Marcus Vinicius Lopes e outros x Uber Do Brasil Tecnologia Ltda.
ID: 323487743
Tribunal: TRT3
Órgão: 01ª Turma
Classe: RECURSO ORDINáRIO - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0010256-92.2025.5.03.0106
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA
OAB/BA XXXXXX
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PEDRO ZATTAR EUGENIO
OAB/MG XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 01ª TURMA Relatora: Paula Oliveira Cantelli RORSum 0010256-92.2025.5.03.0106 RECORRENTE: MARCUS VINICIUS LOPES R…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO 01ª TURMA Relatora: Paula Oliveira Cantelli RORSum 0010256-92.2025.5.03.0106 RECORRENTE: MARCUS VINICIUS LOPES RECORRIDO: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. Ficam as partes intimadas do acórdão proferido nos autos do processo Recurso Ordinário - Rito Sumaríssimo 0010256-92.2025.5.03.0106, cujo teor poderá ser acessado no 2º grau pelo link https://pje.trt3.jus.br/consultaprocessual. Intimação gerada de modo automatizado, por intermédio do Projeto Solária (RJ-2). O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão Ordinária Presencial da Primeira Turma, hoje realizada, julgou o presente processo e, preliminarmente, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário interposto pelo autor (Id. 06dd53e); sem divergência, rejeitou a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho, suscitada pela ré, nas contrarrazões e, no mérito, deu provimento ao apelo para declarar a existência de relação de emprego entre o obreiro e a ré na função de motorista. A fim de se evitar alegação de supressão de instância, determinou o retorno dos autos ao juízo de origem, para que seja proferida nova sentença, com exame dos demais pedidos formulados na exordial, decorrentes do liame empregatício reconhecido entre as partes. Prejudicada a análise das outras matérias veiculadas no apelo do autor. DADOS CONTRATUAIS: na exordial de Id. 4385f23 - Pág. 2, o autor alega ter iniciado as atividade na ré, em 14/01/2024, na função de motorista, recebendo, em média, a remuneração semanal de R$750,00, tendo sido bloqueado do aplicativo em 17/05/2024. RECURSO DO AUTOR COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO O autor postula a reforma da sentença de primeiro grau para que seja reconhecida a competência da Justiça do Trabalho para julgar a demanda, fundamentada na existência de uma relação de trabalho lato sensu mantida com a ré conforme o art. 114, I, da Constituição Federal. FUNDAMENTOS DA SENTENÇA (Id. 58b7e2c - Pág. 1 e 2) COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO Arguiu a ré a incompetência desta Justiça do Trabalho para apreciar a matéria que compõe a demanda em análise, tendo argumentado, em síntese, que " A relação jurídica travada entre o Reclamante e a Uber é unicamente comercial, decorrente da prestação de serviços de intermediação digital PELA Uber AO motorista autônomo", de modo que a competência para o seu processamento e julgamento não é da justiça do Trabalho." (fl. 589). Ademais, também arguiu a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciação do feito, sob a alegação de que as causas envolvendo litígio entre ela e o condutor têm natureza cível, logo não podem ser apreciadas pela Especializada. Ademais, aduz que em conflito de competência o STJ decidiu tratar-se de relação cível. Ao revés do suscitado pela reclamada, o precedente do Superior Tribunal de Justiça (2ª Seção - CC 164.544/MG - Rel. Ministro Moura Ribeiro - DJe 04/09/2019) não se aplica ao caso vertente, porquanto ao se fazer o distinguish (cf. art. 489, § 1º, VI, do CPC), noticio que na ratio decidendi do julgado a situação apreciada versava sobre a competência para julgar ação de obrigação de fazer c/c reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta UBER para que pudesse voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços e em nada tem a ver com a situação narrada nesta demanda. Quanto à decisão contida na Rcl 59795/MG trata-se de decisão monocrática que cassou os efeitos de decisão em processo específico e que não guarda correlação com estes autos. Ademais, sequer há decisão de sobrestamento de demandas como no caso in voga ou decisão da Suprema Corte que determine que estes autos, sub judice, sejam remetidos à Justiça comum. Nessa ordem de ideias, é mister evidenciar que a EC 45/2014 ampliou sobremaneira a competência da Justiça do Trabalho, sendo que em se tratando de tema relativo à matéria trabalhista, atrai-se a competência para a Especializada. Além disso, não se está a discutir as matérias elencadas em preliminar, mas suposto vínculo empregatício entre as partes, o que, inarredavelmente, atrai a competência da Justiça do Trabalho. A existência ou não do vínculo empregatício é tema diverso da preliminar suscitada e oportunamente será apreciado neste "decisum". À vista do disposto no art. 114, I, CRFB/88, tem-se que a competência desta Especializada engloba o conhecimento, a instrução e o julgamento de reclamações trabalhistas que visam a declaração da existência ou não de vínculo empregatício entre os litigantes, o que é o caso destes autos. Com efeito, superadas as demais teses apresentadas em defesa. DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA - CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS NO CURSO DA RELAÇÃO JURÍDICA Em defesa, eriça a ré a incompetência desta Especializada em relação à matéria em tela, com base apenas no disposto na Súmula 368, I, do TST (fl. 594). De acordo com a petição inicial, não há qualquer pretensão formulada quanto à matéria suscitada, razão pela qual a preliminar em tela carece de apreciação jurisdicional (art.141 do CPC/2015). Afasto. FUNDAMENTOS ACRESCIDOS Na linha do entendimento adotado na origem, a competência da Justiça do Trabalho para dirimir as lides em que a ré figura, no polo passivo, está assentada no art. 114, I, da CLT, cabendo a esta Especializada analisar a presença dos requisitos estabelecidos nos arts. 2º e 3º da CLT e declarar a existência, ou não, do vínculo empregatício. Destarte, por comungar do mesmo posicionamento do d. julgador de origem que reconheceu a competência da Justiça do Trabalho nos termos dos fundamentos acima reproduzidos, nada há a acrescentar ou modificar na sentença de origem. Lado outro, fica rejeitada a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho, suscitada pela ré, em contrarrazões. VÍNCULO DE EMPREGO O autor pleiteia a reforma da sentença para reconhecer o vínculo empregatício com a ré. Argumenta que a subordinação algorítmica, típica das plataformas digitais, configura uma relação de dependência e controle que caracteriza a subordinação necessária ao vínculo empregatício. Caso não seja reconhecido o vínculo empregatício, o autor pede, alternativamente, o reconhecimento de uma relação de trabalho com direitos garantidos pelo art. 7º da Constituição Federal, pleiteando o pagamento de verbas trabalhistas. FUNDAMENTOS DA SENTENÇA (Id. 58b7e2c - Pág. 2-7): VÍNCULO EMPREGATÍCIO - INEXISTÊNCIA Alega o autor, em síntese, que (fl. 2): "...aderiu aos termos e condições da Reclamada em 14/01/2024,iniciando as atividades na função de motorista (...) Realizava jornadas diárias de trabalho de acordo com a demanda ofertada pela reclamada, em horários variáveis. Recebia semanalmente o pagamento pelo labor, sendo uma média de remuneração de R$ 750,00 semanais. No dia 17/05/2024, foi bloqueado sumariamente e até o momento não teve nenhum direito reconhecido. Sustenta, dentre vários argumentos, que a relação estabelecida entre as partes preenche os requisitos do art. 3º da CLT. Pleiteia, como consequência do reconhecimento do vínculo empregatício, o pagamento das verbas trabalhistas decorrentes e rescisórias, bem como indenizações por danos morais. Ainda, e também sucessivamente, pretende a declaração de existência de relação de trabalho e a incidência dos direitos previstos no art. 7º da CR/88, sem, no entanto, apresentar pedidos de caráter monetário, no particular, além de danos morais decorrentes da dispensa imotivada/arbitrária e da ausência de cobertura previdenciária. De seu lado, a ré rechaçou a pretensão autoral, aduzindo em sua defesa, em síntese, que "... a relação jurídica firmada entre o autor e a Uber Brasil é meramente comercial, decorrente da prestação de serviços de intermediação digital pela Uber ao motorista independente - ou seja, lógica inversa da relação de trabalho, na qual o trabalhador é quem presta o serviço à entidade empresarial.", fls. 604. Analiso. De início, verifico que a ré não negou a prestação de serviços do autor, mas alega a inexistência do alegado vínculo empregatício. Assim, cabia à demandada demonstrar que a relação havida entre as partes se deu de modo a não caracterizar referido vínculo, a teor do que dispõem os artigos 818, II, da CLT e 373, II, do CPC. Pois bem. A configuração da relação de emprego só pode ser reconhecida quando presentes todos os requisitos do artigo 3º da CLT, quais sejam: onerosidade, pessoalidade, não-eventualidade e subordinação. No caso dos autos, a controvérsia está centrada na análise da possibilidade ou não de o trabalhador, que atua na atividade motorista, fazendo uso de aplicativo de propriedade da ré, preencher referidos requisitos para caracterização de vínculo empregatício. Por certo, na hipótese, o trabalho é prestado por pessoa física e com pessoalidade. O reclamante procedeu ao seu cadastro no aplicativo, na forma pré-definida na plataforma, era quem prestava os serviços e não há demonstração de que houve delegação a outras pessoas das corridas por ele aceitas. Ressalte-se que a pessoalidade se refere aos serviços prestados no "id" do motorista, no que tange às corridas direcionadas ao motorista e, não, ao veículo. De outro tanto, considero que o trabalho não é eventual, embora o motorista tenha a faculdade de se desconectar da referida plataforma digital quando lhe for conveniente, deixando de estar disponível para o labor. Não há que se descurar, ainda, da presença da onerosidade, mediante o pagamento pelo trabalho realizado, ainda que de forma indireta, efetuado pela ré. Isso, após esta reter o preço das viagens pagas pelos usuários de seu aplicativo quanto aos serviços prestados, para posteriormente transferi-lo ao motorista, com a dedução da parcela cobrada pelo uso de sua plataforma. Assim, igualmente, há dependência econômica do prestador dos serviços desse pagamento. No entanto, no que diz respeito à subordinação jurídica, ela não se apresenta de modo a configurar a típica relação de emprego, pois inexiste quem exerça fiscalização direta e efetiva do trabalho executado, quem dê ordem direta aos motoristas, quem imponha horários de trabalho e os fiscalize, bem como quem aplique sanção pela eventual inobservância das diretrizes empresariais. No particular, em audiência realizada neste Juízo as partes transacionaram como fatos incontroversos os seguintes pontos, elevando-os à condição de verdade processual, id- ea3a59a: 1. ficava a critério do motorista o início e término do horário de utilização da plataforma; 2. o motorista poderia alterar a rota definida pelo aplicativo em comum acordo com o passageiro, o que pode ou não gerar alteração de valor; 3. não havia exigência quanto ao número mínimo de viagens diárias; 4. ficava a critério do motorista a participação ou não em promoções; 5. o motorista apenas fez o cadastro por meio do aplicativo, não sendo realizado nenhum processo seletivo; 6. é critério do motorista utilizar outras plataformas; 7. o motorista decide os dias de folga e nos dias de folga, não era necessário justificar a ausência na plataforma; 8. poderia receber o valor da viagem diretamente do passageiro, quando pago em dinheiro; 9. o motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro; 10. a reclamada não garante remuneração mínima ao final do dia/mês; 11. a reclamada aceita que dois motoristas usem o mesmo carro; 12. não é obrigatório o fornecimento de água e bala, ficando a critério do motorista Do citado ajuste, ainda é possível concluir que, mesmo diante das regras de utilização do aplicativo, não há que se falar em subordinação estrutural ou reticular, pois nessa exige-se que o trabalhador esteja inserido ou integrado no objeto social do tomador de serviço. A prova emprestada, eleita de comum acordo pelas partes em audiência, fl. 862, é insuficiente para elidir os pontos incontroversos acima elencados pelas partes, que se sobrepõem àquela prova. Verifica-se, ainda, que há autonomia do reclamante para decidir em qual plataforma deseja atuar, sem necessidade de se reportar à administração da plataforma, nem de cumprir carga horária específica, podendo gerir com total liberdade a sua prestação de serviço, o que converge veementemente para a constatação de ausência de subordinação. In casu, motorista e passageiros clientes da ré são meros consumidores dos serviços da plataforma digital da Uber. Certo também, que mesmo o fato de a ré estabelecer o valor das tarifas das viagens, não induz à conclusão de que se trata de uma prestação de serviço direta à Uber, mas aos passageiros que são seus clientes e consumidores dos serviços ofertados. Na realidade, o que se tem é a utilização pelo motorista de uma ferramenta contratada por passageiros, a fim de viabilizarem seu empreendimento, prestando serviços àqueles que se valem do aplicativo da ré, no que assume os riscos do negócio, não se configurando a subordinação típica da relação de emprego com referida empresa. Neste sentido, encontro na jurisprudência manifestação do Egrégio TRT da 3ª Região em mais de uma oportunidade: "UBER. VÍNCULO DE EMPREGO. A relação jurídica existente entre motorista de aplicativo e a UBER, empresa contratante, não configura vínculo de emprego. Este é entendimento que vem prevalecendo nesta Egrégia Sétima Turma, vez que inexistentes os pressupostos fáticos-jurídicos previstos no art. 3º da CLT." (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010009-10.2022.5.03.0012 (ROT); Disponibilização: 12/07/2022; Órgão Julgador: Sétima Turma; Relator: Paulo Roberto de Castro). "RELAÇÃO DE EMPREGO. MOTORISTA CADASTRADO EM PROGRAMA DIGITAL DE ATENDIMENTO DIRETO AOS CLIENTES. É notório o surgimento de aplicativos para oferecimento de diversas modalidades de prestação de serviços e a dificuldade da legislação trabalhista em regulamentar as novas relações de trabalho que surgem com o advento e a utilização destas plataformas digitais. Não obstante, esta Especializada deve sempre considerar se estão fielmente presentes os pressupostos consubstanciados nos artigos 2º e 3º da CLT para fins de análise da relação mantida entre trabalhadores que utilizam a plataforma digital para viabilizar o desempenho de atividade profissional e as empresas que disponibilizam este tipo de aparato tecnológico. Nesse contexto, não há como se reconhecer a existência de um vínculo empregatício entre a UBER e o motorista que utiliza o aplicativo desta empresa de tecnologia, notadamente porque comprovada a autonomia da prestação dos serviços desde a contratação." (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010023-88.2022.5.03.0110 (ROT); Disponibilização: 27/06/2022; Órgão Julgador: Segunda Turma; Relator: Sebastiao Geraldo de Oliveira). Pode-se inquirir, no entanto, se seria o aplicativo considerado um teletrabalho ou trabalho externo, com repasse dos riscos do empreendimento. Mas, para tanto, deveria haver a estipulação de metas de cumprimento, de atendimento; a punição do motorista seria mediante advertência verbal ou, no caso de falta mais grave, suspensão; deveria haver a fiscalização direta das condições do veículo utilizado na prestação de serviços. Quanto ao mais, convém destacar que a UBER não proíbe o uso de outras plataformas pelo motorista, como também se observa nos pontos incontroversos. É de se questionar como se viabilizariam vários contratos com subordinação jurídica, em mais de um aplicativo, ao mesmo tempo e com a possibilidade de escolha, pelo motorista, da viagem mais atrativa no período. Assim, face à razoabilidade e boa-fé que permeia as relações, sendo o contrato realidade princípio do Direito do Trabalho, uma via de mão dupla, não se verifica a relação de emprego, ainda sob o viés das novas relações de trabalho. Registre-se que em recente decisão a 5ª Turma do Colendo TST, adotou a mesma razão de decidir no RR nº 1000123-89.2017.5.02.0038, salientando o voto do Ministro Relator Breno Medeiros: "Cabe frisar que o intento de proteção ao trabalhador não deve se sobrepor a ponto de inviabilizar as formas de trabalho emergentes, pautadas em critérios menos rígidos e que permitem maior autonomia na sua consecução, mediante livre disposição das partes, o que ocorre no caso dos autos". Com efeito, entendo se tratar claramente de trabalho autônomo, sem subordinação, sendo inaplicável o art. 6º da CLT. Os elementos mencionados na peça de ingresso não trazem conteúdo que permita autorizar a declaração de relação de trabalho entre as partes, que não era prestado à ré, mas por meio da plataforma por ela disponibilizada. Por tais fundamentos, concluo pela inexistência da subordinação jurídica e declaro/reconheço a inexistência de vínculo empregatício entre as partes, nos moldes do art. 3º da CLT, em relação a todo o período indicado na petição inicial. Com efeito, deixo de acolher todos os pedidos formulados nesta reclamatória trabalhista, efetuados com fundamento na alegada relação de emprego, inclusive de reconhecimento de contrato intermitente, declaração de relação de trabalho, nulidade da dispensa ou rescisão e de indenização por danos morais em razão de dispensa arbitrária ou decorrente da ausência de cobertura previdenciária na relação de trabalho. FUNDAMENTOS DA REFORMA DA SENTENÇA Nos termos do artigo 818, I, da CLT, a prova das alegações incumbe à parte que as fizer. No mesmo sentido, o artigo 373, I e II, do CPC/2015, que estabelece a distribuição do encargo probatório. Quando debatida a existência da relação de emprego, sendo incontroversa a prestação de serviços, a configuração do vínculo empregatício ressai de presunção favorável ao empregado - inteligência da Súmula 212, do Col. TST -, podendo ser elidida somente pelo conjunto probatório em sentido contrário. O reconhecimento da relação de emprego exige o preenchimento dos requisitos estabelecidos nos artigos 2º e 3º, da CLT, quais sejam: trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica. A reunião concomitante dos elementos fáticos e jurídicos enseja a configuração do vínculo empregatício. A natureza jurídica da relação que se forma entre os motoristas vinculados e a ré, bem como entre motorista e outras plataformas de transporte similares, vem sendo discutida não apenas no Brasil, sendo que a relevância do debate decorre tanto do seu caráter inédito e inovatório, decorrente do avanço tecnológico, quanto do fato de que o reconhecimento do vínculo de emprego garante aos motoristas o acesso à rede de proteção social normatizada pela ordem jurídica em socorro dos trabalhadores. No contrato social da ré, em especial a cláusula 4ª (Id. eb4260e - Pág. 8), observa-se que a sociedade tem por objeto: "a) licenciamento de direito de acesso e uso de programas de computação; b) disponibilização a sociedades afiliadas de serviços de suporte e marketing; c) prestação de serviços administrativos, financeiros, técnicos e de gestão para terceiros; d) intermediação de serviços sob demanda, por meio de plataforma tecnológica digital, e) realização de quaisquer outros atos que, direta ou indiretamente, levem à concretização dos objetos acima mencionados, no seu mais amplo sentido; f) operação de portais, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na internet; E g) desenvolvimento de programas de computador, endereços eletrônicos sob encomenda e desenvolvimento/criação de interfaces para a internet (web design)"; Alega a demandada que a finalidade da empresa seria realizar a mera intermediação de serviços sob demanda, por meio de plataforma tecnológica digital. A ré se apresenta não como empresa de transporte de pessoas com motoristas contratados e subordinados a ela, mas como mera intermediária entre motoristas autônomos e pessoas interessadas em contratar os serviços destes. Ante a necessária observância do princípio da primazia da realidade, balizador dos julgamentos proferidos por esta Especializada e que constitui importante instrumento para impedir a fraude à legislação trabalhista (art. 9º da CLT), faz-se necessária a análise da situação fática posta para averiguação da verdadeira natureza da relação havida entre as partes. O fato de o autor ter se cadastrado na plataforma, de forma voluntária, mediante informação, no Termos e Condições Gerais dos Serviços de Tecnologia (Id. 92ec72c - Pág. 10), de que seria classificado como autônomo, por si só, não afasta a condição de empregado da ré. Passa-se, portanto, à verificação da subsunção (ou não) da realidade fática exposta nos autos aos já citados requisitos legalmente previstos para a caracterização da relação de emprego, quais sejam, a prestação de serviços por pessoa física, com pessoalidade, de forma não eventual, onerosa e subordinada. Na audiência de instrução realizada, as partes fixaram os seguintes pontos como incontroversos (Id. ea3a59a - Pág. 1 e 2): 1. ficava a critério do motorista o início e término do horário de utilização da plataforma; 2. o motorista poderia alterar a rota definida pelo aplicativo em comum acordo com o passageiro, o que pode ou não gerar alteração de valor; 3. não havia exigência quanto ao número mínimo de viagens diárias; 4. ficava a critério do motorista a participação ou não em promoções; 5. o motorista apenas fez o cadastro por meio do aplicativo, não sendo realizado nenhum processo seletivo; 6. é critério do motorista utilizar outras plataformas; 7. o motorista decide os dias de folga e nos dias de folga, não era necessário justificar a ausência na plataforma; 8. poderia receber o valor da viagem diretamente do passageiro, quando pago em dinheiro; 9. o motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro; 10. a reclamada não garante remuneração mínima ao final do dia/mês; 11. a reclamada aceita que dois motoristas usem o mesmo carro; 12. não é obrigatório o fornecimento de água e bala, ficando a critério do motorista. Além disso, foi convencionada a produção de prova emprestada, consistente nos depoimentos das testemunhas Walter Martins (Id. 09fcb0c) e Vitor de Lalor Rodrigues da Silva (Id. 0a6880c), pela ré; e Chrystinni Andrade Souza (Id. 41a1944), pelo autor. Extrai-se da referida prova oral: Primeira testemunha do reclamado: Walter Tadeu Martins Filho, CPF 412.078.438-06, residente e domiciliado na rua Irmão Norberto Francisco Rauch, 700, apt. 617, Jardim Carvalho, Porto Alegre . Advertida e compromissada. Depoimento: "que é empregado da reclamada; que é gerente de pesquisa e desenvolvimento; que o motorista tem liberdade para definir dias e horários em que estará online; que não tem poderes para contratar e dispensar empregados da Uber, assim como não tem poder para definir valores a serem cobrados por viagens; que não registra sua jornada em cartão de ponto; que no credenciamento não existe entrevista ou treinamento; que o cadastro não é realizado pessoalmente, mas pelo sistema da reclamada; que quando faz o cadastro o motorista tem acesso aos termos de uso do aplicativo. Foi indeferida seguinte pergunta da reclamada "Se o cliente também tem acesso ao termo de uso da reclamada". Protesto da reclamada. "que para ser cadastrado o motorista tem que dar o "aceite" no termo de uso do aplicativo; que o cadastro é pessoal e intransferível; que eventualmente a Uber pode pedir uma selfie por questões de segurança; que não há treinamento para uso do aplicativo; que o motorista não é descadastrado por ficar um espaço de tempo sem utilizar o aplicativo; que não há um período máximo no qual o motorista pode ficar descadastrado; que o motorista não apresenta relatórios para a reclamada; que o motorista não é punido quando não está online; que o motorista não é obrigado a enviar atestado médico para a reclamada; que o motorista pode se cadastrar e permanecer online em outros aplicativos; que a rota da viagem é definida em conjunto pelo motorista e passageiro; que o motorista escolhe o local onde permanecerá online; que o veículo pode ser compartilhado com outros motoristas, mas todos devem estar cadastrados; que a reclamada não exige um número mínimo de viagens a serem feitas; que o motorista é avaliado pelo passageiro e vice-versa; que a avaliação não interfere na distribuição de viagens; que o motorista pode ser descadastrado se mantiver uma nota abaixo da média definida para a cidade de atuação; que não sabe como são distribuídas as viagens; que o motorista não é descadastrado quando apresenta alto índice de recusa de viagens; que após a viagem o motorista pode fazer contato com o suporte e fazer comentários sobre o comportamento do usuário; que desde 2017 o recebimento da corrida em dinheiro já está disponível; que não sabe se o reclamante já concedeu desconto para passageiro no caso de pagamento em dinheiro; que no UberX o percentual retido pela reclamada é 25% do valor da corrida; que a reclamada faz promoções para motoristas e clientes, mas o motorista não é obrigado a participar da promoção; que os motoristas não são classificados em categorias; que a reclamada não estabelece meta para os motoristas; que o UberPro diz respeito a benefícios concedidos no caso de o motorista realizar o maior número de viagens, dentre os quais, bolsa para curso de inglês, desconto em combustível e desconto em academia; que o valor da viagem é definido de acordo com o tempo e distância; que a tarifa dinâmica é definida por região e visa atrair motoristas para determinadas regiões; que a reclamada não monitora o motorista quando o aplicativo está desativado; que o motorista fica impossibilitado de fazer viagens no caso de problemas de documentação ou quando há algumas verificações; que não sabe se a reclamada possui pessoal que cuida do descredenciamento; que quando o cliente apresenta a reclamação, o motorista pode apresentar sua versão; que a Uber oferece um seguro por acidentes pessoais para o motorista e passageiro; que a reclamada não exige que o motorista contrate seguro; que não sabe se já houve reclamação em relação ao reclamante; que não sabe se o reclamante era cordial com os passageiros; que a reclamada não estabelece o tipo de vestimenta que o motorista pode usar; que o cadastro é realizado no sistema mas o motorista pode comparecer no espaço Uber para receber orientações sobre como se cadastrar no aplicativo". Nada mais. (Id. 09fcb0c - Pág. 3 e 4) Destaques acrescidos. Primeira testemunha do(a) autor(a): Sr(a). Vitor de Lalor Rodrigues da Silva, CPF 091.038.907-16. Advertida e compromissada. Depoimento: "que é gerente de operações no RJ; que qualquer pessoa pode acessar a plataforma para a Uber; que não é feita entrevista nem feito treinamento; que não há uso de uniforme obrigatório; que não há chefe para o motorista parceiro; que o motorista não envia relatório; que não precisa autorização para desligar o aplicativo; que não é obrigatório bala e água; que é possível o motorista cadastrar mais uma pessoa para conduzir o veículo; que o pagamento é feito ao motorista principal mas o auxiliar recebe um relatório do que ele fez; que é possível usar o aplicativo de concorrente e não há punição; que a avaliação do motorista é feita apenas pelo usuário; que o motorista também avalia o usuário, sem interferência da empresa; que o caminho a ser seguido é decisão do usuário; que é possível ao motorista ficar dias sem se conectar, inclusive longos períodos (6 meses/1 ano) sem precisar avisar ninguém; que o cancelamento de viagem pelo motorista não gera punição; que pode ocorrer de um motorista cancelar a viagem durante seu desenvolvimento; que o motorista pode dar desconto se o pagamento é feito em dinheiro; que não há ajuda financeira da Uber ao motorista para combustível, IPVA e manutenção; que a Uber emite nota fiscal; que se o usuário tem algum débito isso é cobrado na viagem seguinte". (Id. 0a6880c - Pág. 2) Destaques acrescidos. Primeira testemunha do reclamado(s): Chrystinni Andrade Souza, solteiro(a), nascido em 12/12/1987, Supervisora de Atendimento, residente e domiciliado(a) na Avenida do Contorno, n° 8088, apto 91, Santo Agostinho, Belo Horizonte/MG. Advertida e compromissada. Depoimento: é empregada da Uber desde abril de 2017, inicialmente como agente de atendimento e posteriormente como supervisora de atendimento; a depoente tem um ponto fixo de trabalho, situado na Avenida Getulio Vargas; no aplicativo podem se cadastrar somente pessoas físicas; a Uber não determina para os motoristas uma zona específica onde possa dirigir, nem o horário respectivo; o motorista parceiro pode ter outros motoristas vinculados a sua conta; se o motorista parceiro não quiser oferecer bala e água, não sofre punição; o motorista pode usar aplicativos concorrentes; o GPS já indica uma rota, mas fica a cargo do motorista e do passageiro, em comum acordo, escolherem a melhor rota; a Uber emite nota fiscal para o motorista; o motorista não tem autonomia de fazer cadastro de outros motoristas; cada motorista que roda tem que ter um login e uma senha pessoais; não conhece o reclamante; quando o passageiro dá nota e faz comentário sobre o motorista, este último tem acesso a nota e ao comentário, mas não ao passageiro que os deu; a nota serve para avaliar a qualidade do serviço prestado ao passageiro; se o motorista tiver u ma nota baixa, ele recebe um e-mail automático informando que a nota dele está abaixo da média da região; se o motorista tiver sucessivas notas baixas, pode ser encerrada a parceria; existem promoções e incentivos para o motorista rodar em determinado local; não sabe dizer exatamente quem apura as notas mencionadas. Nada mais. (Id. 41a1944 - Pág. 2) Destaques acrescidos. A prestação de serviço por pessoa física, bem como a pessoalidade, malgrado o esforço argumentativo da demandada, são verificadas, in casu, pelo fato de a ré utilizar motoristas, pessoas físicas, que ficam à sua disposição para proceder à condução de passageiros, não podendo se fazer substituírem por terceiros. Dos termos de uso do aplicativo anexados pela ré, no Id. f3bb74e - Pág. 6, se extrai que é necessária a identificação das pessoas físicas que dirigem os automóveis, com o cadastramento de todos que prestam serviços, o que demonstra a vedação de o motorista se fazer substituir por outro, configurando a pessoalidade e a intransferibilidade do serviço. Deverá a pessoa, considerada apta pela ré para utilizar seu aplicativo, passar pelos critérios definidos pela empresa. Ademais, no caso concreto, o demandante, para trabalhar na ré, procedeu à sua inscrição "on line", de maneira individualizada, conforme alegado na defesa. O requisito da pessoalidade não se descaracteriza pela possibilidade de mais de um motorista guiar o mesmo veículo, sendo que apenas prestadores previamente habilitados e autorizados pela "Uber" poderiam oferecer os serviços pelo aplicativo. A não eventualidade, por sua vez, apreciada pelo prisma do caso concreto, ficou caracterizada pela prestação contínua de serviços pelo autor, no período em que se manteve vinculado à demandada. Ressalte-se que a caracterização do requisito se dá também pela imprescindibilidade da atividade laborativa do obreiro - teoria da fixação aos fins do empreendimento. A teor dos termos de uso do aplicativo, "A RESCISÃO PODERÁ SER EXERCIDA POR NÓS (i) IMEDIATAMENTE POR DESCUMPRIMENTO DESTES TERMOS, DA POLÍTICA DE DESATIVAÇÃO, OU DO CÓDIGO DE CONDUTA DA UBER, COM A SUA CONSEQUENTE DESATIVAÇÃO DA PLATAFORMA, SEM QUALQUER ÔNUS INDENIZATÓRIO OU AVISO PRÉVIO, E (ii) NOS DEMAIS CASOS, MEDIANTE ENVIO DE NOTIFICAÇÃO A VOCÊ COM 7 (SETE) DIAS DE ANTECEDÊNCIA." (Id. 92ec72c - Pág. 11) Segundo as Políticas de Desativação (disponíveis no site da ré: https://www.uber.com/br/pt-br/drive/driver-app/deactivation-review/), existem diversas hipóteses em que o obreiro poderia ser desativado da plataforma, como, por exemplo, manter uma média de taxa de aceitação abaixo da média de avaliação. Além disso, a própria ré fixava o percentual a ser recebido pelo demandante em cada viagem, o que se extrai dos Termos da cláusula 7, do contrato de uso (Id. 92ec72c - Pág. 7 e 8), onde se prevê, ainda, alterações no cálculo e ajuste das taxas de cada viagem individualizada exclusivamente a critérios da ré. A alegação de que o percentual repassado ao autor exorbita o que se tem por razoável, nas relações de emprego, não merece prosperar, uma vez que é incontroverso que o motorista arca com diversas despesas, a exemplo de manutenção e combustível do veículo, telefone celular e plano de dados. A análise da subordinação, por sua vez, é a mais delicada, vez que o principal elemento que diferencia o trabalhador empregado do trabalhador autônomo é a sujeição jurídica, considerando-se que ambos podem prestar serviços pessoais, com onerosidade e não eventualidade e, portanto, a constatação desses últimos requisitos, de forma isolada, é insuficiente à distinção que ora se faz necessária. A subordinação jurídica exigida para a configuração da relação empregatícia pode se verificar, segundo a moderna doutrina, nas dimensões subjetiva, objetiva ou estrutural. Pode ser subjetiva, quando se revela por meio de intensas ordens e deveres de obediência; objetiva, em virtude da realização pelo obreiro dos objetivos sociais da empresa; e, estrutural, nas hipóteses em que o trabalho insere-se na organização, funcionamento e estrutura do empreendimento. Caso presente uma dessas dimensões, configurado está o elemento mais sensível e de destaque da relação de emprego. Há o poder diretivo utilizado por meios telemáticos e informatizados, conforme previsto no parágrafo único do art. 6º da CLT, podendo ser também exercido de outras formas, como por exemplo, pela prerrogativa de estabelecer regras, fiscalizar o cumprimento e punir em caso de descumprimento pelo trabalhador. O que não se deve permitir é que as novas tecnologias, que impactam as relações de trabalho profundamente, quando utilizadas em combinação com o poder regulamentar da empresa, sejam utilizadas para fraudar e burlar a legislação trabalhista, travestindo uma verdadeira relação de emprego como contrato cível de parceria. Da análise dos autos, observa-se que a subordinação é clara e patente. Com efeito, a ré confeccionou um regime de trabalho específico com regulamentação que abrange a conduta que o motorista deve ter, o que não se coaduna com a autonomia defendida. Verifica-se a ausência de autonomia do autor por diversos motivos: - Conforme já abordado o valor das taxas cobradas pela ré são fixas, independente de eventual desconto concedido pelo motorista ao usuário, o que, na prática, mitiga a liberdade do condutor de estipular os valores, bem como descaracteriza a condição de intermediária da demandada que tem ingerência direta no valor a ser cobrado pelos serviços prestados; - Há sanção do condutor em diversas hipóteses, o que aponta pleno poder diretivo e disciplinar acerca de sanções em razão de descumprimento de normas unilateralmente estabelecidas, com supressão da autonomia do motorista de aceitar ou cancelar as corridas a seu bel prazer; - Observa-se o controle da qualidade da prestação de serviço e da conduta dos motoristas por meio de avaliações dos usuários; - Evidencia-se a existência de orientações taxativas da ré, a exemplo do modus faciendi, caracterizado pela definição das rotas que deveriam ser seguidas pelo motoristas (pelo aplicativo ou pelos clientes). Pelo tempo efetivo de conexão com o aplicativo e a disposição para "corridas", o motorista é dirigido pelas políticas de preços e de relacionamento com o cliente definidas unilateralmente pela ré, estando obrigado a partilhar o valor de todas as corridas com a demandada, segundo percentual por ela definido. Ainda que não houvesse ordens ditadas pessoalmente por superior hierárquico, o cadastramento no aplicativo e a política de uso (contemplando preços) permitiam o acompanhamento ostensivo pela ré dos serviços prestados e da remuneração correspondente, com a direção da forma de pagamento e mediante o desligamento do trabalhador no caso de descumprimento da política definida pela ré. Resta incontroverso que a ré dá instruções aos seus entregadores, sendo que, se não obedecerem a tais diretrizes, podem ser descadastrados, segundo o juízo discricionário da empresa. A demandada também é receptora das reclamações feitas pelos usuários do aplicativo e define as soluções a serem tomadas, de forma unilateral. A falta de controle de jornada, de per si, não exclui o reconhecimento da relação de emprego, sendo que há legislação específica em relação a empregados que não se submetem a tal controle, nos termos do art. 62, I da CLT. Mostra-se irrelevante o fato de ser facultado ao autor trabalhar em outras atividades ou com outros aplicativos, visto que o ordenamento jurídico pátrio não veda a manutenção de mais de um contrato de trabalho simultaneamente e tampouco o exercício de mais de uma atividade. Destarte, ainda que existam elementos de autonomia na relação havida entre as partes, não são aptos para afastar a configuração da relação de emprego ante a quantidade de requisitos que apontam a efetiva existência de subordinação algorítmica, com poder diretivo e disciplinar por parte da demandada. O autor desempenhava atividade inserida no núcleo produtivo da ré, sendo que a finalidade da empresa é prestar serviços de transporte de passageiro, ainda que alegue ser mera intermediária, sendo que o motorista, além de essencial às suas atividades, estava obrigado a seguir todas as suas normas organizacionais na execução de suas atividades, sob pena de sanção. Reitere-se que, in casu, não se está diante de um modelo clássico de subordinação, devendo-se considerar as novas concepções de trabalho subordinado. Na presente hipótese, deve-se considerar presente a subordinação algorítimica ou digital. A própria CLT prevê no art. 6º que: "Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalhado alheio." Há sensível e atual discussão doutrinária e jurisprudencial acerca dos contornos dessa nova relação de trabalho, possibilitada pela inovação tecnológica. Vale lembrar, in casu, as lições de Carlos Maximiliano, que, em sua obra "Hermenêutica e Aplicação do Direito", ensina que a doutrina e a jurisprudência devem avançar dia a dia, acompanhando a evolução e as transformações da sociedade, as novas formas de produção e as inovações tecnológicas: "Fixou-se o Direito Positivo; porém a vida continua, envolve, desdobra-se em atividades diversas, manifesta-se sob aspectos múltiplos: morais, sociais, econômicos. Transformam-se as situações, interesses e negócios que teve o Código em mira regular. Surgem fenômenos imprevistos, espalham-se novas ideias, a técnica revela coisas cuja existência ninguém poderia presumir quando o texto foi elaborado. Nem por isso se deve censurar o legislador, nem reformar a sua obra. A letra permanece: apenas o sentido se adapta às mudanças que a evolução opera na vida social. [...] Portanto, a doutrina e a jurisprudência, ora consciente, ora inconscientemente, avançam dia a dia, não se detêm nunca, acompanham o progresso, acompanham novas atividades, sustentam as modernas conquistas, reprimem os inesperados abusos, dentro dos princípios antigos, evolutivamente interpretados, num esforço dinâmico inteligente, sem embargo de aludirem ainda muitos a uma vontade diretora, perdida nas trevas do passado remoto. Eis aí a ficção: presume-se o impossível; que o legislador de decênios atrás previsse as grandes transformações até hoje operadas, e deixasse, no texto elástico, a possibilidade para abrigar futuros direitos periclitantes, oriundos de condições novíssimas". Na obra "Tecnologias Disruptivas e a Exploração do Trabalho Humano: A intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos sociais" (Ana Carolina Reis Paes Leme, Bruno Alves Rodrigues e José Eduardo de Resende Chaves Júnior, coordenadores, São Paulo, LTR: 2017) encontram-se valiosas análises das implicações jurídicas do trabalho intermediado por plataformas de serviços - como a Uber. Colhe-se do livro, em artigo de João Leal Amado (Professor Associado da Faculdade de Direito de Coimbra) e de Catarina Gomes Santos (Assistente Convidada da Faculdade de Direito de Coimbra), relato das características da política de uso do aplicativo Uber e de precedente paradigmático de Direito Comparado, envolvendo pedido de reconhecimento de vínculo de emprego por motoristas cadastrados, qual seja, a sentença proferida pelo Tribunal de Londres no Case Nº 2202551/2015 & Others, em 28 de outubro de 2016, no sentido de afastamento da classificação, dada pela Uber aos motoristas cadastrados, de trabalhadores autônomos, reconhecendo-se que eles atuavam como workers, espécie intermediária entre autônomos e os employees, no Reino Unido. A seguir, excertos do artigo: "2. O pagamento No final de cada viagem, a tarifa é calculada pelo "servidor" da Uber, com base nos dados GPS emitidos pelo smartphone do motorista. O cálculo leva em consideração o tempo despendido e a distância percorrida. O passageiro paga a tarifa na íntegra O passageiro paga a tarifa na íntegra à Uber, através de cartão de crédito/débito, e recebe o correspondente recibo por e-mail 6. A Uber processa os pagamentos aos motoristas semanalmente. O pagamento será o resultado das tarifas cobradas por cada motorista, descontado o valor correspondente a uma taxa pelo uso da App (em regra, 25%). Embora podendo aceitar gorjetas dos passageiros, os motoristas não devem solicitá-las, sendo tal prática fortemente dissuadida pela Uber. Quando os passageiros reclamem da tarifa cobrada, argumentando, por exemplo, que o motorista seguiu uma rota ineficiente, e que daí resultou um custo inflacionado, a questão é analisada pela Uber, que decide se o passageiro deverá ser ou não compensado. Caso decida reembolsar parte da tarifa paga, isso determinará o recálculo do valor a pagar ao motorista, muitas vezes sem que este seja disso previamente advertido. [...] 4. Relação entre a Uber e o motorista 4.1. Enquadramento geral Os termos tendentes a disciplinar a relação entre a Uber e os motoristas constavam inicialmente de um documento datado de 01.07.2013, intitulado 'Partner Terms',que principiava pelas seguintes definições: [...] Nesse documento, era referido que o 'Partner' reconhecia e concordava que a Uber não prestava quaisquer serviços de transporte e que não era uma empresa transportadora. A Uber atuaría apenas disponíbilizando informação e uma ferramenta para conectar 'Customers', que buscam 'Driving Services', aos 'Drivers' que possam prestar tal serviço, não fornecendo, nem visando fornecer, ela mesma, serviços de transporte, nem de qualquer outra forma atuar enquanto empresa transportadora. [...] A Uber reservava para si amplos poderes para alterar os 'Partner Terms' unilateralmente. prevendo-se a cessação automática do Acordo quando o 'Partner' e/ou os seus 'Drívers' deixassem de estar aptos para prestar o 'Driving Service' ou para conduzir o 'Vehicle' segundo a lei aplicável ou os parâmetros de qualidade da Uber. [...] Sempre que a classificação média de um 'Driver' desça aquém do 'Minimum Average Rating', a Uber notificará o 'Customer' (sendo que, como se disse, na grande maioria dos casos, 'Customer' e 'Driver' são a mesma pessoa?) podendo proporcionar-lhe um período do tempo, livremente definido pela empresa para que este eleve o seu nível médio de classificação. Decorrido tal período, se esse objetivo nào for alcançado, a Uber reserva-se o direito de 'desativar' ('deactivate') o acesso do 'Driver' à 'Driver ADD' e aos 'Uber Serviços'. [...] Prevê-se, ainda, que o "Driver" pode ser 'desativado' ('deactivated'), ou de outra forma impedido de aceder ou usar a 'Driver App' ou os 'Uber Services', no caso de violação da 'Addendum', ou de incumprimento do 'Services Agreemente' pela 'Transportaion Company', ou ainda nas hipóteses de depreciação da Uber pela 'Transportation Company', de prática de atos ou omissões dos 'Drivers' ou da 'Transportation Company' que causem dano à marca, reputação ou negócio da Uber, segundo o juízo discricionário feito por esta. A Uber detém igualmente o direito de desativar; ou de outra forma impedir o "Driver' de aceder ou usar a "driver App' ou os 'Uber Services', por qualquer outro motivo, segundo seu critério exclusivo. [...] 4.5. Direitos e liberdades dos motoristas e outros ásperos sacados pela Uber No processo judicial em análise, a Uber destaca vários aspectos de autonomia autonomia dos motoristas, designadamente: i) o facto de, para além de trabalharem para, ou através da, Uber, eles poderem também trabalhar para outras empresas, incluindo concorrentes diretos que operam igualmente através de plataformas digitais; ii) a circunstância de serem eles a suportar as despesas associadas à manutenção das viaturas; iii) a liberdade que lhes assiste para selecionar os 'produtos' em que pretendem operar 12 ; iv) o respetivo enquadramento fiscal enquanto trabalhadores por conta própria; v) a ausência de qualquer uniforme ou vestuário alusivo à Uber [...J 5. As questões suscitadas Os Autores na ação objeto da sentença em análise são, ou foram no passado, motoristas da Uber, e alegam a falta de pagamento do salário mínimo, devido ao abrigo do 'Employment Rights Act 1996' ('ERA'), Parte II, em articulação com o 'National Minimum Wage Act 1998' ('NMWA') e regulamentação conexa, assim como o não pagamento de férias remuneradas (...) [...] Em suma, na sentença em comentário esteve essencialmente em causa determinar se os Autores revestiam o estatuto de 'workers' para efeitos da aplicação dos diplomas legais referidos supra, e, em caso afirmativo, na consequente delimitação do que conta como trabalho, ou tempo de trabalho, para efeitos de aplicação do 'WTR' e da legislação sobre o salário mínimo nacional. [...] A sentença do Tribunal do Trabalho de Londres sobre este caso da Uber reafirma um velho e bem conhecido princípio do direito dos contratos, segundo o qual 'os contratos são o que são, não o que as partes dizem que são'. [...] A liberdade contratual não se confunde, pois, com a manipulação ilícita da da qualificação da relação contratual [...]. Destarte, apurando-se a existência de umas prestação de atívidade em regime de heterodeterminação e a troco de uma retribuição, toparemos com um contrato de trabalho e não com um qualquer contrato de prestação autônoma de serviço, ainda que esta seja a designação contratual adotada pelas partes. Trata-se, afinal, de dar prevalência à vontade real das partes, desvelada pela execução contratual, sobre a vontade declarada [...] Ora, nesse caso, o tribunal: ií) Considera irrealista tentar negar que a Uber é uma empresa que explora um serviço de transportes e emprega motoristas para esse mesmo fim: a Uber não é uma mera technology company, não é uma mera plata forma digital, antes está no mercado para fornecer serviços de transporte. [...] O tribunal entende, pelo contrário, que, quando o motorista e o passageiro se encontram o negócio já foi celebrado, justamente entre a Uber e o passageiro, sendo o suposto contrato entre motorista e passageiro uma pura ficção, sem qualquer correspondência no verdadeiro relacionamento contratual entre as partes envolvidas (§ 91). v) Entende, por isso, não corresponder minimamente à realidade considerar que a Uber trabalha para os seus motoristas, sendo que a inversa é que é verdadeira: a Uber é uma empresa oue explora um serviço/negócio de transportes; os motoristas dísponibilízam a mão-de-obra especializada através da qual a empresa fornece os seus serviços ao público e aufere os seus lucros. [...] vii) Assinala a marcada assimetria de poder entre as partes contratantes [...] O tribunal conclui, em síntese, que, sempre que um motorista (a) tem a App ligada, b) se encontra no território no qual está autorizado a trabalhar, e c) está capaz e disponível para aceitar missões/clientes. então, encontrando-se estas condições satisfeitas, ele estará a trabalhar para a Uberao abríçío de um 'worker con- trac'. [...] Decidindo como decidiu, o Tribunal do Trabalho de Londres confirmou a vitalidade daquilo que a doutrina brasileira designa, amiúde, por 'princípio da primazia da realidade', precisamente para vincar que as relações jurídico-laborais se definem pela situação de facto, isto é, pela forma_como_se realiza a prestação de serviços, pouco importando o nome que lhe foi atribuído pelas partes. [...] Employee ou worker, o certo é que, para o Tribunal do Trabalho de Londres, os motoristas da Uber não são self-employed independent contractors. Tanto basta ara que as leis do trabalho, em matéria de jornada e de salário, lhes sejam aplicáveis." (p. 335/348) Destaques diversos dos originais. Esta relatora coaduna com as razões de decidir proferidas no Tribunal do Trabalho de Londres, replicando-as ao caso em análise. O autor está submetido aos Termos de Uso da plataforma da ré, bem como às suas políticas de preço e de relacionamento com o usuário do serviço de transporte. Tal como no caso julgado pelo Tribunal do Trabalho de Londres, o serviço de transporte é prestado pela ré, por intermédio da força de trabalho dos motoristas cadastrados, trabalhadores dependentes e subordinados. É certo que, no Direito do Trabalho brasileiro, não existe a figura intermediária, entre autônomo e o empregado, como worker categorizado no direito britânico. Contudo, como bem apontam os doutos professores e pesquisadores signatários do artigo supra transcrito, a conclusão comum inescapável é a de que os motoristas cadastrados pelos aplicativos de transporte não são trabalhadores autônomos, encontram-se a eles subordinados e economicamente dependentes, relacionando-os com terceiros segundo a marca do aplicativo, nos estritos moldes de suas políticas de preços e relacionamento, de cumprimento obrigatório, sob pena de desligamento. Neste sentido, jurisprudência do Col. TST, reconhecendo vínculo de empregado entre motorista e a plataforma digital, cuja ratio se aplica ao caso em tela, in verbis (destaques nossos): "RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE " OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO ". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada - Uber do Brasil Tecnologia Ltda. - configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet , propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica no sistema capitalista. Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado - neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se, dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a Súmula 126 do TST . Nesse exame, sem negligenciar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado - regido pela Constituição da República (art. 7º) e pela CLT, portanto - , desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da República de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput ; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto empregador/tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego, considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova - definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT ). No caso dos autos , a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas - e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo - e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital. Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade , o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho - ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica, em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva, tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural, mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima, que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas - são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada. Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial , já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório . Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-100353-02.2017.5.01.0066, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11/04/2022). No entendimento desta Relatora, não há dúvidas de que a ré controla e desenvolve o negócio, estabelecendo os critérios de remuneração de seus motoristas. Em contraposição, está o motorista, que se sujeita às regras estabelecidas pela UBER e ao seu poder disciplinar, como por exemplo, a desativação do trabalhador, com baixa/má reputação. Citem-se, ainda, outros precedentes deste Eg. Regional em que reconhecido o vínculo de emprego entre aplicativos de transporte e motoristas cadastrados: 0010318-15.2022.5.03.0179 (ROPS); Disponibilização: 01/08/2022; Órgão Julgador: Primeira Turma; Relator: Maria Cecilia Alves Pinto/ 0010246-41.2022.5.03.0110 (ROPS); Disponibilização: 01/08/2022; Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Sérgio Oliveira de Alencar/ 0010258-68.2022.5.03.0041 (ROPS); Disponibilização: 01/08/2022; Órgão Julgador: Decima Primeira Turma; Relator: Des. Antonio Gomes de Vasconcelos/ 0010911-82.2021.5.03.0113 (ROT); Disponibilização: 28/07/2022; Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Marcelo Lamego Pertence. Com permissiva venia ao juízo de origem, a prova coligida aos autos corroboram o direito pleiteado. Ante todo o exposto, com base no princípio da primazia da realidade sobre a forma, como restaram preenchidos, no plano fático, os cinco elementos fático-jurídicos configuradores da relação de emprego, impõe-se o reconhecimento do direito postulado pelo autor. Assim, dou provimento ao recurso do autor para declarar a existência de relação de emprego entre o obreiro e a ré na função de motorista. A fim de se evitar alegação de supressão de instância, determino o retorno dos autos ao juízo de origem, para que seja proferida nova sentença, com exame dos demais pedidos formulados na exordial, decorrentes do liame empregatício reconhecido entre as partes. Prejudicada a análise das outras matérias veiculadas no apelo do autor. Presidiu o julgamento a Exma. Desembargadora Maria Cecília Alves Pinto. Tomaram parte no julgamento os Exmos. Desembargadores: Paula Oliveira Cantelli (Relatora), Adriana Goulart de Sena Orsini e Luiz Otávio Linhares Renault. Participou do julgamento, a Exma. representante do Ministério Público do Trabalho, Dra. Maria Helena da Silva Guthier. Sustentação oral: Advogado Paulo Henrique Souza Teixeira Silva, pela reclamada. Julgamento realizado em Sessão Presencial (Resolução TRT3 - GP nº 208, de 12 de novembro de 2021). Belo Horizonte, 7 de julho de 2025. BELO HORIZONTE/MG, 11 de julho de 2025. TANIA DROSGHIC ARAUJO MERCES
Intimado(s) / Citado(s)
- MARCUS VINICIUS LOPES
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