Uber Do Brasil Tecnologia Ltda. x Ericson Brunno Rodrigues Rabelo
ID: 261141242
Tribunal: TRT10
Órgão: 3ª Turma
Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA
Nº Processo: 0000930-51.2023.5.10.0020
Data de Disponibilização:
28/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALINE MARIA RIBEIRO MESQUITA
OAB/MG XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 3ª TURMA Relator: PEDRO LUÍS VICENTIN FOLTRAN 0000930-51.2023.5.10.0020 : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. : ER…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 3ª TURMA Relator: PEDRO LUÍS VICENTIN FOLTRAN 0000930-51.2023.5.10.0020 : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. : ERICSON BRUNNO RODRIGUES RABELO PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO PROCESSO ROT 0000930-51.2023.5.10.0020 - ACÓRDÃO 3ª TURMA/2025 RELATOR: DESEMBARGADOR PEDRO LUÍS VICENTIN FOLTRAN RECORRENTE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. ADVOGADO: RAFAEL ALFREDI DE MATOS RECORRIDO: ERICSON BRUNNO RODRIGUES RABELO ADVOGADA: ALINE MARIA RIBEIRO MESQUITA EMENTA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Prevalece nesta Egrégia Turma, entendimento quanto à competência da Justiça do Trabalho para julgar o tema constante da inicial, relacionado ao reconhecimento de vínculo empregatício entre o motorista de aplicativo e o reclamado (UBER). Precedentes (Rel. Desembargadora Cilene Ferreira Amaro Santos, RO 0000369-36.2023.5.10.0017; Rel. José Leone Cordeiro Leite, RO 0000792-05.2023.5.10.0014). "MOTORISTA DE APLICATIVO (UBER). VÍNCULO EMPREGATÍCIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Uma vez que a reclamada se desincumbiu do seu ônus de comprovar a ausência dos requisitos configuradores da relação de emprego previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, correta a sentença que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício e demais pedidos derivados. Ressalva de entendimento pessoal do Relator." (ROT 0000850-39.2022.5.10.0015; 3ª Turma; TRT10; RELATOR: JUIZ CONVOCADO ANTONIO UMBERTO DE SOUZA JUNIOR; Data do julgamento: 08/05/2024.) Ressalvas do Relator. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO PERCENTUAL. Para fixar o valor dos honorários, o julgador deve levar em conta a complexidade da causa e o zelo profissional dos patronos, além do tempo e das despesas necessárias ao acompanhamento do processo. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. Ajuizada a ação após o início da vigência da Lei n.º 13.467/2017, possível a condenação das partes ao pagamento de honorários advocatícios no caso de sucumbência recíproca, na forma prevista no art. 791-A da CLT, que serão fixados considerando-se a complexidade da causa e o zelo profissional dos patronos, além do tempo e das despesas necessárias ao acompanhamento do processo. Tendo sido julgada improcedente a ação, mesmo que parcialmente, o autor beneficiário da justiça gratuita deve arcar com o pagamento dos honorários de sucumbência sobre os itens em que sucumbiu integralmente. Diante do exposto e considerando os parâmetros adotados por esta Egrégia Turma, devida a fixação de condenação a ambas as partes (reclamante e reclamada) ao pagamento de 10% a título de honorários advocatícios sobre os pedidos em que sucumbiram. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. JUSTIÇA GRATUITA. SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE. Ocorrendo condenação do/a empregado/a beneficiário/a da justiça gratuita ao pagamento de honorários advocatícios, deverá ser observada a condição suspensiva de exigibilidade, podendo ser executada, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado, somente se o/a credor/a demonstrar que a situação de miserabilidade deixou de existir. . RELATÓRIO A Exma. Juíza SIMONE SOARES BERNARDES, em atuação na 20ª Vara do Trabalho de Brasília-DF, por meio da sentença às fls. 807/820, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial. Recurso ordinário pela reclamada às fls. 823/863. Contrarrazões às fls. 870/881. Diante da faculdade conferida pelo art. 102 do Regimento Interno deste Regional, deixou-se de encaminhar os presentes autos ao MPT. É o relatório. VOTO ADMISSIBILIDADE Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso da reclamada. RECURSO DO RECLAMADA PRELIMINAR Incompetência da Justiça do Trabalho O juízo a quo rejeitou a preliminar em questão, conforme segue: "INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO A reclamada suscita a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho, sob o argumento de que a relação jurídica estabelecida com o reclamante é exclusivamente comercial, decorrente da prestação de serviços de intermediação digital pela Uber ao motorista autônomo, não se tratando, portanto, de relação de emprego. No presente caso, o reclamante postula em sua inicial o reconhecimento do vínculo empregatício e a condenação da reclamada ao pagamento das parcelas contratuais e verbas rescisórias devidas. Percebe-se, no presente feito, que o reclamante, pessoa física, alega que foi contratado e prestou serviços pessoalmente para a reclamada na condição de empregado e, ao final, pretende receber os valores pendentes relacionados a essa prestação, frise-se, pessoal, de serviços. Assim, todos os pedidos da inicial estão suportados na tese de existência de vinculação empregatícia. Como cediço, diante do que dispõe o artigo 114 da Carta Magna, apenas à Justiça do Trabalho compete dizer se determinada relação de trabalho preenche os requisitos para se enquadrar como relação de emprego. Considerando que a competência da Justiça do Trabalho fixa-se pela causa de pedir e pedido expostos na inicial, a competência para julgar e processar a presente demanda é dessa especializada, a teor do art. 114, I, da CF/1988. Rejeito a preliminar." (fls. 807/808) Em recurso, em síntese, a ré reitera o argumento de tratar-se de relação comercial a existente entre ela e o reclamante. Pois bem. O direito de ação é direito público subjetivo, devendo suas condições serem analisadas em abstrato, sem qualquer preocupação com o resultado meritório do que vem a parte pleitear em Juízo. Verifica-se, na exordial, que os pedidos decorrem da existência da relação de emprego. O art. 114, I, da CF/88, atribui à Justiça do Trabalho a competência para apreciar e julgar "as ações oriundas da relação de trabalho". Conforme supra registrado, na presente lide, postula a parte reclamante o reconhecimento de vínculo de emprego e verbas dele decorrentes; dessarte, trata-se, pois, de pedidos inseridos na competência prevista no art. 114 da CF/88, sendo assim competente a Justiça do Trabalho. Em tal sentido, transcrevo voto de relatoria da Exma. Desembargadora CILENE AMARO SANTOS, nos autos do RO 0000369-36.2023.5.10.0017, in verbis: "1. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A competência da Justiça do trabalho é aferida pela causa de pedir e pedido. Uma vez que o pedido no presente processo é de reconhecimento do contrato de emprego e seus consectários, emerge claramente a competência da Justiça do Trabalho na forma do art. 114, I, do CPC." Eis, ainda, julgado da lavra do Exmo. Desembargador JOSÉ LEONE CORDEIRO LEITE, em relatoria do RO 0000792-05.2023.5.10.0014: "INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. O pedido e a causa de pedir da inicial decorrem da alegada relação de trabalho/emprego mantida entre o Reclamante e o Reclamado, sendo o caso, portanto, de competência desta Justiça Especializada para processar e julgar o feito. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA DE APLICATIVO (UBER). A relação de emprego é aquela firmada nos termos do art. 3º, c/c art. 442, da CLT. É o trabalho executado com subordinação, remunerado e de natureza não eventual. Afastada a existência de subordinação jurídica, não há falar em reconhecimento do vínculo de emprego e deferimento das verbas trabalhistas decorrentes. Recurso do Reclamante conhecido e desprovido." Pelo exposto, rejeito a preliminar. MÉRITO Vínculo empregatício Assim decidiu o juízo a quo: "RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. VERBAS RESCISÓRIAS O reclamante alega que, após apresentar toda a documentação correta, foi admitido pela reclamada, começando a trabalhar em 01/07/2017, realizando seu labor 6 dias na semana, durante 9 horas diárias, conforme demanda ofertada pela reclamada e sob as ordens desta através de seu aplicativo, em horários variáveis. Alega, ainda, que, pelo exercício da função de motorista, recebia semanalmente o pagamento, sendo as corridas realizadas de domingo a sábado pagas na terça-feira seguinte, em uma média semanal de remuneração de R$ 500,00. Alega, ainda, que foi dispensado sem qualquer justificativa em 01/08/2023, sendo surpreendido com o bloqueio de seu perfil vinculado à reclamada, o que o impediu de realizar corridas, sem receber as verbas rescisórias. Postula o reconhecimento do vínculo empregatício, com a anotação na CTPS e o pagamento das verbas rescisórias. Em defesa, a reclamada argumenta tratar-se de "empresa de tecnologia utilizada pelos Motoristas Parceiros para a localização e captação de Usuários visando o seu deslocamento", havendo exploração de economia de compartilhamento e não exploração de atividade empresarial de transporte. Alega, num tal contexto, que a relação jurídica estabelecida entre o autor e a reclamada é exclusivamente comercial, decorrente da prestação de serviços de intermediação digital, sendo certo que o autor contratou a reclamada, nos termos e condições expressamente previstos em contrato. Enfatiza que na relação estabelecida entre a Uber e o autor, não se encontram previstos os elementos caracterizadores de vínculo previstos nos artigos 2ª e 3º da CLT. Acrescenta que o motorista poderia ficar por quanto tempo entendesse sem se conectar na plataforma, possuindo total liberdade para gerir a própria atividade. Afirma que o autor foi quem pagou a reclamada para o uso do aplicativo e que o usuário efetua o pagamento da viagem. Pondera que o autor poderia se fazer substituir por qualquer outro motorista habilitado, havendo, ainda, a possibilidade de cadastramento por pessoa jurídica, podendo compartilhar o veículo com vários motoristas e podendo, ainda, ter outros motoristas vinculados à sua conta, sendo contratados pelo próprio reclamante. Caso reconhecido o vínculo, requer que a rescisão contratual seja reconhecida na modalidade por justa causa, uma vez que o reclamante adotou condutas que violaram os Termos de Uso da Uber. Pois bem. Para a configuração do vínculo empregatício, é necessária a prestação de serviços por pessoa física, com pessoalidade, subordinação jurídica, não eventualidade e onerosidade, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT. As demandas envolvendo os motoristas que prestam serviços para a Uber, como é o caso do reclamante, exigem análise diferenciada por parte do julgador, por se tratar de um novo contexto de organização da forma de trabalho. Cabe esclarecer, de início, que a UBER é empresa de transporte, e não uma simples plataforma digital, uma vez que o seu lucro está diretamente vinculado ao transporte de pessoas realizado pelos motoristas. O aplicativo é apenas um instrumento, um acessório ao bom funcionamento do serviço. E os consumidores do produto da ré não são os motoristas, mas sim os passageiros. No caso da reclamada, que atua no setor de transportes, é fato público e notório que o serviço funciona da seguinte forma: um usuário, por meio do aplicativo, solicita um carro para fazer uma viagem, e um motorista, previamente cadastrado, que estiver "on-line" e próximo ao local, aceita o trabalho. Quanto ao requisito da pessoalidade, restou claro que o autor, pessoa física, prestou serviços de motorista em prol da reclamada, sendo exigido, ainda, cadastro próprio e individual. Nesse sentido, tal requisito é evidenciado nos Termos e Condições da reclamada (ID. ef1e11b): "Você" é uma pessoa física dedicada à prestação de serviços de transporte ("Motorista"), e "nós" somos a Uber do Brasil Tecnologia Ltda., sociedade de responsabilidade limitada, estabelecida no Brasil, com sede na Av. Juscelino Kubitscheck, nº 1909, 12º, 14º e 15º andares, salas 121, 141 e 151, São Paulo/SP, inscrita no CNPJ sob nº 17.895.646/0001-87. A sua relação conosco na qualidade de Motorista será regida por estes Termos e Condições Gerais dos Serviços de Tecnologia ("Termos") e, ao clicar em "Sim, eu concordo", Você manifesta expressamente sua vontade de se vincular a estes Termos, assim como aceita todas as disposições aqui contidas. Tal conclusão é corroborada pelo depoimento da testemunha Pedro Pacce Prochno, deferida como prova emprestada no processo n.º 1001906-63.2016.5.02.0067 (ID 3d4a8ec), ao esclarecer que: (...) que qualquer pessoa pode entrar no site da uber e preencher informações para se tornar um motorista da uber; 6) que a uber apenas solicita documentos pessoais, carteira de motorista com observação de que exerce atividade remunerada; 7) que com o cadastramento do motorista, o mesmo recebe as informações sobre funcionamento da plataforma por email, pelo site e pelo próprio aplicativo; 8) que o motorista precisa concordar com essas regras; (...) Com efeito, cada cadastro deve ser prévio e individual, aferindo-se a pessoalidade com relação a cada motorista que presta serviços pela plataforma. Vale registrar que o compartilhamento de ferramentas ou instrumentos de trabalho - como é o caso do veículo - não interfere na caracterização da pessoalidade na vinculação com a ré. Ademais, não há prova, de que o reclamante compartilhava seu instrumento de trabalho. A onerosidade, do mesmo modo, é inequívoca, pois a ré efetuava, para o autor, os repasses dos valores pagos pelos usuários nas viagens realizadas, pouco importando que o ganho do autor não fosse custeado diretamente pela empresa ré, na medida em que a demandada é que disponibiliza a oportunidade de ganho. Ressalta-se que o fato de ser reservado ao motorista o equivalente a 75% do valor pago pelo usuário não pode caracterizar, no caso, a existência de parceria, pois, afirmação o motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro" registrada, em audiência (ID. 966af44) como ponto incontroverso, sem ter o benefício completo dos resultados. No mesmo sentido, o requisito da não-eventualidade também restou caracterizado, tendo em vista o histórico de viagens do reclamante (Id 5cef5aa), demonstrando a habitualidade na prestação dos serviços. Vale registrar que o principal objetivo social da UBER é a realização de serviços de transporte e, dessa forma, um motorista de transporte de passageiros nessa empresa não poderia ser considerado como trabalhador eventual, pois sua função é imprescindível e diretamente ligada à atividade econômica da empresa tomadora de serviços. No que se refere à subordinação, cabe destacar que esta compreende a limitação da autonomia de vontade do empregado em relação à forma como se dá a prestação de serviços, sendo esta diretamente relacionada à finalidade do tomador, que, no caso dos autos, desenvolve atividade de transporte de passageiros. No presente caso, restou caracterizado o requisito da subordinação, tendo em vista o preenchimento dos seguintes aspectos: ao realizar o cadastro na plataforma, o motorista celebra contrato, no qual se compromete a seguir os padrões estabelecidos pela reclamada, sem qualquer oportunidade de participação do motorista nas cláusulas firmadas; a reclamada possui liberdade tanto para definir os motoristas aptos trabalhar pela plataforma, tanto para excluir, de forma unilateral, os motoristas que não se adequam aos padrões mínimos estabelecidos pela empresa, fato que inclusive é corroborado pela própria reclamada, ao alegar, na sua defesa, no que tange à exclusão do reclamante do aplicativo, afirmando que "o reclamante adotou condutas que violaram os Termos de Uso da Uber". Nesse mesmo sentido é a o depoimento da testemunha Pedro Pacce Prochno, deferida como prova emprestada (ID. 3d4a8ec), ao esclarecer que "35) que se o motorista recusar corridas em dinheiro, de maneira recorrente, pode ser descadastrado; 36) que acredita que em tal caso não poderá se cadastrar novamente", revelando-se tal medida como verdadeira forma de mascarar o monitoramento do trabalho desenvolvido pelo motorista, que não pode recusar corridas de forma recorrente. Outrossim, apesar de ter sido fixado como ponto incontroverso que "a reclamada não garante remuneração mínima ao final do dia/mês", restou evidenciado que é a reclamada quem gerencia os pagamentos a serem repassados aos motoristas, não tendo estes qualquer ingerência quanto ao próprio valor pago após determinada corrida, uma vez que os valores são estabelecidos pelo próprio aplicativo, caracterizando, assim, verdadeiro pagamento de salário. Saliente-se, ainda, que as avaliações -- realizadas em forma de notas dadas pelos usuários na plataforma para os motoristas - caracterizam mais uma forma de controle das empresas. Ademais, o documento de ID. d6dee0d, denominado como políticas de desativação, apresenta extensa lista de ações não permitidas pela Uber, tais como: "ficar online sem disponibilidade imediata", "compartilhar seu cadastro", "aceitar viagem e ter uma taxa de cancelamento maior do que a taxa de referência da cidade", "ficar online na plataforma e ter uma taxa de aceitação menor do que a taxa de referência da cidade", "instalar câmeras internas de gravação dentro do veículo", dentre outras ações não permitidas. Assim, em caso de descumprimento das regras impostas pela reclamada, o motorista sujeita-se à rescisão contratual, perdendo acesso ao aplicativo de motorista. Tais regras tornam evidente o trabalho subordinado, na medida em que a Uber exercia plenamente seu poder diretivo ao expedir normas relativas ao comportamento e às condições de trabalho do motorista, inclusive, reservando-se o direito de exclusão do motorista que não atender a suas diretrizes. Destaque-se, ainda, que o simples fato de o trabalhador fazer login e logout na plataforma em horário e dia de sua escolha não significa autonomia, já que há contratos de trabalho que permitem jornadas flexíveis e são passíveis de fiscalização e controle pelo empregador. Nessa linha, o próprio teletrabalho, previsto no art. 75-B da CLT, introduzido pela Lei 13.467/2017, amplamente utilizado nesses tempos de pandemia, demonstra ser possível haver a flexibilidade de jornada sem quebra da relação de emprego e comprova o fato de que o empregado ficar certo tempo off-line não desnatura o vínculo, desde que a produção seja entregue. Acrescente-se que a CLT, em seu art. 235, § 13º, revela ser inerente à atividade do motorista profissional a ampla flexibilidade na fixação do horário de trabalho, nos seguintes termos: "Salvo previsão contratual, a jornada de trabalho do motorista empregado não tem horário fixo de início, de final ou de intervalos". A despeito das alegações da reclamada, não há como enquadrar o reclamante como transportador autônomo (Lei 11.442/2007), pois, se de trabalhador autônomo estivéssemos tratando, a insatisfação de alguns clientes não acarretaria a cessação de continuidade do negócio - com a desativação ou banimento da plataforma - mas apenas a redução da clientela, o que não acontece no caso dos autos. Veja-se, ainda, que a Lei 13.467/2017 inseriu no ordenamento jurídico a figura do trabalho intermitente, deixando claro que a alternância de períodos de inatividade ou mesmo a recusa do empregado não descaracterizam o contrato de emprego: Art. 443 [...] § 3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)" "Art. 452 -A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) § 1o O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) § 2o Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) § 3o A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente. § 4o Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) § 5o O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) Com efeito, o termo "convocação", a que se refere o art. 452-A, §§1º e 2º, não trata de uma imposição, mas de uma oferta de trabalho, porque a própria norma se encarrega de esclarecer que o significado desse termo é, efetivamente, o de "oferta", conforme expressamente consignado nos §§ 3º e 4º do mesmo dispositivo. Ora, se até mesmo a situação do trabalho intermitente, em que não há nenhuma fixação de jornada e se assegura a recusa aos chamados mediante expressa previsão legal de que isso não afeta a configuração da subordinação, o que se tem, na situação de trabalho do motorista da Uber, é hipótese com controle, fiscalização e subordinação muito mais intensos que a generalidade dos casos de trabalho intermitente. Veja-se, por exemplo, que mesmo o direito de recusa e a liberdade de jornada (que como visto não desnaturam a relação de emprego) são bastante relativizados, aqui, pelos mecanismos de controle adotados pela ré. Registre-se que as ferramentas de trabalho (carro e aparelho celular) são diferentes dos meios de produção (tecnologia das plataformas digitais). A clientela, a marca, os mecanismos de pagamento, a forma e as regras do serviço, todo o negócio é controlado e explorado exclusivamente pela empresa. O motorista agrega apenas a sua força de trabalho e a ferramenta, o veículo, seguindo todas as diretrizes inseridas na plataforma/aplicativo, conforme já explicitado. Portanto, não se vê resquício do desempenho de atividade própria pelo motorista, que tão somente empresta a sua força de trabalho e o seu veículo como meios para o desempenho da atividade, que é inteiramente controlada, explorada e dirigida pela ré. O "meio de produção" chave, como evidenciado, não é o veículo, que poderia ser facilmente locado por qualquer pessoa, mas, sim, é a organização da atividade composta pela plataforma. Dessa maneira, como acima explanado, a falta de liberdade de preço, associada à ausência de acesso direto à clientela, a submissão a controle tecnológico da ré, inclusive a bloqueio da plataforma, bem como a total indisponibilidade do motorista quanto às regras do serviço, impossibilita a consideração do trabalhador como autônomo. Logo, restaram plenamente demonstrados os requisitos configuradores do vínculo empregatício a teor do artigo 3º da CLT. Quanto à modalidade de rescisão contratual, não assiste razão à reclamada a alegação no sentido de que a dispensa teria se dado por justa causa. Isto porque, a teor do art. 818, inc. II, da CLT, cumpre à Reclamada o ônus da prova, que deverá ser robusta e indene de dúvidas, visto que a justa causa é considerada a penalidade mais rigorosa no direito do trabalho. Não se pode olvidar que a justa causa deve ser sopesada de acordo com as singularidades das circunstâncias do caso concreto. Aspectos subjetivos devem ser analisados tais como: o passado funcional do empregado, o tempo de serviço, o seu nível educacional, sua personalidade, as condições emocionais em que a falta foi cometida, a reação do empregador em face de comportamentos da mesma natureza e nas mesmas circunstâncias. Assim, o único argumento da reclamada para fundamentar a alegada dispensa por justa causa é de que "o reclamante adotou condutas que violaram os Termos de Uso da Uber". Conclui-se, assim, pela fragilidade da referida argumentação, que se mostrou genérica e evasiva, não sendo apta a ensejar a aplicação da modalidade mais severa de resolução contratual para o empregado, especialmente porque não comprovada em juízo. Diante do exposto, reconheço que a dispensa do reclamante se deu na modalidade de dispensa imotivada. Por conseguinte o vínculo empregatício, reconheço entre as partes, na modalidade de contrato intermitente, no período de 01/07/2017 a 01/08/2023 (datas não impugnadas em contestação), com média de salário semanal de R$ 500,00, valor que, apesar de ter sido impugnado de forma específica pela ré, não logrou comprovar realidade diversa, ônus que lhe cabia, à luz do artigo 464 da CLT. Logo, condeno a reclamada a proceder as seguintes anotações na CTPS do obreiro: data de admissão em 01/07/2017, função de motorista, salário mensal de R$ 2.000,00, data de saída em 19/09/2023 (já considerada a projeção do aviso prévio), no prazo de 5 dias contados da intimação específica para tal, sob pena de multa a ser fixada pelo juízo da execução. Transcorrido o prazo in albis, determino que a MM. Secretaria da Vara do Trabalho faça as respectivas anotações na CTPS, sem prejuízo da multa. Ante a ausência de comprovante de quitação das parcelas requeridas, o pedido do reclamante de pagamento julgo procedente das seguintes verbas e limitado ao pedido: aviso prévio indenizado (45 dias); férias vencidas + 1/3 (2017/2018, 2018/2019, 2019/2020, 2020/2021, 2021/2022, 2022/2023); férias proporcionais + 1/3 (2/12, já considerando a projeção do aviso prévio); 13º salário de 2017 a 2022; 13º salário proporcional de 2023 (9/12, já considerando a projeção do aviso prévio); FGTS de todo o período + 40%, garantida a integralidade dos depósitos. Na liquidação, deverá ser observado o período imprescrito para o cálculo das verbas ora deferidas. Defiro, ainda, o pagamento da multa do art. 477 da CLT, diante da ausência de pagamento das verbas rescisórias, sendo certo que a jurisprudência é uníssona no sentido de que tal multa é devida mesmo quando o vínculo empregatício e a modalidade rescisória são definidas em juízo. Registro que a alegação de que o autor não tem direito a férias porque ficou deslogado em alguns períodos é totalmente descabida porque o gozo de férias exige a observância de requisitos legais, bem como pelo fato de não ter sido demonstrada. Registro, ainda, que a base de cálculo da remuneração partiu do valor líquido de comissão/corrida mensal que o autor informou na exordial, ou seja, a partir do valor que chegava diretamente às suas mãos, que já era o valor com o desconto adotado pela ré, de modo que esta não logrou comprovar realidade diversa, não havendo falar em "desconto da taxa de utilização da plataforma"." (fls. 808/816) Recursalmente a reclamada aduz que o ramo de negócio em que se enquadra é legalmente definido nas normas 12.587/2012 e 12.965/14. Defende ser empresa de tecnologia com a qual os motoristas não têm como serem classificados empregados, visto que "O motorista não realiza qualquer trabalho PARA o aplicativo, mas sim PELO aplicativo" (fl. 833). Afirma que seria mesmo o inverso, que "a Uber não contrata a prestação de serviços dos motoristas-parceiros, ao revés, são eles que, com o fito de maximizar os seus ganhos, contratam os serviços de intermediação desta empresa." (fl. 834). Invoca, ainda, o Tema 1291, e, aduz não estarem presentes os cinco requisitos caracterizadores das relações empregatícias. Pois bem. Quanto ao pedido do autor de reconhecimento do vínculo laboral, esclareço que para a configuração de uma relação de trabalho é imprescindível a conjugação dos cinco elementos fático-jurídicos insertos no caput dos arts. 2º e 3º da CLT, quais sejam: trabalho prestado por pessoa física a outrem, pessoalidade do prestador, não eventualidade, onerosidade e subordinação. A ausência de um ou mais destes requisitos impede o reconhecimento de liame empregatício entre as partes. Não reconhecido o vínculo, mas admitida a prestação de serviços, o ônus probatório de comprovar a inexistência de vínculo de emprego passa à ré, vide art. 818, da CLT. Diante do quadro fático delineado, identifico que a questão tem já entendimento firmado nesta Egrégia Turma. Neste sentido, eis fundamentos de voto do Exmo. Juiz convocado Antônio Umberto de Souza Júnior, no processo 0000850-39.2022.5.10.0015, cujas razões peço vênia para adotar como fundamentos de decisão: "2. RECONHECIMENTO DO CONTRATO DE EMPREGO Na inicial, o reclamante afirmou, após apresentar toda a documentação exigida pela reclamada (fl. 28), ter sido admitido pela empresa em 2/10/2017 para exercer a função de motorista, laborando 12 horas por dia e tendo uma folga semanal, de acordo com a demanda ofertada pela reclamada e sob ordens desta por meio de seu aplicativo, em horários variáveis, recebendo o pagamento mensal médio de R$ 2.500,00, tendo sido, sem qualquer justificativa, dispensado no dia 21/11/2021, com o bloqueio de seu perfil vinculado a reclamada, sem receber nenhum direito trabalhista reconhecido. Alegou que a reclamada desenvolve e explora atividade econômica viável, fixa as condições em que se dará a atividade, controla a execução do serviço, estabelece o preço da tarifa e detém o poder de rejeitar o motorista que não atinge determinados critérios de desempenho. Requereu o reconhecimento do vínculo empregatício, com os pagamentos das verbas correspondentes, bem como indenização por dano moral por precarização do labor e dispensa arbitrária. A reclamada se defendeu, afirmando que não há vínculo empregatício com o autor, pois ausentes os requisitos legais da relação de emprego. Aduziu que a relação jurídica existente entre a Uber e os motoristas parceiros possui eminente natureza de parceria comercial. Alegou que a reclamada não explora a atividade empresarial de transportes, mas sim a chamada economia de compartilhamento, especificamente da espécie "on-demand economy" (economia sob demanda), na qual, através de uma plataforma conectada à internet, apresenta um grande número de consumidores cadastrados na plataforma digital a trabalhadores independentes, que também se encontram cadastrados na mesma plataforma. O juízo de origem indeferiu o reconhecimento do vínculo de emprego e demais pedidos, como anotação da CTPS, pagamento de verbas rescisórias e indenização por dano moral. Eis os termos da sentença: "O reclamante alega que se ativou junto à plataforma da reclamada em 02/10/2017, informando seus antecedentes e juntando todos os documentos solicitados, sendo posteriormente aceito. Após, aduz que se ativou fervorosamente, perfazendo um salário mensal de cerca de R$ 2.500,00. Sustenta que laborava diariamente, em jornada média de 12 horas por dia, com uma folga semanal. Alega ter sido desligado sem justo motivo em 21/11/2021, sem receber qualquer indenização ou justificativa por parte da reclamada. Ao final, pleiteia o reconhecimento do vínculo empregatício, com o consequente pagamento das verbas contratuais e rescisórias devidas, além de indenização por dano de natureza extrapatrimonial. A reclamada, por sua vez, defende que é empresa de tecnologia utilizada pelos motoristas parceiros para localização e captação de usuários visando o seu deslocamento. O usuário, sabendo da eficiência da tecnologia, utiliza o mesmo aplicativo para encontrar motoristas. Aduz, diante disto, que não explora atividade empresarial de transporte, mas a chamada economia de compartilhamento, especificamente a economia sob demanda. Argumenta, portanto, que a relação jurídica firmada entre o Autor e a Ré é meramente comercial, sem qualquer subordinação, onerosidade, habitualidade, pessoalidade e alteridade, motivo pelo qual pleiteia a improcedência do pedido de reconhecimento de vínculo e demais verbas trabalhistas. Pois bem. Quanto ao tema, adoto as razões de decidir expostas na sentença proferida nos autos n. 0000439-41.2023.5.10.0021 pelo ilustre Juiz Luiz Henrique Marques da Rocha em relação ao mesmo tema, com as adaptações necessárias ao caso em apreço. Na análise da pretensão, faz-se necessário considerar que as relações de trabalho e os modelos econômicos têm sido fortemente impactados pelas novas tecnologias. Tal tendência, observada em escala mundial, decorre do dinamismo e flexibilização de atividades proporcionadas pela era digital e impacta diretamente a prestação de serviços no mercado. O debate é bastante complexo sobretudo porque, com o advento da pandemia de COVID-19, milhões de pessoas, por opção ou necessidade, passaram a se utilizar de plataformas virtuais para se conectar a empresas e clientes realizando trabalho independente, seja para complementar sua renda ou de forma integral. Fato é que o crescimento da chamada Economia de Aplicativos tem modificado sensivelmente o modelo tradicional do trabalho. Buscando conceituar o fenômeno, o termo Gig Economy tem sido utilizado para definir esse novo modelo econômico que vem reordenando a força de trabalho, para atender a demandas pontuais das empresas e consumidores. (O Que é GIG Economy. Marketing Job. Disponível em: https://www.marketingjob.com.br/o-que-e-gig-economy/. Acesso em 22/03/2023.) O ordenamento justrabalhista pátrio ainda não deliberou sobre o assunto, exigindo a CLT, em seus arts. 2º e 3º, a satisfação dos requisitos fático-jurídicos para reconhecimento do vínculo de emprego, sobretudo a subordinação jurídica. Para a configuração do vínculo de emprego faz-se necessária a presença, concomitante, dos requisitos previstos nos artigos 2º e 3º, da CLT, a saber: trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica. O requisito da pessoalidade indica que o contrato de trabalho é intuitu personae, isto é, o empregado deve executar suas atividades pessoalmente, sem se fazer substituir. A não-eventualidade relaciona-se diretamente ao princípio da continuidade da relação de emprego e traduz-se no fato de que o serviço seja necessário à atividade normal do empregador. A onerosidade, por sua vez, representa a contraprestação devida e paga ao empregado em razão do contrato de trabalho. Por fim, o requisito da subordinação, considerado o elemento de maior relevância na configuração empregatícia, traduz-se, em suma, "na situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará" (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação do Direito do Trabalho. 14 ed. São Paulo, LtTr, 1989, p.103). A reclamada juntou o Instrumento Jurídico Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital às fls. 703/725, que em seu item 1.4 apresenta o conceito de motorista: "1.4. "Motorista" significa uma pessoa física, ou um(a) representante, funcionário(a) ou prestador(a) de serviços do(a) Cliente: (a) que atenda os requisitos então vigentes da Uber para ser um (a) motorista ativo(a) que utiliza os Serviços da Uber; (b) a quem a Uber autorizou a acessar os Serviços da Uber para prestar Serviços de Transporte em favor do(a) Cliente; e (c) que, no caso de um(a) representante, funcionário(a) ou prestador(a) de serviços do Cliente, tenha assinado o Adendo de Motorista." (fl.704) O instrumento jurídico que iniciou a relação entre as partes, deixa claro que a relação existente não se configuraria relação de emprego, mas sim autorização de acesso à utilização de tecnologia por aplicativo para angariação e prospecção de clientes para prestadores de serviços de transporte. Em audiência, a reclamada salientou a existência de pontos incontroversos. Conforme ajustado entre as partes, os pontos indiscutíveis já são de conhecimento mútuo (fl. 880). Com efeito, a relação dos pontos incontroversos foi juntada aos autos às fls. 882/883, sendo os seguintes: 1- ficava a critério do motorista o início e término do horário de utilização da plataforma; 2- o motorista poderia alterar a rota definida pelo aplicativo em comum acordo com o passageiro, o que pode ou não gerar alteração de valor; 3- não havia exigência quanto ao número mínimo de viagens diárias; 4- ficava a critério do motorista a participação ou não em promoções; 5- o motorista apenas fez o cadastro por meio do aplicativo, não sendo realizado nenhum processo seletivo; 6- é critério do motorista utilizar outras plataformas; 7- o motorista decide os dias de folga e nos dias de folga, não era necessário justificar a ausência na plataforma; 8- poderia receber o valor da viagem diretamente do passageiro, quando pago em dinheiro; 9 - o motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro; 10 - a reclamada não garante remuneração mínima ao final do dia/mês; 11 - a reclamada aceita que dois ou mais motoristas usem o mesmo carro; 12- não é obrigatório o fornecimento de água e bala, ficando a critério do motorista. Ao exame, considero que a autonomia do prestador de serviços se revelou inerente à relação, pois, a autora laborava mediante preço pré-fixado, por corrida e somente recebia pagamento se executasse a atividade. É dizer, a laborista era responsável pelos próprios rendimentos, que, no particular, se revelam superiores aos percebidos por empregados na mesma função. Ressalto, por oportuno, que a adequação da prestação de serviços às regras da plataforma digital e às normas que regem as relações de consumo não se confunde com subordinação, pois, em toda relação contratual há direitos e obrigações para ambas as partes. Os pontos incontroversos delimitados pelas partes em audiência e juntados aos autos posteriormente demonstraram que a reclamante tinha plena liberdade para escolher e decidir sobre os horários que disponibilizaria à reclamada, o que desvirtua o requisito de subordinação exigido pelo art. 3º, da CLT para configuração do liame empregatício. O requisito pessoalidade restou igualmente afastado haja vista a reclamante poderia fazer-se substituir na execução do serviços, pois, "a reclamada aceita que dois ou mais motoristas usem o mesmo carro". Em recente análise do tema o Pretório Excelso ressaltou a licitude do contrato e entendeu que a relação estabelecida entre o motorista e a empresa que oferece a tecnologia para o transporte não configura vínculo de emprego. Nesse sentido, cito trecho do voto proferido na RCL 59795/MG de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes: "Verifica-se, assim, a posição reiterada da CORTE no sentido da permissão constitucional de formas alternativas da relação de emprego, conforme também já se reconheceu em casos de afastamento da ilicitude de terceirizações por meio da contratação de pessoas jurídicas constituídas para prestação de serviços na atividade fim da entidade contratante: Rcl 39.351 AgR (Rel. Min. ROSA WEBER, Red. p/ Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020) e da Rcl 47.843 AgR (Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Red. p/ Acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 7/4/2022), esta última assim ementada: "CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. OFENSA AO QUE DECIDIDO POR ESTE TRIBUNAL NO JULGAMENTO DA ADPF 324 E DO TEMA 725 DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO PROVIDO. 1. A controvérsia, nestes autos, é comum tanto ao decidido no julgamento da ADPF 324 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO), quanto ao objeto de análise do Tema 725 (RE 958.252, Rel. Min. LUIZ FUX), em que esta CORTE fixou tese no sentido de que: 'É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante'. 2. A Primeira Turma já decidiu, em caso análogo, ser lícita a terceirização por 'pejotização', não havendo falar em irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante (Rcl 39.351 AgR; Rel. Min. ROSA WEBER, Red. p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 11/5/2020). 3. Recurso de Agravo ao qual se dá provimento." Conforme destacou o Min. ROBERTO BARROSO no julgamento da Rcl 56.285/SP (j. 06/12/2022): "12. Considero, portanto, que o contrato de emprego não é a única forma de se estabelecerem relações de trabalho. Um mesmo mercado pode comportar alguns profissionais que sejam contratados pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho e outros profissionais cuja atuação tenha um caráter de eventualidade ou maior autonomia. Desse modo, são lícitos, ainda que para a execução da atividade-fim da empresa, os contratos de terceirização de mão de obra, pareceria, sociedade e de prestação de serviços por pessoa jurídica (pejotização), desde que o contrato seja real, isto é, de que não haja relação de emprego com a empresa tomadora do serviço, com subordinação, horário para cumprir e outras obrigações típicas do contrato trabalhista, hipótese em que se estaria fraudando a contratação." Transferindo-se as conclusões da CORTE para o caso em análise, tem-se a mesma lógica para se autorizar a constituição de vínculos distintos da relação de emprego, legitimando-se a escolha. A decisão reclamada, portanto, ao reconhecer vínculo de emprego entre motorista parceiro e a plataforma, desconsidera as conclusões do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no julgamento da ADC 48, na ADPF 324, no RE 958.252 (Tema 725-RG), na ADI 5835 MC/DF e no RE 688.223 (Tema 590-RG), que permitem diversos tipos de contratos distintos da estrutura tradicional do contrato de emprego regido pela CLT. (...) (STF - RCL: 59795 MG, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, Data de Julgamento: 19/05/2023, Data de Publicação: 24/05/2023) Cumpre registrar que nas ações trabalhistas envolvendo a mesma reclamada dos presentes autos, o Col. TST tem entendido que o trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de oferta de motoristas e demanda de passageiros, não atende aos elementos configuradores da relação de emprego previstos nos artigos 2º e 3º da CLT. Neste sentido, confiram-se os precedentes: "RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA. RITO SUMARÍSSIMO. UBER E MOTORISTA DE APLICATIVO. INEXISTÊNCIA DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. 1. Não se desconhece que, em tempos atuais, a economia globalizada e a tecnologia aproximam pessoas que, conjugando interesses em um mundo em constante evolução e transformação, erigem novas modalidades de contrato atividade. Dentre o extenso rol de novas atividades surgidas ao longo dos últimos anos, destaca-se a do motorista de aplicativo, que propiciou maior dinamismo e facilidade no transporte de pessoas/produtos. 2. A controvérsia dos autos diz respeito ao enquadramento jurídico dessa nova relação de trabalho que aproxima o motorista e a empresa que oferece tecnologia para o transporte de pessoas/produtos por meio de uma interface entre o prestador do serviço e o usuário-cliente. 3. A respeito do tema é oportuna e atual a advertência de PAULO EMÍLIO RIBEIRO DE VILHENA: " Na atual conjuntura do Direito do Trabalho brasileiro, não podem o juiz, o intérprete, o aplicador do direito, deixar de ver que se está processando um gradual e respingado deslocamento do eixo dos princípios que alicerçam o Direito do Trabalho, representado pelos arts. 2º, 3º, 9º e 448 da CLT, o que torna, nestes dias que correm, incompreensível e indiscriminada, arbitrária e porque não dizer fanática e tendenciosa canalização de qualquer relação de trabalho, de qualquer contrato atividade (Molitor), tais como na representação comercial, franchising, a dos sócios diretores de empresas, a das empreitadas, ou na das cooperativas para o agasalho da relação de emprego como se a ordem jurídica e a infra-estrutura que ela cobre estivessem impregnadas de uma permanente fraude geral. (VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro; Relação de emprego. Estrutura legal e supostos; São Paulo: LTR, 1999, pág. 138). 4. Os fatos retratados no acórdão regional evidenciam que a relação jurídica que se estabeleceu entre a empresa de aplicativo e o autor não era de emprego, especialmente pela falta de subordinação jurídica, pois a empresa não dava ordens aos motoristas e nem coordenava a prestação do serviço (ausente o poder direito da empresa). 5. Registrou-se que o motorista liga/desliga seu aplicativo a hora que bem entender, faz as suas corridas na hora que quiser, pelo tempo que quiser, escolhendo os clientes que quiser, onde quiser. Essa ampla margem de liberdade e autodeterminação evidencia autonomia, o que é incompatível com a relação de emprego, que tem como pressuposto intrínseco a subordinação jurídica. 6. Impende destacar, ainda, que a observância de regras mínimas estabelecidas pela empresa para uso do aplicativo não significa ingerência desta no modo de trabalho prestado, e não tem o condão de afastar a autonomia do motorista, uma vez que, tratando-se de obrigações contratuais, serve apenas para preservar a credibilidade do aplicativo, mantendo-se a fidelidade dos seus usuários, em prol do sucesso do negócio jurídico entabulado. 7. Nesse contexto, nota-se claramente que: a) a UBER é uma empresa de aplicativo, que pactua negócio jurídico com motorista autônomo, para que este possa usufruir da tecnologia ofertada e, em contrapartida, como consequência lógica do aproveitamento do aplicativo para captação de clientes, retira um percentual dos ganhos auferidos; b) o motorista presta serviços diretamente para o passageiro, por meio dessa ferramenta tecnológica (instrumento de trabalho) que possibilita a interação entre motorista e usuário-cliente, com autodeterminação na execução do serviço contratado e assunção do ônus econômico da sua atividade. O motorista usa o aplicativo, não é usado por ele. 8. Não se desconhece a notória necessidade de proteção jurídica aos motoristas de aplicativo, porém, tal desiderato protetivo deve ser alcançado via legislativa, nada justificando trazê-los ao abrigo de uma relação de emprego que não foi pactuada, almejada e muito menos concretizada durante o desenvolvimento cotidiano da atividade. 9. Nessa perspectiva, não se divisa ofensa direta e literal aos dispositivos constitucionais invocados pelo autor. Recurso de revista de que não se conhece" (RR-271-74.2022.5.13.0026, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 28/04/2023). AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO. MOTORISTA DE APLICATIVO . UBER DO BRASIL. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO. I. A relação de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a editar, não pode o julgador aplicar o padrão da relação de emprego para todos os casos. O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo). O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. II. As inovações tecnológicas estão transformando todas e cada parte de nossas vidas. A tecnologia não pede licença, mas sim, desculpa. A capacidade de trocar de forma rápida e barata grandes quantidades de dados e informações permitiu o surgimento da economia digital e do trabalho pelas plataformas digitais. Tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento, os consumidores adotaram essa transformação, pois serviços e bens são entregues de maneiras mais baratas e convenientes. Assim, as empresas se adaptaram para atender essa demanda do mercado consumidor. III. O trabalho pela plataforma tecnológica - e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos 2º e 3º da CLT, pois o usuário-motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de transporte para os usuários-clientes, sem qualquer exigência de trabalho mínimo, de número mínimo de viagens por período, de faturamento mínimo. No presente caso, o próprio motorista reconheceu que exercia outra atividade e ativava o aplicativo apenas nas horas vagas e quando assim desejasse. IV. Fundamentos da decisão agravada não desconstituídos. V. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento, com aplicação da multa de 1% sobre o valor da causa, em favor da parte Agravada, com fundamento no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015. (TST - Ag-AIRR: 00206145020205040014, Relator: Alexandre Luiz Ramos, Data de Julgamento: 14/02/2023, 4ª Turma, Data de Publicação: 17/03/2023). AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Conforme já exposto na decisão agravada, os elementos constantes dos autos revelam a inexistência do vínculo empregatício, tendo em vista a autonomia no desempenho das atividades do autor, a descaracterizar a subordinação. Isso porque é fato indubitável que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. E, relativamente aos termos e condições relacionados aos referidos serviços, esta Corte, ao julgar processos envolvendo motoristas de aplicativo, ressaltou que o motorista percebe uma reserva do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Ante a improcedência do recurso, aplica-se à parte agravante a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC. Agravo não provido, com imposição de multa. (TST - Ag: 10011607320185020473, Relator: Breno Medeiros, Data de Julgamento: 04/08/2021, 5ª Turma, Data de Publicação: 20/08/2021) Isto posto, considerando que os pontos incontroversos são contrários à tese obreira, evidenciando a autonomia na prestação de serviços, e com arrimo na recente jurisprudência quanto ao tema, julgo improcedentes todos os pedidos, inclusive quanto ao pleito de indenização por danos morais, pois não verificada a ocorrência de qualquer ato ilícito por parte da reclamada." (fls. 885/894) Recorre o reclamante, insurgindo-se contra a decisão de origem que indeferiu o reconhecimento do vínculo de emprego, renovando, em síntese, os argumentos expostos em sua petição inicial sustentando a presença dos requisitos da relação empregatícia. De acordo com o Contrato Social de fls. 104/116, o objeto social da reclamada, Uber do Brasil Tecnologia, compreende dentre outras atividades a "intermediação de serviços sob demanda, por meio de plataforma tecnológica digital" (fl. 110). Contudo, os Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital (fls. 703/725) demonstram que a reclamada está vinculada, na verdade, exclusivamente à prestação de serviços de transportes, recebendo valores decorrentes desse serviço prestado pelos motoristas filiados, apesar da negativa expressa contida no mesmo documento. Transcrevo abaixo trecho dos Termos e Condições dos Serviços Intermediação Digital: "A Uber disponibiliza os Serviços da Uber (conforme definição abaixo) com a finalidade de viabilizar a angariação e prospecção de clientes para prestadores de Serviços de Transporte (esses prestadores de serviços de transporte podem ser pessoas físicas que forneçam Serviços de Transporte de passageiros ponto-a-ponto ("P2P") ou empresas de transporte independentes que possuam e/ou operem um único veículo ou uma frota de veículos conduzidos por "Motoristas" (conforme definição abaixo)). Os Serviços da Uber permitem que um(a) fornecedor(a) de transporte autorizado(a) procure, receba e atenda solicitações de Serviços de Transporte (conforme definição abaixo) por um(a) Usuário(a) (conforme definição abaixo) autorizado(a) do aplicativo móvel da Uber. O(A) Cliente está autorizado(a) a prestar Serviços de Transporte na(s) jurisdição(ões) em que atua, e deseja celebrar este Contrato com a finalidade de acessar e usar os Serviços da Uber para melhorar o seu Serviço de Transporte. O(A) Cliente reconhece e concorda que a Uber se limita a fornecer serviços de intermediação mediante o uso de tecnologia, e não fornece Serviços de Transporte, não atua como uma empresa de transporte e nem opera como um agente para o transporte de passageiros." (Destaque do Relator - fl. 703) O item 5.1 do referido documento indica que a licença de operação concedida pela reclamada se dá sem royalties e exclusivamente para a finalidade de prestação de serviços de transporte aos usuários, conforme transcrito abaixo: "5. Direitos de Propriedade; Licença 5.1. Concessão da Licença. Sujeito aos termos e condições deste Contrato, a Uber por força do presente concede ao(à) Cliente uma licença não exclusiva, isenta de royalties, não transferível, não sublicenciável e não transferível, durante a vigência do presente Contrato, para acessar e usar (e permitir que seus(suas) Motoristas acessem e usem) o Aplicativo de Motorista em relação à prestação dos Serviços da Uber exclusivamente para a finalidade de prestar Serviços de Transporte aos(às) Usuários(as) e rastreamento resultante dos Preços e Taxas. Todos os direitos não expressamente concedidos ao(à) Cliente são reservados pela Uber, suas Afiliadas e seus respectivos licenciadores." (fls. 716/717) A Lei n° 13.640/2018, que modificou os termos da Lei n° 12.587/2012, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, prevê no seu artigo 4°: Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se: [...] X - transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede. Como se vê, a atividade transcrita no art. 4°, X, da Lei nº 12.587/2012 se enquadra no modelo de atividade de negócios desempenhada pela reclamada. Dessa forma, identificada a atividade de negócios da Uber, cabe verificar se se fazem presentes, no presente caso, os requisitos previstos nos arts. 2° e 3° da CLT, que caracterizam o contrato de trabalho, quais sejam pessoalidade, salário, prestação de serviços de natureza não eventual e a subordinação jurídica. É necessário a materialização dos quatro requisitos para que haja o reconhecimento do vínculo empregatício. A exclusividade não é um requisito do contrato de emprego, dessa forma, pode existir no contrato de prestação de serviços. Admitida pela reclamada a prestação de serviços pelo reclamante, recai sobre os ombros daquela o encargo de demonstrar a ausência de qualquer dos elementos configuradores da relação de emprego. Conforme mencionado, a reclamada acostou aos autos os Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital (fls. 703/725), onde se observa a existência de requisitos mínimos para a admissão e regras a serem cumpridas pelos motoristas usuários, sob pena de exclusão da plataforma, mas não se verifica em tais termos nenhuma exigência de jornada fixa ou obrigatoriedade do prestador de serviços realizar viagens determinadas pela ré. Os documentos de fls. 190/700 apontam as viagens realizadas pelo autor, em horários variados e diferentes turnos. O parecer do grupo de estudos "GE UBER", do Ministério Público do Trabalho (fls. 35/80), não vincula o presente juízo, que realiza análise específica e detalhada no caso trazido à revisão. As partes dispensaram os depoimentos pessoais (fl. 880 - 8º §). Consta da ata que as partes juntaram prova emprestada. As únicas atas de audiência que foram juntadas estão às fls. 126/130 e foram carreadas pela reclamada. As mesmas atas foram repetidas às fls. 763/767. As atas de audiência se referem aos processos n.ºs 1001906-63.2016.5.02.0067 e 0100776-82.2017.5.01.0026. No processo n.º 1001906-63.2016.5.02.0067, a testemunha arrolada pela reclamada, Pedro Pacce Pronchno, declarou que: "1) que trabalha na Uber, registrado, como gerente de comunicação;2) que tem conhecimento sobre como funciona a plataforma e o contato com os motoristas; 3) que não entra em contato com os motoristas, apenas raramente quando há alguma solicitação da imprensa para dar entrevistas por exemplo; 4) que a plataforma e o funcionamento são os mesmos em todo o territorio nacional; 5) que qualquer pessoa pode entrar no site da uber e preencher informações para se tornar um motorista da uber; 6) que a uber apenas solicita documentos pessoais, carteira de motorista com observação de que exerce atividade remunerada; 7) que com o cadastramento do motorista, o mesmo recebe as informações sobre funcionamento da plataforma por e-mail, pelo site e pelo próprio aplicativo; 8) que o motorista precisa concordar com essas regras; 9) que o "de acordo" com as normas é realizado pelo motorista parceiro no próprio site da uber ou no aplicativo; 10) que não há treinamentos ou entrevistas com o motorista; 11) que o próprio motorista arca com valores de combustível, multas e afins; 12) que o motorista parceiro pode ter outras pessoas cadastradas para utilização do mesmo carro; 13) que nesse caso, os valores pagos caem na conta da pessoa principal que fez o cadastro, sendo responsável pela divisão posterior; 14) que a reclamada não obrigada o motorista a comprar carro, podendo este ser alugado, de amigo ou de familiar, devendo apenas ter acesso à documentação do veículo ; 15) que quem decide os dias e horários em que irá ligar o aplicativo é o próprio motorista, podendo desligar sempre que desejar; 16) que o motorista pode negar corrida, pode deixar o aplicativo desligado; 17) que para segurança da plataforma, se o motorista ficar inativo por longo período, não sabendo especificar quanto, há o descadastramento, mas o mesmo pode ser recadastrado imediatamente quando solicitado;18) que não há penalidade se o motorista desligar o aplicativo; 19) que o motorista não recebe ordens diretas de ninguém da Uber, nem é fiscalizado por ninguém quanto à sua jornada ou seu dia a dia; 20) que o motorista não tem que prestar contas para ninguém da uber; 21) que a reclamada não fixa jornada ou corridas mínimas ; 22) que quem avalia a viagem são os próprios usuários e os motoristas avaliam os usuários; 23) que se a avaliação for ruim, os dois lados podem ser descadastrados; 24) que a divisão da corrida é variável, sendo do uber black 20% para a uber e o restante para o parceiro e no uberX 25% para a uber; 25) que o motorista pode dirigir para outros aplicativos ou particular; 26) que o motorista pode dar desconto, pelo próprio aplicativo ; 27) que não é necessário uso de uniforme ou terno, não havendo qualquer norma de etiqueta; 28) que a reclamada não obriga a fornecer água e bala; 29) que a reclamada envia mensagens aos motoristas (dicas de outros motoristas para inspirar outros motoristas parceiros); 30) que nas mensagens podem também haver indicação de promocao ou grandes eventos na cidade para que os motoristas possam optar por cobri-los ou não ; 31) que a uber não fixa metas, não avalia os motoristas; 32) que quem decide o trajeto são as partes dentro do veículo ou através de GPS; 33) que não tem certeza se é gerada nota fiscal do serviço; 34) que se não houver água e bala não há punição ;35) que se o motorista recusar corridas em dinheiro, de maneira recorrente, pode ser descadastrado; 36) que acredita que em tal caso não poderá se cadastrar novamente; 37) que não ocorre exclusão através de uma única avaliação negativa,; 38) que o uber tem acesso às viagens realizadas, com sua duração, para que seja realizado o pagamento ao parceiro; 39) que se o pagamento é realizado em dinheiro o próprio cliente faz o pagamento e, se for cartão, a uber repassa; 40) que o repasse ocorre através de depósito em conta indicada pelo motorista, com frequência semanal sempre que houver saldo a receber; 41) que a única indicação da uber é que haja respeito entre motorista e usuário, o que consta nos próprios termos de uso; 42) que não tem como especificar quantas horas o reclamante trabalhava. Nada mais." (fls. 126/127) A testemunha Vitor de Lalor Rodrigues da Silva, arrolada pelo autor do processo n.º 0100776-82.2017.5.01.0026, declarou: "que é gerente de operações no RJ; que qualquer pessoa pode acessar a plataforma para a Uber; que não é feita entrevista nem feito treinamento; que não há uso de uniforme obrigatório; que não há chefe para o motorista parceiro; que o motorista não envia relatório; que não precisa autorização para desligar o aplicativo; que não é obrigatório bala e água; que é possível o motorista cadastrar mais uma pessoa para conduzir o veículo; que o pagamento é feito ao motorista principal mas o auxiliar recebe um relatório do que ele fez; que é possível usar o aplicativo de concorrente e não há punição; que a avaliação do motorista é feita apenas pelo usuário; que o motorista também avalia o usuário, sem interferência da empresa; que o caminho a ser seguido é decisão do usuário; que é possível ao motorista ficar dias sem se conectar, inclusive longos períodos (6 meses/1 ano) sem precisar avisar ninguém; que o cancelamento de viagem pelo motorista não gera punição; que pode ocorrer de um motorista cancelar a viagem durante seu desenvolvimento; que o motorista pode dar desconto se o pagamento é feito em dinheiro; que não há ajuda financeira da Uber ao motorista para combustível, IPVA e manutenção; que a Uber emite nota fiscal; que se o usuário tem algum débito isso é cobrado na viagem seguinte"." (fl. 129). A testemunha Pedro Pacce Prochno, gerente de comunicação da Uber, com conhecimento de como funciona a plataforma e o contato com os motoristas, declarou que o motorista precisa concordar com as regras sobre o funcionamento da plataforma, mas é ele quem decide os dias e horários em que irá ligar o aplicativo, podendo negar corrida e desligar sempre que desejar. Informou que, para segurança da plataforma, pode acontecer de o motorista ser descadastrado se ficar inativo por longo período, mas pode ser recadastrado imediatamente quando solicitado. Disse que não há penalidade se o motorista desligar o aplicativo. Revelou que o motorista não recebe ordens diretas, não é fiscalizado quanto à sua jornada ou seu dia a dia, não tem que prestar contas para ninguém da Uber. Afirmou ainda que a reclamada não fixa jornadas ou corridas mínimas. A testemunha Vitor de Lalor Rodrigues da Silva, gerente de operações no RJ, afirmou que não há chefe para o motorista parceiro, sendo que o motorista não envia relatório, não precisa de autorização para desligar o aplicativo nem precisa dar satisfação quanto ao tempo que fica sem usar o aplicativo. Como se vê, as declarações das duas testemunhas são no sentido de que inexiste subordinação entre a empresa ré e os motoristas, pois há liberdade para o motorista decidir quando e se disponibilizará o serviço de transporte. A existência de regras e políticas de conduta não são capazes de caracterizar a subordinação jurídica alegada pelo reclamante. A prova emprestada confirma o teor das demais provas produzidas nos autos quanto à inexistência de relação de emprego, demonstrando apenas o trabalho autônomo do autor. Incólumes os arts. 1º, III e IV, da CF e 2º, 3º e 482 da CLT. Assim, não tendo o recorrente trazido aos autos fundamentos capazes de desconstituírem as conclusões a que chegou a decisão de primeiro grau, mantenho a sentença que julgou improcedente o reconhecimento de vínculo empregatício e consequentemente os demais pedidos derivados, como anotação da CTPS e pagamento das verbas rescisórias, inclusive a indenização por dano moral. Este Relator tem adotado o posicionamento negacionista em prestígio ao princípio da colegialidade, pois, no âmbito desta 3ª Turma, tem-se sistematicamente negado o vínculo com a UBER, mesmo se, esquisitamente, no caso, o preço dos serviços não é definido pelo prestador, mas pelo intermediador gestor da plataforma, minando qualquer ideia de verdadeira autonomia na relação entre motorista e plataforma. Assim, fica ostensivamente registrada a minha ressalva de entendimento pessoal na matéria. Diante do exposto, nego provimento ao recurso." Assim, dou provimento ao recurso ordinário da ré para não reconhecer o vínculo empregatício entre reclamante e reclamada, e, consequentemente, excluir da condenação todos os pedidos relacionados ao principal/dele decorrentes. Honorários advocatícios Dada a inversão da sucumbência, pugna a recorrente que o autor seja condenado ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais sem consideração de inconstitucionalidade do art. 791-A, §4º, da CLT. Pois bem. Conforme a legislação vigente, os honorários advocatícios de sucumbência são devidos entre o mínimo de 5% e o máximo de 15%. Ressalto que a condenação ao pagamento de honorários decorre da mera sucumbência, devendo ser definidos mesmo quando não houver requerimento ou recurso das partes acerca do tema. Considerando a complexidade da causa, o zelo profissional dos patronos e as despesas necessárias para o acompanhamento do processo, esta Egrégia Turma tem julgado adequado o quantum de 10% em ações como a presente, importe que adoto/fixo para o caso. Quando sucumbente o reclamante, esta Egrégia Turma tem entendido também ser devida a condenação em tal importe; no entanto, também aplicável/respeitada a suspensão de exigibilidade dos honorários devidos pela parte autora face às benesses da gratuidade de justiça concedidas ao autor. Assim, dou parcial provimento ao recurso para condenar o reclamante ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais no importe do 10% sobre o valor liquidado, observada a condição suspensiva de exigibilidade, podendo ser executada, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado, somente se o/a credor/a demonstrar que a situação de miserabilidade do reclamante deixou de existir. Ressalvas do Relator. CONCLUSÃO Pelo exposto, conheço do recurso da reclamada, rejeito a preliminar de incompetência material da Justiça do Trabalho, e, no mérito, dou-lhe parcial provimento para não reconhecer o vínculo de emprego entre as partes, julgar totalmente improcedente a ação e condenar o reclamante ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor dos pedidos em que sucumbiu, observada a condição suspensiva de exigibilidade e custas pelo reclamante no importe de R$ 1.868,70 calculadas sobre o valor dado à causa, deferida a isenção. ACÓRDÃO Por tais fundamentos, ACORDAM os Desembargadores da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, em sessão turmária e conforme o contido na respectiva certidão de julgamento, conhecer do recurso da ré, rejeitar a preliminar de incompetência material da Justiça do Trabalho, e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para não reconhecer o vínculo de emprego entre as partes, julgar a ação totalmente improcedente, assim como condenar o reclamante ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais no importe de 10% sobre o valor dos pedidos em que sucumbiu, observada a condição suspensiva de exigibilidade e custas de R$ 1.868,70, calculadas sobre o valor dado à causa, deferida a isenção. Tudo nos termos do voto do Desembargador Relator. Ementa aprovada. Brasília (DF), sala de sessões. Julgamento ocorrido à unanimidade de votos, estando presentes os Desembargadores Pedro Luís Vicentin Foltran (Presidente), Maria Regina Machado Guimarães, Brasilino Santos Ramos, consignando ressalvas de entendimento no presente processo, Cilene Ferreira Amaro Santos e Augusto César Alves de Souza Barreto. Representando o Ministério Público do Trabalho a Procuradora Regional do Trabalho Valesca de Morais do Monte. Fez-se presente em plenário o advogado Felipe Maia Correia representando a parte Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Secretária-adjunta da Turma, a Sra. Bárbara França Gontijo. Secretaria da 3ª Turma. Brasília /DF, 23 de abril de 2025. (data do julgamento). ASSINATURA PEDRO LUÍS VICENTIN FOLTRAN Desembargador Relator mms BRASILIA/DF, 25 de abril de 2025. ELPIDIO HONORIO DA SILVA, Servidor de Secretaria
Intimado(s) / Citado(s)
- UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.
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