Processo nº 1502840-18.2021.8.26.0536
ID: 330615166
Tribunal: TJSP
Órgão: Foro de Santos - Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1502840-18.2021.8.26.0536
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE ROBERTO BARBOSA
OAB/SP XXXXXX
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Processo 1502840-18.2021.8.26.0536 - Ação Penal - Procedimento Ordinário - Decorrente de Violência Doméstica - M.A.D. - Vistos. A Justiça Pública ajuizou a presente ação penal em face de M.A.D., impu…
Processo 1502840-18.2021.8.26.0536 - Ação Penal - Procedimento Ordinário - Decorrente de Violência Doméstica - M.A.D. - Vistos. A Justiça Pública ajuizou a presente ação penal em face de M.A.D., imputando-lhe a prática dos delitos previstos no artigo 129, § 13, do Código Penal, e no artigo 28, caput, da Lei nº 11.343/06, combinados na forma do artigo 69 do referido código, porque, segundo a denúncia, no dia dia 27 de agosto de 2021, por volta de 13h41, na Rua Oswaldo Cruz, nº 45, bairro Boqueirão, nesta cidade e comarca de Santos, o réu, em razão da condição de sexo feminino e envolvendo violência doméstica e familiar, ofendeu a integridade corporal de sua companheira S.J.L.V., causando-lhe lesões corporais de natureza leve (fls. 194/197). A ação foi ajuizada ainda porque, nas mesmas circunstâncias acima, o réu trazia consigo, para consumo pessoal, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, três pinos plásticos contendo cocaína e três cigarros de Cannabis Sativa L (maconha), pesando 0,03g, substâncias entorpecentes que determinam dependência física e psíquica. Recebida a denúncia (fls. 198), o réu foi citado (fls. 216), apresentando resposta à acusação (fls. 218/219). No curso da instrução foram ouvidas a vítima e duas testemunhas da Acusação, interrogando-se o réu ao final (fls. 273/274 e 299/301). Ultrapassada a fase do artigo 402 do Código de Processo Penal (fls. 299/301), as partes, em alegações finais, debateram a causa. A culta representante do Ministério Público, entendendo comprovadas a autoria e a materialidade delitivas, pugnou pela parcial procedência da ação, condenando-se o réu somente pela lesão corporal e pelo porte de cocaína para uso próprio (fls. 299/301). Já o douto Defensor, por sua vez, requereu a absolvição, alegando, em síntese, insuficiência probatória (fls. 304/309). O julgamento, então, foi convertido em diligência, determinando-se a juntada do laudo de exame de corpo de delito realizado no réu (fls. 311/313), após o que as partes reiteraram suas alegações finais (fls. 319 e 325/327). É o relatório. Passa-se à fundamentação e à decisão. A pretensão punitiva, comprovadas a materialidade e autoria delitivas, é parcialmente procedente, condenando-se o réu somente pela lesão corporal e pelo porte de cocaína para consumo pessoal. A materialidade delitiva do artigo 28, caput, da Lei nº 11.343/06 vem demonstrada pelo auto de exibição e apreensão carreado a fls. 20, bem como pelos laudos de constatação e de exame químico-toxicológico (fls. 21 e 114/116), estes dois últimos a demonstrar a característica entorpecente das substâncias químicas apreendidas. Já em relação ao artigo 129, § 13, do Código Penal, a materialidade ficou demonstrada pelo relatório de atendimento médico a fls. 100, bem como pelo laudo de exame de corpo de delito indireto de fls. 186/187. A autoria, por seu turno, exsurge dos autos incontestável. O réu, na fase policial (fls. 06/07), se reservou ao direito constitucional ao silêncio. Em juízo (fls. 299/301), porém, o réu confessou apenas o porte de entorpecentes. Esclareceu que, por ocasião dos fatos, se encontrava em união estável com a vítima. Sustentou que, no dia do ocorrido, ambos se encontravam dentro de um veículo, conversando. Contudo, houve uma discussão entre ambos. Assim, uma vizinha, percebendo o ocorrido, acionou a Polícia. Quando os policiais chegaram, o réu foi abordado e, em poder deste, dentro de uma pochete, foram encontradas drogas destinadas ao próprio uso. Ressaltou que, atualmente, se encontra trabalhando no presídio. Por fim, alegou que a vítima, pelo que se recorda, não se encontrava machucada no dia dos fatos. Nem tudo o que o réu relatou em juízo, entretanto, pode ser tido como verdadeiro. A vítima, na fase inquisitiva (fls. 14), relatou que ...VIVE MARITALMENTE HÁ OITO ANOS (COM) M.A.D., COM O QUAL TEVE DOIS FILHOS MENORES UM DE 6 E 5 ANOS, INCLUSIVE VIVEM NA CASA DA GENITORA DO INDICIADO, QUE FOI EXPULSO PELA MÃE POR CONTA DA VIDA DESREGRADA QUE O INDICIADO TEM LEVADO COM VÍCIO DE ENTORPECENTE E DESEMPREGO, CHEGANDO ÀS ALTAS HORAS DA NOITE, ALTERADO E OS MAUS TRATOS QUE A DECLARANTE VEM SOFRIDO. NESTA DATA, SAÍRAM PARA CONVERSAR POIS O INDICIADO ESTAVA COM CIÚMES PORQUE ESTÃO EM VIAS DE SEPARAÇÃO, INCLUSIVE SALIENTA QUE ESTAVAM NO INTERIOR DO VEÍCULO DA MÃE DELE, MOMENTO EM QUE DISCUTIRAM FOI QUANDO O INDICIADO DESFERIU SOCOS NO ROSTO DA VÍTIMA E A PUXOU PELO BRAÇO PORQUE NÃO QUERIA DEIXÁ-LA DESCER, CAUSANDO HEMATOMAS NO BRAÇO ESQUERDO. QUE A DECLARANTE DESESPERADA COMEÇOU A GRITAR E ALGUNS POPULARES DESCONHECIDOS, CHAMARAM A POLÍCIA, QUE O DETIVERAM INCLUSIVE DENTRO DA POCHETE PRETA QUE O INDICIADO PORTAVA TINHA DROGA (COCAÍNA E MACONHA); QUE O INDICIADO PRECISA FAZER UM TRATAMENTO PARA DEPENDÊNCIA QUÍMICA INCLUSIVE SOLICITA ISSO AO PODER PÚBLICO QUE OS POLICIAIS A SOCORRERAM PARA A PRONTO SOCORRO DA ZONA LESTE, AONDE FOI MEDICADA E LIBERADA. QUE A DECLARANTE SOLICITA AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA, POIS TEME PELA SUA INTEGRIDADE FÍSICA VEZ QUE O AUTOR É MUITO AGRESSIVO E VIOLENTO, E TEME QUE ALGO DE GRAVE OCORRA CASO SEJA SOLTO DA CADEIA." Já sob o crivo do contraditório (fls. 299/301), a vítima confirmou, em linhas gerais, suas declarações iniciais. Em acréscimo, disse que se separou do réu em dezembro de 2023. Durante o relacionamento, houve inúmeros episódios de agressão, tratando-se de relacionamento conturbado. Disse que, no dia dos fatos, percebeu que o réu se encontrava sob o efeito de drogas ilícitas. Acrescentou que o réu chegou a enforcá-la e populares tentaram abrir a porta do veículo. Contudo, o réu impediu esta ação e, assim, os populares acionaram a Polícia. Destacou que, posteriormente, o réu veio a agredir novamente a vítima, desrespeitando medidas protetivas. E a palavra da vítima, de grande valor em crimes deste jaez, acabou confirmada por outros elementos de prova. O policial militar Eduardo da Luz Dias, na fase inquisitiva (fls. 129), informou que, "...NO DIA DOS FATOS, SE ENCONTRAVA COM SEU COLEGA DE FARDA, SDPM ALINE, DURANTE PATRULHAMENTO DE ROTINA, FORAM ACIONADOS PELO CGP, 2o.SGT ALEXANDRE, NOTICIANDO APOIO, PARA UMA ABORDAGEM NO LOCAL PRECITADO, E QUE HAVIA UMA PARTE FEMININA SENDO AGREDIDA FISICAMENTE DENTRO CARRO. AO CHEGAR LÁ, HAVIAM VÁRIAS VIATURAS E A OUTRA PARTE QUAL SEJA O INDICIADO ESTAVA SENDO INTERROGADO.QUE, OUTRA PATRULHA DA POLÍCIA MILITAR, DO QUAL NÃO SE RECORDA QUAL SEJA, ESTAVA FAZENDO A REVISTA NO VEÍCULO DO INDICIADO, MOMENTO EM QUE ESTES AGENTES QUEM LOCALIZARAM UMA BOLSA PRETA E PERGUNTARAM SE REALMENTE ERA DO INDICIADO, O QUAL RESPONDEU QUE SIM. QUE FEITO A REVISTA DE FRENTE AO INDICIADO, FOI VISTO QUE HAVIA DOCUMENTOS NO INTERIOR DA BOLSA PRETA, ENTORPECENTES (COCAÍNA E MACONHA) UM DÓLAR CONTENDO RESQUÍCIOS DE DROGA E DOCUMENTOS DO PRÓPRIO INDICIADO, QUE CONFESSOU SER DO MESMO, SALIENTANDO QUE A VÍTIMA RELATOU AINDA QUE O INDICIADO MOMENTOS ANTES HAVIA AGREDIDO VERBALMENTE E FISICAMENTE, POR NÃO TER ACEITADO O FINAL DO RELACIONAMENTO. (...)" Em idêntico sentido, na referida fase (fls. 128), foi o depoimento da policial Aline do Carmo Machado. Em juízo (fls. 273/274), porém, Eduardo declarou que não se recordava dos fatos. Já Aline, sob o crivo do contraditório (fls. 273/274), relatou que, no dia do ocorrido, encontrava-se em patrulhamento, quando foi acionada e, ao chegar ao local dos fatos, visualizou o réu e a vítima fora de um carro. Em seguida, ao revistar o réu, foi encontrada uma bolsa, que continha entorpecentes. Alegou a policial ainda que a vítima lhe disse que teriam ocorrido vários desentendimentos com o réu e que, em algumas vezes, houve vias de fato. Não se recordou a testemunha, contudo, do relato da vítima sobre os fatos. Logo, cotejando-se as provas carreadas aos autos, forçoso é reconhecer-se que comprovadas ficaram, ao cabo da instrução, a autoria e a materialidade delitivas. A respeito, frise-se em resumo que, além da prova pericial da materialidade, houve confissão judicial quanto à posse dos narcóticos para uso próprio, ao passo que a vítima atestou, em ambas as fases da persecução penal, que, por ocasião dos fatos, teve uma discussão com o réu, oportunidade em que este a agrediu, desferindo-lhe socos no rosto, além de puxar-lhe o braço. Disse a vítima, ainda, que o réu, na ocasião, foi abordado e com ele foram encontrados estupefacientes. E aqui cabe destacar que a imputação de agressão foi corroborada pelo pelo relatório de atendimento médico a fls. 100, bem como pelo laudo de exame de corpo de delito indireto de fls. 186/187, os quais atestam que a vítima sofreu lesões compatíveis com tais relatos. As palavras da vítima, ademais, foram confirmadas pelo depoimento judicial da testemunha policial Aline, a qual esclareceu que, logo após os fatos, a ofendida acusou o réu de agressões. Já em relação ao crime do artigo 28, caput, da Lei nº 11.343/06, a agente da lei, em depoimentos firmes e coesos, afirmou que, no dia dos fatos, foram encontrados entorpecentes com o réu. Sob outro ângulo, a quantidade e a forma de acondicionamento das drogas bem indicam que outra não seria a finalidade destas senão o consumo pessoal. É imperativa, por conseguinte, a condenação pela lesão corporal e pela posse de cocaína. À idêntica conclusão, porém, não se chega quanto ao porte de maconha. A respeito, frise-se que o Colendo Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 506, deu provimento ao Recurso Extraordinário nº 635.659/SP, para declarar a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, de modo a afastar a natureza criminal do porte de cannabis sativa para consumo pessoal. Nesse trilhar, veja-se trecho referente à tese fixada: Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo (art. 28, III); 2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta; 3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença; 4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito; (STF. RE 635.659, Relator Ministro Gilmar Mendes. DJ: 26/06/2024 - grifos não constantes do original). E, in casu, sublinhe-se que com o réu foram encontrados três cigarros de maconha, pesando 0,03g (fls. 115). Assim, levando-se em consideração os critérios estabelecidos no artigo 28, § 2º, da Lei 11.343/2006, bem como a diminuta quantidade do entorpecente que o réu trazia consigo, não há dúvidas de que este trazia consigo para consumo pessoal. Colocada a questão nesses termos, bem se vê que a absolvição, quanto ao porte de maconha para consumo pessoal, é a medida mais adequada. A dedicada Defesa, contudo, procura afastar, totalmente, a responsabilidade penal do réu. Sem razão, porém. Frise-se inicialmente que, em crimes relativos à violência doméstica e familiar, as palavras da vítima, quando seguras e convincentes, são de grande relevo probatório, uma vez que, corriqueiramente, tais delitos são praticados na clandestinidade, longe dos olhos de testemunhas. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência: "É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, em crimes praticados no âmbito doméstico, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, não podendo ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios" (STJ - AgRg no AREsp 1003623/MS T6 - Sexta Turma - Relator Ministro Nefi Cordeiro - j. em 1º.3.2018 - DJe de 12.3.2018). E, in casu, as firmes e coesas palavras da vítima encontraram respaldo não só nos laudos juntados aos autos, como também no depoimento da policial ouvida, tal como já demonstrado. Não há, de outro turno, qualquer elemento concreto para concluir-se que a palavra da vítima estivesse maculada por falsa percepção do ocorrido. Consigne-se, ainda, que nada há nos autos a indicar que a vítima tenha imputado falsamente o crime ao réu. Em verdade, embora a vítima, no caso, possa até nutrir ressentimentos em relação ao réu, não há indícios de que chegaria a ponto de engendrar uma falsa acusação para prejudicá-lo judicialmente. A vítima, destarte, almeja apenas a justa reparação pelo mal que lhe foi impingido. Frise-se, doutra banda, que, para que de pronto se afastem quaisquer questionamentos sobre a confiabilidade dos depoimentos prestados por policiais, agentes da lei, deve ser conferido o ensinamento doutrinário: A simples condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita (STF, RTJ 68/54). Assim, como já decidido, 'é inaceitável a preconceituosa alegação de que o depoimento de policial deve ser sempre recebido com reservas, porque parcial. O policial não está legalmente impedido de depor e o depoimento prestado não pode ser sumariamente desprezado. Como todo e qualquer testemunho, deve ser analisado no contexto de um exame global do quadro probatório' (TACrimSP, RT 530/372) (Damásio Evangelista de Jesus, Código de Processo Penal Anotado, Editora Saraiva, 8ª edição, 1990, pág. 153). Nesse entendimento, veja-se ainda o posicionamento jurisprudencial, aplicável ao presente caso por analogia: PROVA Testemunha Depoimentos prestados por policiais Decreto condenatório por uso de entorpecentes, baseado neste tipo de prova Admissibilidade se inexistente qualquer indício de que os policiais fossem desafetos do acusado, tivessem hostil prevenção contra ele, ou quisessem indevidamente prejudicá-lo (RT 765/584). PROVA CRIMINAL Testemunha Hipótese de tóxico Depoimentos prestados por policiais Presunção juris tantum de agirem escorreitamente no exercício da função (RJTJSP 125/563). No presente caso, não havendo provas de que a policial fosse desafeta do réu, tivesse hostil prevenção contra ele ou quisesse indevidamente prejudicá-lo, mesmo porque sequer o conhecia, deve ser recebido, sem qualquer reserva, o testemunho da agente da lei, inda mais quando corroborado pela palavra da vítima. É bem verdade, em outra visão, conforme argutamente apontou a Defesa do réu, que a testemunha Aline não presenciou a agressão sofrida pela vítima. Tal lacuna, entrementes, não chega a macular o conjunto probatório, pois não há dúvidas acerca das lesões praticadas e outros elementos há, como já dito, a indicar a prática de tal crime. Lembre-se, entretanto, que a referida testemunha, logo após os fatos, recebeu da vítima a informação de que esta constantemente era agredida pelo réu. Não encontra respaldo nos autos, em outro enfoque, a alegação da Defesa no sentido de que não houve agressões visíveis na vítima. A respeito, ressalte-se que o exame de corpo de delito indireto realizado na vítima aponta que esta sofreu lesão corporal de natureza leve, apresentando "edema de hemiface direita e hematomas no braço e joelho esquerdos" (fls. 187). E cabe ressaltar, uma vez mais, que tal descrição coincide com o relato da vítima, que confirmou ser agredida com socos. É bem verdade, sob outro ângulo, que o réu também sofreu pequena lesão de natureza leve, conforme aponta o laudo pericial de fls. 171/172. Tudo está a indicar, contudo, que a "pequena equimose, esverdeada, em face interna do braço esquerdo" (fls. 172), decorreu de ação defensiva da vítima por ocasião dos socos que sofreu por parte do réu. Ainda que assim não fosse, note-se que o réu teria agido em evidente excesso doloso, lesionando a vítima na face, no braço e no joelho esquerdos, circunstância a afastar as alegadas lesões recíprocas. Não impede a responsabilidade penal, doutra banda, o fato de o exame de corpo de delito ter sido realizado meses após os fatos, pois não há qualquer dúvida de que a lesão constatada decorreu da ação do réu. E aqui lembrar que não há qualquer impedimento legal para a realização de exame de corpo de delito indireto, tal como ocorreu no caso. Em outra seara, a ausência de fotografias das lesões suportadas pela vítima, bem como de comprovantes de internação, não chegam a macular a prova. Por fim, seria incabível a condenação da vítima pela lesão sofrida pelo réu, pois não houve denúncia a respeito e, ademais, como já dito, tudo está a indicar que agiu ela em legítima defesa. É inafastável, por conseguinte, a parcial procedência. Procede-se, agora, à dosimetria das penas. No tocante à imputação de lesão corporal, atentando-se às circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, vê-se que a pena-base, diante da primariedade técnica do réu (fls. 48/49) e à míngua de maiores elementos, deve ser fixada no mínimo legal. Fixa-se a pena base, assim, em um ano de reclusão. Inexistem circunstâncias agravantes e atenuantes, tampouco causas de aumento ou diminuição a considerar. A pena, assim, quanto ao crime de lesão corporal, é tornada definitiva no patamar retro. No tocante ao delito previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/06, inicialmente, atendendo-se às diretrizes do artigo 42 da Lei nº 11.343/06 e do artigo 59 do Código Penal, opta-se, dentre as penas cominadas, pela prestação de serviços à comunidade. E isso porque o crime em questão foi cometido em contexto de outros delitos. A simples advertência, assim, não surtiria, no caso, o resultado esperado. Em seguida, atendendo-se às diretrizes estabelecidas pelos artigos 42 da Lei nº 11.343/06 e 59 do Código Penal, vê-se que a pena-base não pode ser fixada no mínimo legal, não obstante a primariedade do réu (fls. 48/49). A respeito, consigne-se que o artigo 42 da Lei nº 11.343/06 preceitua que, na fixação das penas, deve-se considerar a natureza e a quantidade da substância apreendida com o réu. E, no presente caso, sabe-se que a cocaína é substância de alto poder destrutivo e viciador, o que não pode ser desconsiderado nesta fase de dosagem da pena. Dessa forma, com base em tais circunstâncias, fixa-se a pena em dois meses de prestação de serviços à comunidade. O réu, porém, confessou espontaneamente a prática do crime e, assim, com base em tal circunstância atenuante, reduz-se a pena a um mês de prestação de serviços à comunidade. Não há circunstâncias agravantes a considerar, tampouco causas de aumento ou diminuição de pena a considerar. Inexistindo outras modificadoras, a pena é tornada definitiva. De outro turno, impende anotar que a hipótese é de concurso material. E tal se dá porque são duas condutas distintas e diferenciadas, o que preenche o determinado pelo artigo 69 do Código Penal. Não é caso, porém, de proceder-se à simples soma das reprimendas, já que ao crime de lesão corporal se prevê a pena de reclusão, ao passo que o delito de porte de entorpecente não estipula pena restritiva de liberdade. Em que pese o montante da reprimenda do crime do artigo 129, § 13, do Código Penal, não é cabível a substituição prevista no artigo 44 do Código Penal, pois o delito foi praticado mediante violência (inciso I do referido dispositivo legal). Nesse trilhar, veja-se a súmula 588 do Colendo Superior Tribunal de Justiça: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Incabível, outrossim, a aplicação do sursis, pois este seria mais gravoso que a pena aplicada. O regime inicial para cumprimento da pena do crime de lesão corporal, à vista do quantum da reprimenda e da primariedade técnica do réu, será o aberto, com a condição especial de comparecer a curso específico, voltado à conscientização e ao combate à violência doméstica, nos termos do artigo 36, § 1º, do Código Penal, e do artigo 115 da Lei das Execuções Penais. Sublinhe-se, outrossim, que o período da prisão cautelar não afeta, não obstante o teor da Lei nº 12.736/12, a eleição do regime prisional, uma vez que não há nos autos qualquer informação sobre o comportamento carcerário do réu. O citado lapso temporal, ademais, seria insuficiente a ensejar qualquer progressão quanto ao crime do artigo 129, § 13, do Código Penal. Frise-se, de outro turno, que não há como cogitar-se, à míngua de parâmetros seguros, de reparação de danos materiais. Já no que se refere ao pedido de indenização por danos morais, entrementes, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento, em julgamento sujeito à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que é admissível a respectiva reparação em processos criminais. Nesse sentir, confira-se: Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória (Tema 983, REsp 1675874/MS e REsp 1643051/MS - grifos não constantes do original). Sob outro ângulo, cabe também salientar que, conforme lição jurisprudencial, os danos morais decorrem do próprio criminoso: RECURSO ESPECIAL. RECURSO SUBMETIDO AO RITO DOS REPETITIVOS (ART. 1.036 DO CPC, C/C O ART. 256, I, DO RISTJ). VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MÍNIMA. ART. 397, IV, DO CPP. PEDIDO NECESSÁRIO. PRODUÇÃO DE PROVA ESPECÍFICA DISPENSÁVEL. DANO IN RE IPSA. FIXAÇÃO CONSOANTE PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUÍZO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (...) No âmbito da reparação dos danos morais - visto que, por óbvio, os danos materiais dependem de comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar natureza -, a Lei Maria da Penha, complementada pela reforma do Código de Processo Penal já mencionada, passou a permitir que o juízo único - o criminal - possa decidir sobre um montante que, relacionado à dor, ao sofrimento, à humilhação da vítima, de difícil mensuração, deriva da própria prática criminosa experimentada (...) (REsp n. 1.675.874/MS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 28/2/2018, DJe de 8/3/2018 grifos não constantes do original). Firmadas tais premissas, nota-se, in casu, que houve pedido expresso, na r. denúncia, de reparação de danos morais em favor da vítima (fls. 195/196). Por outro lado, bem delineada ficou, tal como dantes explanado, a prática do crime pelo réu contra a vítima. Possível é, por conseguinte, o arbitramento de valor acima do mínimo para a reparação dos danos morais causados. No que tange aos critérios para a fixação do valor da indenização, a mais abalizada jurisprudência vem levando em consideração parâmetros como (...) a capacidade econômica do ofensor, as condições pessoais da vítima, o caráter pedagógico e sancionatório da indenização, bem como a equidade, a proporcionalidade e a razoabilidade (Acórdão 1918003, 07118698120238070020, Relator(a): SANDOVAL OLIVEIRA, 3ª Turma Criminal, data de julgamento: 12/9/2024, publicado no PJe: 13/9/2024 - grifos não constantes do original). Dessa forma, atendendo ao critério de observação quanto à capacidade econômica do réu, nota-se que este, em audiência, declarou que possui, como profissão, eletricista (fls. 302). Não há notícias, doutro turno, de evidências relevantes quanto às condições pessoais da vítima. Com relação ao inequívoco caráter pedagógico e sancionatório, o arbitramento do valor deve permear o razoável para coibir a recalcitrância no ilícito, sem, contudo, importar em enriquecimento sem causa da parte beneficiada. À vista de todos esses elementos, se afigura razoável, nos termos do disposto no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, a fixação da indenização por danos morais em um salário mínimo, devidamente corrigido e com juros de mora, de meio por cento ao mês, a contar da data do trânsito em julgado desta decisão. Diante do exposto e do que no mais dos autos consta, JULGA-SE PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação penal para o fim de: a) ABSOLVER-SE M.A.D., com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, da imputação de cometimento do crime previsto no artigo 28, caput, da Lei nº 11.343/06 em relação ao porte de maconha; b) CONDENAR-SE M.A.D., como incurso no artigo 28, caput, da Lei nº 11.343/06 em relação ao porte de cocaína, a cumprir um mês de prestação de serviços à comunidade, em local a ser definido pelo Egrégio Juízo da Execução (artigo 44, § 2º, do Código Penal); c) CONDENAR-SE M.A.D., como incurso no artigo 129, § 13, do Código Penal, a cumprir, em regime inicial aberto, a pena de um ano de reclusão, com a condição especial de comparecer a curso específico, voltado à conscientização e ao combate à violência doméstica; d) CONDENAR-SE M.A.D. ao pagamento das custas processuais, estas equivalentes a cem UFESPs (artigo 4º, § 9º, alínea a, da Lei Paulista nº 11.608/03); e) FIXAR-SE, a título de reparação mínima dos danos morais causado pela infração, o valor de um salário mínimo, devidamente corrigido e com juros de mora, de meio por cento ao mês, a contar da data do trânsito em julgado desta decisão; f) DECLARAR-SE DEFINITIVAS as medidas protetivas concedidas a fls. 58/62. Sublinhe-se que, pela r. decisão de fls. 227/228, ao réu foram concedidos os benefícios da gratuidade judiciária até o final do processo. Assim, em havendo o trânsito em julgado desta sentença, as custas deverão ser arcadas pelo réu. Anote-se. Não há necessidade da custódia cautelar, já que o réu foi beneficiado com o regime aberto. Encaminhe-se a vítima ao Núcleo de Justiça Restaurativa de Santos. Solicite-se a destruição da substância entorpecente, requisitando o posterior envio, a este juízo, do laudo respectivo, devendo ser mantida quantidade suficiente para contraprova até o final do processo. Em havendo condições técnicas, providencie a digna serventia a nova categorização do documento de fls. 171/172. Defiro a devolução, em favor do réu, do dólar apreendido, providenciando-se o necessário. Fica autorizada a retirada do numerário pelo nobre Defensor, já que este possui poderes para tanto (fls. 220). Oportunamente, em havendo o trânsito em julgado desta decisão, determinar-se-ão as devidas anotações e comunicações. Publique-se. Intimem-se. Comunique-se. Santos, 19 de julho de 2024. EDEGAR DE SOUSA CASTRO Juiz de Direito - ADV: JOSE ROBERTO BARBOSA (OAB 292419/SP)
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