Jose Bernardino Maia Da Silva x Empresa Brasileira De Correios E Telegrafos
ID: 319105306
Tribunal: TRT22
Órgão: OJ de Análise de Recurso
Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA
Nº Processo: 0000596-74.2024.5.22.0108
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FELIPE GOES GOMES DE AGUIAR
OAB/RO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relator: ARNALDO BOSON PAES ROT 0000596-74.2024.5.22.0108 RECORRENTE: JOSE BERNARDINO …
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO OJC DE ANÁLISE DE RECURSO Relator: ARNALDO BOSON PAES ROT 0000596-74.2024.5.22.0108 RECORRENTE: JOSE BERNARDINO MAIA DA SILVA RECORRIDO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Decisão ID 4c00190 proferida nos autos. ROT 0000596-74.2024.5.22.0108 - 1ª Turma Recorrente: Advogado(s): 1. JOSE BERNARDINO MAIA DA SILVA FELIPE GOES GOMES DE AGUIAR (RO4494) Recorrido: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS RECURSO DE: JOSE BERNARDINO MAIA DA SILVA PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS Recurso tempestivo (decisão publicada em 17/06/2025 - Id 788ece3; recurso apresentado em 01/07/2025 - Id 12a9285). Representação processual regular (Id 639ba0a). Isento de preparo. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS TRANSCENDÊNCIA Cabe ao Tribunal Superior do Trabalho analisar se a causa oferece transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica (art. 896-A da CLT), dispondo o § 6º do referido artigo que "O juízo de admissibilidade do recurso de revista exercido pela Presidência dos Tribunais Regionais do Trabalho limita-se à análise dos pressupostos intrínsecos e extrínsecos do apelo, não abrangendo o critério da transcendência das questões nele veiculadas." 1.1 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / DURAÇÃO DO TRABALHO (13764) / HORAS EXTRAS 1.2 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / VERBAS REMUNERATÓRIAS, INDENIZATÓRIAS E BENEFÍCIOS (13831) / ADICIONAL (13833) / ADICIONAL DE INSALUBRIDADE (13875) / RAIOS SOLARES Alegação(ões): - violação do(s) inciso XXII do artigo 7º; artigo 225 da Constituição Federal. - violação da(o) artigo 178 da Consolidação das Leis do Trabalho; artigo 200 da Consolidação das Leis do Trabalho; §4º do artigo 71 da Consolidação das Leis do Trabalho; artigo 253 da Consolidação das Leis do Trabalho. - divergência jurisprudencial. - contrariedade ao anexo 3 da NR 15 do MTE Sustenta a parte reclamante/recorrente que, na forma em que foi prolatada, a decisão Colegiada violou os arts. art.7º, XXII e art. 225 da Constituição Federal; art. 178 e 200 da CLT, art. 71, §4° e art. 253 da CLT, bem como à jurisprudência de outros Regionais, ao não reconhecer o direito ao pagamento de horas extraordinárias decorrentes da não concessão do intervalo para recuperação térmica estabelecido no Anexo 3 da NR-15 da Portaria 3.214/78 do MTE nos casos em que o empregado encontra-se exposto ao calor acima dos limites de tolerância, o que teria resultado em supressão dos intervalos intrajornada. Ademais, a recorrente faz ponderações por uma divergência jurisprudencial comparando o acórdão com decisões proferidas pelo TRT-11 e TRT-14. Por fim, afirma que o acórdão recorrido não adotou a orientação prevista na NR 15, anexo 03, do MTE, que prevê que a ausência de concessão das pausas para a recuperação térmica enseja o pagamento de horas extras. O v. Acórdão (id. 760cc7a) consta: " MÉRITO DO RECURSO EBCT. HORAS EXTRAS. INTERVALO PARA RECUPERAÇÃO TÉRMICA. EXPOSIÇÃO AO AGENTE CALOR. ANEXO 3 DA NR N.º 15. ATIVIDADE EXTERNA. TRABALHO COMO CARTEIRO EM USO DE BICICLETA, MOTOCICLISTA OU CARRO COM AR CONDICIONADO. ATIVIDADE A CÉU ABERTO EM PERÍODOS INTERMITENTES. AUSÊNCIA DE EXPOSIÇÃO CONTÍNUA AO AGENTE CALOR O reclamante pretende o pagamento de horas extras pela supressão de pausas de 45 minutos para recuperação térmica, a cada 15 minutos de trabalho, segundo o disposto no Anexo III da NR-15 do Ministério do Trabalho, com o adicional de 70% de horas extras previsto no ACT 2018/2019 e em dissídio coletivo (Processo n.º 1000662-58.2019.5.00.0000). A sentença indefere a pretensão, registrando: "Pausa Térmica Partindo-se do exposto no relatório, a causa resume-se na seguinte tese: o empregado dos Correios, seja em bicicleta, motocicleta ou automóvel (carro/caminhão), entende que faz jus à pausa térmica para o trabalho em calor, ainda que a céu aberto, e, como tal pausa não lhe foi concedida, pleiteia a condenação da empresa em horas extraordinárias substitutivas. Analisa-se. Como é cediço, a lei autoriza o poder regulamentar a normatizar a insalubridade, nos termos dos arts. 189 e 190 da CLT, verbis: [...] Diferentemente da periculosidade, onde o legislador determinou diretamente as atividades que são perigosas, com o adicional fixo, na forma da regulamentação que lhe desse o Ministério do Trabalho (CLT, art. 193, caput e parágrafos; portanto, norma de eficácia contida, tendo, plena eficácia se/enquanto não houver restrição normativa), para a insalubridade o legislador preferiu afirmar genericamente que um determinado adicional - variável entre 10, 20 ou 40% - seria devido de acordo com o que fosse normatizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Portanto, as normas legais sobre insalubridade constantes da CLT são normas de eficácia limitada, produzindo efeitos conforme for a regulamentação expedida pelo órgão competente. Os arts. 189 e 190 da CLT não possuem eficácia contida ou plena, só fazendo jus à insalubridade o empregado que exercer trabalho de tipo e condições definidos nos normativos respectivos. A norma regulamentadora que define os serviços e circunstâncias da insalubridade é a NR n. 15/MTE. A NR. 15 foi editada em 1978, com as atualizações seguintes, estabelecendo as atividades que devem ser consideradas insalubres, e definindo os limites de tolerância para agentes físicos, químicos e biológicos. Possui uma parte geral e 13 anexos. Cada um destes anexos é relativo a um tema de insalubridade. O tema "calor" é tratado no Anexo III. E, aqui, aborda-se o primeiro dos dois mais importantes pontos meritórios necessários ao deslinde da demanda: o do direito intertemporal, cuja referência é a Portaria n. 1.359/2019 do MTE, que modificou profundamente o Anexo III da NR15, com vigência a partir de 09/12/2019. Explica-se. O Anexo III da NR15 possui um texto normativo e tabelas finais, denominadas quadros. Antes de dez/2019, eram três os quadros: o Quadro I, que tratava das pausas térmicas; o Quadro II, que trata do limite máximo de exposição pelo chamado IBTUG (Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo Médio) e o Quadro III, que trata da Taxa Metabólica Média (M). Em 09/12/2019 sobreveio a Portaria n. 1.359/2019 do MTE, que modificou profundamente o Anexo do calor, alterando seu texto normativo, modernizando os Quadros II e III, e revogando o antigo Quadro I, de modo que não existem mais as pausas térmicas (salvo para quem trabalhava naquela época, até 08/12/2019). O texto normativo do Anexo IIII da NR15, por sua vez, não especificava a que "tipo de calor" se referia. A NR 15/MTE, em sua redação original, não falava de ambiente fechado ou fonte artificial de calor. Pelo contrário, ela falava de calor indistintamente. Tanto que, lá adiante, em seu texto, seu artigo 3.1.2 dizia: "3.1.2 Para os ambientes fechados ou com fontes artificiais de calor, além do contido no item 3.1.1, o empregador deverá fornecer vestimentas de trabalho adaptadas ao tipo de exposição e à natureza da atividade." Deste modo, o normativo se referia a qualquer atividade com calor; o trabalho em ambiente fechado ou com fonte artificial era um plus normativo: quando fosse o caso, além do que o normativo já definia, o empregador deveria ainda fornecer vestimentas adaptadas. Tanto era assim que o TST editou uma orientação jurisprudencial sobre a matéria, a OJ n. 173 da SbDI, verbis: Tanto era assim que o TST editou uma orientação jurisprudencial sobre a matéria, a OJ n. 173 da SbDI, verbis: [...] A partir da mencionada Portaria n. 1.359/2019 do MTE (de 09/12/2019), a norma regulamentadora passou a ser aplicada exclusivamente ao trabalho com fonte de calor artificial. E, assim, o art. 1º, item 1.1, do Anexo III, logo de início, passou a dizer que a insalubridade por calor ali regulamentada é aquela relativa a trabalho em ambiente fechado com fonte de calor artificial. Vide: "1.1 O objetivo deste Anexo é estabelecer critério para caracterizar as atividades ou operações insalubres decorrentes da exposição ocupacional ao calor em ambientes fechados ou ambientes com fonte artificial de calor." E, para não deixar dúvida, no dispositivo seguinte a norma reforça: "1.1.1 Este Anexo não se aplica a atividades ocupacionais realizadas a céu aberto sem fonte artificial". Portanto, a NR 15/MTE passou a afastar de seu campo de aplicação o trabalho a céu aberto, a partir de 09/12/2019 (data da publicação da Portaria n. 1.359/2019), além de ter revogado o Quadro I, que tratava das pausas térmicas. Por conseguinte, a OJ n. 173 da SbDI do TST também restou superada a partir de 09/12/2019. Por sua vez, tem-se que, pelo direito intertemporal, a nova regulamentação da NR 15 começa a vigorar a partir de 09/12/2019, mas a anterior há de se aplicar para quem trabalhava até 08/12/2019, caso o pleito não esteja prescrito. Restringindo-se ao direito anterior, portanto, fica caracterizada a insalubridade, mediante prova pericial, se o empregado trabalhava com calor, seja em ambiente fechado ou a céu aberto, seja com fonte artificial ou carga solar, até a data de 08/12/2019. A partir de 09/12/2019, fica caracterizada a insalubridade, mediante prova pericial, apenas no caso de o empregado trabalhar com calor exclusivamente em ambiente fechado ou em ambiente aberto com fonte artificial de calor. No caso concreto, a parte autora foi admitida em 22/09/1990 (ficha funcional, fl. 242). Portanto, sobeja o período compreendido entre a data de admissão e a data de 08/12/2019, observado o imprescrito. Noutras palavras, é plausível legal e juridicamente a tese objeto da pretensão, de concessão da pausa térmica, para atividades insalubres em geral, até 08/12/2019, caso não alcançado o direito pela prescrição. Ou seja, não se trata de pedido juridicamente impossível para o reclamante. A tese no sentido de que apenas a lei pode conceder intervalos ou pausas intrajornada, e não as normas regulamentadoras do MTE, de status infralegal, não calha neste caso. Em se tratando de insalubridade, a própria lei autorizou o órgão competente a regulamentar, dentre outras questões, o tempo de exposição do empregado ao agente insalubre. O art. 189 da CLT citado anteriormente fala expressamente em "tempo de exposição aos seus efeitos", e o art. 190, também mencionado supra, afirma que o MTE adotará normas sobre limites de tolerância, meios de proteção e "tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes". Portanto, fica claro que, em matéria de insalubridade, a lei autorizou normativo do órgão competente (MTE) a regulamentar tempo de exposição, o que inclui tanto o limite total da jornada quanto eventual pausa ou intervalo. Resta verificar se, embora plausível a pretensão do ponto de vista jurídico o pleito é concessível, no caso concreto, frente às características da atividade. E, agora, adentra-se ao segundo ponto meritório necessário ao deslinde da demanda: o da peculiaridade da atividade de carteiro. A NR15 (Anexo III) foi pensada para o empregado que trabalha em ambiente fechado ou, ainda que aberto, trabalha junto a uma fonte de calor intenso da qual não pode se afastar, pela própria natureza de seu serviço. É o caso de empregados que trabalham, por exemplo, em salas de forno, cozinhas industriais, padarias, casas de caldeiras, fornalhas, fundições, pavilhões de produção, etc. Como a redação original não se restringia a trabalho fechado, interpretou-se que também seria aplicável a NR ao trabalho a céu aberto com exposição ao calor. Em ambos os casos, porém, a NR queria se dirigir ao trabalhador que não pode fugir do fator insalubre, ou seja, aquele que se expõe permanente, contínua ou constantemente ao calor. É o caso do rurícola, a exemplo do cortador de cana, aparador de raízes, castanheiro, fruteiro, lavrador, carvoeiro, etc. A atividade do empregado carteiro é diferente de todas essas situações citadas. Ainda que possa vir a ser considerada atividade a céu aberto no caso dos carteiros-ciclistas e carteiros-motociclistas, as condições de vida oriundas da profissão (utilizando-se a expressão do art. 511, §2º, da CLT) não possuem similitude com aquelas porque passam os trabalhadores que a NR buscou proteger. O profissional carteiro possui controle de si sobre as condições climáticas. Pode buscar abrigo, pode efetuar pausas necessárias e planejadas por si próprio. A atividade é quase caracterizável como um trabalho externo: o carteiro planeja sua rota, pode se abrigar em qualquer lugar da chuva ou do vento passageiros, ou mesmo suspender o trabalho em caso de forte intempérie para retomá-lo quando passada a barreira climática. Não há comparação com um empregado de lavoura, por exemplo, que atua no meio de um latifúndio, a vários quilômetros de qualquer abrigo, cortando haste de cana-de-açúcar, arrancando raízes, arando o solo, montando cercas, pastoreando o gado. Não há comparação com carvoeiros, operários da construção civil em malha viária, mineradores. Aliás, os Correios atuam maiormente em área urbana, não atingindo as zonas rurais, ou as abrangendo em pouca escala. Não se nega que o carteiro-ciclista ou o motociclista (quanto ao carteiro que atua em automóvel, o pleito é evidentemente improcedente, tendo em vista que atua protegido da luz solar e com auxílio de ar condicionado) esteja submetido ao calor do sol, mas não há o grau de continuidade ou indefensabilidade característico que justifique conceder-lhe direito a pausa térmica. Ainda que prova pericial eventualmente conclua que o trabalho era exercido em condições de calor normativo, e venha a ser considerado insalubre, o que está em discussão não é o adicional de insalubridade, mas o direito à pausa térmica. Aliás, diga-se que o pleito não teria relação de dependência com a insalubridade, pois a pausa térmica geraria direito a horas extras, enquanto a insalubridade geraria direito ao adicional. Obviamente, a pausa térmica é disciplinada por uma norma que regulamenta a insalubridade. Só existe(ia) pausa térmica em função da insalubridade da atividade. Mas o oposto não necessariamente existe. Se houver direito à concessão da pausa térmica, a atividade há de ser certamente insalubre, mas não obrigatoriamente deverá haver direito à concessão de pausa térmica em toda atividade insalubre. É justamente o caso dos empregados dos Correios, como colocado linhas acima. A pausa é concedida em razão da soma insalubridade e continuidade. Também não se está colocando que o empregado não faça jus ao intervalo intrajornada. A natureza da pausa térmica é uma, enquanto que a do intervalo é outra. A natureza da pausa é de recuperação térmica do corpo humano, enquanto que a do intervalo é de repouso e alimentação. A não concessão de ambos, se devidos, resulta no mesmo consequente jurídico: o pagamento compensatório. Se o empregado trabalhou durante o intervalo, esse labor deve ser pago como extraordinário; se o empregado trabalhou na pausa térmica, a sua não concessão também deve ser paga como labor extraordinário, porque outra solução jurídica não há. A impossibilidade de retorno ao status quo ante exige a compensação financeira, e obrigação de fazer não concedida se revolve em obrigação de pagar; regra geral do direito brasileiro (CC, arts. 247 e 251; CPC, art. 297, caput e p. único). O que se está colocando é que, no caso sub judice, não há direito à pausa térmica, exclusivamente. Com estes fundamentos, conclui-se pela inexistência do direito à pausa térmica ao empregado carteiro, face às peculiaridades de sua atividade. Por fim, colaciona-se jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª. Região sobre a matéria, que tem sido julgada no mesmo sentido do quanto exposto na presente sentença, pela Eg. 1ª Turma à unanimidade, e pela Eg. 2ª Turma por maioria. Ad exemplum, vide as decisões abaixo, proferidas há poucos dias pelo tribunal: [...] Dessarte, diante do exposto, julga-se improcedente a demanda." O inciso V do art. 200 da CLT estabelece a necessidade de instituição de normas regulamentares sobre "proteção contra insolação, calor, frio, umidade e ventos, sobretudo no trabalho a céu aberto, com provisão, quanto a este, de água potável, alojamento profilaxia de endemias". A norma celetista foi regulamentada pela Portaria n.º 3.214/1978, do Ministério do Trabalho, dispondo a NR-15 sobre as atividades que devem ser consideradas insalubres, gerando direito ao adicional de insalubridade. A NR-15 contém uma parte geral e 13 anexos, que definem os limites de tolerância para agentes físicos, químicos e biológicos, quando é possível quantificar a contaminação do ambiente, ou listando ou mencionando situações em que o trabalho é considerado insalubre qualitativamente. O Anexo III trata dos limites de tolerância para exposição do empregado ao agente calor, prevendo no Quadro 1 a possibilidade de aumento desses limites na hipótese de serem concedidas pausas como forma de neutralizar os efeitos nocivos do agente insalubre. O Quadro 1 do Anexo III da NR-15, em redação anterior à Portaria n.º 1.359/2019, dispõe em seu item 2 que "os períodos de descanso serão considerados tempo de serviço para todos os efeitos legais", ampliando os limites de tolerância do empregado ao agente insalubre calor, caso lhe sejam conferidas pausas regulares de recuperação térmica. O trabalho realizado a céu aberto, submetido ao agente calor, além dos níveis de tolerância, gera o direito ao adicional de insalubridade, inclusive em ambiente externo com carga solar, como reconhece o item II da OJ n.º 173 da SBDI-I: "ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. ATIVIDADE A CÉU ABERTO. EXPOSIÇÃO AO SOL E AO CALOR - II - Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria nº 3214/78 do MTE." Portanto, quando excedidos os limites de tolerância, o trabalho a céu aberto, realizado em período anterior à Portaria n.º 1.359/2019, sujeito ao agente calor, também gera o direito ao adicional de insalubridade e, se for o caso, aos intervalos para recuperação térmica previstos pelo Ministério do Trabalho no Anexo III da NR-15. Com o advento da Portaria MTE n.º 1.359/2019, alterou-se o Anexo III da NR-15, excluindo das disposições relativas à insalubridade o trabalho realizado a céu aberto sem fonte artificial do calor. Como o contrato do reclamante é anterior à alteração da redação do Anexo III da NR-15, incide, prima facie, a normativa antecedente, em razão do direito adquirido às condições de trabalho mais benéficas, incidindo o inciso XXXVI do art. 5º da Constituição e o art. 468 da CLT. Cumpre, então, definir se o autor tem ou não direito às pausas térmicas pela realização de trabalho a céu aberto, com exposição ao agente calor, acima dos limites de tolerância. O reclamante foi admitido em 22/9/1990 na função de carteiro (ficha cadastral, ID. cd958a3). Não recebeu adicional de insalubridade nem adicional de periculosidade (fichas financeiras, IDs. 2037538 e 8728c22). A percepção desse adicional, contudo, não obstaria o reconhecimento do direito à pausa térmica. Isso porque "A exigência de trabalho nos momentos em que o empregado deveria estar em pausa constitui labor extraordinário a ser pago com o acréscimo legal (art. 7.º, XIII, da CR). Se a ausência da pausa térmica resulta em aumento do tempo de exposição ao agente insalubre, pode também gerar o pagamento do adicional de insalubridade" (TST - RR: 2952020125240003, Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, j. 25/02/2015, 6ª Turma, DEJT 13/03/2015). A supressão do intervalo para recuperação térmica em razão da exposição a calor excessivo pode gerar "o pagamento de horas extras, sem prejuízo do direito ao adicional de insalubridade devido por razão outra, como a exposição a temperatura para além do limite de tolerância" (RR 0000229-87.2019.5.13.0007, Relator: Augusto Cesar Leite De Carvalho, j. 13/03/2024, 6ª Turma, 5/03/2024). Na inicial (ID. 60a1c62), informou o reclamante que "A jornada de trabalho dos carteiros começa às 8h e termina às 12h, com um intervalo de 1h30min para o almoço. Em seguida, as atividades de entrega são retomadas às 13h30min e a jornada é encerrada às 17h30min de segunda a sexta feira" (p. 7). Diz que cerca de 80% dos carteiros no Piauí fazem a entrega de correspondências de bicicleta ou motocicleta, o que intensifica a sensação térmica devido à atividade física de pedalar exposto ao sol, adicionando que o carteiro "somente possui pausa durante o intervalo de almoço, o que significa que ele fica exposto a radiação solar (fonte de calor natural), enquanto realiza as entregas de correspondências de forma ininterrupta" (p. 8). A reclamada, por sua vez, esclareceu que "O turno de entrega externa de objetos não é uma jornada fixa" e "a atividade externa do carteiro não é submetida a supervisão pari passu pelo empregador" (p. 287). Em depoimento, o reclamante disse que "é carteiro utilizando bicicleta; que serviço interno o depoente trabalha de 02/0h30 e o restante do tempo no serviço externo fazendo entregas" (Ata, ID. c7949d7, p. 1.838). A reclamada, por sua vez, em depoimento afirmou que "em média o carteiro tem 04h internas e 04 externas; que atualmente tem o sistema SGDO em que registra a saída e o retorno do carteiro; que dá identificar a atividade externa e interna dos carteiros" (Ata, ID. c7949d7, p. 1.838). As partes não apresentaram testemunhas. O juízo de origem determinou a utilização, como prova emprestada (Ata, ID. c7949d7), do laudo pericial produzido na RT n.º 0000523-05.2024.5.22.0108 (ID. dac53c4). A perícia da RT n.º 0000523-05.2024.5.22.0108, realizada em Bom Jesus/PI, descreve as atividades realizadas pelo Agente de Correios/Carteiro nos seguintes termos: "Executar as atribuições relativas à coleta, recebimento, triagem, conferência, recondicionamento, distribuição, anotações, baixa e devolução de objetos postais, mensagens telegráficas, contratos especiais e outros produtos e serviços previstos no portfólio da Empresa, pesquisando, rastreando, identificando e prestando contas dos objetos e documentos que estão sob sua responsabilidade, utilizando equipamentos ou meios apropriados, cumprindo as normas, inclusive as de segurança, para atender o plano de trabalho estabelecido pela Empresa"; "Operacionalizar o processo produtivo telemático, relativo à distribuição, seguindo os padrões e normas para atender o plano de trabalho estabelecido pela Empresa"; "Relatar à chefia imediata, quando constatar a ocorrência de irregularidades no fluxo postal na atividade, para subsidiar a tomada de decisão"; "Participar em caráter eventual e opcional de campanhas promocionais e sociais da Empresa, divulgando produtos e serviços, sugerindo possíveis oportunidades de negócios, prestando informações sobre programas para atender as políticas governamentais e plano estratégico da Empresa"; "Executar as atribuições relativas ao atendimento e vendas nas Unidades de pequeno porte, seguindo os padrões e normas para atender o plano de trabalho estabelecido pela Empresa"; "Executar outras atribuições de mesma natureza e complexidade que compõem a atividade na Unidade para atender o plano estratégico da Empresa" (p. 1.868). Consigna o laudo a utilização de equipamentos de proteção individual, tais como protetor solar, óculos de sol, conjunto impermeável para motociclista; uniforme e vestimenta completa (capacete para motociclista, calça motociclista, camisa manga longa ou manga curta); jaqueta motociclista; luva para motociclista; colete retro refletivo; bolsa mensageiro; bota motociclista e meias (p. 1.868). A perícia aponta de "12:00 às 13:00 o IBTUG máx. = 37,6 °C, IBTUG min. = 33,7 °C e o IBTUG médio = 35,67 °C" (p. 1.871) e indica enquadramento "no regime de trabalho intermitente com descanso no próprio local de trabalho [45 minutos de trabalho e 15 minutos de descanso], tipo de atividade LEVE , IBUTG 30,1 a 30,5 ºC" (p. 1.863). Consta ainda que o "autor [empregado] realizava suas atividades ocupacionais a céu aberto sem fonte artificial de calor" (p. 1.872), registrando conclusivamente: "9.CONCLUSÃO DA INSALUBRIDADE Com fundamento na Portaria GM nº 3214, de 08-06-1978, (e alterações no período pleiteado pelo AUTOR), NR 15 - Atividades e Operações Insalubres , ANEXOS 03 - Calor, de acordo com a Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1997; Portaria GM nº 3214 de 08 de junho de 1978, revisada através da Portaria SEPRT n.º 1.359, de 09 de dezembro de 2019), Art. 193, inciso I da CLT, nos documentos constantes nos autos, e nas evidências registradas durante a diligência pericial constante no item 8, concluo que o AUTOR PAULO SERGIO NASCIMENTO DOS SANTOS, Fundamentado pela NR 15 - ATIVIDADES e OPERAÇÕES INSALUBRES, Anexo nº 3 - Limites de Tolerância para exposição ao calor, alterado pela Portaria MTP nº 426, 07/10/2021, que alterou a Portaria nº MTb 3.214, de 08/06/1978, no subitem "1.1.1 Este Anexo NÃO SE APLICA a atividades ocupacionais realizadas a céu aberto sem fonte artificial de calor" e a partir de 08.11.2000 através da redação original da OJ-SDI1-173 Adicional de Insalubridade. Raios solares, Indevido. O Autor recebeu os Equipamentos de Proteção Individual, como consta no Controle de EPI - Recibo de Entrega de material de segurança [devidamente assinado entregue na diligencia pericial, bem como as medidas Administrativas, antes da Portaria SEPRT nº1.359, de 09/12/2019, era ausente a previsão legal NÃO SE APLICA a atividades ocupacionais realizadas a céu aberto, exposição ao sol e ao calor, portanto o trata-se do arcabouço jurídico as Súmulas [OJ-SDI1-173]revisou a redação original inserida em 08/11/2000, compete somente a MM.Juiza o parecer e decisão quanto ao direito ao adicional de insalubridade no período de 28/06/2019 a 09/12/2019." O juízo não está adstrito às conclusões do laudo pericial (CPC, art. 479), devendo apreciá-lo em conjunto com outras provas (CPC, art. 371), inclusive confrontando-o com as regras de experiência (CPC, art. 375). Nesse contexto, o magistrado, ao aplicar o direito, utiliza-se de um conjunto de noções extrajudiciais, fruto de sua vivência, formando juízos por meio da observação do que comumente acontece. Compondo o "saber privado do juiz", tal como o fato notório, as máximas de experiências servem para a apuração dos fatos, valoração da prova, aplicação de enunciados normativos e constitui limite ao livre convencimento motivado. Em face dessa última função, o juiz não pode apreciar as provas em desconformidade com as regras de experiência comum, tendo que as confrontar com todos os elementos probatórios, inclusive com a prova técnica. Em processos similares de relatoria deste magistrado (0000690-49.2024.5.22.0002, 0000686-12.2024.5.22.0002, 0000670-58.2024.5.22.0002, 0000674-95.2024.5.22.0002), foi anexada como prova emprestada a ata da audiência de instrução da Ação Coletiva de n.º 0001426-92.2023.5.22.0005, proposta pelo Sindicato dos Trabalhadores da EBCT do Estado do Piauí, em tramitação na 5ª Vara do Trabalho de Teresina, contendo depoimentos de três testemunhas. A prova testemunhal produzida na ação coletiva n.º 0001426-92.2023.5.22.0005, em que a ora reclamada figura como ré, consistiu no depoimento de um carteiro em bicicleta, um em motocicleta e um em carro. A testemunha Douglas, que utiliza bicicleta, afirmou que a atividade externa realiza-se no período da manhã, dedicando-se a atividades internas no período da tarde, após o almoço, adicionando que "não realiza pausa durante as entregas, porque na rua não dá tempo, parando somente no horário de almoço". A testemunha Jailson, que trabalha em motocicleta, esclareceu: "há carteiros em motos que são conhecidos como "Convencionais" e outros como "Especiais"; que os Convencionais realizam entregas somente no turno da manhã e apenas uma vez por semana fazem entregas também no turno da tarde, estas de correspondências /objetos especiais, que são os que têm urgência, como as encomendas por Sedex que chegam no turno da tarde; que os Especiais são designados diariamente para entregas nos dois turnos, pela manhã os objetos/correspondências simples e à tarde os especiais; que as entregas no turno da tarde demandam menos tempo, cerca de 2 horas, e estes carteiros são orientados a sair para as entregas por volta das 15h, depois de realizado o trabalho interno de seleção de objetos; que há casos em que um carteiro falta e, por isso, outro precisa fazer entregas à tarde mesmo de objetos/correspondências simples." A testemunha Murilo disse que "realiza entregas dirigindo carro, Fiat Mobi ou Fiorino, ambos com ar condicionado; que inicia o trabalho às 8h em atividade interna e depois de 1h/1h30 sai para entregas na rua, o que faz até as 12h; que ao retornar do intervalo de almoço às 14h continua na rua fazendo entregas até aproximadamente 17h, quando volta para a unidade para concluir os serviços internos". O quadro fático, portanto, dá conta de que os carteiros em bicicleta e motocicleta, mais expostos ao calor, laboram parte a céu aberto, em atividade externa, e parte em atividade interna, privilegiando-se o turno matutino e o período após as 15h, com menor incidência solar, para as entregas. Os carteiros em carros, por sua vez, trabalham em veículos com ar condicionado, nos dois turnos. O próprio reclamante admite ao depor que dedica pelo menos 2 horas às atividades internas. As condições de trabalho variam diariamente, bem como as rotas e as condições climáticas. Além disso, as entregas não são feitas ininterruptamente, havendo possibilidade de pausas, conforme o senso de autonomia, responsabilidade e necessidade do empregado, dada a ausência de fiscalização da atividade pelo empregador. Os depoimentos da ação coletiva n.º 0001426-92.2023.5.22.0005 e o laudo pericial emprestado da RT n.º 0000523-05.2024.5.22.0108 confirmam que a empresa efetivamente entrega EPIs, como protetor solar, fardamento com blusa de mangas compridas, óculos escuros e botas. Conclui-se que o labor não se realiza continuamente a céu aberto, não tem exposição permanente ao agente calor, conta com utilização de EPIs e há possibilidade de pausas para recuperação térmica durante a atividade externa. Tais peculiaridades, portanto, não conferem direito a intervalo para recuperação térmica e, por conseguinte, às horas extras pretendidas, acrescentando-se ser desnecessária perícia específica considerando que o contexto fático não indica exposição a calor acima dos limites de tolerância. Prejudicado o exame das demais matérias." (RELATOR: DESEMBARGADOR ARNALDO BOSON PAES) Não se constata violação aos arts. 7º, XXII, e 225 da Constituição Federal, arts. 178, 200, 253 e 71, § 4º, da CLT, tampouco contrariedade ao Anexo 3 da NR-15 da Portaria 3.214/78 do MTE ou à jurisprudência indicada. O acórdão recorrido, com base em prova técnica emprestada e testemunhos colhidos em ações coletivas semelhantes, concluiu que a exposição ao calor pelos carteiros era intermitente, ocorrendo alternância entre atividades internas e externas, com uso regular de EPIs e possibilidade de pausas conforme conveniência do trabalhador, sem supervisão direta. Ausente, portanto, exposição contínua e acima dos limites de tolerância que justifique o direito às pausas térmicas pretendidas. Além disso, o acórdão ressalta que não houve demonstração técnica específica ou prova pericial no caso concreto que comprovasse a necessidade das pausas de recuperação térmica previstas no Anexo 3 da NR-15, razão pela qual não se aplica a tese de supressão de intervalo ensejadora de pagamento de horas extras. Assim, a decisão regional fundamentou-se na prova dos autos, interpretou corretamente a norma regulamentadora e não afrontou o ordenamento jurídico ou jurisprudência consolidada. Apesar da indicação de arestos divergentes oriundos das Turmas dos TRTs da 11ª e 14ª Regiões, não há como admitir o recurso de revista com base em divergência jurisprudencial, tendo em vista que o feito tramita sob o rito sumaríssimo (CLT, art. 896, § 9º). Diante disso, deixo de admitir o Recurso de Revista. CONCLUSÃO DENEGO seguimento ao recurso de revista. Publique-se. Teresina-PI, data da assinatura digital. TÉSSIO DA SILVA TÔRRES Desembargador-Presidente
Intimado(s) / Citado(s)
- JOSE BERNARDINO MAIA DA SILVA
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