Daniela Barbosa Viana x H. A. Pimenta & Cia Ltda - Epp e outros
ID: 262746060
Tribunal: TRT3
Órgão: Vara do Trabalho de Unaí
Classe: AçãO TRABALHISTA - RITO ORDINáRIO
Nº Processo: 0010006-89.2025.5.03.0096
Data de Disponibilização:
30/04/2025
Advogados:
PRISCILA SILVA
OAB/DF XXXXXX
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BRUNO TEIXEIRA BRANDAO
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO VARA DO TRABALHO DE UNAÍ 0010006-89.2025.5.03.0096 : DANIELA BARBOSA VIANA : HUMA CEREAIS LTDA E OUTROS (6) INT…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO VARA DO TRABALHO DE UNAÍ 0010006-89.2025.5.03.0096 : DANIELA BARBOSA VIANA : HUMA CEREAIS LTDA E OUTROS (6) INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Sentença ID 696256e proferida nos autos. S E N T E N Ç A I - RELATÓRIO DANIELA BARBOSA VIANA, devidamente qualificada na inicial, propôs reclamação trabalhista em face de HUMA CEREAIS LTDA, HUMA TRANSPORTES LTDA, H. A. PIMENTA & CIA LTDA, HP ARMAZENS GERAIS LTDA, HP TRADING COMPANY LTDA, HP TECH TECNOLOGIA LTDA e HP COMERCIO AGENCIAMENTO E CORRETAGEM DE GRAOS LTDA, aduzindo ter sido contratada em 01/06/2020, sendo o último dia trabalhado em 13/12/2024. Afirma a existência de grupo econômico entre as rés; que sua remuneração real (formal + extra folha) era superior à registrada em CTPS, requerendo a integralização e retificação; que acumulava funções (limpeza, copeira, cobertura de recepcionista), pleiteando adicional; que laborava em sobrejornada (horas extras) e permanecia em regime de sobreaviso, sem a devida contraprestação; que sofreu dano existencial pela sobrecarga de trabalho e impossibilidade de descanso e lazer; que a empregadora descumpriu obrigações contratuais (art. 483, "d", CLT), como o correto pagamento salarial, recolhimentos de FGTS e contribuições previdenciárias, pleiteando a rescisão indireta do contrato de trabalho com o pagamento das verbas rescisórias decorrentes. Apresenta, por fim, os pedidos arrolados às fls. 19/22. Deu à causa o valor de R$ 378.189,62. Juntou documentos (fls.23/127). Regularmente notificadas, as partes reclamadas compareceram à audiência inicial (id.e3897a2) e, recusada a tentativa de conciliação, apresentaram contestações (Ids. 16eda63 e f2fdb1e), acompanhadas de documentos (fls. 249/256 e 347/350). Em defesa, as rés refutaram as pretensões da parte autora, alegando, em suma, que a rescisão contratual ocorreu por iniciativa da reclamante (pedido de demissão); negaram o pagamento extra folha, o acúmulo de funções, o labor em horas extras e o regime de sobreaviso; impugnaram as verbas rescisórias e o dano existencial pleiteados, pugnando pela total improcedência da demanda, com a condenação da autora nos ônus sucumbenciais. Impugnação à defesa e documentos (id. 4abe070). Na audiência de Id.44abbf3, foi ouvida a testemunha arrolada pela parte reclamante. Sem outras provas a produzir, foi encerrada a instrução processual. Razões finais orais remissivas e conciliação rejeitada. É o relatório II – FUNDAMENTAÇÃO INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DURANTE O VÍNCULO. PRONUNCIAMENTO DE OFÍCIO No tocante às contribuições previdenciárias relativas aos valores recebidos durante o período contratual, a justiça do trabalho é incompetente para apreciar e julgar a pretensão. Nos termos da Súmula Vinculante n. 58 do STF, “A competência da Justiça do Trabalho prevista no art. 114, VIII, da Constituição Federal alcança a execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados”, sendo absolutamente incompetente para determinar o recolhimento previdenciário sobre parcelas quitadas durante o vínculo. Portanto, declaro a incompetência absoluta deste juízo para apreciar e julgar pretensão quanto aos recolhimentos previdenciários concernentes aos valores pagos no período contratual. GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA O Reclamante postula o reconhecimento da existência de grupo econômico entre as empresas Reclamadas, para fins de responsabilização solidária, sob a alegação de que as empresas, embora tenham personalidades jurídicas distintas, submetem-se a uma gestão em comum sob o mesmo sócio-administrador, e compartilham atividades relacionadas ao setor do agronegócio. Nos termos do artigo 2º, § 2º, da CLT, há caracterização de grupo econômico quando duas ou mais empresas, embora possuam personalidade jurídica própria, estejam sob a mesma direção, controle ou administração, ou ainda quando houver entre elas comunhão de interesses e atuação coordenada. No caso em análise, nota-se que o conjunto probatório revela elementos suficientes para o reconhecimento da existência de grupo econômico entre as reclamadas. As empresas atuam em segmentos complementares, pois atuam no comércio de cereais e/ou na prestação de serviços de agronomia e consultoria a atividades agropecuárias (fls. 72/85), caracterizando uma inequívoca comunhão de interesses econômicos. Ressalta-se que a administração das empresas Huma Cereais Ltda, Huma Transportes Ltda, HP Pimenta e Cia Ltda – EPP, HP Armazéns Gerais Ltda e HP Trading Company Ltda está centralizada no sócio Hugo Alves Pimenta (fls.79/85), evidenciando a existência de direção e controle comum. Merece destaque o fato de que os documentos oriundos de inquérito da Polícia Federal juntadas pela reclamante no id.dbffb57, revelam fortes indícios de falsidade documental, demonstrando que Victor Hugo Pimenta Junior, formalmente identificado no CNPJ como sócio-administrador das empresas HP Tech Tecnologia Ltda e HP Comércio Agenciamento e Corretagem de Grãos Ltda, seria, na verdade, Hugo Alves Pimenta, sócio-administrador das demais reclamadas Tal circunstância corrobora a tese de controle unificado sob a mesma pessoa física, possivelmente, mediante artifícios documentais destinados a dissimular a integração empresarial. Constata-se também a ocorrência de intercâmbio financeiro e contratual, visto que a contratação da reclamante foi realizada pela empresa Huma Transportes Ltda (fls. 24/25), enquanto os pagamentos eram efetivados pela empresa H. A. Pimenta & Cia Ltda - EPP (fls. 63/65), indicando que as empresas atuam de forma integrada e não independentes, como alegado na contestação. Cumpre mencionar ainda, que as empresas HP Armazéns Gerais Ltda, HP Trading Company Ltda, HP Tech Tecnologia Ltda e HP Comércio Agenciamento e Corretagem de Grãos Ltda apresentaram contestação em conjunto, demonstrando unidade de atuação processual. Observa-se também que a interligação operacional e o funcionamento coordenado entre as empresas (1ª a 5ª reclamadas) são corroborados por decisão judicial anterior proferida nos autos da reclamatória trabalhista nº 0010930-37.2024.5.03.0096, em que foi reconhecida a responsabilidade solidária entre estas por motivos idênticos. Ademais, a prática de pagamentos conjuntos por H. A. Pimenta & Cia Ltda e Huma Transportes Ltda, constatada no processo nº 0010467-76.2016.5.03.0096 (id. 0775b98), comprova a existência de gestão financeira e operacional compartilhada entre as empresas do grupo. Restam, pois, preenchidos os requisitos legais para o reconhecimento do grupo econômico entre as Reclamadas, que devem responder solidariamente pelas obrigações decorrentes do contrato de trabalho da Reclamante, conforme preceitua o artigo 2º, § 2º, da CLT. Ante o exposto, RECONHEÇO A EXISTÊNCIA DE GRUPO ECONÔMICO entre as empresas Reclamadas, determinando a responsabilização solidária destas pelos eventuais créditos trabalhistas deferidos à Reclamante nesta demanda. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO DE PAGAMENTOS EXTRA FOLHA A autora pugna pela integração ao seu salário dos valores pagos extra folha, alegando que foi contratada mediante percepção formal de pouco mais que dois salários mínimos, mas recebia valor além deste, que era pago fora do contracheque (extra folha), e sem integrar o salário para fins de recolhimento do FGTS e INSS. Descreve que inicialmente, seu salário era composto por parte fixa de R$2.800,00, acrescido de R$10,00 por nota emitida, resultando em um salário mensal de R$3.000,00 a R$3.500,00, mas um tempo depois passou a ser apenas salário fixo, evoluindo para R$5.000,00 em abril de 2022, R$5.400,00 em fevereiro de 2023, R$5.480,00 em julho de 2023, e para R$5.580,00 em agosto de 2024. As Reclamadas admitem que realizavam o pagamento de valores extra folha, sustentando que estes eram correspondentes a reembolsos de despesas e outras verbas de natureza indenizatória, porém, não especificando quais seriam essas verbas nem produzindo qualquer prova nesse sentido. Nos termos do artigo 457 da CLT, integram o salário todas as quantias pagas habitualmente em contraprestação ao serviço prestado, independentemente da denominação que lhe seja atribuída pelo empregador, assim, é patente a natureza salarial dos valores pagos extra folha, que devem integrar a base de cálculo no cálculo de outras verbas, tais como FGTS, 13º salário e férias +1/3. Diante disso, reconheço a existência de pagamento extra folha ao Reclamante, determinando a integração dos valores pagos habitualmente ao salário contratual. Os comprovantes de pagamento carreados aos autos pela reclamante no id.6cb03dc corroboram a evolução salarial apontada na inicial no decorrer do período de abril de 2022 até a data de seu afastamento. Diante da ausência de impugnação específica dos valores salariais indicados na inicial, e levando em conta a inexistência nos autos de comprovantes de pagamento salarial do período compreendido entre a admissão e janeiro de 2022, bem do mês março de 2022, época em que o salário era variável, fixo, por razoabilidade, a seguinte evolução do salário mensal da reclamante: - de 01/06/2020 até 31/01/2020, R$3.250,00 (média do valor apontado na inicial – fl.6); - em fevereiro de 2022, R$4.109,20 (considerando o comprovante de fl.41); - em março de 2022, R$3.250,00, (média do valor apontado na inicial – fl.6); - de abril de 2022 a janeiro de 2023, R$5.000,00; - de fevereiro de 2023 a junho de 2023, R$5.400,00; - de julho de 2023 a julho de 2024, R$5.480,00; - de agosto de 2024 até a data de afastamento, R$5.580,00. Observa-se, a partir do extrato do FGTS (id.0c9cbfa) que os valores depositados na conta vinculada da reclamante são incompatíveis com a remuneração efetivamente percebida ao longo do pacto laboral. Assim, condeno a parte reclamada a integralizar na conta vinculada da reclamante a diferença de valores do FGTS não recolhidos, levando em conta a evolução salarial ora fixada. ACÚMULO DE FUNÇÃO Postula a Reclamante o pagamento de adicional por acúmulo de função, ao argumento de que, após fevereiro de 2024, além das atividades inerentes a seu cargo, foi compelida a exercer tarefas alheias, como limpeza do estabelecimento, serviços de copeira e cobertura da recepção durante o intervalo de almoço. As Reclamadas, em contestação, negam o acúmulo de funções, aduzindo que “...o serviço de limpeza e de copa era realizado por um funcionário que exercia a função de serviços gerais e desempenhava tais tarefas. Quanto a cobrir o horário de almoço da recepcionista, ocorria de forma esporádica, não excedendo as atribuições da reclamante de forma significativa”. Pois bem. O acúmulo de funções que enseja o direito a um acréscimo salarial configura-se quando o empregado passa a exercer, de forma não eventual e concomitante ao seu contrato, atribuições substancialmente distintas e de maior complexidade ou responsabilidade do que aquelas para as quais foi originalmente contratado, sem a correspondente contraprestação. Por outro lado, variação de atividades está autorizada pelo poder diretivo do empregador, consoante parágrafo único do art. 456, da CLT: "À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal". No caso dos autos, a prova oral produzida, notadamente o depoimento da testemunha Amanda Monteiro Gomes, embora confirme que a Reclamante realizou tarefas de limpeza, copa e cobertura da recepção, tal circunstância não se revela suficiente para caracterizar o desequilíbrio contratual alegado. Primeiramente, as tarefas adicionais descritas (limpeza, fazer café, cobrir recepção) não demonstram possuir complexidade ou responsabilidade superiores à função principal da Reclamante, que era Líder do Setor de Faturamento. Ao contrário, são atividades acessórias e, em regra, de menor exigência técnica. Ademais, o depoimento não permite concluir que tais tarefas tenham passado a ocupar parte substancial da jornada da Reclamante ou que tenham alterado fundamentalmente a natureza de seu contrato de trabalho. A testemunha menciona ter visto a Reclamante executá-las, mas não há detalhamento sobre a frequência, duração ou intensidade que permitam configurar um exercício habitual e preponderante de uma nova função, distinta da liderança do faturamento. A cobertura da recepção, por exemplo, foi mencionada como ocorrendo no "horário de almoço", sugerindo uma situação pontual e de duração limitada. Ressalta-se que o empregado que acumula funções no seu horário de trabalho somente fará jus a um adicional salarial se, para a função acumulada, houver previsão de ganho superior em lei, norma coletiva, regulamento interno ou no contrato de trabalho. O simples desempenho de funções diversas daquela para a qual foi contratado, por si só, sem prova de que houve prejuízo ao empregado, não é suficiente para caracterizar o acúmulo de função a ensejar o pagamento de adicional. A legislação ordinária não prevê o acúmulo de função, nem o recebimento de um "plus" salarial em decorrência deste fenômeno. Esta matéria está regulada apenas na Lei 6.615 de 16.12.78 (art. 13), referente aos radialistas, e no Decreto 83.284 de 13.03.79 (art. 13), referente aos jornalistas. No presente caso, não foram apresentados instrumentos coletivos, regulamentos ou contrato de trabalho que ampare o pleito de adicional por acúmulo de função. Embora a execução de tarefas de limpeza e copa não seja idealmente associada à função de liderança, sua realização, especialmente em um contexto organizacional específico, insere-se, no limite, no poder diretivo do empregador, não se tratando de exigência de função patentemente incompatível ou de complexidade superior que justifique um acréscimo salarial por acúmulo. Não restou, portanto, comprovada a alteração substancial e lesiva do contrato de trabalho, nem o exercício de função distinta e mais complexa que extrapolasse os limites do jus variandi patronal e justificasse o pagamento de adicional por acúmulo. Pelo exposto, julgo improcedente o pedido de adicional por acúmulo de função e reflexos decorrentes. HORAS DE SOBREAVISO A reclamante aduz que, como “...era responsável pelo faturamento, ficava de sobreaviso para a emissão de notas fiscais, realização de transferências, bem como qualquer tipo de serviço desta natureza...”. Acrescenta que tinha que trabalhar todos os dias após o expediente e em horários aleatórios, sem o recebimento das horas laboradas em sobreaviso. Além do que, não podia viajar para locais onde não houvesse conexão de internet. À análise. Preliminarmente, cumpre esclarecer que o sobreaviso é o período em que o trabalhador permanece aguardando chamado para o serviço, em período destinado ao descanso, fora do local de trabalho, podendo ser convocado a qualquer momento para o trabalho e está disciplinado no art. 244, §2º, da CLT para o serviço ferroviário, sendo estendido por analogia a outras categorias de trabalhadores. Tal matéria encontra-se pacificada pelo Colendo TST pela edição da Súmula nº 428, que disciplina: “I - O uso de instrumentos telemáticos ou informatizados fornecidos pela empresa ao empregado, por si só, não caracteriza o regime de sobreaviso. II - Considera-se em sobreaviso o empregado que, à distância e submetido a controle patronal por instrumentos telemáticos ou informatizados, permanecer em regime de plantão ou equivalente, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço durante o período de descanso” Depreende-se do verbete sumular que a simples utilização de instrumentos telemáticos fornecidos pela empresa não basta para caracterizar o sobreaviso. É imprescindível que o empregado esteja submetido a um regime de plantão ou escala equivalente, que implique restrição à sua liberdade de locomoção ou à possibilidade de usufruir plenamente de seu tempo de descanso, aguardando ordens a qualquer momento. No caso vertente, o depoimento da testemunha Amanda Monteiro Gomes, que trabalhou diretamente com a Reclamante no setor de faturamento, trouxe elementos robustos que confirmam a tese da inicial, tendo declarado: “que tanto a depoente quanto as demais funcionárias do setor ficavam à disposição do empresa fora do horário, depois que saiam do escritório; que trabalhavam de segunda a segunda, começavam às 8h e saiam às 18h, levando o computador e o celular para, caso acionadas, trabalhassem onde estivessem; que fora do expediente a possibilidade de se deslocarem ou viajarem ficava condicionada à disponibilidade de acesso à internet no local de destino; que todos os dias costumava haver acionamento fora do expediente, inclusive domingos e feriados, para emissão de documentos para os caminhões seguirem viagem; que já aconteceu de estar fazendo atividades particulares ou se alimentando e ter que parar fora do expediente para emissão de documentos; que isso acontecia também com as demais colegas; que o horário de expediente era das 8h às 18h com 1h30 de intervalo para almoço; que nos sábados o horário era de 8h às 11h; que faziam plantão; que revezavam o plantão; que a Daniela ficava direto de plantão e não participava do revezamento; que em média, o plantão para acionamento em caso de necessidade de emissão de documentos era até às 22h, nos sábados era até às 18h; que nos domingos ficavam de plantão das 8h às 18h” Assim, a prova oral demonstrou que a Reclamante estava permanentemente sujeita ao chamado, caracterizando um regime "equivalente" ao plantão descrito pela Súmula 428, II, do TST. A exigência de estar conectada à internet e os acionamentos diários corroboram a efetiva restrição à liberdade e a impossibilidade de desconexão do trabalho. Não se trata, portanto, de mera possibilidade de contato, mas de um sistema de trabalho imposto pela empregadora em que a Reclamante ficava, de fato, aguardando chamados durante os períodos alegados, com sua liberdade pessoal cerceada pela necessidade de permanecer conectada e apta a atender às demandas laborais a qualquer momento. Quanto aos horários, a testemunha mencionou que, normalmente, o plantão se encerrava às 22h, sendo que aos sábados era até às 18h, e nos domingos das 8h às 18h, sendo razoável concluir que a Reclamante, que "ficava direto", estava submetida, no mínimo, a esses mesmos limites de expectativa de acionamento. Diante disso, fixam-se os horários em que a reclamante ficava de sobreaviso da seguinte forma: - segunda a sexta-feira: das 19h às 22h, justificando-se o início às 19h em razão do término da jornada regular às 18h e um período razoável de 1h para deslocamento da reclamante do local de trabalho até sua residência. - sábados: das 13h às 18h, sendo o início às 13h por considerar o término da jornada de sábado às 11h, concedendo-se um intervalo razoável após o expediente antes do início do sobreaviso. - domingos: das 8h às 18h. Ante o exposto, comprovada a permanência da Reclamante em regime de sobreaviso, julgo procedente o pedido de pagamento das horas correspondentes, durante todo o período contratual, a serem calculadas na base de 1/3 (um terço) do salário-hora normal (CLT, art. 244, § 2º), observando-se os horários acima fixados e a evolução salarial reconhecida em tópico anterior. Defiro, ainda, os reflexos das horas de sobreaviso ora deferidas em RSR, aviso prévio, 13º salários, férias acrescidas do terço constitucional e FGTS + 40%, dada a habitualidade e natureza salarial da parcela. HORAS EXTRAS A Reclamante alega que realizava cerca de quatro horas extras por semana sem nunca ter recebido a devida contraprestação (fl.10), contudo, indicou sua jornada de trabalho como sendo das 8h às 18h, de segunda a sexta-feira, com 2h de intervalo para almoço, e aos sábados, das 8h às 11h. Constata-se, pois, que a jornada semanal, nos exatos termos narrados na petição inicial pela Reclamante, encontra-se abaixo do limite constitucional e legal de 44 horas semanais. Embora a Reclamante tenha formulado pedido de pagamento de horas extras, a descrição fática da jornada regular por ela apresentada na exordial não demonstra a ocorrência de labor habitual além dos limites legais de 8 horas diárias ou 44 horas semanais. A narrativa da inicial é contraditória com o pleito de sobrejornada regular, pois descreve uma carga horária semanal ordinária inferior ao máximo permitido. Ademais, não há nos autos qualquer alegação ou prova de que a Reclamante fosse demandada a estender sua jornada presencial para além dos horários descritos na inicial. As alegações de trabalho fora do expediente foram tratadas sob a ótica do sobreaviso, instituto distinto das horas extras pelo labor presencial excedente. Nesse contexto, partindo-se da jornada declinada pela própria parte autora em sua peça vestibular, não há fundamento para o deferimento do pedido de horas extras. Em face do exposto, improcede o pedido de pagamento de horas extras. DANO EXISTENCIAL Pleiteia a Reclamante indenização por dano existencial, sustentando que a constante imposição pela empregadora de regime de sobreaviso teria comprometido seu convívio familiar e social, impedindo-a de usufruir de momentos de lazer, descanso e de se dedicar a projetos pessoais (fl.17). À análise. A indenização por dano moral/extrapatrimonial é assegurada pela Constituição Federal de 1988 e também encontra guarida na própria legislação celetista, por intermédio dos arts. 223-A a 223-G da CLT. Tem-se que o dano moral diz respeito à ordem interna do ser humano, seu lado psicológico, seja em razão de uma dor sofrida, tristeza, sentimento de humilhação ou outro qualquer que venha a atingir seus valores e repercutir na sua honra, imagem e, consequentemente, na vida social. No contexto da atividade laboral, a dor moral é consequência de atos ilícitos praticados pelo empregador que venham a prejudicar o trabalhador em seu ambiente de trabalho, causando-lhe constrangimentos injustos, ofendendo sua dignidade. Logo, o dano extrapatrimonial é aquele que representa o dano moral especificamente na jurisdição trabalhista, consubstanciando-se em uma lesão que atinge os bens imateriais do trabalhador, dentro do ambiente de trabalho, como honra, intimidade, autoestima, saúde, dentre outros, com a finalidade de tutelar a dignidade da pessoa humana. Assim, quando lesionado o trabalhador em sua esfera psíquica, por ato ilícito, caberá uma indenização, a ser arbitrada pelo juiz, que objetiva reparar o sofrimento do trabalhador, além do caráter pedagógico e preventivo da indenização. Especificamente em relação ao dano existencial, este é caracterizado por conduta patronal que priva o obreiro do convívio social e familiar ou o impede de realizar um projeto de vida. Trata-se de violação que atinge diretamente a esfera pessoal do trabalhador, para além dos limites do contrato de trabalho, exigindo, para sua caracterização, a demonstração inequívoca de que a conduta patronal ilícita (como a imposição de jornada exaustiva habitual) efetivamente causou um prejuízo concreto às relações sociais ou ao desenvolvimento do projeto de vida do empregado. Assim, o ônus de comprovar o fato constitutivo de seu direito, qual seja, o dano existencial e o nexo causal com a conduta da empregadora, recai sobre a Reclamante, nos termos dos artigos 818, I, da CLT e 373, I, do CPC. É cediço na jurisprudência pacífica do C. Tribunal Superior do Trabalho que a condenação ao pagamento do regime de sobreaviso, por si só, não implica a presunção automática (in re ipsa) da ocorrência de dano existencial, sendo imprescindível a produção de prova robusta e específica do efetivo prejuízo causado à vida do trabalhador fora do ambiente laboral. A respeito, destacam-se os seguintes julgados do Colendo TST: "2. Quanto à responsabilidade civil, a decisão regional está em consonância com a jurisprudência pacífica desta Corte, que se firmou no sentido de que a prestação de horas extras habituais ou a disposição ao regime de sobreaviso não configura, por si só, dano existencial, devendo ser comprovado o prejuízo, o que não ocorreu no caso. 3. Estando a decisão em consonância com a jurisprudência pacífica desta Corte (art. 896, § 7º, da CLT e Súmula nº 333 do TST), não se viabiliza o provimento do apelo, em razão da ausência de transcendência da causa. 4. Ademais, para se chegar à conclusão diversa à adotada pela Corte Regional, seria necessário o reexame de fatos e provas, procedimento vedado neste momento processual, ante os termos da Súmula nº 126 do TST. Agravo a que se nega provimento" (AIRR-0020762-54.2021.5.04.0102, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 17/10/2024). (destacado) "AGRAVO EM RECURSO DE EMBARGOS EM AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. JORNADA DE TRABALHO EXTENUANTE - DANO EXISTENCIAL - NÃO COMPROVAÇÃO. A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que o cumprimento de jornada extenuante pela prestação de horas extras habituais, por si só, não resulta em dano existencial, sendo imprescindível a demonstração inequívoca do prejuízo, que, no caso, não ocorre in re ipsa . Precedentes da SBDI-1/TST e de Turmas. Nesse contexto, não prospera a alegação de divergência jurisprudencial, eis que o único aresto colacionado nas razões de embargos é inservível para a demonstração do dissenso, porquanto se encontra superado pela atual, iterativa e notória jurisprudência da SBDI-1 do TST, nos termos da norma insculpida no § 2º do art. 894 da CLT. Agravo desprovido " (Ag-E-Ag-ARR-310-74.2014.5.04.0811, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 03/12/2021). (destacado) "RECURSO DE EMBARGOS. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXAUSTIVA. NECESSIDADE DE PROVA DO DANO. ARESTOS SUPERADOS PELA ATUAL JURISPRUDÊNCIA DO TST. INCIDÊNCIA DO ART. 894, § 2º, DA CLT. 1. A Eg. Turma consignou que "a mera demonstração de labor extraordinário, mesmo que excessivo, não caracteriza, de forma automática, dano moral existencial, sendo necessária a demonstração do efetivo prejuízo causado ao projeto de vida do trabalhador nos âmbitos profissional, social e/ou pessoal". E, por constatar que o Tribunal de origem " nada registrou acerca da efetiva comprovação de que o trabalho " " teria privado o autor do lazer e convívio com a sua família, ao longo da vigência contratual ", considerando " como caracterizado o dano existencial sem haver prova concreta que demonstrasse algum prejuízo efetivo à vida pessoal do autor ", deu provimento ao recurso de revista do reclamado, para excluir da condenação a indenização deferida em razão da jornada exaustiva. 2 . Com efeito, à luz da jurisprudência desta Corte, para que ocorra o dano existencial nas relações trabalhistas não basta a mera constatação da jornada de trabalho excessiva - dano in re ipsa -, sendo imprescindível a demonstração inequívoca do prejuízo com a limitação de atividades de cunho familiar, cultural, social, recreativas, esportivas, afetivas, ou quaisquer outras desenvolvidas pelo empregado fora do ambiente laboral. 3 . No caso, todos os paradigmas colacionados no recurso de embargos contêm entendimento no sentido de que o dano existencial por jornada exaustiva emerge in re ipsa , ou seja, prescinde de comprovação do prejuízo concreto. Estão superados, pois, pela atual jurisprudência desta Corte, a atrair o óbice do art. 894, § 2º, da CLT. Recurso de embargos não conhecido" (Emb-E-RR-10336-49.2021.5.15.0078, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 14/02/2025). (destacado) No caso dos autos, embora tenha sido reconhecida a prestação de labor em regime de sobreaviso, a Reclamante não logrou êxito em demonstrar, por meio de provas concretas, o alegado prejuízo à sua esfera existencial. As alegações de comprometimento do convívio social e familiar e de frustração de projetos pessoais permaneceram no campo genérico, desacompanhadas de elementos probatórios que evidenciassem, de forma inequívoca, como o regime de disponibilidade impactaram negativamente sua vida fora do trabalho. Não foram apresentadas provas de abandono de estudos, impossibilidade de participação em eventos familiares ou sociais relevantes, desenvolvimento de enfermidades associadas ao estresse ou à falta de descanso, ou qualquer outra circunstância fática que materializasse o dano alegado. Ademais, o descumprimento das normas trabalhistas constatadas na presente demanda, foi objeto de devida reparação por meio do provimento jurisdicional, com a condenação da reclamada ao pagamento das horas de sobreaviso. Dessa forma, improcede o pedido indenizatório. MODALIDADE RESCISÓRIA. RESCISÃO INDIRETA A Reclamante postula o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho, com fulcro no art. 483, alínea "d", da CLT, em razão do descumprimento de obrigações contratuais pela empregadora, notadamente o pagamento de salário "por fora" sem os devidos recolhimentos fundiários e previdenciários, e o não pagamento das horas de sobreaviso habitualmente prestadas. A parte Reclamada contesta, sustentando a inexistência de falta grave que justifique a rescisão indireta, e que a ruptura contratual teria ocorrido por iniciativa da obreira (pedido de demissão). O descumprimento das obrigações do contrato de trabalho pelo empregador, que justifica a resolução do contrato de trabalho de forma indireta, deve ser revestido de gravidade suficiente a tornar impossível a manutenção do vínculo. Tal se dá porque a rescisão oblíqua é forma atípica de rompimento contratual e só deve ser declarada em situações extremas, tal como se exige para a validação da penalidade de dispensa por justa causa aplicada ao empregado. Nesse sentido, a jurisprudência do Eg. TRT/3ª Região: “RECURSO ORDINÁRIO. RESCISÃO INDIRETA. GRAVIDADE DA FALTA COMETIDA PELO EMPREGADOR. NECESSIDADE. A rescisão indireta do contrato de trabalho justifica-se, em tese, pela justa causa patronal, ou seja, decorre da prática, pelo empregador, de quaisquer das condutas previstas no art. 483 da CLT. Da mesma forma que na justa causa obreira, impõe-se, para a configuração dessa modalidade de ruptura contratual, averiguar se a conduta do empregador é de tal gravidade que torne insuportável para o empregado a continuidade do contrato de trabalho, pelo que também se faz imperiosa a imediatidade entre a conduta faltosa e a pretendida ruptura contratual. Não logrando êxito o empregado na comprovação dos requisitos necessários ao reconhecimento da falta do empregador, forçoso é não se reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho.” (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010928-45.2023.5.03.0050 (ROT); Disponibilização: 16/12/2024; Órgão Julgador: Quarta Turma; Relator(a)/Redator(a) Rosemary de O.Pires) Urge elucidar que o pedido da parte autora deve ser analisado com extrema cautela, ante a atual banalização do instituto em comento, sendo que o desfecho depende de prova robusta da existência de motivos graves hábeis a ensejar a rescisão indireta. No presente caso, restaram comprovadas nos autos condutas da empregadora que se enquadram na hipótese legal invocada e que possuem gravidade suficiente para ensejar a rescisão indireta. Primeiramente, conforme analisado em tópico anterior, restou comprovado que a Reclamada efetuava o pagamento de parte substancial do salário da Reclamante de separadamente ("por fora"). Tal prática, por si só, já configura grave descumprimento contratual, pois sonega ao empregado o correto recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias sobre a integralidade da remuneração. A ausência ou irregularidade dos depósitos do FGTS na conta vinculada do trabalhador constitui falta grave, pois frustra direito fundamental de caráter social e alimentar diferido, comprometendo a segurança econômica do empregado. Inclusive, essa questão encontra-se pacificada no TST com a formulação de tese vinculante no julgamento do Tema 70 relativo ao Recurso de Revista Repetitivo RRAg 1000063-90.2024.5.02.0032, com a seguinte redação: “A ausência ou irregularidade no recolhimento dos depósitos de FGTS caracteriza descumprimento de obrigação contratual, nos termos do art. 483, "d", da CLT, suficiente para configurar a rescisão indireta do contrato de trabalho, sendo desnecessário o requisito da imediatidade” Da mesma forma, a falta de recolhimento das contribuições previdenciárias sobre o salário real prejudica o cômputo para futuros benefícios previdenciários. Adicionalmente, conforme decidido em tópico anterior, reconheceu-se a prestação habitual de labor em regime de sobreaviso pela Reclamante, sem a devida contraprestação pecuniária por parte da empregadora, logo, o não pagamento tempestivo e integral do salário, sem a quitação das horas relativas ao tempo de sobreaviso, também constitui infração às obrigações basilares do contrato de trabalho e afronta o caráter sinalagmático da relação de emprego. Por fim, da análise do áudio anexado pela parte reclamada (link de fl.239), não se extraem elementos suficientes para concluir, de forma inequívoca, que a reclamante tenha efetivamente pedido demissão do emprego, uma vez que reclamante apenas menciona que iria pedir para sua colega “bater seu acerto”, expressão que, por si só, não se reveste da clareza e formalidade necessárias à configuração de um pedido de desligamento por iniciativa do empregado. Nesse cenário, a conduta da empregadora autoriza a Reclamante a considerar rescindido o contrato de trabalho por culpa patronal, nos termos do art. 483, "d", da CLT. Diante do exposto, comprovado o descumprimento grave e reiterado das obrigações contratuais pela empregadora, julgo procedente o pedido para reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho mantido entre as partes, fixando como data da extinção contratual o último dia efetivamente laborado pela Reclamante, qual seja, 13/12/2024. Por consequência, condeno a parte reclamada, ao pagamento das seguintes parcelas, observando-se a remuneração mensal da reclamante reconhecida e fixada nesta sentença: - aviso prévio indenizado (42 dias); - férias proporcionais + 1/3 (6/12, nos limites do pedido – item viii), referentes ao período 01/06/2024 a 24/01/2025, considerada a projeção do aviso prévio indenizado; - 13o salário proporcional do ano de 2025 (1/12 avos – item vii), considerada a projeção do aviso prévio indenizado; - Diferenças de FGTS de todo o período contratual, incluindo-se o fundo de garantia devido sobre as parcelas aqui deferidas, a ser recolhido diretamente na conta vinculada do reclamante, nos termos da tese vinculante firmada no Incidente Recurso Repetitivo – IRR – Tema 68 do TST (RRAg - 0000003-65.2023.5.05.0201; - multa de 40% sobre os depósitos de FGTS devidamente integralizados, incluindo-se os depósitos de fundo de garantia devidos sobre as parcelas rescisórias aqui deferidas, observada a OJ-SDI-1 n. 42 do TST, a ser recolhida diretamente na conta vinculada do reclamante, nos termos da tese vinculante firmada no Incidente Recurso Repetitivo – IRR – Tema 68 do TST (RRAg - 0000003-65.2023.5.05.0201. Após o trânsito em julgado, a parte reclamada será intimada para, em 8 dias, comprovar a integralização do FGTS na conta vinculada do reclamante, inclusive quanto à multa, sob pena de execução. A 2º reclamada deverá retificar as anotações na CTPS Digital para constar a correta evolução salarial da obreira, bem como efetivar a respectiva baixa, fazendo constar data de saída em 24/01/2025 (considerada a projeção do aviso prévio indenizado). A 2ª reclamada deverá ser intimada para, no prazo de 8 dias, cumprir a obrigação de fazer acima estipulada, incluindo as declarações nos registros eletrônicos do Governo Federal. No mesmo prazo, a 2ª reclamada providenciar a comunicação eletrônica ao MTE dos dados necessários para fins de processamento eletrônico do seguro-desemprego, com entrega ao reclamante de formulário para o requerimento do seguro-desemprego (art. 40 da Res. CODEFAT 957/2022), caso preenchidos os requisitos legais, sob pena de pagamento de indenização substitutiva (Súmula 389 do TST). Não cumprindo as obrigações de fazer acima, a Secretaria da Vara deverá supri-las, promovendo as anotações na CTPS da obreira e emitindo todos os ofícios/alvarás necessários. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO Determino a remessa de ofício ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para adoção das providências cabíveis, à vista das irregularidades verificadas nos autos, especialmente quanto ao pagamento de valores salariais em folha à parte sem integrar remuneração do autor na formação da base de cálculo para fins de recolhimento do FGTS e de incidência fiscal e previdenciária, em descumprimento de normas trabalhistas. JUSTIÇA GRATUITA Deferem-se os benefícios da Justiça Gratuita à parte autora, na forma da declaração de hipossuficiência apresentada, não infirmada por prova em contrário, nos termos do art. 790, §4o, da CLT. A parte ré apenas impugnou de forma genérica a pretensão, o que não é o bastante para afastar o benefício. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Na forma do art. 791-A da CLT, observados os critérios do §2º do mesmo dispositivo legal, condeno a parte reclamada ao pagamento de honorários advocatícios, em favor do procurador da parte reclamante, equivalentes a 10% (dez por cento) sobre o valor líquido que resultar da liquidação da sentença. Atente-se, para se evitarem incidentes em execução, que o percentual já arbitrado observou a fixação sobre o valor líquido efetivamente devido ao trabalhador, excluindo-se as contribuições fiscais e previdenciárias. Na forma da fundamentação, constata-se que a parte reclamante foi sucumbente em parte dos pedidos da demanda, incidindo-se o instituto da sucumbência recíproca, em face do advento da Lei n. 13.467/2017. Todavia, no entendimento deste juiz, o Supremo Tribunal Federal, na ADI n. 5.766, havia declarado a inconstitucionalidade do §4º do art. 791-A da CLT, vedando a condenação do beneficiário da gratuidade judiciária em tal parcela. Ocorre que a Corte Constitucional tem se posicionado no sentido de que a decisão proferida na ADI n. 5.766 não vedou a condenação do destinatário da justiça gratuita em honorários advocatícios sucumbenciais, parcela que fica sob condição suspensiva de exigibilidade, cumprindo transcrever o seguinte julgado da Primeira Turma daquele tribunal: “Ementa: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO DECIDIDO NA ADI 5766 E NA SV 4. OCORRÊNCIA DE OFENSA APENAS DA ADI 5766. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Embora não tenha ocorrido a discussão pela Corte reclamada sobre a presença da condição de hipossuficiência do trabalhador, adotou-se em outro extremo a premissa equivocada de que o beneficiário da gratuidade judiciária goza de isenção absoluta ou definitiva. No julgamento da ADI 5766, declarou-se a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 13.467/2017, reconhecendo-se legítima a responsabilidade do beneficiário pelo pagamento de ônus sucumbenciais em situações específicas. Destaque-se: o que esta CORTE vedou foi o automático afastamento da condição de hipossuficiência da parte como consequência lógica da obtenção de valores em juízo, e não a possibilidade de haver condenação em honorários advocatícios (os quais podem ser arbitrados, ficando sob condição suspensiva de exigibilidade). O Tribunal reclamado, ao afastar em caráter absoluto a responsabilidade do beneficiário da gratuidade pelas despesas sucumbenciais, contrariou as balizas fixadas na ADI 5.766. 2. O propósito desta CORTE, ao editar a Súmula Vinculante 4, foi vedar a concessão de aumento remuneratório automático atrelado a futuros reajustes do salário-mínimo, pois sua utilização como indexador é constitucionalmente proibida, conforme previsto no art. 7º, IV, da CF/88. No caso, o Tribunal de origem decidiu atento às diretrizes jurisprudenciais desta SUPREMA CORTE, no sentido da impossibilidade de adoção do salário mínimo nacional como indexador do adicional de insalubridade. Utilizou-se do salário mínimo regional como critério de liquidação de valor certo imposto como condenação ao empregador, não consistindo, portando, qualquer forma de indexação para vencimentos futuros. 3. Embargos de Declaração recebidos como Agravo Interno, ao qual se nega provimento.” (Rcl 57892 ED, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 20-03-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 20-03-2023 PUBLIC 21-03-2023). (Destacado). Outrossim, a Segunda Turma do STF tem adotado semelhantes fundamentos em tal matéria, conforme seguinte julgado: “Agravo regimental na reclamação. 2. Direito do Trabalho e Processual Civil. 3. ADI 5.766. Beneficiário de justiça gratuita. Condenação em honorários sucumbenciais, sob condição suspensiva de exigibilidade. Possibilidade. Vedada a compensação automática com créditos obtidos em outras demandas. 4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental não provido.” (Rcl 64374 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 05-06-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 07-06-2024 PUBLIC 10-06-2024). (Destacado). Sendo assim, curvando-me ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, condeno a parte reclamante a pagar honorários advocatícios ao advogado da parte reclamada, no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença quanto aos pedidos julgados totalmente improcedentes, ficando a exigibilidade suspensa, observando-se prazo e procedimentos previstos no §4o do art. 791-A da CLT, por ser beneficiário da gratuidade judiciária. Observada a decisão vinculante, o crédito da demanda não poderá ser objeto de qualquer dedução, sendo que, na forma do dispositivo citado, o credor poderá, no prazo de dois anos, em processo de cumprimento de sentença, comprovar a alteração da situação de insuficiência de recursos. LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA A liquidação de sentença processar-se-á sob a forma de cálculos, ficando autorizada outra modalidade (arbitramento ou artigos) caso aquela se revele inadequada. Será devidamente observada a decisão vinculante do STF, proferida na ADC n. 58, que, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 879, §7º, e ao art. 899, §4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467, de 2017, fixou que a atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral, que, no entendimento deste juízo, consistiam apenas no IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da propositura da demanda, na incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil), exclusivamente. Ocorre que o próprio STF, sobretudo em decisões lavradas em sede de reclamação constitucional, tem validado o entendimento de que incidem os juros moratórios previstos no caput do art. 39 da Lei n. 8.177/1991 (TRD) na fase pré-judicial, cumprindo trazer a lume o seguinte julgado: “Ementa: CONSTITUCIONAL, TRABALHISTA E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO QUE DECIDIDO POR ESTA CORTE NO JULGAMENTO DAS ADCS 58 E 59. INOCORRÊNCIA. APLICAÇÃO CORRETA DOS PARÂMETROS ALI DETERMINADOS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A decisão proferida por esta CORTE no julgamento conjunto das ADC 58, ADC 59, ADI 6021 e ADI 5867 (Rel. Min. GILMAR MENDES) definiu que “em relação à fase extrajudicial, ou seja, a que antecede o ajuizamento das ações trabalhistas, deverá ser utilizado como indexador o IPCAE (…). Além da indexação, serão aplicados os juros legais (art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991). Em relação à fase judicial, a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC”. Ou seja, IPCA-E cumulado com a taxa de juros prevista no art. 39 da Lei 8.177/91 na fase extrajudicial; e SELIC na fase judicial. 2. No caso, o Juízo reclamado não destoou da modulação prevista no julgamento das ADCs 58 e 59, uma vez que determinou a aplicação da tese fixada pelo STF, ou seja, a incidência da correção monetária pelo IPCA-e e dos juros previstos no caput do art. 39 da Lei 8.177/1991 na fase pré-judicial, equivalente à TRD acumulada no período correspondente, e a incidência da taxa SELIC a partir do ajuizamento da ação. 3. Recurso de Agravo a que se nega provimento.” (AgR em Rcl n. 61903, Relator Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJE publicado em 24/10/2023, divulgado em 23/10/2023). Sendo assim, em observância ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, seria o caso de determinar a aplicação do IPCA-E cumulado com os juros moratórios do art. 39, caput, da Lei n. 8.177/1991, equivalente à TRD, na fase pré-judicial, e, a partir do ajuizamento da reclamação trabalhista, a incidência da taxa SELIC, exclusivamente. Ocorre que a Lei n. 14.905/2024, publicada em 01/07/2024, alterou os parâmetros de atualização do Código Civil, pelo que o Tribunal Superior do Trabalho, por meio de sua 1a Subseção Especializada em Dissídios Individuais, nos autos do processo n. 713-03.2010.5.04.0029, assim decidiu em sessão realizada em 17/10/2024: “Decisão: por unanimidade, conhecer dos embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento a fim de aplicar, para fins de correção dos débitos trabalhistas: a) o IPCA-E na fase pré-judicial acrescido dos juros de mora (art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991); b) a partir do ajuizamento da ação até 29/08/2024, a taxa SELIC, ressalvados os valores eventualmente pagos, nos termos da primeira parte do item "i" da modulação do STF, vedada a dedução ou compensação de eventuais diferenças pelo critério de cálculo anterior; c) a partir de 30/08/2024, no cálculo da atualização monetária, será utilizado o IPCA (art. 389, parágrafo único, do Código Civil); os juros de mora corresponderão ao resultado da subtração SELIC - IPCA (art. 406, parágrafo único, do Código Civil), com a possibilidade de não incidência (taxa 0), nos termos do § 3º do artigo 406. Prejudicado o exame do recurso em relação ao pedido sucessivo de sobrestamento do feito. Observação 1: o Ex.mo Ministro Relator reformulou o voto proferido em sessão anterior. Observação 2: ausentes, justificadamente, o Ex.mo Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, o Ex.mo Ministro Mauricio José Godinho Delgado, o Ex.mo Ministro Augusto César Leite de Carvalho e o Ex.mo Ministro Breno Medeiros. Observação 3: a Dra. MONYA RIBEIRO TAVARES PERINI, patrona da parte JEORGE PADILHA, esteve presente à sessão. Observação 4: a Ex.ma Ministra Dora Maria da Costa não participou do julgamento em razão da participação do Ex.mo Ministro Alexandre Agra Belmonte.” Dessa forma, em respeito aos parâmetros da Corte Superior Trabalhista, determino a observância dos seguintes critérios de atualização: I) Fase pré-judicial: aplicação do IPCA-E cumulado com os juros moratórios do art. 39, caput, da Lei n. 8.177/1991, equivalente à TRD; II) Fase judicial (do ajuizamento até 29/08/2024, inclusive): aplicação da taxa SELIC, exclusivamente; e III) Fase judicial (a partir de 30/08/2024, inclusive): aplicação do IPCA-E, como índice de correção monetária (art. 389, parágrafo único, do Código Civil), cumulado com juros moratórios, correspondentes ao resultado da subtração da taxa SELIC pelo índice IPCA-E (art. 406, parágrafo único, do Código Civil), sendo possível a não incidência de juros moratórios (taxa 0), nos termos do § 3º do artigo 406 do Código Civil. IMPOSTO DE RENDA E CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A parte reclamada deverá providenciar os recolhimentos previdenciários e fiscais devidos, na forma da legislação pertinente, da Súmula 368/TST e da OJ nº 400 da SBDI-I do TST, trazendo aos autos a devida comprovação, sob pena de execução. Autorizo a retenção dos valores devidos pela parte autora a tais títulos (OJ SBDI-I TST número 363). Para os fins do art. 832, § 3º, da CLT, integram o salário de contribuição as seguintes parcelas: 13º salário; horas de sobreaviso e seus reflexos em RSR e 13º salário. III - DISPOSITIVO Pelo exposto, na reclamatória trabalhista proposta por DANIELA BARBOSA VIANA em face de HUMA CEREAIS LTDA, HUMA TRANSPORTES LTDA, H. A. PIMENTA & CIA LTDA, HP ARMAZENS GERAIS LTDA, HP TRADING COMPANY LTDA, HP TECH TECNOLOGIA LTDA e HP COMERCIO AGENCIAMENTO E CORRETAGEM DE GRAOS LTDA, decide-se DECLARAR a incompetência absoluta deste juízo para apreciar e julgar a pretensão quanto ao recolhimento previdenciário concernente aos valores quitados durante o vínculo contratual, e JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para condenar as reclamadas, solidariamente, a pagar à parte autora as seguintes parcelas: - aviso prévio indenizado (42 dias); - férias proporcionais + 1/3 (6/12, nos limites do pedido – item viii), referentes ao período 01/06/2024 a 24/01/2025, considerada a projeção do aviso prévio indenizado; - 13o salário proporcional do ano de 2025 (1/12 avos – item vii), considerada a projeção do aviso prévio indenizado; - horas de sobreaviso, durante todo o período contratual, a serem calculadas na base de 1/3 (um terço) do salário-hora normal (CLT, art. 244, § 2º), observando-se os horários fixados nesta sentença, com reflexos em RSR, aviso prévio, 13º salário, férias + 1/3 e FGTS + 40%; - Diferenças de FGTS de todo o período contratual, incluindo-se o fundo de garantia devido sobre as parcelas aqui deferidas, a ser recolhido diretamente na conta vinculada do reclamante, nos termos da tese vinculante firmada no Incidente Recurso Repetitivo – IRR – Tema 68 do TST (RRAg - 0000003-65.2023.5.05.0201; - multa de 40% sobre os depósitos de FGTS devidamente integralizados, incluindo-se os depósitos de fundo de garantia devidos sobre as parcelas rescisórias aqui deferidas, observada a OJ-SDI-1 n. 42 do TST, a ser recolhida diretamente na conta vinculada do reclamante, nos termos da tese vinculante firmada no Incidente Recurso Repetitivo – IRR – Tema 68 do TST (RRAg - 0000003-65.2023.5.05.0201. Após o trânsito em julgado, a parte reclamada será intimada para, em 8 dias, comprovar a integralização do FGTS na conta vinculada do reclamante, inclusive quanto à multa, sob pena de execução. A 2º reclamada deverá retificar as anotações na CTPS Digital para constar a correta evolução salarial da obreira, bem como efetivar a respectiva baixa, fazendo constar data de saída em 24/01/2025 (considerada a projeção do aviso prévio indenizado). A 2ª reclamada deverá ser intimada para, no prazo de 8 dias, cumprir a obrigação de fazer acima estipulada, incluindo as declarações nos registros eletrônicos do Governo Federal. No mesmo prazo, a 2ª reclamada providenciar a comunicação eletrônica ao MTE dos dados necessários para fins de processamento eletrônico do seguro-desemprego, com entrega ao reclamante de formulário para o requerimento do seguro-desemprego (art. 40 da Res. CODEFAT 957/2022), caso preenchidos os requisitos legais, sob pena de pagamento de indenização substitutiva (Súmula 389 do TST). Não cumprindo as obrigações de fazer acima, a Secretaria da Vara deverá supri-las, promovendo as anotações na CTPS da obreira e emitindo todos os ofícios/alvarás necessários. Juros e correção monetária incidem na forma da fundamentação. Os descontos previdenciários serão apurados, nos termos da Lei nº 8.212/1991, devendo processar-se o seu recolhimento no prazo legal sobre as parcelas de natureza salarial, sob pena de execução, observado o entendimento sumulado neste Regional, por meio do enunciado 45, bem como a súmula 368 do TST. Autorizam-se os descontos de IRRF à época do repasse, que deverão ser comprovados nos autos, na forma do item VI da súmula 368 do TST. Concede-se à parte reclamante o benefício da justiça gratuita. Honorários advocatícios sucumbenciais, na forma da fundamentação. A fundamentação é parte integrante deste dispositivo. Custas pela parte reclamada, no importe de R$1.800,00, calculadas sobre R$90.000,00, valor que se atribui à condenação. Intimem-se as partes. Quanto à intimação da União (art. 832, §5º da CLT), cumpra-se a Portaria Normativa PFG/AGU nº 47, de 7 de julho de 2023, publicada no DOU em 08/08/2023, que permite a não manifestação do Órgão Jurídico da União responsável pelo acompanhamento da execução de ofício das contribuições previdenciárias e imposto de renda retido na fonte perante a Justiça do Trabalho quando o valor das contribuições previdenciárias devidas no processo judicial for igual ou inferior a R$ 40.000,00 (quarenta mil reais). UNAI/MG, 29 de abril de 2025. GLAUCO RODRIGUES BECHO Juiz Titular de Vara do Trabalho
Intimado(s) / Citado(s)
- H P TRADING COMPANY LTDA
- HUMA TRANSPORTES LTDA
- H P ARMAZENS GERAIS LTDA
- HUMA CEREAIS LTDA
- H P TECH TECNOLOGIA LTDA
- H. A. PIMENTA & CIA LTDA - EPP
- H P COMERCIO AGENCIAMENTO E CORRETAGEM DE GRAOS LTDA
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