Ministério Público Do Trabalho e outros x Igor Alves Lima
ID: 260359273
Tribunal: TRT3
Órgão: Recurso de Revista
Classe: RECURSO ORDINáRIO - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0010694-31.2024.5.03.0017
Data de Disponibilização:
25/04/2025
Polo Passivo:
Advogados:
PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA
OAB/BA XXXXXX
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PEDRO ZATTAR EUGENIO
OAB/MG XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO ANÁLISE DE RECURSO Relator: Luiz Otávio Linhares Renault 0010694-31.2024.5.03.0017 : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA L…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO ANÁLISE DE RECURSO Relator: Luiz Otávio Linhares Renault 0010694-31.2024.5.03.0017 : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. : IGOR ALVES LIMA INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Decisão ID 99d3ce5 proferida nos autos. RECURSO DE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. REQUERIMENTO - SOBRESTAMENTO DO FEITO A recorrente requer o sobrestamento do feito, em razão do julgamento do Tema 1291 pelo Excelso STF (RE -1446336). Entretanto, como não houve determinação de sobrestamento geral das lides acerca da temática discutida no referido tema, nada há a deferir. Passo ao exame dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS Recurso tempestivo (decisão publicada em - Id c1d81b0; recurso apresentado em 03/04/2025 - Id 1803da4). Regular a representação processual (Id fa5d482). Preparo satisfeito. Condenação fixada na sentença, id ad431a4: R$ 20.000,00; Custas fixadas, id 2991ee8: R$ 400,00; Depósito recursal recolhido no RO, id 567ab8c: R$ 13.133,46; Depósito recursal recolhido no RR, id d746702: R$ 6.866,54. PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS Trata-se de recurso em processo submetido ao RITO SUMARÍSSIMO, com cabimento restrito às hipóteses em que tenha havido contrariedade a Súmula de jurisprudência uniforme do TST e/ou violação direta de dispositivo da Constituição da República, Súmula Vinculante do STF, a teor do § 9º do art. 896 da CLT (redação dada pela Lei 13.015/14). Registro que em casos tais é igualmente incabível o Recurso de Revista ao fundamento de alegado desacordo com OJ do TST, em consonância com a sua Súmula 442. Examinados os fundamentos do acórdão, constato que o recurso, em seus temas e desdobramentos, não demonstra violação literal e direta de qualquer dispositivo da Constituição da República ou contrariedade com Súmula do TST ou Súmula Vinculante do STF, como exige o citado preceito legal. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / Recurso / Transcendência Nos termos do artigo 896-A, § 6º, da Consolidação das Leis do Trabalho, cabe ao Tribunal Superior do Trabalho analisar se a causa oferece transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica. 1.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / ATOS PROCESSUAIS (8893) / NULIDADE (8919) / NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL Alegação(ões): - violação da(o) inciso IX do artigo 93. Ao contrário do alegado pela parte recorrente, não há nulidade por negativa de prestação jurisdicional (Súmula 459 do TST), em relação às controvérsias travadas, em resumo, sobre os aspectos ligados ao reconhecimento da relação de emprego. Com efeito, no acórdão recorrido, a Turma analisou satisfatoriamente as questões objeto de debate. Ao assim proceder, a Turma valorou livremente a prova, atenta aos fatos e circunstâncias da lide, apreciando satisfatoriamente as questões fáticas que lhe foram submetidas, fundamentando-as conforme exige a lei (artigos 371 do CPC c/c 832 da CLT c/c 93, IX, da CR c/c 489 do CPC), sem acarretar cerceamento de defesa. Inexistem, pois, as violações constitucionais alegadas no recurso neste tópico. Observo, de toda sorte, que o órgão julgador não está obrigado a responder todos os questionários, tampouco a abarcar, de modo expresso, todas as premissas, artigos de lei e entendimentos jurisprudenciais indicados como pertinentes pela parte, simplesmente porque esta pretende a manifestação direta sobre cada qual, especialmente quando as próprias teses adotadas são prejudiciais às demais questões fáticas ou jurídicas arguidas por ela, por não obstarem a análise de mérito destas. Inteligência do art. 489, §1º, IV, do CPC c/c OJ 118 da SBDI-I do TST c/c Súmula 297, I, do TST. 2.1 DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA (8828) / COMPETÊNCIA Alegação(ões): - violação da(o) inciso I do artigo 114. Consta do acórdão (Id. d310121): INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Quanto ao tema em apreço, adoto as razões de decidir da r. sentença e a confirmo por seus próprios fundamentos, nos termos do inciso IV do § 1º do art. 895 da CLT, com a redação dada pela Lei no 9.957 de 12.01.2000, negando provimento ao recurso. Acresça-se que a Justiça do Trabalho aprecia questões envolvendo empresas e o trabalhador - e não somente o empregado, haja vista o alargamento da sua competência material, nos termos da EC nº 45/2004. Se a controvérsia em Juízo tem origem em relação de trabalho (serviço prestado por pessoa física) - e não em relação de natureza civil decorrente de contrato celebrado entre pessoas jurídicas, a competência para apreciá-la é desta Justiça Especializada. E não há no presente feito aderência com as teses firmadas pelo STF no julgamento da ADC 48 ou na ADPF 324 e no RE 958.252 (Tema 725 da Repercussão Geral), porque não se discute contrato de transporte sob a égide da Lei 11.442/2007, tampouco o debate aqui travado diz respeito à validade de eventual contrato de trabalho na modalidade autônomo, pelo simples reconhecimento de que teria havido uma terceirização da atividade-fim. Trata-se, o caso em tela, de pedido de reconhecimento de vínculo de emprego, ao argumento de que presentes os pressupostos do liame empregatício, e desse modo não há ofensa à autoridade das decisões do STF no RE 958.252 e na ADPF 324, ou mesmo na ADC 48. Veja-se que tampouco há vinculação da matéria debatida com o entendimento firmado no julgamento da previsão da ADI 5.625, nos termos da Lei 13.352/2016 (ADI 5.625, Red. para o Acórdão Min. NUNES MARQUES). De toda forma, note-se que naquele julgamento, a tese destacada firmou, no item 2, o entendimento de que, quando o contrato for utilizado para dissimular relação de emprego inexistente, ele é nulo. Assim, conquanto não se desconheça a posição do Excelso STF no sentido da permissão constitucional de formas alternativas da relação de emprego, derivando os pedidos e correspondentes causas de pedir da declaração do vínculo de emprego que o Obreiro afirma ter mantido com a Reclamada, a competência é da Justiça do Trabalho, nos moldes previstos no art. 114/CF. Destarte, correta a r. sentença que reconheceu a competência material da Justiça do Trabalho para conciliar, instruir e julgar o presente feito. Rejeito a arguição de incompetência. Não há como aferir as ofensas constitucionais apontadas (art. 114. I da CF/88), pois a análise da matéria suscitada no recurso não se exaure na Constituição, exigindo que se interprete o conteúdo da legislação infraconstitucional. Por isso, ainda que se considerasse a possibilidade de ter havido violação ao texto constitucional, esta seria meramente reflexa, o que não justifica o manejo do recurso de revista, conforme reiterada jurisprudência do TST. 3.1 DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO (13707) / RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO Alegação(ões): - violação da(o) inciso II do artigo 5º. Consta do acórdão (Id. d310121): RELAÇÃO DE EMPREGO. RESCISÃO. MODALIDADE. REMUNERAÇÃO. MULTA DO ART. 477. ANOTAÇÃO DA CTPS. RECOLHIMENTOS. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS. FÉRIAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Quanto aos temas em apreço, adoto as razões de decidir da r. sentença e a confirmo por seus próprios fundamentos, nos termos do inciso IV do § 1º do art. 895 da CLT, com a redação dada pela Lei no 9.957 de 12.01.2000, negando provimento ao recurso. Acresça-se que para a caracterização de vínculo empregatício faz-se necessária a presença concomitante dos requisitos: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. A distinção entre o empregado e o trabalhador autônomo constitui matéria complexa, devido às semelhanças entre as duas formas de prestação de serviços. Embora patente a dificuldade em diferenciá-los, a distinção se evidenciará pela análise das condições em que se desenvolveram os serviços, de modo a detectar a ingerência do tomador na rotina laboral, o que configura a subordinação jurídica, elemento fundamental e presente, de forma acentuada, no contrato de emprego e inexistente na relação de trabalho autônomo. In casu, é incontroverso que o Reclamante, pessoa física, trabalhava como motorista do aplicativo da Reclamada, mediante cadastro individualizado na plataforma. E, uma vez admitida a prestação laboral por parte da Reclamada, é dela o ônus de prova no sentido de que a relação tenha se desenvolvido de forma diversa daquela prevista no art. 3º da CLT, ou seja, no sentido de que o trabalho foi prestado com autonomia, eventualidade e/ou sem subordinação. Veja-se que a Reclamada confessa, em sua peça contestatória, que realiza o cálculo do preço das viagens, por meio de software por ela desenvolvido. No caso em tela, é importante verificar a organização empresarial e como o motorista nela se encaixa, para que se faça uma análise dos elementos da relação de emprego à luz da teoria dos indícios qualificadores e, ainda, para permitir uma necessária releitura da dependência econômica - termo utilizado no art. 3º da CLT, que se coadune com a etapa atual do capitalismo. É de conhecimento público e notório que os motoristas de aplicativos não podem estipular o preço da entrega ou conceder descontos, já que o cálculo do preço é feito pelo software da empresa. Sabe-se, ainda, que os entregadores não possuem a prerrogativa de escolher os pedidos e são a todo o tempo submetidos a avaliações. Destaque-se, ainda, que a Reclamada tem por objeto social o agenciamento e intermediação entre Estabelecimentos Parceiros e Clientes Finais, sendo imprescindível o trabalho dos motoristas, que são quem executa, em última análise, o objeto social da Ré. Com relação à afirmação da Reclamada no sentido de que o Reclamante poderia trabalhar para outras plataformas, escolhendo o horário de trabalho, tem-se que a exclusividade não constitui requisito da relação de emprego. Anote-se que a ausência de horário pré-determinado ou mesmo fiscalização da jornada nada dizem quanto à autonomia, mas apenas evidenciam o trabalho sem sujeição a horário pré-determinado. Outrossim, quanto à pessoalidade, ainda que se tente argumentar que o cadastramento dos entregadores se dava por questões de segurança, a fim de se evitar mau uso da plataforma, não há dúvidas de que acaba por individualizar o motorista, não tendo a Reclamada comprovado que outro motorista poderia substituir o Reclamante na prestação de serviço, quando estivesse on line, utilizando a plataforma com acesso permitido por meio de seu contrato individual com a empresa, conforme demonstrado nos Id. 7c5d392 - Pág. 5, quando se fala sobre o ID de Motorista. Logo, a Reclamada mantém vínculo personalíssimo com cada motorista que utiliza sua plataforma. Em relação ao requisito da subordinação, deve ser visto com cautela o argumento da Reclamada no sentido de que as avaliações serviam apenas para equilibrar demanda e oferta e para ser transparente com os clientes, sendo evidente que se prestavam ao controle do modo de prestação de serviços e do atendimento aos padrões e regras exigidas pela empresa, pois, do contrário, de nada serviriam à empresa as avaliações feitas pelos clientes. Nesse ponto, em relação ao uso de algoritmos como novo elemento fático caracterizador da subordinação, destaque-se o estudo de Daniela Muradas e Eugênio Delmaestro Corassa intitulado "Aplicativos de transporte e plataforma de controle: o mito da tecnologia disruptiva do emprego e a subordinação por algoritmos", do qual se aponta o seguinte trecho: "No que diz respeito especificamente ao trabalho sob demanda via aplicativos (work on-demand via apps), o poder empregatício tende a um maior grau de concentração por controle de trabalhadores em massa e por gestão algorítmica de dados coletados pelos aplicativos." (MURADAS, Daniela; CORASSA, Eugênio Delmaestro. Aplicativos de transporte e plataforma de controle: o mito da tecnologia disruptiva do emprego e a subordinação por algoritmos. Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: Ltr, 2017. p. 157-165). Eugênio Delmaestro Corassa, em outro estudo apresentado na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2019, também sob a orientação da Professora Daniela Muradas, para Conclusão de Curso e obtenção de título de bacharel em Direito por tal instituição, intitulado "DO HOMEM À MÁQUINA: Dilemas do Poder Empregatício em tempos de gestão por instrumentos algorítmicos" (pág. 64), do qual esta relatora teve a oportunidade de integrar a banca examinadora, analisando o gerenciamento pelo algoritmo, em empresas como a Uber e semelhantes, ainda destacou: "Dessa maneira, dá-se uma governança pelos números, com o trabalhador sendo vigiado e controlado por máquinas, a partir de dados de controle de qualidade gerados pelos consumidores. [...] O controle e a vigilância ultrapassam todas as barreiras de uma empresa tradicional, com uma presença constante do algoritmo coletando informações geradas pelos motoristas. Ou seja, além do controle a que são submetidos também estão sujeitos a uma coleta indiscriminada de dados de frenagem, aceleração e geolocalização, que poderão ser usados no futuro para treinar carros autônomos. [...] há de fato uma subordinação exercida pela empresa sobre o trabalhador, uma relação declaradamente assimétrica mediada por uma plataforma". Sobre a alegação da defesa acerca da ausência de ordens diretas de empregados, há aqui que se fazer uma distinção, pois isto não significa que não havia ingerência na forma de prestação de serviço. Sobre a avaliação dos motoristas, é de conhecimento público e notório que há um padrão de qualidade traçado pelas empresas de plataforma, sendo a fiscalização realizada por meio das avaliações dos clientes, como já mencionado acima e confirmado através do documento de Id 7c5d392 - Pág. 13/14. Acrescente-se, ainda, que, pela análise do histórico de viagens (ID. 8051dfe), a empresa poderia controlar o tempo real de trabalho dos motoristas, por meio de dados como a duração e o número de viagens. Trata-se, pois, de uma inegável expressão do poder diretivo daquele que organiza, controla e regulamenta a prestação dos serviços, o que, no caso em tela, era aproveitado pela ré para o exercício do controle de qualidade dos serviços prestados pelo empregado. Chama-se a atenção para a possibilidade de o motorista sofrer punição no caso de obter recorrentes avaliações ruins, consoante se infere dos documentos de ID. 7c5d392 - Pág. 13/14, em que consta expressamente a possibilidade de descadastramento ou inatividade temporária. É oportuno apontar ainda a existência da política de premiação e promoções, com vistas a incentivar o motorista a trabalhar mais, de modo que, ainda que pudessem escolher os horários em que permaneceriam on line, como admitido pelo Reclamante, a empresa lançava mão de artifícios para estimular um maior tempo de trabalho dos motoristas. É de conhecimento público e notório a existência de um padrão de qualidade traçado pelas empresas de plataforma de transporte privado urbano, sendo a fiscalização realizada por meio das avaliações dos clientes. Trata-se, pois, de uma inegável expressão do poder diretivo daquele que organiza, controla e regulamenta a prestação dos serviços. Merece atenção, ainda, o estudo feito por TODOLÍ (2016), segundo o qual a Uber, empresa de atuação semelhante à da Ré, em vez de controlar o processo produtivo, a dizer, a tarefa realizada em si, exerce um controle a posteriori, podendo prejudicar o trabalho se não houver qualidade o suficiente, e, também, um controle a priori, ao não contratar trabalhadores que não possuem boas avaliações em seu histórico online. Neste momento de neotaylorismo, o controle do tempo de trabalho é irrelevante, uma vez que às plataformas virtuais interessa o serviço prestado, e o controle do tempo está inserido diretamente no preço. Também merece atenção a análise feita por CHAVES JR. (2016), que, ao refletir sobre os argumentos de que a flexibilidade de horário e a falta de controle da assiduidade seriam indicativos de trabalho autônomo, pondera que "no capitalismo cognitivo não é mais relevante este controle individualizado, pois somente na linha de produção fordista se mostrava essencial a disciplina individual dos trabalhadores, posto que na dinâmica linear a falha de um interromperia todo o circuito produtivo" (CHAVES JR, José Eduardo de Resende. Motorista do Uber poderá ser considerado empregado no Brasil.). Por fim, o fato de que era o entregador quem, efetivamente, assumia o risco da forma de trabalho, inclusive pela assunção dos gastos, não implica reconhecer a autonomia do trabalhador, mas mera transferência ilícita dos riscos do negócio, em evidente ofensa ao princípio da alteridade. Assim, sobre os requisitos da relação de emprego (pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, conforme análise combinada dos artigos 2º e 3º da CLT), concluo que a investigação quanto à presença da pessoalidade não oferece dificuldade, pois no processo de cadastramento do motorista, a Reclamada identifica o profissional e a cada chamada realizada por um cliente, a identificação do motorista (seja por nome, foto, ou ambas) é apresentada ao usuário, evidenciando a pessoalidade na prestação dos serviços. Também é possível verificar no depoimento da testemunha Vitor de Lalor Rodrigues da Silva, ID. 974baf6 - Pág. 2, comprova a ausência de autonomia do Reclamante na fixação do valor do seu trabalho, uma vez que a possibilidade de atribuir descontos poderia ocorrer apenas no pagamento em dinheiro: "...que o motorista pode dar desconto se o pagamento é feito em dinheiro...". Pela fala da testemunha, é possível concluir que o aplicativo da Reclamada é responsável por calcular o valor da corrida, sem qualquer participação do motorista na tomada de decisão quanto ao valor do seu trabalho. A testemunha Pedro Pacce Prochno, ouvida nos autos de nº 1001906-63.2016.5.02.0067, cuja ata foi colacionada pela reclamada junto com a defesa, por sua vez, afirmou (ID. eb92454 - Pág. 2/3): "7) que com o cadastramento do motorista, o mesmo recebe as informações sobre funcionamento da plataforma por e-mail, pelo site e pelo próprio aplicativo; 8) que o motorista precisa concordar com essas regras; 9) que o "de acordo" com as normas é realizado pelo motorista parceiro no próprio site da uber ou no aplicativo; 10) que não há treinamentos ou entrevistas com o motorista; 11) que o próprio motorista arca com valores de combustível, multas e afins; 12) que o motorista parceiro pode ter outras pessoas cadastradas para utilização do mesmo carro; 13) que nesse caso, os valores pagos caem na conta da pessoa principal que fez o cadastro, sendo responsável pela divisão posterior; 14) que a reclamada não obrigada o motorista a comprar carro, podendo este ser alugado, de amigo ou de familiar, devendo apenas ter acesso à documentação do veículo ; 15) que quem decide os dias e horários em que irá ligar o aplicativo é o próprio motorista, podendo desligar sempre que desejar; 16) que o motorista pode negar corrida, pode deixar o aplicativo desligado; 17) que para segurança da plataforma, se o motorista ficar inativo por longo período, não sabendo especificar quanto, há o descadastramento, mas o mesmo pode ser recadastrado imediatamente quando solicitado;18) que não há penalidade se o motorista desligar o aplicativo; 19) que o motorista não recebe ordens diretas de ninguém da Uber, nem é fiscalizado por ninguém quanto à sua jornada ou seu dia a dia; 20) que o motorista não tem que prestar contas para ninguém da uber; 21) que a reclamada não fixa jornada ou corridas mínimas ; 22) que quem avalia a viagem são os próprios usuários e os motoristas avaliam os usuários; 23) que se a avaliação for ruim, os dois lados podem ser descadastrados; 24) que a divisão da corrida é variável, sendo do uber black 20% para a uber e o restante para o parceiro e no uberX 25% para a uber". Extrai-se, pois, da prova oral acima transcrita e da observação do que ordinariamente acontece, que os motoristas de aplicativos não podem estipular o preço da corrida ou conceder descontos, já que o cálculo do preço é feito pelo software das empresas. Isto se confirmar também com o testemunho do Walter Tadeu Martins Filho, no processo n° 0010200-28.2022.5.03.0021: "(...) que o cadastro é pessoal e intransferível; que eventualmente a Uber pode pedir uma selfie por questões de segurança; (...) que o motorista pode ser descadastrado se mantiver uma nota abaixo da média definida para a cidade de atuação; que no UberX o percentual retido pela reclamada é 25% do valor da corrida; que a reclamada faz promoções para motoristas e clientes, mas o motorista não é obrigado a participar da promoção; que os motoristas não são classificados em categorias; que a reclamada não estabelece meta para os motoristas; que o UberPro diz respeito a benefícios concedidos no caso de o motorista realizar o maior número de viagens, dentre os quais, bolsa para curso de inglês, desconto em combustível e desconto em academia; (...)"(ID. 200ce9c - Pág. 3 e 4). Assim, nem se argumente que era o motorista quem a remunerava pela utilização da plataforma digital, pois era a ré quem conduzia, de forma exclusiva, a política de pagamento do serviço prestado, no que se refere ao preço cobrado, às modalidades de pagamento e à oferta de promoções e descontos para usuários e de incentivos aos motoristas, em condições previamente estipuladas. Sabe-se, ainda, que os motoristas não possuem a prerrogativa de escolher passageiros e são a todo o tempo submetidos a avaliações. Sob uma perspectiva subjetiva, a onerosidade se manifesta no âmbito das intencionalidades e expectativas do trabalhador, quando prestar serviços com animus oneroso, uma vez que o autor prestou os serviços de viagens com intenção de auferir ganhos, cujos valores podem ser verificados e comprovados pelo Histórico (Id 8051dfe - Pág. 1). Assim, nem se argumente que era o motorista quem a remunerava pela utilização da plataforma digital, pois era a ré quem conduzia, de forma exclusiva, a política de pagamento do serviço prestado, no que se refere ao preço cobrado, às modalidades de pagamento e à oferta de promoções e descontos para usuários e de incentivos aos entregadores, em condições previamente estipuladas. Inegável, ainda, a presença da subordinação, seja estrutural ou clássica - diante de magnitude do controle exercido de maneira absoluta e unilateral e da inegável e inconteste ingerência no modo da prestação de serviços, com a inserção do trabalhador na dinâmica da organização, prestando serviço indispensável aos fins da atividade empresarial: a entrega de mercadorias. Neste aspecto, é imperioso salientar as disposições dos "Termos de Uso e Condições Gerais", conforme cláusula 7.9 (Id 16b2d52 - Pág. 7 e 8). O Reclamante desenvolvia a prestação de serviços submetido aos controles contínuos e sujeito à aplicação de sanções disciplinares no caso de infrações das regras estipuladas pela empresa, não sendo demais lembrar que esse controle quanto ao cumprimento dessas regras e dos padrões de atendimento durante a prestação de serviços ocorria por meio das avaliações e reclamações feitas pelos consumidores do serviço, ao que o Magistrado Márcio Toledo Gonçalves, em processo semelhante, envolvendo a empresa Uber (Processo nº 0011359-34.2016.5.03.0112 - data da sentença: 13/02/2017), definiu como "um controle difuso, realizado pela multidão de usuários, e que se traduz em algoritmos que definem se o motorista deve ou não ser punido, deve ou não ser 'descartado'". Pertinente citar ainda decisão desta d. Primeira Turma (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010761-96.2019.5.03.0008 (ROPS); Disponibilização: 16/06/2020; Órgão Julgador: Primeira Turma; Redator: Maria Cecilia Alves Pinto), que reconheceu vínculo de emprego entre motoboy/entregador e a Reclamada, destacando, quanto ao requisito da subordinação, a ingerência da ré na forma de prestação de serviço, o que também se apura no caso em tela. E, quanto à não eventualidade, a Reclamante, a despeito de admitir que laborava em horários de sua livre escolha, atendia à demanda intermitente pelos serviços de entrega. Assim, a não eventualidade não é afastada pelo fato de o entregador ter flexibilidade na fixação do seu horário de trabalho. Logo, reputo comprovados os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT, restando evidente a relação de emprego entre as partes, não obstante o hercúleo esforço da Reclamada em mascarar os traços característicos da relação subordinada de trabalho, no que se convencionou chamar de "uberização da relações de emprego". A pesquisadora Ludmila Costhek Abílio, doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP, define o processo de "uberização" do mercado de trabalho da seguinte forma: A uberização se refere a um processo que tomou grande visibilidade com a entrada da empresa Uber no mercado e seus milhões de motoristas cadastrados pelo mundo (sabemos que no Brasil já são ao menos 500 mil). Mas, em realidade, trata-se de um processo que vai para muito além do Uber e da economia digital, que é novo, mas é também uma atualização que conferiu visibilidade a características estruturais do mercado de trabalho brasileiro, assim como a processos que estão em jogo no mundo do trabalho há décadas (e que agora, no caso brasileiro, culminam na reforma trabalhista)". Sendo assim, "a uberização é um novo passo tanto nas terceirizações quanto na redução do trabalhador à pura força de trabalho, disponível, desprotegida, utilizada na exata medida das demandas do mercado". (texto disponível em em http://www.ihu.unisinos.br/160-noticias/cepat/577779-o-mundo-do-trabalho-em-um-contexto-de-uberizacao) E prossegue: "A uberização em realidade quer dizer a formação de uma multidão de trabalhadores autônomos que deixam de ser empregados, que se autogerenciam, que arcam com os custos e riscos de sua profissão. E que, ao mesmo tempo, se mantêm subordinados, que têm seu trabalho utilizado na exata medida das necessidades do capital. São nanoempreendedores de si, subordinados e gerenciados por meios e formas mais difíceis de reconhecer e mapear, por empresas já difíceis de localizar - ainda que estas atuem cada vez mais de forma monopolística." Sobre o tema, destaque-se, ainda, que o Ministério Público do Trabalho (MPT) publicou relatório produzido após estudo e investigação a respeito da atuação da empresa Uber (e similares) no Brasil e de sua relação com os motoristas, intitulado: "Empresas de transporte, plataformas digitais e a relação de emprego: um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos - Juliana Carreiro Corbal Oitaven, Rodrigo de Lacerda Carelli, Cássio Luís Casagrande. - Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2018". O referido trabalho é resultado do Grupo de Estudos denominado "GE Uber, instituído por meio da Portaria PGT nº 681, de 10 de novembro de 2016,", no âmbito da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (Conafret) do Ministério Público do Trabalho. Assim, diante da relevância desse relatório produzido pelo MPT, que é uma das instituições centrais na fiscalização e aplicação das normas que regulam as relações de trabalho no Brasil, de ampla divulgação na mídia, e considerando o princípio da conexão, peço vênia para transcrever os seguintes trechos, obtidos dos autos do processo de n. 0011354-30.2015.5.03.0182: "As principais características desse sistema são: monitoramento eletrônico, aumento de preço e programação de trabalho, a fusão da análise em tempo real com a análise prévia e a avaliação dos motoristas. Em relação ao monitoramento eletrônico, o trabalho dos motoristas é moldado por dois principais fatores: o uso de práticas de vigilância pelo empregador para realizar um controle brando dos trabalhadores e a adoção de práticas de resistência pelos motoristas para enfrentar esse sistema. A constante vigilância promovida pela empresa produz assimetrias de informações entre os motoristas e a Uber, que acessa e controla uma grande quantidade de informações das experiências dos trabalhadores. O aplicativo estimula os motoristas a aceitarem todas as corridas e a permanecerem o maior tempo possível trabalhando. Trata-se de uma forma de manter o atendimento aos clientes o mais amplo possível. Contudo, a aceitação de uma corrida pelo motorista não indica necessariamente o trajeto que será percorrido, nem o valor estimado que será recebido. A rejeição de viagens não rentáveis coloca em risco a continuidade do motorista no aplicativo, uma vez que a empresa pode suspendê-lo ou excluí-lo. Assim, verifica-se que os motoristas absorvem o risco de todas as corridas realizadas. O controle sobre os motoristas é elevado. Apesar dos trabalhadores serem remunerados apenas quando realizam viagens demandadas pelo aplicativo, a Uber mantém a coleta de informações dos motoristas mesmo quando não estão em uma corrida. A partir desses elementos, a empresa consegue delinear padrões de tráfego e alimenta o algoritmo de oferta e demanda que fixa o preço das viagens. A Uber iniciou o monitoramento dos movimentos dos motoristas que utilizam o aplicativo pormeio dos telefones celulares, com o objetivo de identificar o comportamento dos trabalhadores e, nos casos em que entender necessário, tentar influenciar suas condutas. Trata-se de uma forma de promover controle de qualidade da prestação de serviço. No tocante ao monitoramento do trabalho e ao aumento dos preços, verifica-se uma assimetria de informações entre o aplicativo e os motoristas. Há situações nas quais o trabalhador identifica que em determinado local a tarifa está mais elevada e se desloca para atender a região. Contudo, o motorista pode receber chamado de cliente que está em local com tarifa menor, uma vez que a precificação não leva em conta a localização do trabalhador. Ainda, o valor da tarifa é fixado pela empresa sem qualquer consulta prévia aos motoristas, o que indica um desequilíbrio entre as partes. Outro elemento que se relaciona com essa questão é coleta e análise de informações dos motoristas que a Uber realiza a partir do envio de mensagens sobre aumento de preço e de demanda, além de estimular a disponibilidade dos trabalhadores em determinados horários em que a empresa projeta a existência de maior número de chamados por meio do aplicativo. A fusão da análise em tempo real com a análise prévia ocorre por meio dos algoritmos utilizados pela Uber. Além de verificar instantaneamente a demanda, a empresa consegue fazer projeções da oscilação do número de chamados pelo aplicativo a partir do histórico de viagens realizadas. A empresa faz contato com os motoristas para expor o aumento da demanda, constatado prévia ou instantaneamente, de forma indistinta. A avaliação dos motoristas é realizada pelos clientes ao término das viagens realizadas, emque é possível atribuir nota de 1 a 5 estrelas para o desempenho do trabalhador. Também é possível enviar mensagens para a Uber sobre o serviço prestado. Esse sistema afeta diretamente o motorista, uma vez que se a média de suas avaliações ficar abaixo de 4,6, a empresa pode descredenciá-lo do aplicativo. É importante destacar que a apreciação do cliente está relacionada com o que a Uber divulga como "experiência" em ser atendido por um motorista vinculado ao aplicativo. Para garantir um padrão no atendimento dos clientes, a empresa estabelece condutas a serem observadas pelos trabalhadores e constantemente envia mensagens sobre esse tema, além de estimular os motoristas a criarem relações com os passageiros de forma que estes se sintam sempre confortáveis, independentemente da situação daqueles - que é denominado de "emotional labor". A Uber se considera uma plataforma que aproxima motoristas de passageiros e entende que os trabalhadores que prestam serviços por meio do aplicativo são contratados independentes". Sobre a subordinação, chamo a atenção ainda para o seguinte trecho do referido relatório do MPT: "A relação entre trabalhador e empresa passa por uma nova nomenclatura: é uma relação de aliança, em uma refeudalização das relações. O liame da aliança implica em um engajamento ainda maior da pessoa do trabalhador, pois ao invés de se fixar em obedecer mecanicamente a ordens dadas em tempo e lugar anteriormente fixados, devem os trabalhadores se mobilizar totalmente para a realização dos objetos que lhe são consignados e se submeter aos processos de avaliação de sua performance. Também é essencial na direção de objetivos o crescimento da influência da empresa na vida pessoal do trabalhador. É próprio do trabalho assalariado a reificação da pessoa que é, ao mesmo tempo, objeto e sujeito do contrato de trabalho, sendo que, de maneira recíproca, é reconhecida sua condição de pessoa. A desestabilização dos quadros espaços-temporais de execução do trabalho e a autonomia programada conduzem não a uma redução, mas a um aumento do engajamento da pessoa do trabalhador. Assim, o controle por programação ou comandos (ou por algoritmo) é a faceta moderna da organização do trabalho. Passa-se da ficção do trabalhador-mercadoria para a ficção do trabalhador-livre, em aliança neofeudal com a empresa. Altera-se a formatação, mas resta a natureza: a) de um lado as pessoas, travestidas em realidades intersubjetivas denominadas empresas, que detêm capital para investir na produção e serviços e b) do outro lado os demais indivíduos que têm somente o trabalho a ser utilizado e apropriado por essas realidades intersubjetivas para a realização de sua atividade econômica. A exploração dos segundos pelos primeiros continua a mesma". Outro aspecto importante da subordinação, destacado no relatório do MPT, decorre das avaliações a que são submetidos os motoristas/entregadores, como forma de controle da execução do trabalho, dentro de um padrão mínimo exigido pela empresa: "Essa é a forma organizacional dos aplicativos de intermediação de trabalhador, que se encaixam perfeitamente na organização do trabalho por comandos (ou por objetivos, algoritmos ou por programação). A estrutura da relação entre as empresas que se utilizam de aplicativos para a realização de sua atividade econômica e os motoristas se dá na forma de aliança neofeudal, na qual chama os trabalhadores de "parceiros". Por ela, concede-se certa liberdade aos trabalhadores, como "você decide a hora e quanto vai trabalhar", que é imediatamente negada pelo dever de aliança e de cumprimento dos objetivos traçados na programação, que é realizada de forma unilateral pelas empresas. O algoritmo dessas empresas comanda todos os trabalhadores: distribui-os segundo a demanda e impõe o preço do produto. A precificação é importante por dois aspectos: o primeiro é o controle do mercado, impondo preços extremamente baixos para desmonte da concorrência. O segundo, que importa mais para o presente trabalho, é o controle do tempo de trabalho pelo preço - baixo - da tarifa. De fato, ao transformar o trabalhador num empreendedor em regime de aliança neofeudal, desfaz-se a proteção trabalhista em relação ao limite de horas de trabalho. Assim, com uma tarifa - e, obviamente, uma remuneração - baixa, mais horas de trabalho são, de fato, necessárias para a sobrevivência do motorista parceiro. Como é essencial à empresa para sua "confiabilidade" que haja a maior disponibilidade de carros a todo momento para seus clientes. Se com poucas horas à disposição o "parceiro" já conseguisse reunir remuneração suficiente para seu sustento, ele poderia trabalhar menos. Com baixa remuneração por hora trabalhada consegue-se, sem qualquer ordem direta, manter o motorista à disposição por muitas horas ao dia. Isso é demonstrado pelos depoimentos: os motoristas relatam que para atingir seus objetivos financeiros ultrapassam - e às vezes em muitas horas - a jornada regular de um trabalhador empregado. O fato de no último ano a tarifa ter baixado por três vezes demonstra o aumento cada vez maior de poder e controle pela empresa. Assim a precificação, como forma de organização do trabalho por comandos, dirige o trabalho sem que os trabalhadores, na maior parte das vezes, percebam. Porém o algoritmo dessas empresas também realiza o controle pela entrega de premiações. De fato, em momentos em que normalmente os trabalhadores iriam preferir ficar em casa, como dias festivos, a empresa concede incentivos financeiros - chamadas premiações - aos seus "parceiros", para que se mantenham ativos. A tática de garantia de preço mínimo por hora também é utilizada para manter os trabalhadores ativos. Da mesma forma, conforme a necessidade, a empresa concede incentivos para que trabalhadores peguem clientes de determinados lugares, deslocando os motoristas para aqueles locais. Além disso, há o já referido preço dinâmico, pela visualização no mapa na cor vermelha dos locais em que há menor número de motoristas e maior demanda de passageiros. Essa é a faceta do controle pelas cenouras ("carrots"). O outro ponto de controle essencial para o negócio das empresas funcionarem - e seu negócio é o de transporte de passageiros, entrega de mercadorias ou qualquer outra atividade econômica que possa ser realizada por intermediação entre trabalhadores e clientes - são as avaliações em forma de notas dadas pelos usuários, que são a faceta do porrete ("stick") na organização do capitalismo de plataforma. Essa moderna técnica - que, inclusive, deixa a ficção científica como forma de controle social para, assustadoramente, invadir a vida real como cerceamento de liberdade -, é realizada para o controle dos trabalhadores. Deixando no passado a forma idealizada por Bentham para o panóptico, o controle, agora, ao invés de ser centralizado por um vigia em uma torre com visão periférica, está multiplicado e disperso em várias instituições de controle, vários vigias, como já previa Foucault. De fato, os controladores agora são os milhões de clientes das empresas, que, pelas avaliações e comentários, realizam a verificação do cumprimento da programação por parte dos motoristas. Conforme os depoimentos, a nota, pelo poder de retirar o trabalhador da plataforma, exerce irresistível poder sobre a forma de prestação dos serviços. O padrão de se vestir ou se portar não são obrigatórios, mas são inescapáveis para a obtenção da nota de corte. Assim, da mesma forma que não é obrigatório - mas é inescapável - o trabalho por período integral (ou até em jornadas estafantes), não há como fugir do padrão do serviço imposto pela própria empresa. A nota - ou avaliação - assume nítido cariz de controle quando se verifica que ela tem como destinatária a empresa, e não os clientes. Não há possibilidade de se escolher um motorista - ou entregador, ou qualquer outro profissional - pela sua nota. O algoritmo da empresa seleciona e encaminha, sem possibilidade de escolha, o motorista que mais perto estiver do cliente"". E, por fim, a conclusão do referido relatório elaborado pelo grupo de trabalho do MPT, corroborando todo o entendimento até aqui delineado: "10. CONCLUSÃO A título de conclusão, deve-se reforçar que não pode haver forma alternativa de exploração do labor fora do alcance do direito do trabalho, de modo que a reorganização atual deve ser devidamente acompanhada e controlada, de acordo com os princípios norteadores desse ramo do direito. Evidencia-se que a "economia de bico" apareceu como um ramo novo da economia - decorrente da disseminação do uso da internet e da tecnologia de informação - e que tem suas peculiaridades, mas ela não pode ser tratada como um setor econômico à parte, devendo se comportar, no geral, como as demais empresas atuantes em outros setores, sujeitando-se a todas as leis trabalhistas. Deve-se salientar que essas empresas que usam aplicativos possuem como seu negócio o objeto em si da intermediação (transporte de passageiros, entrega de mercadorias ou qualquer outra atividade econômica que possa ser realizada por intermediação entre trabalhadores e clientes), sendo uma grande falácia o argumento de que consistem apenas em plataformas digitais. Nas empresas intermediadoras,tanto cliente quanto prestador são automaticamente interligados viabilizando rapidamente o negócio, não podendo escolher um ao outro. Logo, não se pode perder de vista que o termo "economia de compartilhamento" não é adequado para caracterizar tais empresas. No que tange ao controle de massa dos trabalhadores, sabe-se que este sempre será necessário, alterando-se somente a forma. No novo regime, o controle é feito através da programação por comandos, com a direção por objetivos e estipulação de regras preordenadas e mutáveis pelo seu programador, incumbindo ao trabalhador a capacidade de reagir em tempo real aos sinais que lhe são emitidos, a fim de realizar os objetivos assinalados pelo programa. Nota-se que, de um lado, restitui-se ao trabalhador certa esfera de sua autonomia na realização da prestação; de outro, essa liberdade é impedida pela programação, pela só e mera existência do algoritmo: os trabalhadores não devem seguir mais ordens, mas sim a "regras do programa" e estar disponíveis todo o tempo. Uma vez programados, não agem livremente, mas exprimem reações esperadas e inescapáveis. Assim, a autonomia concedida é uma "autonomia na subordinação". Desta forma, na análise da existência da subordinação, deve ser dada ênfase não à tradicional forma de subordinação - na sua dimensão de ordens diretas - mas na verificação da existência de meios telemáticos de comando, controle e supervisão, conforme o parágrafo único do art. 6º da Consolidação das Leis do Trabalho. O direito do trabalho - que deve ser imperativo - também tem como objetivo garantir a concorrência leal entre os trabalhadores, impedindo que eles concorram entre si impondo níveis cada vez mais baixos de condições de laborar. Se um trabalhador puder realizar a atividade de transporte de passageiros - seja por meio de aplicativo, seja individualmente - sem as mesmas constrições legais dos taxistas, por exemplo, estará em vantagem competitiva não justificada, deixando o direito do trabalho de cumprir sua função de regulador da concorrência em patamares mínimos de dignidade da pessoa humana. Paralelamente, apesar dessa economia ter um grande potencial para trazer melhorias para os consumidores, não é admissível que a maximização dos benefícios aos clientes ocorra em detrimento das condições de trabalho daqueles que prestam serviços. Salienta-se, ainda, que o direito do trabalho, como técnica de civilização da técnica, deve se adaptar ao estado da arte desta última. Isto é, caso a faceta da organização da força de trabalho se modifique, deve o direito do trabalho se moldar à nova forma em que se apresenta. Desse modo, afirma-se que a atuação do direito do trabalho perante essas novas formas de organização - que devem prevalecer em pouco tempo - é imprescindível, pois, como aconteceu na superação do fordismo pelo toyotismo, a tendência agora é que, a cada vez mais, as empresas incorporem elementos desse novo tipo de organização do trabalho, justamente pelo seu potencial - e objetivo - de fuga à proteção trabalhista. De todo o exposto, em respeito à vedação do retrocesso social, conclui-se este estudo afirmando-se que as novas relações que vêm ocorrendo através das empresas de intermediação por aplicativos, apesar de peculiares, atraem a plena aplicabilidade das normas de proteção ao trabalho subordinado, autorizando o reconhecimento de vínculos empregatícios entre os trabalhadores e as empresas intermediadoras"". De se registrar, por fim, que o trabalho do MPT foi elaborado adotando-se como referência a plataforma Uber, mas as condições avaliadas são similares em todas as plataformas de transporte/entrega, como se vê da justificativa, alcançando também a hipótese em tela. In verbis: "Instituiu-se no Ministério Público do Trabalho, por meio da Portaria PGT nº 681, de 10 de novembro de 2016, o Grupo de Estudos denominado "GE Uber", no âmbito da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (CONAFRET), com o objetivo inicial de aprofundar os estudos das novas formas de organização do trabalho relacionadas com a atuação por meio de aplicativos. [...] Sendo a empresa Uber, na ocasião, a mais popular e com atuação abrangente no setor de transportes em diversos locais do território nacional, emprestou-se seu nome ao grupo. Mas as discussões não se restringiram a tal empresa, envolvendo, em verdade, todas aquelas que possuem o modelo similar de atuação e se inserem nesse contexto de nova organização das formas de trabalho, que merece ser acompanhada de perto pelo Ministério Público do Trabalho. Assim, o presente estudo tem a intenção de conceituar a "economia do bico", com suas principais formas de trabalho e a contextualização das atividades desempenhadas pelos aplicativos de trabalho "on-demand", enfrentando a questão da mutação na subordinação e do reconhecimento das características da organização do trabalho por programação, as quais permitem a caracterização do vínculo empregatício".Em suma, presentes os elementos fático-jurídicos caracterizadores da relação de emprego, vale dizer, a prestação pessoal de serviços por pessoa física, a não eventualidade, a subordinação e a onerosidade, imperioso o reconhecimento do vínculo empregatício entre a Reclamante e a Reclamada, a partir de 31/12/2019, na função de motorista, com remuneração variável. Indevida a declaração da rescisão contratual a pedido do Reclamante, uma vez que a Reclamada não produziu provas quanto à vontade do obreiro em romper o pacto laboral. Registra-se que, no entendimento desta Turma, a Reclamada não colacionou aos autos documentos aptos a comprovar que o contrato de trabalho firmado entre as partes tenha ocorrido na modalidade intermitente, o que levaria esta Primeira Turma a reconhecer o vínculo de emprego na modalidade de contrato a prazo indeterminado. Todavia, ausente recurso do Reclamante quanto ao tema, mantenho a r. sentença. Indevidas as alegações da Reclamada quanto ao desconto pela utilização da plataforma ou em razão das corridas canceladas, uma vez que a Reclamada não se desincumbiu do ônus probatório que lhe competia quanto à modalidade de trabalho intermitente. Ainda, o reconhecimento do vínculo empregatício em juízo não obsta a condenação ao pagamento da multa prevista no art. 477 da CLT, sendo devida a condenação imposta na r. sentença. Do mesmo modo, ao contrário do alegado pela Reclamada, a r. sentença não padece de omissão uma vez que o d. Juízo de Origem já esclareceu que o registro da CTPS deverá ocorrer apenas após intimação específica para tal fim. Nada a prover. Considerando que, na linha de recentes decisões de Reclamações pelo STF (a exemplo da Rcl n.º 59.795/MG, publicada no DJE em 24/05/2023, relatada pelo Ministro Alexandre de Moraes), ao manter o reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista e a plataforma, a Turma aparentemente desconsidera as conclusões do STF ao julgar a ADC 48, a ADPF 324 e o RE 958.252 (Tema 725-RG), a ADI 5835 MC/DF e o RE 688.223 (Tema 590-RG), que permitem diversos tipos de contratos distintos da estrutura tradicional do contrato de emprego regido pela CLT, recebo o recurso de revista, por possível ofensa ao art. 5º, II, da CR/1988. CONCLUSÃO RECEBO PARCIALMENTE o recurso de revista. Vista às partes, no prazo legal. Cumpridas as formalidades legais, remetam-se os autos ao TST. Publique-se e intimem-se. BELO HORIZONTE/MG, 24 de abril de 2025. Sebastião Geraldo de Oliveira Desembargador do Trabalho
Intimado(s) / Citado(s)
- UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.
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