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Ministério Público Do Estado Do Paraná x Andre Luiz Barauna Castueira

ID: 310983419

Tribunal: TJPR Órgão: Vara Criminal de Loanda Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO Nº Processo: 0005467-85.2018.8.16.0105

Data de Disponibilização: 30/06/2025

Polo Ativo:

MINISTéRIO PúBLICO DO ESTADO DO PARANá

Polo Passivo:

ANDRE LUIZ BARAUNA CASTUEIRA

Conclusão

Advogados:

THAIS SOUZA FREITAS

OAB/PR XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE LOANDA VARA CRIMINAL DE LOANDA - PROJUDI Rua Roma, 920 - Alto da Glória - Loanda/PR - CEP: 87.900-000 - Fone: (44) 3259-7240 - E-mail: loa-2vj-s@tjpr.j… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE LOANDA VARA CRIMINAL DE LOANDA - PROJUDI Rua Roma, 920 - Alto da Glória - Loanda/PR - CEP: 87.900-000 - Fone: (44) 3259-7240 - E-mail: loa-2vj-s@tjpr.jus.br Autos nº. 0005467-85.2018.8.16.0105 Processo: 0005467-85.2018.8.16.0105 Classe Processual: Ação Penal - Procedimento Ordinário Assunto Principal: Receptação Data da Infração: 01/09/2015 Autor(s): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ Vítima(s): estado do parana Réu(s): ANDRE LUIZ BARAUNA CASTUEIRA SENTENÇA 1. RELATÓRIO Trata-se de ação penal pública em que o Ministério Público do Estado do Paraná, por meio de seu representante legal, ofereceu denúncia em face de ANDRE LUIZ BARAUNA CASTUEIRA, imputando-lhe a prática, em tese, do crime previsto no artigo 180, caput, do Código Penal, pelo seguinte fato: Em data de 31/08/2015 por volta das 22h20min, em via pública, na Av. Presidente Getúlio Vargas, em frete ao Clube Atlético Loandense, vulgo Campo do CAL, nesta cidade de Loanda/PR, o denunciado ANDRE LUIZ BARAUNA CASTUEIRA, de forma livre e consciente da ilicitude, recebeu e conduzia em proveito próprio e alheio, um automóvel produto de crime, qual seja, 01 veículo GM Vectra Elegance, cor preto, com placas falsas AJK 7333. O qual havia sido roubado na cidade de Cascavel (BO 2015/4839378), conforme descrito no Boletim de ocorrência de fls. 07/12 mov. 06). Consta que o denunciado sabia que o veículo era produto de crime, visto que o veículo lhe havia sido entregue sem documentos, com placas falsas, para realizar contrabando de cigarros (feito que tramitou na Justiça Federal). A denúncia foi oferecida em 20/11/2018 (mov. 7.1) e recebida em 10/10/2019, nos termos da decisão de mov. 17.1. O acusado fora citado (mov. 29.1), apresentando resposta à acusação em mov. 33.1, através de advogado nomeado. Após análise da defesa apresentada pelo acusado, verificando a inexistência de causas excludentes de ilicitude ou culpabilidade, ou qualquer motivo para extinção de punibilidade do agente, não sendo caso, portanto, de absolvição sumária, designou-se audiência de instrução e julgamento (mov. 41.1), posteriormente redesignada (mov. 57.1). Durante a instrução, aberta a solenidade, colheu-se o depoimento de testemunhas de acusação (mov. 70.1 e mov. 70.2), bem como restou homologada a desistência da substituição de uma testemunha falecida. Consignou-se prazo para a defesa justificar a ausência do réu, embora intimado para comparecimento (mov. 72.1). Em mov. 78.1, considerando que a defesa não apresentou justificativa para a ausência do réu na audiência de instrução e julgamento, determinou-se o prosseguimento do feito sem a presença do acusado, conforme estipulado pelo art. 367 do Código de Processo Penal. Ademais, declarou-se encerrada a instrução processual. O Ministério Público apresentou alegações finais em mov. 82.1 requerendo a procedência da pretensão punitiva da denúncia, para o fim de condenador o réu na pena prevista pelo art. 180 do Código Penal. A defesa do acusado, por sua vez, postulou por sua absolvição, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal, tendo em vista a inexistência de provas quanto ao dolo que sejam suficientes para condenação. Subsidiariamente, pugnou pela desclassificação da conduta imputada para o crime de receptação culposa (art. 180, §3º, do Código Penal). Em caso de condenação, fez apontamentos acerca de eventual reprimenda a ser aplicada (mov. 86.1). Conclusos os autos, o Juízo converteu o julgamento em diligência, concedendo prazo ao Ministério Público para que indique com precisão a localização do Laudo Pericial Veicular a que se refere em alegações finais, sendo-lhe facultada a oportunidade de nova juntada do documento em questão em movimentação seguinte (mov. 88.1). Em resposta, o Ministério Público requereu seja solicitado junto à 1ª Vara Federal de Paranavaí/PR a cópia integral do IPL 5002280-95.2015.404.7011, ou apenas cópia do laudo, que está no evento 34 daqueles autos. Oficiada a 1ª Vara Federal de Paranavaí/PR (mov. 94.1), aquele Juízo encaminhou os laudos de perícia criminal constantes nos mov. 97.1/97.2. Oráculo acostado ao mov. 79.1. Vieram os autos conclusos para sentença. É o relatório. 2. FUNDAMENTAÇÃO Na hipótese estão presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, não se vislumbrando a existência de nulidades que possam a viciar o processo, de modo que passo a examinar o mérito. Para a prolação de sentença penal condenatória, faz-se necessária a comprovação cabal a respeito da existência material dos fatos que embasam a pretensão punitiva do Estado, bem como de sua autoria, dependendo ainda o decreto condenatório da inexistência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena. No presente caso, as provas produzidas nos autos são bastantes e suficientes para a condenação do acusado, pois revelam a efetiva autoria do crime. Vejamos. 2.1. Materialidade e autoria: A materialidade do delito foi comprovada por meio do boletim de ocorrência nº 2015/909808 (mov. 4.6 – fls. 07/12 e mov.4.7 - fls. 01/03), Auto de Apresentação e Apreensão do Veículo (mov. 4.6 - fl. 04), Laudo n° 604/2015 - UTEC/DPF/LDA/PR (mov. 97.1), tratando-se de prova emprestada do processo-crime de autos n° 5003059-50.2015.4.04.7011, que tramitou na 1ª Vara Federal de Paranavaí/PR. De igual forma, a autoria delitiva ficou comprovada pelos mesmos elementos e pelos depoimentos colhidos em sede policial e judicial. Vejamos o que consta dos autos. O policial militar Igor Garcia Formicoli, ouvido em juízo, declarou o seguinte (mov. 70.2 - arquivo de vídeo): “[...] estávamos em patrulhamento e recebemos uma denúncia de uma pessoa dizendo que estava com medo de ser assaltada que um veículo preto, sedan, estava seguindo-a em direção a Loanda; próximo ao Campo do CAL, em Loanda, visualizamos o veículo e tentamos fazer a abordagem dele, porém ele desobedeceu a ordem de parada; no acompanhamento tático, nós consultamos a placa do veículo, um Vectra preto, mas resultou em outro veículo com alerta de roubo; esse acompanhamento tático se deu por várias ruas e, em determinado momento, nós localizamos o veículo e novamente ele desobedeceu a ordem de parada, inclusive tentou me atropelar; foram efetuados alguns disparos de arma de fogo e conseguimos realizar a abordagem do indivíduo; ele foi socorrido pelo SAMU e encaminhado ao hospital; na época o veículo e a carga foram encaminhados para a Polícia Federal; no local nós consultamos o chassi do Vectra e constatamos que ele também era roubado [...]”. O Policial Civil Gabriel Feitoza Norte, também ouvido em juízo, o relatou o seguinte (mov. 70.1 - arquivo de vídeo): “[...] Que ouvi no rádio da delegacia que a equipe policial militar estava solicitando apoio no acompanhamento tático a um veículo Vectra que estava fugindo deles, não obedecendo orem de parada; eu peguei a viatura e saí em apoio à Polícia Militar, mas quando eu cheguei próximo ao campo do CAL, já havia acontecido uma situação de disparo de arma de fogo contra o motorista desse Vectra que estava carregado com cigarros e o carro estava aberto, sem o motorista, contendo apenas a carga de contrabando e um rádio comunicador; em seguida, tivemos informação que havia um indivíduo baleado dentro de uma casa/terreno; fomos até o local e encontramos o indivíduo, motorista do Vectra, baleado no tórax; nós procuramos a arma que os policiais militares o viram portando, mas não localizamos; o indivíduo foi encaminhado ao hospital; o veículo com o contrabando foi apreendido e encaminhado à Polícia Federal em Maringá; depois eu fiquei sabendo que o veículo era produto de roubo, mas na hora eu não vi porque eu apenas prestei apoio à Polícia Militar [...]”. Por sua vez, o réu André Luiz Barauna Castureira não foi interrogado em juízo, pois apesar de devidamente intimado, não compareceu à audiência de instrução e não justificou a sua ausência. Contudo, nos autos n° 5003059-50.2015.4.04.7011, que tramitou na 1ª Vara Federal de Paranavaí/PR, e compartilhados neste processo como prova emprestada, o réu foi interrogado em sede policial e em juízo. Quando interrogado pela autoridade policial federal, o denunciado prestou as seguintes declarações sobre os fatos objeto deste processo (mov. 4.5 - fl. 28 e mov. 4.6 - fls. 01/02): “[...] Que já transportou cigarros do Paraguai para o Brasil duas vezes, sendo a primeira há aproximadamente um ano e a segunda na data de ontem; [...] Que na primeira empreitada foi preso em Itaquiraí/MS pela DOF, e encaminhado à Polícia Federal de Narivaí/MS, ocasião em que estava apenas com um rádio transceptor e dinheiro relativo ao contrabando de cigarros, o qual correspondia ao pagamento feito por comprador brasileiro ao vendedor paraguaio; [...] Que há uma semana um conhecido de nacionalidade paraguaia veio ao Brasil e encontrou-se com o interrogado em uma festa em Itaquiraí, oferecendo R$ 400,00 para que o interrogado levasse uma carga de cigarros procedente do Paraguai, de Eldorado/MG para Teodoro Sampaio/SP; Que aceitou o serviço e ontem (31.08.2015), por volta de 15h, pegou o automóvel GM/VECTRA, cor preta, carregado com cigarros, no Posto Pioneiro, em Eldorado; [...] Que tinha conhecimento de que o VECTRA não tinha bancos e que era um veículo empregado para o transporte de cigarros contrabandeados; Que acredita que o automóvel não seja regular, provavelmente fruto de financiamento (veículo finan); Que não sabia que o automóvel é roubado; Que não tem nenhum envolvimento no roubo do carro [...]”. O réu também foi ouvido em juízo naqueles autos, conforme se depreende do Termo de Audiência do mov. 4.4 - fls. 09/10. Contudo, o arquivo de vídeo que registrou o interrogatório não consta dos autos compartilhados. Apesar disso, transcrevo trecho das alegações finais escritas apresentadas pelo Ministério Público Federal no mov. 4.4 - fls. 19/29, referente ao interrogatório do réu: “Interrogado, o réu ANDRÉ LUIZ BARAUNA CASTUEIRA (evento 61 – VIDEO02) disse que não sabia que o veículo Vectra que estava conduzindo era roubado. Havia combinado o transporte dos cigarros com “Gugão” e quando foi pegar o carro num posto de combustível em El Dourado/MS, “Gugão” não estava lá, mas “Gugão” havia deixado o carro já com os cigarros e a chave do carro. ANDRÉ disse que “Gugão” não entregou os documentos do carro porque ele lhe havia dito que o carro era financiado e, por isso, não tinha tais documentos. Aduziu, ainda, que “Gugão” lhe disse que o carro não era roubado. Então, ANDRE LUIZ alegou que confiou que o carro não era roubado, pois, na outra ocasião em que foi preso, estava dirigindo um carro sem documentação e que não era roubado. Negou conhecer os motoristas do comboio” (mov. 4.4 - fl. 23). No presente caso, verifica-se que as provas colhidas são aptas a ensejar a condenação do acusado, por demonstrarem, de forma cabal, a autoria dos fatos narrados na denúncia. No crime em questão, o conhecimento da origem ilícita do objeto, representativo do dolo (elemento subjetivo), deve ser extraído das circunstâncias externas do delito e do comportamento do acusado. Consta dos autos que o acusado foi flagrado pela Polícia Militar conduzindo o veículo GM Vectra Sedan Elegance, de cor preta, com placas falsas AJK-7333 (placas originais AJL-8004), produto de roubo ocorrido em 13/08/2015, no município de Cascavel/PR, tendo como vítima Marlene dos Santos Adams, conforme atestado no Laudo Pericial n.º 604/2015 (mov. 97.1) e confirmado em juízo pelas testemunhas policiais. Segundo referido laudo, o veículo apresentava alterações relevantes, tais como a remoção do banco dianteiro direito, do banco traseiro (assento e encosto) e das forrações internas (portas e porta-malas), além de reforço da suspensão traseira com molas duplas. Em sede policial, o acusado alegou não saber que o veículo era produto de roubo, afirmando apenas que tinha conhecimento de que o carro não possuía bancos e era utilizado para o transporte de cigarros contrabandeados. Declarou, ainda, que acreditava que o automóvel não era regular, provavelmente fruto de financiamento (veículo “finan”). Tal explicação, contudo, revela-se manifestamente inverossímil. O acusado afirmou que já conhecia o veículo como instrumento para o transporte de mercadorias ilícitas, o que sugere uso reiterado ou conhecimento prévio, enquanto o registro de roubo do automóvel ocorreu menos de um mês antes do flagrante. Essa contradição temporal fragiliza a tese de desconhecimento quanto à procedência ilícita do bem. Já em juízo, o réu acrescentou que recebeu o veículo de um indivíduo identificado por ele apenas pela alcunha “Gugão”, que lhe teria dito que o carro era financiado e, por isso, não possuía documentos, inclusive lhe afirmando expressamente que o carro não era roubado. Essa versão também se mostra pouco crível, diante do estado precário e internamente modificado do veículo, bem como das circunstâncias em que foi entregue ao acusado — foi deixado em um posto de combustíveis para que este realizasse o transporte de mercadorias ilícitas. A aceitação de um veículo nessas condições, apenas com base na afirmação de um conhecido contrabandista de que não se tratava de produto de roubo, é absolutamente incompatível com a boa-fé. Tenha-se presente, ainda, que nos termos da jurisprudência pacífica sobre o tema, cabe ao agente que é surpreendido com o objeto de origem criminosa o ônus de comprovar a sua boa-fé. RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – RECEPTAÇÃO – ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – TRÁFICO ILÍCITO DE DROGA – COMPENSAÇÃO ENTRE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL E ATENUANTE – INADMISSIBILIDADE – CONFISSÃO ESPONTÂNEA – GRAU DE REDUÇÃO – NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO – CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA SANÇÃO (ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06) – GRAU ESCORREITO – AFRONTA AO PRINCÍPIO DO NON BIS IN IDEM NÃO CONFIGURADA – SENTENÇA ALTERADA – RECURSO APELAÇÃO CRIME Nº 0003636-23.2016.8.16.0153 FL. 11 PARCIALMENTE PROVIDO. Escorreita a condenação do agente nas sanções do art. 180, caput, do código penal, quando flagrado na posse de bem furtado, sem comprovar o desconhecimento da sua origem ilícita. No crime de receptação, a apreensão do objeto em poder do acusado faz presumir a autoria do injusto e gera a inversão do ônus da prova (…). (TJPR - 5ª C.Criminal - 0069796- 30.2014.8.16.0014 - Londrina - Rel.: Jorge Wagih Massad - J. 17.05.2018) – grifei. CRIMES DE FURTO E RECEPTAÇÃO (ARTIGO 155 E ARTIGO 180, “CAPUT”, AMBOS DO CP) - CONDENAÇÃO – APELAÇÃO – PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DEVIDO À FALTA DE PROVAS – IMPOSSIBILIDADE – AUTORIA E MATERIALIDADE DOS DELITOS DE FURTO E RECEPTAÇÃO DEVIDAMENTE COMPROVADOS – PEDIDO DE RECONHECIMENTO DO CRIME DE FURTO EM SUA MODALIDADE TENTADA – IMPOSSIBILIDADE – INVERSÃO DA POSSE DA COISA ALHEIA SUBTRAÍDA – ALTERAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA SOBRE O ELEMENTO SUBJETIVO – SENTENÇA MANTIDA – APELO DESPROVIDO. (TJPR - 4ª C. Criminal - 0008233-18.2015.8.16.0170 - Toledo - Rel.: Desembargador Carvílio da Silveira Filho - J. 08.08.2019) – grifei. Ou seja, compreende-se que a apreensão do bem em poder do agente gera a presunção do dolo pelo crime de receptação, com a inversão do ônus da prova, exigindo-se justificativa convincente a respeito da origem lícita do bem ou a demonstração clara acerca de seu desconhecimento, ônus do qual o acusado não se desincumbiu. Diante desse contexto, como dito, cumpria ao réu, ante todas essas circunstâncias e em virtude da inversão do ônus da prova, trazer aos autos elementos a demonstrar o desconhecimento da origem espúria do bem, o que, como visto, não ocorreu, razão pela qual não merece prosperar a pretensão absolutória lançada pela defesa. E, pelos mesmos motivos, também não se mostra cabível a acolhida da pretensão da desclassificação para a receptação culposa. Para a caracterização da receptação culposa, é imprescindível que o agente não tenha certeza da origem criminosa do produto, o que não ficou demonstrado. Sobre o tema, é o entendimento jurisprudencial do Estado do Paraná: RECEPTAÇÃO SIMPLES. ARTIGO 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO RÉU. 1)-PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO OU DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE CULPOSA. AVENTADA AUSÊNCIA DE PROVAS DA CIÊNCIA DO ACUSADO ACERCA DA ORIGEM ILÍCITA DO VEÍCULO. TESE NÃO ACOLHIDA. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS DO FATO CRIMINOSO QUE ATESTAM A PRESENÇA DO DOLO. CONDENAÇÃO MANTIDA. 2)- PENA. MEDIDA DE OFÍCIO. REDUÇÃO DA PENA DE MULTA. FIXAÇÃO EM PROPORCIONALIDADE COM A PENA CORPORAL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, COM MEDIDA DE OFÍCIO. (TJPR - 4ª Câmara Criminal - 0003768-02.2022.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADORA SONIA REGINA DE CASTRO - J. 23.10.2023) – grifei. APELAÇÃO CRIME – RECEPTAÇÃO DOLOSA (CP, ART. 180 CAPUT) – CONDENAÇÃO – RECURSO DA DEFESA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO OU DE DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA A FORMA CULPOSA – IMPROCEDÊNCIA – SUFICIENTE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DO CRIME E DA AUTORIA DOS FATOS PELO ACUSADO – CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS INDICATIVAS DE QUE O APELANTE TINHA CONHECIMENTO DA ORIGEM ILÍCITA DO VEÍCULO – CONJUNTO PROBATÓRIO RELEVANTE E VÁLIDO PARA JUSTIFICAR A CONDENAÇÃO PELO CRIME DOLOSO. PEDIDO SUCESSIVO DE APLICAÇÃO DO §5º DO ARTIGO 180 DO CÓDIGO PENAL – IMPROCEDÊNCIA – RÉU CONDENADO POR RECEPTAÇÃO DOLOSA – ALTO VALOR DO BEM RECEPTADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 4ª Câmara Criminal - 0001332-27.2020.8.16.0148 - Rolândia - Rel.: DESEMBARGADOR RUI PORTUGAL BACELLAR FILHO - J. 25.09.2023) – grifei. Assim, as circunstâncias objetivas do caso e o comportamento do acusado revelam, de forma inequívoca, que este tinha conhecimento da origem ilícita do veículo, sendo plenamente caracterizado o dolo exigido para a configuração do delito imputado. Ante o exposto, entendo devidamente comprovada a materialidade e autoria dos fatos narrados na denúncia. Resta, então, analisar a tipicidade da conduta. 2.2. Adequação típica O acusado foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 180, caput, do CP, in verbis: Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Analisando-se o núcleo do tipo do delito de receptação, esclarece Guilherme de Souza Nucci que “o crime de receptação simples é constituído de dois blocos, com duas condutas autonomamente puníveis. A primeira – denominada receptação própria – é formada pela aplicação alternativa dos verbos adquirir (obter, comprar), receber (aceitar em pagamento ou simplesmente aceitar), transportar (levar de um lugar a outro), conduzir (tornar-se condutor, guiar), ocultar (encobrir ou disfarçar), tendo por objeto material coisa produto de crime. [...] A segunda – denominada receptação imprópria – é formada pela associação da conduta de influir (inspirar ou insuflar) alguém de boa-fé a adquirir (obter ou comprar), receber (aceitar em pagamento ou aceitar) ou ocultar (encobrir ou disfarçar) coisa produto de crime. Nessa hipótese, se o sujeito influir para que a vítima adquira e oculte a coisa produto de delito, estará cometendo uma única receptação” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 1087). Com relação ao elemento subjetivo do tipo penal imputado, este é consistente no dolo do agente. Exige-se, ademais, o elemento subjetivo do tipo específico, notadamente, a nítida intenção de tomar, para si ou para outrem, coisa alheia originária da prática de um delito (Ibidem). No crime em questão, o conhecimento da origem ilícita do objeto, representativo do dolo, deve ser extraído das circunstâncias externas do crime e do comportamento do acusado. Estabelecidas tais premissas, forçoso concluir que no caso dos autos tanto o elemento objetivo quanto o subjetivo do tipo penal imputado restaram devidamente comprovados, conforme analisado na fundamentação já lançada. Não há dúvidas de que o acusado tinha ciência de que o veículo que conduzia era produto de crime, considerando que as circunstâncias em que alegou tê-lo recebido eram altamente suspeitas, isto é, um veículo deixado em um posto de gasolina, sem documentação e com modificações internas para o transporte de mercadoria ilícita. Dessa forma, constata-se, a partir das provas produzidas, que a conduta praticada pelo denunciado é típica, ilícita e culpável, merecendo, portanto, as respectivas reprimendas previstas, não havendo que se falar em absolvição ou desclassificação para o delito em sua modalidade culposa, conforme sustentado pela defesa em suas considerações finais. 2.3. Da ausência de excludentes de ilicitude ou dirimentes da culpabilidade Compulsando os autos, após a devida instrução processual, verifico que o crime narrado na denúncia não restou praticado sob o manto de qualquer excludente da ilicitude prevista no art. 23 do Código Penal, de modo que a Defesa não se desincumbiu do ônus de provar qualquer dessas circunstâncias (art. 156 do CPP). Da mesma forma, a culpabilidade do réu restou plenamente comprovada, havendo subsídios suficientes para concluir no sentido da imputabilidade do mesmo, tendo potencial consciência da ilicitude de seus atos, sendo plenamente exigível que adotasse comportamento diverso. 3. DISPOSITIVO Por todo o exposto e pelo que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva contida na denúncia para CONDENAR o réu ANDRE LUIZ BARAUNA CASTUEIRA, como incurso na sanção do artigo 180, caput, do Código Penal. Atendendo-se ao comando contido no artigo 68, do Código Penal, passo à fixação da pena a ser imposta ao réu: 4. DOSIMETRIA DA PENA 4.1. Da pena base do crime previsto no artigo 180, caput, do CP Partindo do mínimo legal da pena restritiva de liberdade, qual seja, de 1 (um) ano de reclusão e multa, passo à análise das circunstâncias judiciais, nos termos do artigo 59 do Código Penal Brasileiro. A culpabilidade, entendida como a reprovabilidade da conduta do réu, revela-se acentuada, merecendo valoração negativa, uma vez que ele recebeu e conduziu veículo produto de roubo com a finalidade de praticar outros delitos, notadamente o contrabando de mercadorias ilícitas. O réu não possui antecedentes criminais (conforme Oráculo de mov. 79.1). No que concerne à sua conduta social, do constante nos autos não é possível aquilatá-la. No tocante à sua personalidade não há nos autos qualquer elemento que possa embasar uma avaliação, inexistindo ainda conhecimento técnico por parte deste juízo para sua avaliação. Os motivos do crime são inerentes ao tipo. As circunstâncias do crime não ensejam o aumento da pena. As consequências do crime, pelo que consta dos autos, foram comuns à conduta praticada, não merecendo maior reprovação. Por fim, a vítima em nada contribuiu para o desfecho da prática delituosa. Assim, considerando ser adequada à necessidade de reprovação da conduta delitiva do réu e prevenção de fatos semelhantes, bem como à existência de uma circunstância desfavorável (culpabilidade), fixo a pena-base em 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 53 (cinquenta e três) dias-multa. Das circunstâncias agravantes e atenuantes Inexistem agravantes e atenuantes. Assim, mantem-se como intermediária a pena anteriormente fixada. Das causas especiais de aumento e diminuição de pena Inexistem causas de diminuição e aumento de pena. Assim, torno DEFINITIVA a pena de 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 53 (cinquenta e três) dias-multa. 4.2 Do valor do dia-multa Fixo o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente à época do fato, que deverá ser devidamente atualizado, por ocasião do pagamento, tendo em conta não haver nos autos prova de maior poder econômico do réu. 5. DO REGIME PRISIONAL Atento ao disposto no art. 33, §2º, “b”, diante da existência de circunstância judicial desfavorável, conforme dispõe artigo 33, §3º do CP, fixo o REGIME SEMIABERTO para início do cumprimento da pena. 5.1. Da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito e da suspensão condicional da pena Tendo em vista que a pena privativa de liberdade foi fixada em patamar não superior a 04 (quatro) anos, o crime em análise não foi perpetrado mediante violência ou grave ameaça à pessoa e o réu não é reincidente, nos termos do artigo 43 e seguintes do Código Penal, SUBSTITUO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR UMA PENA RESTRITIVA DE DIREITO (art. 44, §2º, primeira parte, do CP), consistente em: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE, a qual deverá ser cumprida a razão de 01 hora de serviço por dia de pena e consistirá em atribuições de tarefas gratuitas por parte do sentenciado junto a entidades assistenciais. O local será designado de acordo com as aptidões do réu, na fase de execução (art. 46, §§ 1º, 2º e 3º do CP, c/c art. 149 da LEP), por ocasião da audiência admonitória, que ocorrerá após o trânsito em julgado desta sentença, nos termos do artigo 160, da LEP. Em sua execução será observada a regra do § 3º do artigo 46 do Código Penal. A quantidade de horas será fixada após a análise – pelo juízo da execução – da quantidade de dias de pena que deverão ser cumpridos. Converter-se-á em privativa de liberdade eventual descumprimento injustificado da pena restritiva de direito ora aplicada, a teor do que dispõe o artigo 44, § 4º, do Código Penal. Ademais, considerando a substituição da pena privativa de liberdade, conforme aduzido acima, fica prejudicada a suspensão condicional da pena, “ex vi” do artigo 77, inciso III, do Código Penal. 5.2. Reparação dos danos Deixo de fixar valor mínimo indenizatório, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, em razão da ausência de pedido. 5.3. Das custas processuais Nos termos do art. 804 do CPP, condeno o réu no pagamento das custas processuais. 5.4. Direito de Recorrer em Liberdade Não há motivos que alterem o quadro fático, uma vez que a ré respondeu a todo o processo em liberdade. E, além disso, não se fazem presentes os requisitos para decretação da prisão preventiva (artigo 387, parágrafo único, CPP). 5.5. Dos honorários advocatícios Arbitro honorários advocatícios no valor R$ 2.000,00 a Dra. THAIS SOUZA FREITAS – OAB /PR 93.983, nomeada por este juízo como advogada dativa do réu, a serem arcados pelo Estado do Paraná, considerando que não há Defensoria Pública do Estado, atuante nesta Comarca, bem como o zelo profissional, com apoio do art. 22, §1º, da Lei n. 8.906/1994 e na Resolução Conjunta n° 06/2024 - PGE/SEFA. A presente sentença possui força de certidão para fins de cobrança dos honorários 6. Disposições finais Após o trânsito em julgado da presente sentença: a) encaminhem-se os autos ao contador para o cálculo das custas e despesas processuais, que deverão ser pagas em dez (10) dias após o trânsito em julgado desta sentença, conforme preceitua o artigo 50 do Código Penal, podendo ser utilizado para tanto o valor depositado a título de fiança se assim o tiver, nos termos do art. 336 do Código de Processo Penal; b) expeça-se a Carta Guia e providenciem-se os documentos e comunicações necessárias para o cumprimento da pena nos termos da presente condenação, remetendo-se os autos ao Juízo da Execução Penal e, após, proceda-se à audiência admonitória. c) comuniquem-se em conformidade com o disposto no Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça. d) comunique-se, ainda, por ofício, à Justiça Eleitoral, acerca da suspensão dos direitos políticos dos condenados, nos termos do artigo 15, III, da Constituição Federal. e) Oficie-se à Vara de Execuções Penais desta Comarca para os devidos fins. Ciência ao Ministério Público. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se o disposto no Código de Normas do Foro Judicial da CGJ/TJPR. Demais diligências necessárias. Loanda, datado e assinado eletronicamente. Cristiano Diniz da Silva Juiz de Direito

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Maria Aparecida De Macedo x Instituto Nacional Do Seguro Social - Inss

ID: 274904190

Tribunal: TJPR Órgão: Competência Delegada de Colorado Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0003268-82.2024.8.16.0072

Data de Disponibilização: 21/05/2025

Polo Ativo:

MARIA APARECIDA DE MACEDO

Polo Passivo:

INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Conclusão

Advogados:

ROSIMAR WEBBER VALDOVINO

OAB/RS XXXXXX Desbloquear

CINTIA REGINA DE LIMA VIEIRA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE COLORADO COMPETÊNCIA DELEGADA DE COLORADO - PROJUDI Travessa Rafaini Pedro, 41 - Centro - Colorado/PR - CEP: 86.690-000 - Fone: (44) 999253007 - Celula… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE COLORADO COMPETÊNCIA DELEGADA DE COLORADO - PROJUDI Travessa Rafaini Pedro, 41 - Centro - Colorado/PR - CEP: 86.690-000 - Fone: (44) 999253007 - Celular: (44) 99925-3007 - E-mail: diariojcolorado@gmail.com Autos nº. 0003268-82.2024.8.16.0072 Processo: 0003268-82.2024.8.16.0072 Classe Processual: Procedimento Comum Cível Assunto Principal: Híbrida (Art. 48/106) Valor da Causa: R$36.712,00 Autor(s): MARIA APARECIDA DE MACEDO Réu(s): INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS SENTENÇA 1. RELATÓRIO MARIA APARECIDA DE MACEDO, já qualificada, ajuizou ação declaratória de tempo de serviço rural c/c concessão de aposentadoria por idade híbrida, em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), também já qualificado. Narra a parte autora que nasceu em 18/02/1950 e iniciou sua vida laboral na lavoura aos sete anos, acompanhando sua mãe no cultivo e na colheita de diversas culturas. Após o casamento com o Sr. José Luiz de Macedo, continuou a exercer atividades rurais intercaladas com urbanas, sendo frequentemente contratada por intermédio de um conhecido “gato” chamado Alcides, que a levava para trabalhar em lavouras de café, algodão e amendoim em diversas localidades do interior do Paraná. Embora tenha exercido por breve período trabalho como empregada doméstica, a Autora precisou se afastar de toda atividade laboral devido a problemas de saúde, passando então a receber o Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência a partir de 01/01/2006. Após o falecimento do esposo, e em razão de dificuldades financeiras, alega que retorno à atividade rural por mais sete anos, até os 65 anos de idade, quando cessou definitivamente a labuta no campo. Relata a parte autora que ajuizou demanda visando a concessão de aposentadoria por idade rural, entretanto, sobreveio acórdão que extinguiu o feito sem resolução do mérito (processo nº 0005467-53.2019.8.16.0072). Pugna pela utilização de prova emprestada dos referidos autos e do processo nº 0005447-62.2019.8.16.0072, nos quais constam depoimentos do seu irmão que comprovam a atividade rural. Sustenta ter postulado junto ao INSS o benefício da aposentadoria por idade híbrida (DER – 14.11.2022), NB nº 41/196.335.700-8, que lhe foi negado ao argumento de “falta dos requisitos previstos na EC 103/2019 ou de direito adquirido até 13/11/2019”. Assim, discordando da decisão administrativa, requereu: o reconhecimento do período de atividade rural desempenhada de 18.02.1957 a 31.05.1978; 01.04.1978 a 31.01.2004 e de 01.01.2012 a 31.12.2015; a ratificação do período de recolhimento entre 01.07.2022 a 31.10.2022; a concessão de aposentadoria por idade híbrida e o pagamento das parcelas vencidas e vincendas desde a data do requerimento administrativo. Recebida a inicial, foi deferido à parte requerente o benefício da assistência judiciária gratuita, bem como determinada a citação do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS (mov. 9.1). O INSS deixou de apresentar contestação (mov. 17). Prolatada decisão saneadora que ressaltou a impossibilidade de reconhecimento dos efeitos da revelia em desfavor da autarquia previdenciária por se tratar de direito indisponível. Além disso, fixou os seguintes pontos controvertidos: a) Exercício de atividade rural no(s) seguinte(s) período(s): 18.02.1957 a 31.05.1978; 01.04.1978 a 31.01.2004 e de 01.01.2012 a 31.12.2015; b) verificação do preenchimento dos requisitos para a concessão de aposentadoria por idade híbrida, conforme o art. 48, § 3º, da Lei 8.213/91. Para tanto, foi determinada a produção de prova testemunhal. Realizada a audiência de instrução, foram ouvidas a autora e três testemunhas. Também restou deferida a utilização da prova emprestada requerida pela autora, determinando-se a juntada dos depoimentos no presente feito (mov. 30.1 a 30.6). A prova oral do processo 0005467-53.2019.8.16.0072 foi juntada no mov. 32. Vieram os autos. É a breve exposição. Passo a fundamentar e decidir. 2. FUNDAMENTOS MARIA APARECIDA DE MACEDO pretende a concessão de aposentadoria por idade híbrida mediante o reconhecimento de sua qualidade de segurado especial (trabalhador rural) no período compreendido entre 18.02.1957 a 31.03.1978, 01.04.1978 a 31.01.2004 e de 01.01.2012 a 31.12.2015, bem como o cômputo do período de 01.07.2022 a 31.10.2022. As partes são legítimas e estão bem representadas. O devido processo legal está sendo observado, com estrita ressalva à ampla defesa e ao contraditório. Não havendo outras preliminares ou prejudiciais de mérito a serem analisadas, passo ao julgamento do feito. 2.1. DA ATIVIDADE RURAL O trabalho rural, na condição de segurado especial, encontra previsão no art. 11, VII, e § 1º da Lei 8.213/91, in verbis: Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: (...) VII- como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em algomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de : a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividades: 1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; 2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e c) cônjugue ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. § 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. Portanto, para a comprovação da condição de segurado especial, a Lei 8.213/91 exige o desempenho de trabalho rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido aquele em que o trabalho dos membros da família se mostra indispensável à própria subsistência e seja exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sendo exigido, para o cônjuge, companheiro e filhos, comprovação do efetivo trabalho junto com o grupo. No que concerne ao “fato probando”, equivale dizer, o objeto da prova, em casos tais, pode ser demonstrado a partir dos diversos meios legítimos admitidos normativamente e será através deles que se colherá a verdade sobre os fatos alegados. A este respeito, há que se observar o disposto no art. 55 §3º da Lei de Benefícios que prevê: “Art. 55... § 3º- A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento”. Ainda sobre a prova, acrescenta-se que nos termos da Súmula 149 do STJ não se admite prova exclusivamente testemunhal para comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário: “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de o segurado valer-se de provas diversas das ali elencadas. Desse modo, o que importa é a apresentação de documentos que se prestem como indício do exercício de atividade rural (como notas fiscais, talonários de produtor, comprovantes de pagamento do ITR, prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, cadastros em lojas, escolas, hospitais, etc.), os quais podem se referir a terceiros, pois não há na lei exigência de apresentação de documentos em nome próprio. Ademais, geralmente, nas famílias dedicadas à atividade rural, os atos negociais são efetivados em nome do chefe do grupo, geralmente o genitor (Nesse sentido: EDRESP 297.823/SP, STJ, 5ª T, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 26/08/2002, p. 283; AMS 2001.72.06.001187-6/SC, TRF4ªR, 5ªT, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum, DJ 05/06/2002, p. 293). Relativamente à idade mínima, mesmo que a jurisprudência aceite o reconhecimento do trabalho rural inclusive antes dos doze anos de idade, para tanto deve ficar comprovado que as atividades desenvolvidas pelas crianças e adolescentes dentro do grupo familiar iam além de um mero auxílio nas atividades cotidianas, mas que elas exerciam um trabalho indispensável e de dependência em relação aos demais membros da família, como exige a lei da previdência. Nesse sentido seguem recentes julgados: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. TEMPO RURAL. CÔMPUTO PERÍODO ANTERIOR A 12 ANOS DE IDADE [...] 3. Para a comprovação do tempo de atividade rural é preciso existir início de prova material, não sendo admitida, em regra, prova exclusivamente testemunhal. A admissão de trabalho rural antes dos doze anos exige, de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores, prova robusta e detalhada acerca da efetiva contribuição do menor para a subsistência da família e especificada quanto à(s) tarefa (s) desenvolvida (s) por ele, além do período de tempo diário despendido no trabalho. [...] (TRF4, AC nº 5023385-20.2017.4.04.9999, Turma Regional Suplementar do Paraná, Rel. Des. Federal Márcio Antonio Rocha, 21/05/2020). PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. IDADE MÍNIMA PARA O TRABALHO RURAL. REQUISITOS LEGAIS. CONSECTÁRIOS LEGAIS. 1. Relativamente à idade mínima, a limitação constitucional ao labor do menor de dezesseis anos de idade deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas/previdenciários quando tenha prova de que efetivamente desenvolveu tal atividade. Entretanto, essa atividade deve ir além de um mero auxílio, ou seja, o menor deve exercer um trabalho indispensável e de dependência em relação aos demais membros da família, como exige a lei da previdência.2. Consectários legais fixados nos termos do decidido pelo STF (Tema 810) e pelo STJ (Tema 905). (AC nº 5060204-92.2018.4.04.7000, Relator Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, un., juntado aos autos em 16/03/2022). Por fim, no que diz respeito aos denominados boias-frias (trabalhadores informais), diante da dificuldade de obtenção de documentos, o STJ, no julgamento do REsp. 1.321.493/PR, em regime de recurso repetitivo, firmou o entendimento de que a prova documental do tempo de serviço é indispensável, inclusive para esses trabalhadores, mas, por estarem totalmente à margem da formalidade, a exigência resulta mitigada, podendo-se admitir o uso de quaisquer documentos que indiquem o vínculo ao meio rural, desde que a prova testemunhal complemente de forma robusta a instrução e dê consistência às alegações. Dito isso, passo à análise do caso concreto. No caso dos autos, a autora, nascida em 18/02/1950, busca o reconhecimento e a averbação do período de atividade rural compreendido entre 18.02.1957 a 31.03.1978, 01.04.1978 a 31.01.2004 e de 01.01.2012 a 31.12.2015, para fins de contagem de tempo de serviço. Para comprovar suas alegações, juntou aos autos diversos documentos que, segundo sustenta, configurariam início de prova material de sua condição de trabalhador rural. Dentre os documentos apresentados, destacam-se: - 1951 - certidão de casamento dos pais da autora, constando a profissão do genitor como lavrador; - 1978 - certidão de casamento da autora, onde consta a profissão do marido como operário e a autora “do lar”; - 2001 - ficha de cadastro de cliente em nome da autora constando sua profissão como 'rural'; - 2002 - ficha de cadastro de cliente em nome da autora constando como profissão 'lavradora'; - 2003 - ficha de cadastro de cliente em nome da autora constando como profissão 'trabalhadora rural'; - 2011 - ficha de cadastro de cliente em nome da autora constando como profissão 'trabalhadora rural'; - 2010 - ficha de cadastro de cliente em nome da autora constando como profissão 'trabalhadora rural'; - 2019 - certidão emitida pela Justiça Eleitoral do Paraná, em nome da autora, constando sua ocupação como 'trabalhador rural'. - 2013 e 2016 - Prontuários de atendimentos médicos expedidos pelo Hospital e Maternidade Santa Clara, apontando o irmão da autora como lavrador; - 2018 - Prontuário de atendimento médico realizado no Hospital e Maternidade Santa Clara, na qual refere a profissão irmão da autora como lavrador; - 2019 - Certidão emitida pela 95ª Zona Eleitoral de Colorado- PR, na qual consta o irmão da autora como trabalhador rural; Além da prova documental, foram colhidos os depoimentos de duas testemunhas e duas informantes: JULIA FIRMINO F. LUCIO (testemunha) – “Não me recordo exatamente o ano que conheci a autora. A gente morava no Lobato. Não trabalhamos juntas, mas sei que ela trabalhou em algumas das minhas propriedades. Ela trabalhou na colheita de algodão, amendoim, dependia da safra. Ela trabalhou para outras pessoas na lavoura. Conheci a autora quando era solteira e a vi trabalhando por mais de cinco anos.” FRANCISCA DE OLIVEIRA SILVA (informante) – “Conheço a autora há uns 60 anos. Conheci lá em Lobato. Ela trabalhava na lavoura, catava algodão e carpia na roça, nós éramos companheiras. Não lembro nomes, porque cada dia era um gato, porque a gente não tinha patrão. Nós íamos de caminhão, trator, caminhonete. Quando ela veio pra cá, ela tocava uma sorveteria. E lá em Lobato ela trabalhou na rodoviária com o marido dela que é falecido depois que acabou os serviços da roça. Quando a gente trabalhava na roça não tinha registro na carteira, eu só vim ter na usina. A gente recebia por semana. Quando eu conheci a autora ela era solteira, demorou muito pra ela casar”. CONCEIÇÃO APARECIDA AUGUSTA (informante) – “Conheço a autora há uns 50 anos, nós éramos vizinhas no Lobato. Ela sempre trabalhou na roça, colhendo amendoim, algodão, carpino. Trabalhamos juntas. Um dos proprietários que trabalhamos juntas era o do Armano no cultivo de amendoim, algodão, milho. Depois que ela mudou pro Colorado eu não sei o que ela fez mais não. Lá em Lobato ela trabalhava na roça. Eu trabalhei na roça uns 30 anos ou mais. Depois eu fui trabalhar de doméstica. Nesse período nós trabalhamos juntas na roça. Não tinha registro. A gente recebia por dia.” GENY CONCEIÇÃO AUGUSTA (testemunha) – “Não me recordo de datas. Conheci a autora mais ou menos quando tinha uns 18, 19 anos, por aí. Ela morava na mesma rua que eu. Ela trabalhava na roça naquela época, não tinha filho. E é isso, pobre trabalha na roça, não tem outra coisa. Eu também trabalhei na roça, depois que fiz um concurso, passei e vim trabalhar na prefeitura. Trabalhei com ela na roça na lavoura de algodão, mandioca, amendoim. Nós íamos de caminhão ou trator para essas propriedades. Enquanto ela morava no Lobato, ela trabalhava na roça. Depois que ela mudou, não sei mais o que ela fez.” Realizado o translado da prova emprestada do processo nº 5467-53.2019.8.16.0072, foram colhidos depoimentos da parte autora e de mais três testemunhas a seguir transcritos: MARIA APARECIDA DE MACEDO (autora) – “Tenho 71 anos. Sou viúva há 12 anos. Meu marido tinha uma sorveteria, que se chamava “Beija-Flor”. Tivemos a sorveteria por cinco anos e meio. Ele pagava INSS. Quando ele morreu, não era aposentado. Recebi auxílio-doença por cinco anos e meio. Eu trabalhava como empregada doméstica. Parei de receber o auxílio-doença logo depois que meu marido morreu. Tenho problema de saúde. Nunca tive a carteira assinada. Trabalho na roça desde os sete anos. Fiz todo tipo de serviço. Sei fazer de tudo. Parei com 61 anos de trabalhar na roça. Eu desmaiava, mas não sabia o que era. O médico me internava com pneumonia. Até que uma médica fez vários exames e descobriu que meu pulmão já não funcionava direito. Faz 13 anos que perdi o pulmão e o rim esquerdo. Não voltam mais a funcionar. Esse trabalho na roça era como boia-fria. Quando tinha uns 16 anos, minha mãe tocou uma roça por uns quatro anos. Eu que ajudava ela. Meu marido fazia de tudo, na cidade e na roça. Ele foi criado na roça. As testemunhas que eu trouxe já trabalhavam comigo. Estudei muito pouco. Quem me contratava era o seu Alcides, que era gato. Ele era o que mais dava serviço. Tinha serviço todo dia. A gente ia de Kombi. Dava duas viagens. Na época era café, algodão e amendoim, lá na Água Bandeirantes e em outras águas. Na cidade, fui empregada doméstica, ajudava na sorveteria e vendia pipoca na praça.” JOSÉ RAMOS (testemunha) – “Conheci a autora nos anos 70. Ela trabalhou colhendo café até a década de 80. Eu era percenteira de café e, na colheita, ela ia me ajudar. Depois disso, não trabalhei mais com ela. Não tive mais contato com ela depois disso. Mais recentemente, voltei a ter contato quando ela tinha uma sorveteria com o marido. Não lembro quando foi. O marido já faleceu.” ANTONIA BEZERRA (testemunha) – “Conheci a autora há 40 anos. Nessa época, ela trabalhava na roça. Nunca trabalhamos juntas na roça. Moramos perto por um tempo, quando jovens. Não sei dizer até quando ela trabalhou na roça. No período em que conheci ela, foi somente na roça que ela trabalhou. Na cidade, não sei dizer se ela trabalhou.” CÉLIA HENRIQUE DOS SANTOS FERREIRA (testemunha) – “Conheci a autora em 2012, quando me mudei para Colorado. Morava ela, um filho e um irmão. Ela ia para a roça e pediu para eu limpar a casa. Ela parou de ir para a roça porque tinha tremedeira, e o povo ficou com medo dela continuar. Mesmo sendo de idade, ela ia para a roça. Pelo que ela me falou, sempre foi da roça. A autora nunca me contou que teve sorveteria ou que trabalhou como empregada doméstica. Acredito que ela ficou uns sete anos indo para a roça, depois que a conheci em 2012.” Da análise do conjunto probatório apresentado, verifica-se que não restou demonstrado, de forma suficiente, o exercício da atividade rural pela parte autora nos períodos pleiteados, inclusive no intervalo compreendido entre 18/02/1972 e 31/03/1978, anterior à celebração do casamento. A autora sustenta o início do labor rural desde os sete anos de idade, em regime de economia familiar. Contudo, é firme a jurisprudência no sentido de que não se reconhece atividade rural antes dos 12 anos de idade, salvo em situações excepcionais devidamente comprovadas, o que não se observa nos autos. Ainda que se considerasse o reconhecimento do labor a partir dos 12 anos, a única prova material correspondente ao período anterior ao casamento consiste na certidão de casamento dos pais, de 1951, que qualifica o genitor como lavrador. Tal documento, embora gere presunção de vínculo com o meio rural, é insuficiente por si só para caracterizar início de prova material, na forma do art. 55, §3º, da Lei nº 8.213/91 e da Súmula 149 do STJ. Assim, embora os relatos tenham sido no sentido de que a autora trabalhava na lavoura desde muito jovem, quando ainda era solteira e residia na zona rural de Lobato, na colheita de algodão, amendoim e outros cultivos, geralmente por meio de “gatos” e em propriedades da região, a ausência de outros documentos contemporâneos ao período pleiteado — como comprovantes de matrícula em escola rural, anotações em cadernetas de vacinação ou sindicalização do responsável familiar junto ao sindicato rural — inviabiliza o reconhecimento da condição de segurada especial da autora, mesmo para o período anterior ao casamento. Além disso, segundo as regras da experiência comum, é sabido que, em tenra idade, a criança geralmente apenas acompanhava seus pais ao campo para não permanecer sozinha em casa, prestando eventual auxílio de natureza leve, não equiparável ao trabalho efetivo desenvolvido por adultos. A mera presença no ambiente rural ou a realização de tarefas esporádicas e de menor esforço físico não configura, por si só, o exercício de atividade laboral nos moldes exigidos pela legislação previdenciária. Assim, para fins de averbação de tempo rural anterior aos 12 anos de idade, exige-se a apresentação de prova robusta e inequívoca acerca do efetivo desempenho de atividade produtiva relevante, no regime de economia familiar, o que não se verificou no caso em análise. A prova testemunhal, ainda que demonstre convivência e ajuda esporádica no meio rural, não afasta a presunção de que o trabalho consistia apenas em colaboração eventual, sem habitualidade, onerosidade ou intensidade compatíveis com a configuração do trabalho rural reconhecido pelo RGPS, sobretudo por ocorrer em apenas parte do dia. Nesse sentido, colacionam-se os seguintes julgados: "[...] é admitido, em regra, o cômputo do labor rural prestado em regime de economia familiar a partir dos 12 anos de idade. [...] Não é possível o deferimento do pedido de reconhecimento de labor anterior a essa idade quando as provas indicam apenas eventual ajuda aos pais, em contexto de convívio familiar, sem os requisitos exigidos pela legislação previdenciária."(TRF4, AC 5019497-72.2019.4.04.9999, TRS/PR, Rel. Des. Fed. Márcio Antônio Rocha, julgado em 22/11/2021). Quanto aos demais períodos pleiteados (01/04/1978 a 31/01/2004 e 01/01/2012 a 31/12/2015), inexiste qualquer documento em nome da autora que possa ser considerado como início de prova material. Os documentos apresentados em nome do irmão — ainda que se refiram ao meio rural — não comprovam co-participação em regime de economia familiar, tampouco demonstram vínculo direto entre as atividades do irmão e eventual labor da autora. Consoante entendimento pacífico, com a constituição de novo núcleo familiar após o casamento, exige-se que o início de prova material esteja em nome da própria autora ou de membro do novo grupo, não sendo admissível a extensão automática de documentos antigos ou de parentes com os quais não há comprovação de coabitação e interdependência econômica. A jurisprudência reforça esse entendimento: “Com a celebração do casamento, a parte passa a integrar grupo familiar distinto daquele que compunha junto com seus pais e irmão, motivo pelo qual a prova material do período pregresso não se aproveita para esta nova realidade fática, impondo-se acostar prova material em seu nome ou de componente do novo núcleo familiar para comprovar o labor rural a partir de então.” (TRF4, AC 5000080-83.2014.4.04.7130, 5ª Turma, Rel. Gisele Lemke, julgado em 25/07/2019). No caso, além da prova documental não ser em nome da autora, a certidão de casamento apresentada, do ano de 1978, consta a profissão do marido como operário. Ou seja, a atividade do arrimo da família (marido da autora) era de natureza urbana. No que tange às fichas cadastrais apresentadas, a jurisprudência tem reconhecido que documentos resultantes de declarações unilaterais, como fichas de atendimento médico, cadastros em lojas comerciais e registros eleitorais, possuem limitações significativas que desaconselham sua aceitação como início de prova material idôneo, especialmente quando desacompanhados de outros documentos contemporâneos e objetivos. A propósito: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CADASTRO DE LOJAS. NÃO CONFIGURAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. A juntada de documento consistente em cadastro de loja, no qual constam datas e dados pessoais genéricos, equivale a mera declaração unilateral, insuficiente a configurar início de prova material. Não havendo início de prova material contemporânea e idônea para comprovação do período rural no período de carência, inviável conceder o benefício de aposentadoria rural à parte autora. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0015034-51.2014.404.9999, 6ª TURMA, Rel. VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 27/05/2015). Destaquei. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. ATIVIDADE RURAL. BOIA-FRIA. REQUISITOS LEGAIS. INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 149 DO STJ. [...] 2. Informações de profissão recentemente preenchidas em fichas de cadastro pessoal em estabelecimentos comerciais constituem declarações unilaterais em documentos particulares, sem força de prova material. [...] (TRF4, 5029229-82.2016.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Rel. MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 21/08/2018). Assim, mesmo com o reconhecimento da informalidade que permeia o trabalho rural, não é possível aceitar exclusivamente registros declaratórios como fundamento para reconhecimento de tempo de serviço, especialmente na ausência de comprovação objetiva de atividade agrícola regular e contínua. Diante disso, a ausência de início de prova material contemporânea, idônea e vinculada à autora, torna inviável o reconhecimento do labor rural em qualquer dos períodos pleiteados, sendo insuficiente, para tanto, a prova exclusivamente testemunhal. 2.2. DA APOSENTADORIA HÍBRIDA A aposentadoria por idade híbrida, pleiteada no presente caso, está prevista no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91: "Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. § 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher." Assim, pelo § 3º do artigo 48 da Lei nº 8.213/1991, incluído pela Lei nº 11.718/2008, para tal benefício, os requisitos são: a) idade mínima de 60 (sessenta) anos para mulheres e 65 (sessenta e cinco) anos para homens; e b) cumprimento da carência de 180 contribuições. Com a Reforma da Previdência, implementada pela Emenda Constitucional nº 103/2019, ocorreram alterações relevantes. A idade mínima para mulheres foi elevada para 62 anos, observando a regra de transição, e a carência para homens que se filiarem ao Regime Geral de Previdência Social após a vigência da emenda foi modificada: "Art. 18. O segurado de que trata o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos: I - 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem; e II - 15 (quinze) anos de contribuição, para ambos os sexos." No entanto, para os segurados filiados antes da EC nº 103/2019, permanece aplicável a regra de transição disposta no art. 142 da Lei de Benefícios, especialmente no que tange à carência. Ademais, quanto à possibilidade de concessão da aposentadoria híbrida mediante cômputo de períodos de trabalho rural remoto, exercido antes de 1991, sem a necessidade de recolhimento de contribuições, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema 1007, firmou o seguinte entendimento: "O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo." Dessa forma, para a concessão da aposentadoria na modalidade híbrida, é possível considerar o tempo de serviço rural prestado antes da vigência da Lei nº 8.213/1991, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias. Isso é aplicável independentemente da predominância do trabalho urbano ou rural durante o período de carência ou do tipo de trabalho exercido no momento da implementação da idade mínima ou da Data de Entrada do Requerimento (DER). No que tange à qualidade de segurado na data do requerimento administrativo, aplica-se à aposentadoria por idade híbrida o mesmo entendimento válido para a aposentadoria por idade urbana. Assim, o preenchimento dos requisitos de idade e carência não precisa ser simultâneo. A implementação da carência antes do cumprimento do requisito etário não impede o deferimento do benefício, assim como a eventual perda da condição de segurado. Este entendimento é consolidado na Súmula nº 103 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que dispõe: "A concessão da aposentadoria híbrida ou mista, prevista no art. 48, § 3º, da Lei nº 8.213/91, não está condicionada ao desempenho de atividade rurícola pelo segurado no momento imediatamente anterior ao requerimento administrativo, sendo, pois, irrelevante a natureza do trabalho exercido neste período." Desse modo, o segurado tem direito à aposentadoria híbrida, prevista no § 3º do art. 48 da Lei nº 8.213/1991, desde que cumpridos os requisitos de idade mínima e carência, utilizando-se períodos de trabalho tanto rural quanto urbano. Dito isso, passo à análise dos requisitos necessários para a concessão do benefício. a) DO REQUISITO ETÁRIO A autora completou 75 anos em 18/02/2025, cumprindo o requisito etário necessário à concessão do benefício, conforme as disposições da Emenda Constitucional nº 103/2019. b) DA CARÊNCIA EXIGIDA Com base nos dados fornecidos no processo administrativo, a parte autora teve reconhecido administrativamente apenas 04 meses de tempo de contribuição urbana, conforme extrato no mov. 1.13. Os períodos de atividade rural não puderam ser reconhecidos. Logo, não é suficiente para completar os 15 anos de carência exigidos para a aposentadoria híbrida. Consequentemente, ante a inexistência de labor urbano e rural suficiente a completar a carência necessária, resta incabível a concessão de aposentadoria por idade híbrida a autora. 3. DISPOSITIVO Diante do exposto, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de aposentadoria por idade híbrida formulado pela parte autora MARIA APARECIDA DE MACEDO, em face do INSS, extinguindo o feito com resolução do mérito. Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa que arbitro em R$ 500,00 (quinhentos reais), tendo em vista o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, em conformidade com o artigo 85, § 8º do Código de Processo Civil. Considerando a gratuidade da justiça concedida à autora, nos termos art. 98, §3º do CPC, determino a suspensão da exigibilidade da cobrança das custas até a fluência do prazo de cinco (05) anos, a contar da sentença final; se até lá não houver alteração na situação de necessidade, ficará só então extinta a obrigação. Oportunamente, arquive-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Diligências necessárias. Colorado, assinado e datado de forma eletrônica. Gustavo Adolpho Perioto Juiz de Direito

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Ministério Público Do Estado Do Paraná x Andre Luiz Barauna Castueira

Maria Aparecida De Macedo x Instituto Nacional Do Seguro Social - Inss