da parceria comercial? Ora, conforme a Declaração de Filadélfia de 1944 - Declaração dos fins e objetivos da Organização Internacional do Trabalho da OIT -, "o trabalho não é uma mercadoria". Conforme a Recomendação n º 198 da OIT, é dever desta Justiça especializada combater as relações de trabalho disfarçadas: 4. b combater as relações de trabalho disfarçadas no contexto de, por exemplo, outras relações que possam incluir o uso de outras formas de acordos contratuais que escondam o verdadeiro status legal, notando que uma relação de trabalho disfarçado ocorre quando o empregador trata um indivíduo diferentemente de como trataria um empregado de maneira a esconder o verdadeiro status legal dele ou dela como um empregado, e estas situações podem surgir onde acordos contratuais possuem o efeito de privar trabalhadores de sua devida proteção; É a consagração do princípio da primazia da realidade (art. 9º e 442 da CLT). Como observado pelo professor japonês YUICHIRO MZUMACHI, "o Direito do Trabalho nasceu em oposição ao formalismo do Direito Civil. Se hoje, mais uma vez, cresce a diferença entre o formal e o real, é preciso que ele encontre novas formas de agir. O Direito do Trabalho é a língua que descreve a realidade social, mas também a força que a corrige." ( PORTO, Lorena de Vasconcelos. "O trabalho autônomo na reforma trabalhista e a violação às normas internacionais de proteção ao trabalho." In: MELO, Raimundo Simão e outros. Constitucionalismo, Trabalho, Seguridade Social e as Reformas Trabalhista e Previdenciária. São Paulo: Ltr, 2017, p.321) O que está em jogo na análise das "novas" formas de trabalho através de plataformas digitais é a manutenção do conceito internacionalmente reconhecido de relação de emprego socialmente protegida (art. 7º, I CF), e também do valor social do trabalho ( art. 1º, IV e 170 CF). Conforme leciona a Procuradora do Trabalho e Doutora em Direito pela Universidade de Roma, LORENA DE VASCONCELOS PORTO, "o contrato de emprego tem demonstrado ser historicamente a mais objetiva, direta e eficiente maneira de propiciar igualdade de oportunidades, de consecução de renda, de afirmação pessoal e de bem-estar para a grande maioria das populações da sociedade capitalista." Continua a ilustre jurista: A importância fundamental do emprego para o desenvolvimento econômico e a maior igualdade e justiça social pode ser demonstrada estatisticamente. Conforme nos revelam dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os países mais desenvolvidos econômica e socialmente do mundo são aqueles que possuem o maior percentual da população economicamente ativa (PEA) na condição de "empregados" e menor percentual nas categorias "empregadores e trabalhadores autonômos" e "trabalhadores familiares não remunerados". Basta confrontar, por exemplo, no que tange ao percentual de empregados na composição da PEA, os números da Noruega (91,2%), Suécia (90,4%), Dinamarca (91,2%), Alemanha (88,6%), Países-Baixos (88,9%) e Reino Unido (87,2%), com aqueles presentes na Grécia (60,2%), Turquia (50,9%), Tailandia (40,5%), Bangladesh (12,6%) e Etiópia (8,2%). PORTO, Lorena de Vasconcelos.Op. Cit. p.319. As relações de emprego devem ser reconhecidas e protegidas como tal. A tentativa de distorcer esse caráter a partir da introdução de termos que pretendem amenizar os esforços realizados pelos trabalhadores, como 'tarefas', 'caronas', 'colaboradores', dentre outros, caminha no sentido de captura da subjetividade do trabalhador, o que implica consequências negativas (ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005.). A tão falada modernidade das relações através das plataformas digitais, defendida por muitos como um sistema colaborativo formado por "empreendedores de si mesmo", tem ocasionado, em verdade, um retrocesso social e precarização das relações de trabalho. O trabalho on demand através de aplicativo tem se apresentado como um "museu de grandes novidades": negativa de vínculo de emprego, informalidade, jornadas exaustivas, baixa remuneração, conforme bem esclarece o professor do Departamento de Sociologia da UNB, RICARDO FESTI: Nesse cenário, entre as novas tecnologias destrutivas estão as plataformas digitais. A plataformização ou uberização da vida e do trabalho se tornou o símbolo da precarização neoliberal do início de século 21. No entanto, uma descrição do atual mundo do trabalho nos remete às condições do século 19: baixos salários, inexistência de vínculo empregatício, informalidade, altas jornadas de trabalho (acima de 12 horas), quase nenhuma seguridade social etc. Mesmo assim, este novo mundo do trabalho é apresentado como jovem, cool, autônomo, livre de patrão. Flexibilidade é a palavra-chave desse modelo. A aparente liberdade esconde nova forma de servidão. Em cada plataforma digital, tem-se um algoritmo que gere o trabalho e é capaz de intervir e orientar o comportamento dos indivíduos envolvidos. Assim, reforça-se o que há de mais tradicional no capitalismo, o controle sobre o processo de trabalho e a apropriação privada dos lucros. Enquanto os motoristas e entregadores de aplicativos se matam para conseguir uma renda digna, os donos se tornam multibilionários.FESTI, Ricardo. A distopia do capitalismo de plataforma. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2020/02/25/internas_opiniao,830394/artigo-a-distopia-do-capitalismo-de-plataforma.shtml RICARDO ANTUNES, professor de Sociologia do Trabalho da Unicamp, explica que estamos diante de uma "nova era de precarização estrutural do trabalho", que possui como exemplos, dentre outros o chamado "empreendedorismo", " que cada vez mais se configura como forma oculta de trabalho assalariado, fazendo proliferar as distintas formas de flexibilização salarial, de horário, funcional ou organizativa." (ANTUNES, Ricardo. O Privilégio da Servidão - o novo proletariado de serviços na era digital. 2a. ed. São Paulo: Boitempo, 2020, p.79-80). Em outra obra, o Professor Ricardo Antunes define a UBERIZAÇÃO como "um processo no qual as relações de trabalho são crescentemente individualizadas e invisibilizadas, assumindo, assim, a aparência de "prestação de serviços" e obliterando as relações de assalariamento e de exploração do trabalho." O professor faz uma síntese da relação de emprego na UBER, premissa igualmente aplicável à 99 Tecnologia: Outro exemplo encontramos no Uber. Trabalhadores e trabalhadoras com seus automóveis arcam com suas despesas de seguridade, gastos de manutenção de seus carros, alimentação, limpeza etc., enquanto o "aplicativo" se apropria da mais-valia gerada pelos serviços dos motoristas, sem nenhuma regulação social do trabalho. A principal diferença entre o zero hour contract e o sistema Uber é que neste os/as motoristas não podem recusar as solicitações, para não correrem o risco de serem demitidos. A relação de trabalho é, então, ainda mais evidente. Dos carros para as motos, destas para as bicicletas, patins etc., a engenhosidade dos capitais é de fato espantosa. (ANTUNES, Ricardo. Trabalho digital, "indústria 4.0 e uberização do trabalho. In Futuro do Trabalho - Os Efeitos da Revolução Digital na Sociedade. Organização: Rodrigo Lacerda Carelli, Tiago Muniz Cavalcanti, Vanessa Patriota da Fonseca. Brasília: Esmpu, 2020, p.347 (destaquei) Disponível em file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/Livro_Futuro+do+Trabalho.pdf E continua o renomado Professor: Assim, se essa tendência destrutiva em relação ao trabalho não for fortemente confrontada e recusada e obstada, sob todas as formas possíveis, teremos, além da ampliação exponencial da informalidade no mundo digital, a expansão dos trabalhos "autônomos", dos "empreendedorismos" etc., configurando-se cada vez mais como uma forma oculta de assalariamento do trabalho que introduz o véu ideológico para obliterar um mundo incapaz de oferecer vida digna para a humanidade. Isto ocorre porque, ao tentar sobreviver, o "empreendedor" se imagina como proprietário de si mesmo, um quase--burguês, mas que frequentemente se converte em um proletário de si próprio, que auto explora seu trabalho. (ANTUNES, Ricardo. Trabalho digital, "indústria 4.0 e uberização do trabalho.Op. Cit., p.352) A Organização Internacional do Trabalho já demonstra preocupação com os efeitos dessas novas relações de trabalho por aplicativos na proteção social do trabalhador. Em 2019, ano de seu centenário, publicou o estudo sobre o futuro do Trabalho intitulado "Trabalhar para um Futuro Melhor - Comissão Mundial sobre o Futuro do Trabalho" . Nesse documento foi proposta uma "agenda centrada no ser humano" com ênfase no "papel mais amplo da tecnologia na promoção do trabalho digno" no qual se estabeleceu o seguinte: "Ao mesmo tempo, a tecnologia digital cria novos desafios para a implementação efetiva da proteção laboral. As plataformas de trabalho digital fornecem novas formas de receita para muitos trabalhadores em diferentes partes do mundo, mas a natureza fragmentada do trabalho em jurisdições internacionais dificulta o controle do respeito pela aplicação da legislação do trabalho aplicável. O trabalho é, por vezes mal remunerado, muitas vezes abaixo do salário mínimo vigente e não existem mecanismos oficiais para lidar com a desigualdade de tratamento. Prevemos que essa forma de trabalho se dissemine no futuro, e, portanto, recomendamos o desenvolvimento de um sistema de governação internacional para plataformas de trabalho digitais que estabeleça e exija que as plataformas (e clientes) respeitem certos direitos e proteções mínimas. (p.45) É certo que nesse modelo da chamada "economia do bico" (que em verdade de bico não tem nada, uma vez que as pesquisas demonstram as longas jornadas desses motoristas), o vínculo com o trabalhador assume nova roupagem, porém esse pretenso prestador do serviço deve ser caracterizado como empregado quando demonstrada a presença dos elementos configuradores da relação de emprego. DOS REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO Nesse ponto específico, sob a ótica do direito brasileiro, é sabido que para a caracterização do liame de emprego, é necessário demonstrar que a prestação de serviços se dava por pessoa física, com pessoalidade, de forma não-eventual, mediante salário e subordinação jurídica, conforme se extrai dos arts. 2º e 3º da CLT. A) DA SUBORDINAÇÃO Em nosso sentir, a subordinação existente nesse tipo de relação através das plataformas digitais pode até mesmo ser classificada em sua figura clássica, tendo em vista o exercício do poder diretivo da empresa através dos controles por programação (subordinação algorítmica - CLT art. 6ª, parágrafo único). Embora tenhamos como novidade a existência do aplicativo, são os mesmos serviços realizados no mundo real, sob o mesmo poder diretivo da empresa contratante, que estabelece as rotinas de trabalho, define a remuneração, aplica punições e rescinde unilateralmente o contrato sem justa causa. O controle do trabalho nunca foi tão fácil, pois fica tudo registrado na plataforma: data em que o trabalhador se cadastrou, hora de conexão e desconexão, o tempo, a rota, o valor recebido. Só mesmo nos tempos atuais de pós-verdade, em que idéias como o terraplanismo voltaram a ser defendidas, é que se pode crer que os motoristas sejam "parceiros", "colaboradores" ou "microempreendedores do aplicativo". (Sobre o tema, interessante palestra da Procuradora do Trabalho, Vanessa Patriota, com o título "O Microempreendedor do Aplicativo e o Terraplanismo" disponível no canal da Ejud 13 no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=_GiTMoXB9Yc). Mesmo que se defenda que a subordinação na espécie não se apresente típica ou clássica, não há como se fugir do fato de que ela se apresenta na modalidade objetiva ou mesmo estrutural, vale dizer, quando o empregado se encontra integrado aos fins ou à estrutura dinâmica da empresa, ou, conforme previsto no item 13.a da Recomendação 198 da OIT, aquela que envolva "a integração do trabalhador na organização da empresa", seguindo seus procedimentos operacionais, mas sem que as ordens dela emanadas restem muito evidentes, vez que realizadas através de controle por programação e diluídas entre códigos de conduta, avaliações, manuais procedimentais, objetivos e metas estabelecidas. MAURÍCIO GODINHO DELGADO, em seu Curso de Direito do Trabalho (São Paulo:LTr, 17ª edição, 2018, pag. 352), assim explica: Estrutural é, finalmente, a subordinação que se expressa "pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento". Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa das atividade do tomador de serviços. Note-se, ademais, que na CLT não há a referência a estar 'sob ordens', ou subordinação no sentido clássico da palavra. Os elementos encontrados na lei são 'direção' do trabalho e 'dependência', que são facilmente encontráveis nesse novo modelo, inserido no contexto dos aplicativos e plataformas digitais. Para cortar custos, as empresas procuram rotular os trabalhadores como parceiros, colaboradores, freelancers, microempreendedores individuais etc. No entanto, surge um dilema porque, embora as empresas desejem situar os trabalhadores fora do alcance das leis trabalhistas de proteção, elas também desejam manter o controle sobre o desempenho e a qualidade do trabalho. No caso sob análise, percebe-se pelos termos de uso (tanto da UBER quanto da 99 Tecnologia) demasiada preocupação em ressaltar a independência e autonomia dos motoristas que a ela aderem. Por outro lado, paradoxalmente, não se faz ela de rogada ao prescrever minuciosamente como a prestação de serviços deverá ser realizada, direcionando a conduta e proceder de seus clientes (leia-se prestadores de serviços de transporte), controlando a qualidade dos serviços e, inclusive, reservando-se o direito de exclusão do motorista que não atender a suas diretrizes e ou não prestar um serviço de qualidade, conforme avaliações de seus usuários na plataforma. O Professor da PUC-MINAS e então Desembargador Presidente da 1ª Turma do TRT de Minas Gerais, José Eduardo de Resende Junior, em artigo intitulado "O Direito do Trabalho e as Plataformas Eletrônicas", defende a utilização do "Princípio da Primazia da Realidade-Virtual" para analisar a relação de trabalho nas plataformas virtuais: A primazia da realidade-virtual, portanto, se dá como um parâmetro jurídico para dirimir controvérsias que decorram das novas relações de trabalho, com ênfase na prevalência do sistema, do software, do aplicativo e até mesmo do algoritmo oriundo do poder diretivo da empresa sobre disposições abstratas. Em outras palavras, na produção pós-industrial, prevalece a gestão oriunda da inteligência artificial e não o acordo de vontade abstrato das partes. É o determinado pelo programa ou aplicativo que vigora na prática e é o que decorre dessa realidade-virtual, do código-fonte que deve ser considerado como substrato para a incidência do ordenamento jurídico, não as disposições emanadas da vontade formal das partes. CHAVES JUNIOR. José Eduardo Resende. O Direito do Trabalho e as Plataformas Eletrônicas. In MELO, Raimundo Simão de; ROCHA, Claudio Jannotti (coord). Constitucionalismo, Trabalho, Seguridade Social e as Reformas Trabalhista e Previdenciária.São Paulo: Ltr, 2017, p. 357 e seguintes. A CLT, em seu art. 6º, parágrafo único, veio expressamente prever a inclusão da organização do trabalho por programação, como forma de caracterização do vínculo empregatício: CLT. At. 6º (...) Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Alguém duvida que assim aconteça com o motorista que adere à UBER e à 99 Tecnologia, que, embora eletronicamente, os seleciona, estabelece as regras, inclusive quanto aos carros que deverão ser utilizados na prestação de serviços de transporte oferecido, fixa o valor da corrida, impõe código de conduta, recebe reclamações de usuários, decide sobre elas e sobre o destino do trabalhador com base nas avaliações? O fato de isso acontecer por intermédio de uma plataforma digital, altera a realidade das coisas no plano real? Nesse novo regime, o controle do trabalho é feito através da programação por comandos, com a direção por objetivos e estipulação de regras preordenadas e mutáveis pelo programador, incumbindo ao trabalhador a capacidade de reagir em tempo real aos sinais que lhe são emitidos, a fim de realizar os objetivos assinalados pelo programa. Logo, se por um lado restitui-se ao trabalhador certa esfera de sua autonomia na prestação do serviço, de outro, essa liberdade é tolhida e limitada pela programação. Vale dizer que o trabalhador obedece às diretrizes do negócio e às "regras do programa". Diz o Ministério Público do Trabalho, no estudo já citado, acerca do modelo adotado pela UBER (também aplicável à 99 Tecnologia), que a autonomia concedida, nesse contexto, é uma "autonomia na subordinação", ao apurar e explicar o seguinte: De acordo com Davi Carvalho Martins, o trabalho ocorre da seguinte forma: (i) compete-lhe escolher e selecionar os motoristas que podem aceder à aplicação informática, sem a qual não pode ser prestado o serviço; (ii) cabe-lhe obter e indicar os clientes disponíveis ao motorista, através de uma aplicação informática; (iii) o motorista deve fornecer os seus dados e disponibilizar uma viatura que não pode ter mais de 10 anos, podendo a empresa controlar a qualidade do serviço através da avaliação dos clientes (uma avaliação inferior a 4,6 estrelas pode levar ao cancelamento do acesso à plataforma informática); (iv) o preço da viagem é fixado pela empresa, a qual paga aos motoristas um valor previamente determinado; (v) os motoristas não devem receber gorjetas; (vi) a empresa pode fornecer o smartphone necessário para aceder à aplicação, salvo se o motorista tiver algum equipamento compatível; e (vii) o motorista não tem qualquer função de gestão que possa afetar a rentabilidade do negócio. As principais características desse sistema são: monitoramento eletrônico, aumento de preço e programação de trabalho, a fusão da análise em tempo real (...) O aplicativo estimula os motoristas a aceitarem todas as corridas e a permanecerem o maior tempo possível trabalhando. Trata-se de uma forma de manter o atendimento aos clientes o mais amplo possível. Contudo, a aceitação de uma corrida pelo motorista não indica necessariamente o trajeto que será percorrido, nem o valor estimado que será recebido. A rejeição de viagens não rentáveis coloca em risco a continuidade do motorista no aplicativo, uma vez que a empresa pode suspendê-lo ou excluí-lo. Assim, verifica-se que os motoristas absorvem o risco de todas as corridas realizadas. O controle sobre os motoristas é elevado. Apesar de os trabalhadores serem remunerados apenas quando realizam viagens demandadas pelo aplicativo, a Uber mantém a coleta de informações dos motoristas mesmo quando não estão em uma corrida. A partir desses elementos, a empresa consegue delinear padrões de tráfego e alimentar o algoritmo de oferta e demanda que fixa o preço das viagens. A Uber iniciou o monitoramento dos movimentos dos motoristas que utilizam o aplicativo por meio dos telefones celulares, com o objetivo de identificar o comportamento dos trabalhadores e, nos casos em que entender necessário, tentar influenciar suas condutas.Trata-se de uma forma de promover controle de qualidade da prestação de serviço. (...) Ainda, o valor da tarifa é fixado pela empresa sem qualquer consulta prévia aos motoristas, o que indica um desequilíbrio entre as partes. Outro elemento que se relaciona com essa questão é a coleta e a análise de informações dos motoristas que a Uber realiza a partir do envio de mensagens sobre aumento de preço e de demanda, que estimula a disponibilidade dos trabalhadores em determinados horários em que a empresa projeta a existência de maior número de chamados por meio do aplicativo. A fusão da análise em tempo real com a análise prévia ocorre por meio dos algoritmos utilizados pela Uber. Além de verificar instantaneamente a demanda, a empresa consegue fazer projeções da oscilação do número de chamados pelo aplicativo a partir do histórico de viagens realizadas. A empresa faz contato com os motoristas para expor o aumento da demanda, constatado prévia ou instantaneamente, de forma indistinta. A avaliação dos motoristas é realizada pelos clientes ao término das viagens realizadas, em que é possível atribuir nota de 1 a 5 estrelas para o desempenho do trabalhador. Também, é possível enviar mensagens para a Uber sobre o serviço prestado. Esse sistema afeta diretamente o motorista, uma vez que se a média de suas avaliações ficar abaixo de 4,6, a empresa pode descredenciá-lo do aplicativo. É importante destacar que a apreciação do cliente está relacionada com o que a Uber divulga como 'experiência' em ser atendido por um motorista vinculado ao aplicativo. Para garantir um padrão no atendimento dos clientes, a empresa estabelece condutas a serem observadas pelos trabalhadores e constantemente envia mensagens sobre esse tema, além de estimular os motoristas a criarem relações com os passageiros de forma que estes se sintam sempre confortáveis, independentemente da situação daqueles - que é denominado de "emotional labor". (MARTINS, D. C.. A "Uber" e o contrato de trabalho. Disponível em: .Acesso em 21 nov. 2015 in OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE, ob. cit. p. 35 OITAVEN, Juliana Carreiro Corbal, CARELLI, Rodrigo de Lacerda, CASAGRANDE, Cássio Luís . - Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2018, disponível em file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/CONAFRET_WEB-compressed.pdf, acesso em 22.06.2020) Assim, não é verdade o argumento da empresa de que o motorista possui ampla liberdade onde, por quanto tempo, de que forma prestarão os serviços aos usuários do aplicativo. Conforme novamente esclarecem OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE, ob. cit. p. 35 e seguintes, essa suposta liberdade "é imediatamente negada pelo dever de aliança e de cumprimento dos objetivos traçados na programação, que é realizada de forma unilateral pelas empresas". Esse "controle é feito através da programação por comandos, com a direção por objetivos e estipulação de regras preordenadas e mutáveis pelo programador, incumbindo ao trabalhador a capacidade de reagir em tempo real aos sinais que lhe são emitidos, a fim de realizar os objetivos assinalados pelo programa". Abaixo listamos algumas formas de exercício desse controle: 1-PRECIFICAÇÃO - O motorista não pode definir seus próprios preços. Como o valor cobrado é definido pela empresa e já são sabidamente mais baixos, não há verdadeira autonomia do motorista para a realização de supostos descontos, sob pena de ficar privado de ganho necessário ao próprio sustento. Outro ponto que destaco é que o fato de o trabalhador ser pago integralmente por terceiros, cabendo à plataforma de transporte apenas o repasse do valor recebido, NÃO descaracteriza o vínculo de emprego, na medida em que a demandada é que disponibiliza a oportunidade de ganho. 2- CONTROLE PELA ENTREGA DE PREMIAÇÕES - Stick and Carrots - "em momentos em que normalmente os trabalhadores iriam preferir ficar em casa, como dias festivos, a empresa concede incentivos financeiros - chamadas premiações - aos 'parceiros', para que se mantenham ativos. A tática de garantia de preço mínimo por hora também é utilizada para manter os trabalhadores ativos. Da mesma forma, conforme a necessidade, a empresa concede incentivos para que trabalhadores peguem clientes de determinados lugares, deslocando os motoristas para aqueles locais. Além disso, há o já referido preço dinâmico, pela visualização no mapa na cor vermelha dos locais em que há menor número de motoristas e maior demanda de passageiros. Essa é a faceta do controle pelas cenouras (carrots)." (OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE, ob. cit. p. 35 e seguintes) 3 - AVALIAÇÕES - as avaliações em forma de notas dadas pelos usuários caracterizam o controle das empresas sobre o trabalho realizado. "A nota - ou avaliação - assume nítido cariz de controle quando se verifica que ela tem como destinatária a empresa, e não os clientes. Não há possibilidade de se escolher um motorista - ou entregador, ou qualquer outro profissional - por sua pontuação. O algoritmo da empresa seleciona e encaminha, sem possibilidade de escolha, o motorista que mais perto estiver do cliente." Continuam: "a nota, pelo poder de retirar o trabalhador da plataforma, exerce irresistível poder sobre a forma de prestação dos serviços. O padrão de se vestir ou se portar não são obrigatórios, mas são inescapáveis para a obtenção da nota de corte. Assim, da mesma forma que não é obrigatório - mas é inescapável - o trabalho por período integral (ou até em jornadas estafantes), não há como fugir do padrão do serviço imposto pela própria empresa." (OITAVEN, CARELLI, CASAGRANDE, ob. cit. p. 35 e seguintes) O método de controle e fiscalização utilizado pela empresa é de extrema eficácia, pois combina, de uma lado, uma gestão de marketing e publicidade ampla, que faz com que as suas "recomendações" sejam amplamente conhecidas pelos motoristas e usuários; de outro lado, as avaliações realizadas pelos usuários do serviço faz com que cada passageiro seja um fiscal do cumprimento das normas impostas unilateralmente pela empresa a custo zero. Através do controle pelo sistema algorítmico, a empresa utiliza estratégias de neuromarketing para convencimento dos motoristas, para capturar a subjetividade do trabalhador e incentivá-lo a atingir as metas propostas, a continuar online e aceitar as chamadas dos passageiros: Segundo a reportagem How Uber uses psychological tricks to push its drivers' buttons, veiculada no The NY Times,[...] empregando centenas de cientistas sociais e cientistas de dados, a Uber experimentou técnicas de videogames, gráficos e recompensas de pouco valor que podem levar os motoristas a trabalhar mais e com mais afinco - e às vezes em horários e locais menos lucrativos para eles. (SCHEIBER, 2017, tradução livre). LEME, Ana Carolina Reis Paes Neuromarketing e sedução dos trabalhadores: o caso Uber in Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade / organização : Rodrigo de Lacerda Carelli, Tiago Muniz Cavalcanti,Vanessa Patriota da Fonseca. - Brasília : ESMPU, 2020, p147. O Conselho de Apelação do Seguro Desemprego do Estado de Nova York (New York State Unemployment Insurance Appeal Board), no caso n. 596722. 2018, de 12 de Julho de 2018, em decisão envolvendo a UBER e o Sindicato de Taxistas de Nova York, deixou clara a existência de controle típicos de uma relação de emprego: Embora a Uber afirme que é apenas uma plataforma de tecnologia que conecta passageiros a motoristas, seu negócio é semelhante em muitos aspectos a outras empresas de serviços automotivos mais tradicionais. Aqui, a tecnologia apenas substitui muitas das funções de um empregado-despachante de despachar uma solicitação de viagem apenas para o motorista mais próximo que pode aceitar a tarefa enviada. Além disso, o registro demonstra que a Uber comercializa seus serviços de transporte para motoristas e condutores, seleciona apenas motoristas qualificados, monitora e supervisiona o desempenho dos motoristas, recompensa motoristas de alto desempenho, disciplina os motoristas que não cumprem os padrões do Uber de forma temporária ou permanente, fixa os preços da tarifa cobrados dos passageiros e define a taxa do motorista paga à Uber. Efetivamente, a Uber utiliza as avaliações e feedback dos motoristas como uma das várias ferramentas para avaliar e monitorar o desempenho dos motoristas, incluindo limpeza, traje profissional e maneira de dirigir. As consequências e implicações diretas da classificação obrigatória de 5 estrelas e do feedback demonstram controle. Estado de Nova Iorque. Unemployment Insurance Appeal Board. Appeal Board n. 596722. 2018, p. 9 Disponível em :file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/Uber%20AB%20Decision-redacted.pdf Destaco que o fato de o motorista também avaliar o passageiro não descaracteriza a existência de subordinação do primeiro à empresa demandada, pois, conforme visto, a avaliação negativa do motorista pelo usuário é fator determinante de seu desligamento. A.1) DA POSSIBILIDADE DE FICAR OFF-LINE É preciso destacar ainda que a possibilidade de o reclamante ficar com aparelho desligado ou off-line não significa autonomia. O Professor de Direito do Trabalho da Universidade de Valência e Doutor em Direito, ADRIÁN TODOLÍ SIGNES, deixa clara a irrelevância de certas características da prestação na hora de qualificar o contrato de trabalho, dentre as quais essa flexibilidade do motorista. Para o referido jurista, a suposta liberdade de o trabalhador definir "quando" ou "como" faz o trabalho não afasta o conceito de subordinação, vejamos: Da mesma forma, modalidades contratuais como o trabalho a distância baseiam-se no acompanhamento do resultado e não do modus operandi da prestação, sem que isso impeça a sua qualificação como vínculo empregatício. O conceito de trabalho subordinado vem se adaptando a novas realidades há anos, sem que o fato de o trabalhador ter a liberdade de escolher quando faz o trabalho - ou como - seja relevante para sua qualificação jurídica. É precisamente a elasticidade do conceito que permitirá a sua adaptação à "realidade social da época" em que deve ser interpretado. (...) No entanto, embora seja sem dúvida verdade que existe uma maior flexibilidade na forma de realização do trabalho e um aumento da liberdade na escolha dos horários e horários de trabalho, a doutrina majoritária continua a considerar que a posição do prestador de serviço nestas startups é um trabalhador subordinado. O contrário significaria que o Direito do Trabalho deixaria de proteger o sujeito que buscava proteger desde o nascimento. A necessidade de interpretar o Direito de acordo com a realidade do momento em que deve ser aplicado, torna necessário encontrar várias fórmulas que nos permitam continuar a compreender que quem vive do seu trabalho estará protegido por esta disciplina. TODOLÍ SIGNES, Adrián. El impacto de la "uber economy" en las relaciones laborales: los efectos de las plataformas virtuales en el contrato de trabajo. IUS Labor, Barcelona, v. 3, 21 dez. 2015p. 14 e 24 . Disponível em: file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/SSRN-id2705538.pdf Esse mesmo argumento de que a possibilidade de o motorista poder ficar off line afastaria a natureza empregatícia do vínculo foi levado à Suprema Corte da Califórnia, que, em decisão de Junho de 2020, o rechaçou: Here, the inquiry centers on the degree of control Defendants exert while Drivers are on-duty. The fact that Drivers may ostensibly choose when to log on and off the App does not preclude employee status. Dynamex drives this point home. Aqui, o inquérito centra-se no grau de controle que os arguidos exercem enquanto os motoristas estão em serviço. O fato de os motoristas poderem escolher ostensivamente quando entrar e sair do aplicativo não impede o status de empregado. O caso da Dynamex já demonstrou esse ponto. Disponível em file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/2020_06_25-People_MPA.pdf A Suprema Corte da Califórnia citou como precedente um caso da Suprema Corte de Vermont, no qual um fabricante de roupas que fornecia padrões e fios para que os trabalhadores domésticos costurassem suas roupas exerceu controle suficiente para ser um empregador mesmo que os trabalhadores trabalhassem em suas próprias máquinas, em seu próprio ritmo e nos dias e horários de sua escolha. A Suprema Corte de Vermont explicou: "Para reduzir a parte A do teste ABC para uma questão de qual hora do dia e em cuja cadeira o tricô se senta quando o produto é produzido ignora o propósito de proteção da lei". Na decisão acima ainda ficou consignado decisão de março de 2020, da Corte de Apelação de Nova York, com o mesmo entendimento de que a flexibilidade de horários e possibilidade de ficar não afastam a caracterização de empregados: "a mais alta Corte de Apelação de Nova York recentemente aplicou uma linha de raciocínio semelhante para determinar que os mensageiros da economia de gig para Postmates, que tinham "alguma independência para escolher seu horário de trabalho e rota de entrega", foram classificados erroneamente como contratantes independentes sob o "direito de controle do Estado de Nova York ". (Ver Matter of Vega (NY, 26 de março de 2020, No. 13) 2020 WL 1452612 em * 3.). O Tribunal enfatizou que, enquanto os mensageiros estão de serviço, Postmates exerce "controle completo sobre os meios pelos quais obtém clientes, como o cliente está conectado ao entregador e se e como seus mensageiros são compensados." No mesmo sentido, a Justiça do Trabalho Francesa, através seu órgão de cúpula a COUR DE CASSATION, em decisão de 04 de março de 2020, também afastou o argumento de que a suposta liberdade de conectar e desconectar o aparelho seria característica de autonomia do motorista, vejamos: "11 O Tribunal de Recurso considerou, em relação à liberdade de ligação e livre escolha do horário de trabalho, que o facto de poder escolher os dias e horários de trabalho não exclui, por si só, uma relação de trabalho subordinada, uma vez que quando um motorista se conecta à plataforma Uber, ele entra em um serviço organizado pela empresa Uber BV." Disponível em : https://www.courdecassation.fr/jurisprudence_2/chambre_sociale_576/374_4_44522.html Da mesma forma, devemos lembrar que para o Direito do Trabalho no Brasil, a flexibilidade da jornada de trabalho e da assiduidade não é critério excludente da existência da subordinação. A rigidez de horário nunca foi requisito da relação de emprego. A forma de organização do trabalho a critério do empregador pode ser por tempo ou por produção e isso não desnatura a subordinação. No trabalho em domicílio ou à distância (art, 6º da CLT), por exemplo, a jornada, em regra, é amplamente flexível, podendo ficar a critério do empregado o desempenho da atividade na hora que melhor lhe convier ou mesmo se vai ou não trabalhar em determinado dia. O controle nesse caso é feito em regra por produção. O fato de não haver o controle de jornada dos empregados que exercem trabalho externo, cargos de gestão e teletrabalho (A CLT art. 62, I, II e III) não os torna incompatíveis com a existência do vínculo empregatício. O Teletrabalho previsto no art. 75-B da CLT, introduzido pela Lei 13.467/2017, amplamente utilizado nos tempos de pandemia, demonstra ser possível haver a flexibilidade de jornada sem quebra da relação de emprego e comprova que o fato de o empregado ficar certo tempo off line não desnatura o vínculo, desde que a produção seja entregue. A legislação também já permite há tempos a contratação de trabalhadores horistas (art. 142, §1ª da CLT), que recebem de acordo com o tempo de trabalho efetivamente cumprido, apresentando assim jornada variável. A CLT, em seu art. 235, § 13º regulando a atividade de motoristas, estabelece : § 13. Salvo previsão contratual, a jornada de trabalho do motorista empregado não tem horário fixo de início, de final ou de intervalos. Esse artigo revela ser inerente à atividade do motorista profissional a ampla flexibilidade na fixação do horário de trabalho. Dessa forma, o fato de poder ficar off line não exclui o vínculo de emprego. Veja-se ainda que a Lei 13.467/2017 inseriu no ordenamento a figura do trabalho intermitente, deixando claro que a alternância de períodos de inatividade ou mesmo a recusa do empregado não descaracteriza o contrato de emprego: Art.443 § 3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. Art. 452 -A § 3o A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente. Da mesma forma, os trabalhadores portuários avulsos também trabalham sob demanda e não foram afastados da proteção trabalhista. Outro ponto que precisa ser destacado sobre essa suposta liberdade para ativar e desativar a plataforma é que essa liberdade é regulada pela programação de controle do algoritmo, que estimula ativações e desativações do aparelho (precificação, controle pela entrega de premiações e avaliações ). Trazemos doutrina sobre o tema: Uma das grandes questões do exame fático-jurídico do trabalho nessas plataformas é a relativa liberdade do trabalhador para definir quando se ativar e quando se desativar da plataforma. Nesse novo estágio de organização da empresa, a questão da definição do momento de início ou mesmo de término do labor é superada pela "programação por controle" e, na visão da totalidade do algoritmo, permite estimular ativações ou desativações dos trabalhadores com propagandas e premiações. OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. Formas de Contratação do Trabalhador na prestação de serviços sob plataformas digitais. In Futuro do Trabalho Ob. Cit. p.157 e seguintes. No mesmo sentido: Por contarem com uma multidão de trabalhadores permanentemente conectada à plataforma, os sistemas de incentivos, bônus, prêmios e tarifas dinâmicas, em conjunto com as avaliações de desempenho e as taxas de aceitação e cancelamento de corridas são suficientes para garantir a disponibilidade de motoristas nos horários, dias e locais de maior demanda por corridas, sendo desnecessária a gestão por meio da fixação de jornadas mínimas de trabalho. Trata-se, pois, de nova e mais conveniente forma de organização empresarial (PIRES, Elisa Guimarães Brandão P667a Aplicativos de transporte e o controle por algoritmos: repensando o pressuposto da subordinação jurídica / Elisa Guimarães Brandão Pires. -2019. Orientadora: Lívia Mendes Moreira Miraglia. Dissertação (mestrado) -Universidade Federal de Minas Gerais,Faculdade de Direito Disponível em file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/disserta__o_de_mestrado___elisa_guimar_es_brand_o_pires.pdf) Interessante reflexão sobre a questão foi realizada pela 15ª Turma do TRT 2ª. Região, processo n. 1000123-89.2017.5.02.0038, que reconheceu o vínculo de emprego entre uma plataforma de transporte por aplicativo e um motorista e afastou a alegação da empresa relativa à autonomia dos motoristas em virtude de o trabalhador poder ficar off line: Do mesmo modo, a afirmação de que o motorista pode ficar ilimitadamente off-line e recusar solicitações de modo ilimitado também não condiz com a necessidade empresarial e com a realidade vivenciada na relação empresa/motorista/usuário. Fosse verdadeira tal afirmação, o próprio empreendimento estaria fadado ao insucesso, pois as empresas correriam o risco evidente de, em relação a determinados locais e horários, não dispor de um único motorista para atender o usuário. Ademais, as empresas se valem de mecanismos indiretos para obter o seu intento de disponibilidade máxima do motorista às necessidades dos usuários por elas atendidos. De acordo com o depoimento do demandante, sem contraprova das demandadas "...o depoente recebia incentivo se atingisse o número de 45 clientes por semana; que se não atingisse não recebia apenas o incentivo; que podia deixar o telefone off line; (...) que podia cancelar corrida, porém recebia informação de que a taxa de cancelamento estava alta e que poderia ser cortado; que existia um limite de cancelamento, mas não sabe informar qual era esse limite..." (fl.1101) TRT-2. RECURSO ORDINÁRIO : RO 1000123-89.2017.5.02.0038. Relatora: Desembargadora Beatriz de Lima Pereira. DEJT: 24/11/2017.TRT-2, 2017. No mesmo sentido, ÁDRIAN TODOLÍ SIGNES afasta a característica de autônomo dos motoristas da UBER: O know-how próprio, caso seja necessário, é fornecido pela própria empresa e transmitido sob a forma de "recomendações" ou instruções necessárias. Na realidade, observa-se que a única vantagem comparativa com os trabalhadores tradicionais é a menor proteção social e, daí decorrente, os menores custos com que a empresa pode oferecer o serviço: não parece que este seja o objetivo principal da existência de a figura do trabalhador autônomo. Pelo contrário, o trabalhador independente para ser considerado empresário deve prestar serviços numa actividade onde possa haver desenvolvimento profissional, obtendo os seus próprios clientes, através da boa prestação de serviços, que lhe permitam desenvolver-se como empresa. Não seria muito coerente qualificar como empresário independente alguém que apenas oferece o seu trabalho e não tem possibilidades - nem mesmo potencial - de obter os benefícios inerentes a um empresário.TODOLÍ SIGNES, Adrián. El impacto de la "uber economy" en las relaciones laborales: los efectos de las plataformas virtuales en el contrato de trabajo. IUS Labor, Barcelona, v. 3, 21 dez. 2015p. 13. Disponível em: file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/SSRN-id2705538.pdf VEENA B. DUBAL, Professora Associada de Direito na Universidade da Califórnia, Hastings College of the Law, esclarece que até mesmo na doutrina majoritária dos EUA, país conhecidamente defensor da liberdade individual e da livre iniciativa, há o reconhecimento de que os motoristas dessas plataformas são, em verdade, empregados em decorrência do controle algorítmico por elas realizado: Na academia jurídica dos EUA, no entanto, há consenso de que, devido ao controle algorítmico administrado pelas empresas de plataforma de trabalho, seu controle sobre a remuneração, seu poder sobre a distribuição do trabalho e sua capacidade de despedir trabalhadores, plataformas de trabalho como a Uber classificam erroneamente seus trabalhadores, e reguladores devem tratá-los da mesma forma que os empregados tradicionais (GREENHOUSE, 2015; SECUNDA, 2018). Veena B. Dubal Professora Associada de Direito na Universidade da Califórnia, Hastings College of the Law. in Futuro do trabalho: os efeitos da revolução digital na sociedade / organização : Rodrigo de Lacerda Carelli, Tiago Muniz Cavalcanti,Vanessa Patriota da Fonseca. - Brasília : ESMPU, 2020, p.375. Por todo o exposto, temos que as várias características do negócio afastam a noção de autonomia do empregado e demonstram a existência do poder empregatício, conforme art. 2º da CLT, e a subordinação decorrentes dos meios telemáticos e informatizados de comando, nos termos do parágrafo único do art. 6º da CLT. A.2) DO PODER DISCIPLINAR Além de todas as características acima citadas, que comprovam o poder diretivo, fiscalizatório e regulamentar da empresa, também é possível constatar o PODER DISCIPLINAR. As plataformas possuem um sistema disciplinar que aplica penalidades aos trabalhadores que infringem suas normas de serviço, o que contrasta com a noção de autonomia: Autonomia, nesse contexto, só pode estar associada à não «alienidade» do trabalho, ou seja, ao fato de que o produto do trabalho resulte em proveito próprio e não seja alienado a outrem, tampouco que o trabalhador esteja sujeito a um sistema punitivo. Num sistema efetivamente autônomo de trabalho, no capitalismo, não há sistema de punição, mas submissão às regras, aos riscos e às vicissitudes do mercado. Se o tomador de serviço se substitui ao mercado transmutando as regras, condições e riscos inerentes ao mercado, por um sistema interno de punições, ele passa a ser empregador. Na empresa-rede do capitalismo cognitivo não é mais relevante para a produtividade a rigidez da jornada ou até mesmo a assiduidade individual. Nesse contexto, a subordinação é aferida apenas de maneira coletiva. Motorista do Uber poderá ser considerado empregado no Brasil José Eduardo de Resende Chaves Júnior Desembargador da 1a. Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região - Minas Gerais. Doutor em Direitos Fundamentais. quarta-feira, 20 de abril de 2016 Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/237918/motorista-do-uber-podera-ser-considerado-empregado-no-brasil As plataformas de transporte por aplicativo aplicam as penalidades aos trabalhadores que infringirem suas normas de serviço. Aqueles motoristas que possuírem notas baixas podem ser descadastrados, a recusa de viagens pode prejudicar a avaliação e causar o desligamento da plataforma. Decisão da Suprema Corte da Califórnia, de junho de 2020, deixa claro esse poder disciplinar: "Os réus também exercem todo o controle necessário sobre os motoristas por meio da ameaça onipresente de rescisão por inúmeras razões - baixas classificações de passageiros, relatos de conduta desrespeitosa, direção insegura ou qualquer outra ação que os réus considerem inconsistente com suas políticas." (, Disponível em Disponível em: file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/2020_06_25-People_MPA.pdf ) Na FRANÇA, a Cour de Cassation, em decisão de 04 de março de 2020 - " Arrêt N.º 374", reconheceu o poder disciplinar da UBER pela possibilidade de desligamento temporário em virtude de três recusas, no fato de haver correções tarifárias caso o motorista escolhesse uma rota ineficiente e também decorrente da taxa de cancelamento de pedido, vejamos: 14. Quanto ao poder de impor sanções, além de desligamentos temporários com base em três recusas de viagem, que a Uber reconhece, e as correções tarifárias aplicadas se o motorista escolher uma "rota ineficiente", o Tribunal de Recurso argumentou que a fixação pela Uber BV de uma taxa de cancelamento de pedido, que pode variar em "cada cidade" de acordo com os Regulamentos da Comunidade Uber, pode levar à perda de acesso à conta em questão, bem como a a perda permanente de acesso ao aplicativo Uber em caso de reclamações de "comportamento problemático" dos usuários, a que MX ... foi exposta, independentemente de os fatos denunciados serem comprovados ou de a pena ser proporcional ao seu cometimento . Disponível em https://www.courdecassation.fr/jurisprudence_2/chambre_sociale_576/374_4_44522.html Ora, não há como enquadrar o motorista como transportador autônomo (Lei 11.442/2007), pois se de trabalhador autônomo estivéssemos tratando, a insatisfação de alguns clientes não acarretaria a cessação de continuidade do negócio - com a desativação ou banimento da plataforma - mas apenas a redução da clientela. Pois bem, de tudo o que foi exposto, está demonstrada a SUBORDINAÇÃO através de meios telemáticos de comando, controle e supervisão, conforme o parágrafo único do art. 6º da CLT. De um lado, a reclamada, prestadora de serviços de transporte através de plataforma digital, que controla e desenvolve o negócio, estabelece critérios de conduta e remuneração dos motoristas. Em contraposição, está o motorista, que sujeita-se às diversas regras estabelecidas por ela, ao modelo de negócio por esta adotado e imposto, e ao seu poder diretivo e disciplinar, podendo, inclusive, ser desativado da plataforma por baixa/má reputação, sendo o controle realizado por meio de prêmios, bonificações ("carrots") e punições ("stick") e pela avaliação dos objetivos pelos clientes da empresa B) PESSOALIDADE O serviço era prestado por pessoa física e a pessoalidade, na espécie, é patente, nenhum elemento havendo nos autos no sentido que o serviço neste caso concreto não fosse prestado exclusivamente pelo autor. Aliás, a pessoalidade está expressamente prevista nos TERMOS E CONDIÇÕES, conforme consta nos autos: 3. CADASTRO 3.1. Para utilizar grande parte dos Serviços, o Motorista/Motociclista Parceiro deve registrar-se e manter uma conta pessoal de Motorista/Motociclista Parceiro ("Conta"). (...) 3.3.1. A 99 se reserva o direito de solicitar documentos adicionais para confirmação de cadastros, bem como outros métodos de identificação e autenticação do Motorista/Motociclista Parceiro (como, por exemplo, reconhecimento facial), por ocasião do cadastro e enquanto o Motorista/Motociclista Parceiro utilizar os Serviços a qualquer tempo. (...) 3.3.2. As Informações da Conta são de exclusiva responsabilidade de quem as inseriu. (...) 4. SERVIÇOS (...) 4.2 A 99 concede ao Motorista/Motociclista Parceiro uma licença limitada, pessoal, não exclusiva, não transferível, (...) para utilizar o Aplicativo (...). Dessa forma, cada cadastro deve ser prévio e individual, aferindo-se a pessoalidade com relação a cada motorista que presta serviços pela plataforma, somada à proibição de transferência do acesso e do uso da conta pessoal a terceiros. Além disso, era o autor, na hipótese, o único responsável pela prestação dos serviços em análise. Ademais, o compartilhamento de ferramentas ou instrumentos de trabalho - como é o caso do veículo - não interfere na caracterização da pessoalidade. C) NÃO EVENTUALIDADE. É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, que não se deve confundir a não-eventualidade com o critério da descontinuidade que somente se aplica ao empregado doméstico (Lei nº 5.859/72, art. 1º), porém não ao empregado genericamente considerado (art. 3º, caput, CLT). Para o Direito do Trabalho a não eventualidade significa que o trabalho é prestado com intuito de permanência, ainda que por curto período determinado. Maurício Godinho Delgado ensina o seguinte: "A eventualidade, para fins celetistas, não traduz intermitência; só o traduz para a teoria da descontinuidade - rejeitada, porém, pela CLT. Desse modo, se a prestação é descontínua, mas permanente, deixar de haver eventualidade. É que a jornada contratual pode ser inferior à jornada legal, inclusive no que concerne aos dias laborados na semana" (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12ª ed. LTr. São Paulo, 2016. p.288,.) Assim, a prestação de serviços com pessoalidade, subordinação e onerosidade configura vínculo de emprego, nos termos do art. 3º da CLT, na medida em que a caracterização da não eventualidade não pode ser obstada pela simples existência de jornada reduzida. Conforme afirmado em linhas anteriores, o principal objetivo social da empresa é a realização de serviços de transporte, dessa forma, pela Teoria dos Fins do Empreendimento, um motorista de transporte de passageiros nessa empresa não poderia ser considerado como trabalhador eventual, uma vez que a demanda é constante, permanente e ininterrupta, sendo o trabalho diretamente ligado à atividade econômica da empresa tomadora de serviços. Vejamos as lições da doutrina: Sendo o transporte de passageiros a principal atividade econômica das empresas, a demanda pelos serviços de transporte é constante, permanente e ininterrupta, pois essencial à continuidade do empreendimento, o que afasta o caráter eventual da atividade desempenhada pelos motoristas. A eventualidade da atividade deve ser examinada sob o enfoque da atividade empresarial de modo que apenas será eventual o trabalho restrito a determinado evento, dissociado e desconectado das atividades normais, periódicas e constantes da empresa. Pires, Elisa Guimarães Brandão P667a Aplicativos de transporte e o controle por algoritmos: repensando o pressuposto da subordinação jurídica / Elisa Guimarães Brandão Pires. -2019. Orientadora: Lívia Mendes Moreira Miraglia. Dissertação (mestrado) -Universidade Federal de Minas Gerais,Faculdade de Direito D) ONEROSIDADE A onerosidade está devidamente comprovada, pois o pagamento feito pelos passageiros é recebido diretamente pela empresa para, após deduzida a taxa, ser repassado ao trabalhador. Verifica-se que, por concentrarem o poder de definir o preço das corridas e de auferir os valores cobrados dos passageiros de forma imediata, as empresas não estariam atuando como meras intermediárias, mas como contratantes e beneficiárias dos serviços prestados pelos motoristas, incumbindo-lhes a obrigação de remunerá-los ( Conferir PIRES, Elisa Guimarães Brandão APLICATIVOS DE TRANSPORTE E O CONTROLE POR ALGORITMOS: repensando o pressuposto da subordinação jurídica - disponível em https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/DIRS-BCDEMA/1/disserta__o_de_mestrado___elisa_guimar_es_brand_o_pires.pdf) E) OUTROS ARGUMENTOS Registro, em tempo, que o fato de ser reservado ao motorista um suposto percentual alto do valor pago pelo usuário não caracteriza, por si só, a existência da aduzida PARCERIA COMERCIAL. Não há como comparar a relação dessas plataformas de transporte por aplicativo - empresa que arrecadam bilhões - e do motorista com a relação existente numa parceria comercial existente, por exemplo, num salão de belezas em que a legislação tentou regular a relação entre cabeleireiro - manicure/esteticista (Lei 13.352/2016). O parceiro neste último caso tem acesso direto aos clientes, podendo formar uma clientela própria, tem direito a aviso prévio de 30 dias, divide a responsabilidade pela manutenção e higiene dos materiais e equipamentos (Art. 1-A, §10, V e VI). Embora o valor nominal da tarifa repassado ao motorista possa ser superior de 50% do valor dos serviços, temos que considerar que o trabalhador arca com todas as despesas dos instrumentos de trabalho utilizados na prestação dos serviços, como aquisição ou aluguel do veículo, manutenção, pagamento de impostos, combustível, limpeza, acidentes, assaltos, smartphone e provedor de internet, resultando num valor líquido bem inferior aquele percebido no bruto. Cito parte do acórdão 11ª Turma do TRT 3ª Região, que reconheceu o vínculo entre o UBER e um motorista e afastou a alegação de parceria comercial com a empresa, citando pesquisa realizada em que se demonstrou que 30% dos motoristas do UBER nos EUA estão na verdade perdendo dinheiro quando são contabilizadas as despesas com o veículo: Tais reportagens apenas reforçam todo o raciocínio que vem se delineando,no sentido que, na hipótese dos autos, o autor não pode ser considerado trabalhador autônomo e tampouco microempresário ou parceiro da UBER. Não se olvide que o motorista arca com todas as despesasrelacionadas ao veículo, tais como, combustível, depreciação do veículo, seguro, dentre outros, o queconsome boa parte de seus ganhos. Mais uma vez, menciono notícia veiculada na internet, em março/18 eatualizada em setembro/18, relativa a estudo feito nos EUA que mostra que 30% dos motoristas do UBER estão perdendo dinheiro quando os gastos com o carro são levados em conta, eis que, consideradas tais despesas três quartos dos motoristas de UBER nos EUA recebem menos do que um salário mínimo.(https://noticias.uol.com.br/tecnologia/noticias/redacao/2018/10/08/motorista-do-uber-nos-eua-ganha-pouco-e-fica-abaixo-da-linha-da-pobreza.htm acesso em 14/01/19, às 12h15). PROCESSO n.º 0010806-62.2017.5.03.0011. TRT 3. 11a. Turma. Relatora: Juíza Ana Maria Espi Cavalcanti. Julgamento em 17.07.2019 Transcrevo também trecho do julgamento de Embargos de Declaração pela 15a. Turma do TRT 2a Região, que reconheceu o vínculo de emprego e afastou a relação de parceria: "as despesas com manutenção de veículos são mesmo elevadas em comparação com aquelas despendidas por uma manicure, modelo eleito pelas demandadas para defender a existência de parceria, bastando refletir sobre o número de mãos que uma manicure pode atender com um vidro de esmalte e quantos passageiros o motorista pode conduzir com um litro de gasolina; PROCESSO nº 1000123-89.2017.5.02.0038 (RO) Data de Publicação 20/02/2019 Magistrado RelatorBEATRIZ DE LIMA PEREIRA Magistrado Revisor MAGDA APARECIDA KERSUL DE BRITO Data de Distribuição 24/11/2017 JurisdiçãoTRT 2ª Região Órgão Julgador15ª Turma - Cadeira 2 Órgão Colegiado 15ª Turma Número Único1000123-89.2017.5.02.0038 Cito também o magistério do Dr. Francisco de Assis Barbosa Júnior, Juiz deste Eg. TRT 13a. Região e autor do livro Gig Economomy e Contrato de Emprego: O simples fato do percentual pago ao motorista de aplicativo ser maior que a média usual não afasta por si só o vínculo de emprego, antes sendo justificado pelo caráter inovador da relação de trabalho em estudo, a qual é firmada sob os novos parâmetros da Indústria 4.0, assim como pelo fato do trabalhador arcar com todas as despesas do veículo utilizado (aquisição ou aluguel, manutenção, combustível necessário às viagens etc.), gastos que demandam maior retribuição proporcional pelo labor para serem enfrentados. Ademais, a existência de uma grande quantidade de motoristas de aplicativos enseja considerável margem de lucro para as empresas mesmo com percepção de percentual igual ou inferior a um quarto do total pago pelos consumidores, o que não ocorre com salões de beleza, segmento cujas decisões foram utilizadas como precedentes pelo TST. Artigo: "Motoristas de aplicativos precisam de uma normatização específica" Disponível em : https://www.conjur.com.br/2020-mai-25/barbosa-juniornormatizacao-trabalhista-aplicativos-transporte#author Trago ainda voto divergente do desembargador Milton Vasques Thibau de Almeida, no Processo n. 0011258-69.2017.5.03.0012, julgado pela 3ª Turma do TRT-3, que se referiu aos traços próprios da relação de servidão que estariam presentes no novo modelo de organização do trabalho: Se o que ocorre nas relações trabalhistas entre a reclamada e o reclamante não for um retorno à servidão, porque, conforme explica BRONISLAW GEREMEK (A Piedade e a Forca;História da Miséria e da Caridade na Europa. Lisboa: Terramar.1985), o que prendia o servo à gleba é que ao senhor feudal não interessava que as suas terras ficassem sem cultivo (porque recebia 50% da produção), e porque os seus exércitos eram constituídos a custo zero, já que os servos eram obrigados a ter as suas próprias armas e o cavalo, com os quais tinham que se apresentar para a prestação anual do serviço militar. O suposto comissionamento elevado que o voto da Exma. Relatora entende como vantajoso para o reclamante, na verdade só é vantajoso para a reclamada, e assim como ocorrida na servidão, o reclamante é que tinha que arcar com as despesas de aquisição e de manutenção do veículo que era essencial para o atingimento dos objetivos empresariais da reclamada. (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (3. Região). Terceira Turma. Processo n. 0011258-69.2017.5.03.0012. Relatora: des. Camilla Guimarães Pereira Zeidler. Data da Publicação: 19 jun. 2018, p. 13.) Cf. file:///C:/Users/admin/AppData/Local/Temp/disserta__o_de_mestrado___elisa_guimar_es_brand_o_pires.pdf Também devem ser afastados argumentos de natureza puramente econômica ou mercadológica, segundo os quais os custos trabalhistas inviabilizariam os negócios em plataforma digital. Ora, se a proteção e garantia dos direitos humanos dos empregados resultarem num necessário aumento de preços das tarifas que assim o seja. O que não se pode admitir é a exploração dos trabalhadores sob o argumento que a garantia dos direitos inviabilizariam o negócio. Sobre esse tema trago reflexão recente do Conselho Editorial do THE NEW YORK TIMES, publicado em junho de 2020 com o título "Uber Rides Cost More? OK - Many gig-based business models help customers take advantage of workers. Let's stop giving tech companies a free ride." (As viagens de Uber custam mais? Está bem - Muitos modelos de negócios baseados em "bicos" ajudam os clientes a tirar vantagem dos trabalhadores. Vamos parar de dar uma carona gratuita às empresas de tecnologia.): Americans are willing to spend extravagantly on their smartphones. Now it's time they also spent a little more on the artificially low-paid labor those phones have made possible. (...) The gig economy has become a part of our daily routines. But workers shouldn't have to bear the brunt of a business model that works only when they are exploited. (Os americanos estão dispostos a gastar extravagantemente em seus smartphones. Agora é a hora de eles gastarem um pouco mais com o trabalho artificialmente mal pago que esses telefones tornaram possível. A economia do "bico" se tornou parte de nossas rotinas diárias. Mas os trabalhadores não deveriam ter que suportar o peso de um modelo de negócios que funciona apenas quando são explorados.) Outro trecho importante do artigo do THE NEW YORK TIMES: But there is no reason the on-demand companies couldn't provide basic protections to their workers while also granting them flexible work schedules. And, in the bargain, the businesses would gain the ability to negotiate terms that could include, say, barring their workers from working for rival ride-sharing platforms. Mas não há razão para que as empresas sob demanda não possam fornecer proteções básicas para seus trabalhadores, ao mesmo tempo que lhes concede horários de trabalho flexíveis. E, na barganha, as empresas ganhariam a capacidade de negociar termos que poderiam incluir, digamos, impedir que seus funcionários trabalhassem para plataformas rivais de compartilhamento de carona Uber Rides Cost More? OK - Many gig-based business models help customers take advantage of workers. Let's stop giving tech companies a free ride.", Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/06/27/opinion/uber-covid-gig-economy.html) Outro importante jornal, o FINANCIAL TIMES, através de seu Conselho Editorial, publicou, em 11 de agosto de 2020, editorial com o título "Uber e Lyft deveriam tratar os motoristas como empregados", no qual considerou correta a decisão do Judiciário da Califórnia que reconheceu o vínculo empregatício entre a UBER e seus trabalhadores. O Editorial foi mais além, ao opinar que as novas empresas de tecnologia devem se adaptar às normas de proteção ao trabalhador do Welfare State e não o contrário: "As empresas argumentam que serem forçadas a pagar o salário mínimo e o auxílio-doença devastaria seus negócios em um momento em que as fontes de emprego, mesmo as precárias, são desesperadamente necessárias. Este argumento é pernicioso. As proteções dos trabalhadores são mais necessárias quando as pessoas estão desesperadas; se a alternativa é a pobreza, muitos podem estar muito dispostos a renunciar aos seus direitos. (...) Trabalhadores autônomos e trabalhadores da gig economy têm muitas vezes caído nas brechas nas tentativas dos países de proteger a renda durante a pandemia, incluindo aqueles que trabalham literalmente de bicos nas indústrias criativas. Fechar as brechas legais é um meio de garantir a proteção de que eles necessitam. A longo prazo, a solução é tornar os estados de bem-estar e a regulamentação mais apropriados para o local de trabalho moderno. Isso significa mais benefícios portáteis e garantir que os trabalhadores sejam tratados igualmente à medida que se deslocam entre diferentes empregos; vale a pena aprender com o modelo nórdico de "flexigurança" (...) Em vez de continuar insistindo em sua própria interpretação dos fatos e da lei, é hora de Uber e Lyft serem verdadeiramente inovadores - e encontrarem uma maneira de operar enquanto dão a seus profissionais os direitos que lhes são devidos." CASAGRANDE, CASSIO Juízes do trabalho (supostamente) liberais: leiam o Financial Times- Sobre magistrados que se creem modernos, mas proferem decisões retrógradas, Disponível em :https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/o-mundo-fora-dos-autos/juizes-do-trabalho-supostamente-liberais-leiam-o-financial-times-17082020 Destaque-se ainda que a EXCLUSIVIDADE não é elemento da relação de emprego, já que é pacífico que o empregado pode ter mais de um vínculo ao mesmo tempo. Então o fato de o trabalhador poder ser cadastrado em outros aplicativos de transporte de passageiros não afasta, por si só, o vínculo de emprego. Registro que o fato de o motorista ser o proprietário ou locatário do automóvel e do aparelho de celular utilizados para a atividade de transporte de passageiros não o torna trabalhador autônomo. É preciso diferenciar as ferramentas de trabalho (carro e aparelho celular) dos meios de produção (tecnologia das plataformas digitais): Existem certas questões que a doutrina entende que não são relevantes na hora de decidir que se está diante um contrato de trabalho ou de um trabalhador autônomo. Em primeiro lugar, os materiais aportados pelos trabalhadores possuem relativamente pouco valor para se entender que existe una verdadeira alienidade. Da mesma forma, os riscos ou custos assumidos pelo trabalhador são de pouca importância para afirmar que o trabalhador está assumindo os riscos do negócio. O contrato de trabalho, quando foi definido, e falava de alienidade dos meios de produção, fazia referência ás grandes fábricas onde o trabalhador nunca poderia chegar a ser proprietário. Não obstante, hoje em dia, um veículo ou um carro de limpeza pode ser adquirido por qualquer pessoa e isso não deveria ser determinante para sua exclusão do âmbito de proteção.Desse modo, nas empresas descritas neste trabalho, os verdadeiros meios de produção são os tecnológicos. O investimento na tecnologia que cria a plataforma virtual é realmente a parte cara dos meios de produção, por isso, em comparação, os materiais contribuídos pelo trabalhador são insignificantes.TODOLÍ SIGNES, Adrián. El impacto de la "uber economy" en las relaciones laborales: los efectos de las plataformas virtuales en el contrato de trabajo. IUS Labor, Barcelona,v. 3, 21 dez. 2015, Cf. Pires, Elisa Guimarães Brandão P667a Aplicativos de transporte e o controle por algoritmos: repensando o pressuposto da subordinação jurídica / Elisa Guimarães Brandão Pires. -2019. Orientadora: Lívia Mendes Moreira Miraglia. Dissertação (mestrado) -Universidade Federal de Minas Gerais,Faculdade de Direito. Nesses termos, concluo no sentido da existência do vínculo empregatício constituído entre o reclamante e a reclamada, porquanto demonstrados os requisitos fático-jurídicos previstos nos arts. 2º, 3º e 6º, caput e parágrafo único, da CLT. Trago decisões do C. TST: "RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE " OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO ". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada - Uber do Brasil Tecnologia Ltda. - configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet , propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. [...]. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho - ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica , em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva , tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural , mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima , que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas - são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada. Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial , já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório . Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-100353-02.2017.5.01.0066, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11/04/2022). (grifamos) No mesmo sentido: (AIRR-31-63.2023.5.13.0022, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 22/11/2024); 6ª Turma, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, DEJT 15/09/2023). (AIRR-11183-11.2020.5.15.0135, 7ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 01/12/2023). DA ANOTAÇÃO DA CTPS E DEMAIS TÍTULOS POSTULADOS O reclamante pugna pelo reconhecimento de contrato de trabalho por tempo indeterminado a partir de 01/03/2018. Sucessivamente, requer o reconhecimento do contrato de trabalho na modalidade intermitente, o qual se verifica nas hipóteses em que o trabalhador exerce as suas atividades em dias e horas alternados, devendo ser acordado por escrito, nos termos do art. 452-A da CLT, situação não verificada nos autos. Assim, considerando que o pleito autoral compreende a declaração da relação de emprego, tem-se configurada, a partir da análise dos fatos articulados e dos elementos probatórios acostados, a relação de emprego entre as partes, embora se trate de modalidade diversa da apontada na exordial, visto que não restaram demonstrados os elementos caracterizadores do trabalho intermitente. A correta subsunção dos fatos e do pleito autoral, este voltado expressamente ao reconhecimento de relação de emprego, culmina no reconhecimento de modalidade jurídica diversa da indicada na peça inicial, sem, porém, desnaturar o vínculo de emprego perseguido pelo reclamante. Com efeito, a prestação pessoal, subordinada e remunerada dos serviços de transporte de passageiros, no período descrito na inicial e, também, na contestação, a partir de 01/03/2018. Quanto ao término do contrato, o reclamante afirma que ocorreu em 04/11/2021. Já a reclamada, alega o final do contrato em 10/08/2020. Reconheço o encerramento do vínculo em 10/08/2020, devidamente comprovado por intermédios dos históricos de viagens (ID. 0bc43b9 - fls. 616). Destaque-se que a impugnação ofertada a tais documentos não foi inerente ao valor contido neles (ID. d5f66ad - fls. 840). Ademais, a prova testemunhal apresentada pelo reclamante - depoimento da testemunha Chrystinni Andrade Souza, na ata do processo 0010075-53.2019.5.03.0025 em nada acrescenta quanto as datas de ingresso e dispensado do ora reclamante, bem assim, sua remuneração salarial (ID. Ante o exposto, declaro a relação de emprego havida entre as partes, com a consequente condenação da reclamada ao cumprimento das seguintes obrigações: (i) anotação da CTPS do reclamante, fixando-se o termo inicial em 01/03/2018 e o termo final em 10/08/2020. A remuneração do reclamante é a média dos valores constantes do histórico de viagens que, no caso, foi impugnado de maneira genérica pelo autor. Além disso, o reclamante não apresentou outra prova para corroborar o montante informado na peça de ingresso. Por fim, não há que se falar em desconto por uso da plataforma, como pretende a reclamada, haja vista que tal dedução não encontra guarida na legislação trabalhista. Não há pedido de verbas rescisórias, mas tão somente, a declaração do vínculo de emprego." O Órgão julgador, ao examinar os elementos probatórios adunados, fixou a tese de que a empresa reclamada explora o trabalho realizado pelos motoristas vinculados à plataforma, configurando relação empregatícia. O art. 896, § 9º, da CLT prescreve: “Nas causas sujeitas ao procedimento sumaríssimo, somente será admitido recurso de revista por contrariedade a súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho ou a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal e por violação direta da Constituição Federal”. Desse modo, ante a restrição contida no referido dispositivo celetista, não é cabível na hipótese a análise de violação à legislação infraconstitucional e divergência jurisprudencial. Quanto à alegada afronta à Constituição, em conformidade com a alínea “c” do artigo 896 da CLT, a admissibilidade do Recurso de Revista por este fundamento exige que a ofensa ao dispositivo seja direta e literal. Portanto, faz-se necessário que haja um erro manifesto na interpretação da norma constitucional. A decisão recorrida precisa negar o que o dispositivo afirma ou afirmar o que ele nega, sem que haja ofensa reflexa. Em situações como estas estariam evidenciadas a violação autorizadora do seguimento do recurso interposto, o que não se verifica no caso em questão. Pelos fundamentos expostos no acórdão recorrido, não se vislumbra violação à Constituição Federal, posto que o reconhecimento do vínculo de emprego não ofende diretamente o dispositivo que trata dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF/88). Ademais, a alegação de afronta ao artigo 5º, II, da Constituição Federal não impulsiona o seguimento do recurso de revista, porque esse dispositivo trata de princípio genérico cuja violação só se perfaz, quando muito, de forma reflexa ou indireta. Por fim, impertinente a indicação de afronta aos artigos 170, caput, da Constituição da República, pois encerra conteúdo amplo e nitidamente principiológico. Inviável, pois, o seguimento do apelo no particular. CONCLUSÃO a) DENEGO seguimento ao recurso de revista. Publique-se. b) Não havendo a interposição de agravo de instrumento, certifique-se o trânsito em julgado e, ato contínuo, independentemente de nova conclusão, encaminhem-se os autos à Vara de origem. c) Interposto agravo de instrumento, independentemente de nova conclusão, notifique-se a parte agravada para, querendo, apresentar contrarrazões ao recurso de revista e contraminuta ao agravo de instrumento, no prazo de 08 dias. d) Decorrido o lapso temporal do contraditório, remetam-se os autos ao Tribunal Superior do Trabalho. GVP/MCR/RABWF JOAO PESSOA/PB, 14 de abril de 2025. RITA LEITE BRITO ROLIM Desembargador Federal do Trabalho
Intimado(s) / Citado(s)
- UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.
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