Processo nº 5876427-32.2024.8.09.0072
ID: 315922201
Tribunal: TJGO
Órgão: 3ª Câmara Criminal
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO SUMáRIO
Nº Processo: 5876427-32.2024.8.09.0072
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JEFFERSON DE PAULA COUTINHO
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
3ª Câmara Criminal
Gabinete da Desembargadora Zilmene Gomide da Silva
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5876427-32.2024.8.09.0072
COMARCA: INHUMAS
A…
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
3ª Câmara Criminal
Gabinete da Desembargadora Zilmene Gomide da Silva
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5876427-32.2024.8.09.0072
COMARCA: INHUMAS
APELANTE: LUIZ MAURO RIBEIRO E SILVA
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
RELATORA: MARIA CRISTINA COSTA MORGADO – JUÍZA SUBSTITUTA EM 2º GRAU
VOTO
Adoto o relatório lançado.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Consoante relatado, trata-se de apelação criminal interposta por LUIZ MAURO RIBEIRO E SILVA, nascido em 24/04/1971, contra a sentença proferida pelo juízo da Vara Criminal da Comarca de Inhumas, que o absolveu da conduta descrita no artigo 147, caput, do Código Penal (ameaça), mas o condenou nas sanções do artigo 129, §13, do Código Penal (lesão corporal contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino) e no artigo 24-A da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha).
Nas razões recursais a defesa almeja, em preliminar, o reconhecimento da ausência de justa causa para a ação, alegando que esta foi iniciada com base apenas na palavra da vítima. No mérito, defende: i) a absolvição do réu dos crimes a ele imputados, sob o argumento de insuficiência probatória e com fundamento no princípio da presunção de inocência; ii) o reconhecimento da legítima defesa, colacionando imagens das lesões supostamente provocadas pela ofendida; e iii) a ausência de dolo, pois o descumprimento das medidas protetivas foi causado pelo comportamento da vítima, que entrou em contato com ele (eventos 84 e 95).
Razão não assiste a defesa.
No que aqui interessa, consta da denúncia, em síntese, em relação ao segundo fato, que no dia 10 de julho de 2024, por volta das 21 h, no centro de Damolândia, o denunciado agrediu fisicamente a vítima Idaiane Alves Marques, causando diversas lesões (hematomas na cabeça, equimose no antebraço e múltiplos ferimentos). A agressão ocorreu após a vítima reafirmar o fim definitivo do relacionamento, o que não foi aceito pelo denunciado.
Já quanto ao fato terceiro, extrai-se que apesar de deferidas medidas protetivas de urgência em favor da vítima em 09 de agosto de 2024, o denunciado descumpriu a ordem judicial no mesmo dia, enviando uma mensagem ameaçadora por WhatsApp. E que, em 02 de setembro de 2024, ele ainda ligou para a vítima dizendo estar arrependido e pedindo um encontro pessoal, demonstrando persistência no descumprimento das medidas impostas.
Essa é, em suma, a versão veiculada na inicial acusatória.
Em proêmio, em relação a preliminar de inépcia da denúncia, registra-se que ela já foi analisada pelo Juízo singular, pois foi arguida pelo apelante em sua resposta à acusação, sendo que a magistrada reconheceu que a denúncia preenche todos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal (evento 34).
Ademais, observa-se dos autos que a denúncia descreve os fatos com todas as suas circunstâncias, fornece os dados para a sua identificação, classifica o crime e apresenta o rol de testemunhas, não havendo inépcia.
No mérito, verifica-se que a defesa busca a absolvição do processado sob os seguintes argumentos: insuficiência de provas, ausência de dolo e legítima defesa.
Sem delongas, razão não assiste a defesa, uma vez que a materialidade dos crimes imputados ao réu (lesão corporal e descumprimento de medida protetiva) ficaram comprovadas pelo Registro de Atendimento Integrado; pelo termo de declarações da ofendida, relatando as ameaças, a perseguição e a lesão corporal; pelo termo de interrogatório do investigado; pela intimação do réu quanto à medida protetiva, autos n° 5767193-18 (evento 17); pelo termo de depoimento dos policiais que atenderam a ocorrência; pela decisão que deferiu as medidas protetivas de urgência em favor da ofendida; pelo laudo pericial de lesão corporal (evento 01, arquivo 06, autos nº 5876375-36), bem como pelos depoimentos e demais provas colhidas na fase policial e em juízo.
Em relação a autoria dos delitos, também ficou comprovada pelo depoimento da vítima e dos informantes, bem como pelo interrogatório do réu, durante a investigação policial e em juízo, além dos demais elementos de provas anexados aos autos.
O apelante, em seu interrogatório judicial (evento 70), confessou parcialmente os fatos, pois afirmou que revidou as agressões físicas para se defender de agressões supostamente praticadas pela ofendida, veja:
“(…) negou as acusações de ameaça e agressão física à vítima, uma mulher com quem teve um relacionamento. Segundo ele, os desentendimentos surgiram após a mulher levar outros homens para sua casa, apesar de um compromisso entre ambos. Ele alegou que, em uma ocasião, a mulher, após ingerir álcool, o agrediu fisicamente, e ele revidou para se defender e tirou fotos de suas lesões. Ele também foi acusado de violar uma medida protetiva ao tentar contatar a vítima, mas ele se defendeu dizendo que foi a vítima quem o contatou, e ele respondeu explicando a medida protetiva que o proibia de se comunicar com ela. Ele menciona uma mensagem que enviou para I.A.M., que, segundo ele, foi interpretada de maneira errada e resultou em sua prisão preventiva. Na mensagem, ele se referia a si mesmo, dizendo que as coisas ficariam complicadas para ele. Ele expressa grande sofrimento psicológico e físico devido às condições da prisão, incluindo os procedimentos dolorosos durante as revistas. Em relação a armas, ele afirma ser CAC (Colecionador, Atirador e Caçador), possui duas armas com registros e certificações em dia, afirmando que as armas eram mantidas seguras no cofre da loteria.
Quanto às armas que possuía, explicou que as adquiriu por precaução, após ser assaltado duas vezes, e garantiu que estavam registradas legalmente. Em sua defesa final, Luiz Mauro expressou arrependimento por sua situação e pediu compreensão, alegando que a experiência de estar preso, rodeado de criminosos perigosos, tem sido humilhante e angustiante. Ele desejou retomar uma vida normal, pedir desculpas pelos erros e ser liberado para poder cuidar de sua família e fazer melhores escolhas no futuro.”
Todavia, em contradição às declarações do réu, a ofendida sob o crivo do contraditório (evento 70), reiterou a narrativa que realizou na delegacia, narrando que:
“(…) ter se envolvido em um relacionamento com Luiz Mauro por nove meses. Durante esse período, afirmou ter sido vítima de agressões psicológicas desde o início, com ameaças que guardou em áudios. Em março, ocorreram agressões físicas, relatando que em uma ocasião Luiz Mauro tomou seu celular, jogou-a no chão e a agrediu enquanto exigia que desbloqueasse o aparelho. Disse ainda que tentou se defender mordendo a mão dele e usando as unhas, mas não conseguiu evitar os ferimentos. Após a agressão, foi levada por ele até sua casa para trocar de roupa, pois estava suja de sangue. A depoente também relatou episódios de invasão de privacidade, como quando Luiz Mauro pulava a janela de sua casa. Ela decidiu encerrar o relacionamento, mas ele continuou insistindo em reatar, mesmo após ser notificado sobre uma medida protetiva emitida em agosto. Segundo a depoente, ele descumpriu essa medida em setembro ao ligar dizendo estar arrependido e pedindo para encontrá-la.
Além disso, ela mencionou ofensas verbais, como ser chamada de "vagabunda", e relatou que ele usou maconha em sua presença, impedindo-a de sair para visitar a mãe nessa ocasião. Apesar das situações de violência e controle, afirmou não ter conhecimento de outros casos semelhantes envolvendo Luiz Mauro com outras mulheres. Por fim, declarou não ter intenção de reatar o relacionamento e solicitou a manutenção da medida protetiva.”
Ainda, foram ouvidas as testemunhas/informantes Lorenne de Jesus Ferreira, Ana Paula Borges e Aleandro Moreira Gomes, porém, elas afirmaram não terem presenciado os fatos, apenas relataram o que ouviram falar a respeito do relacionamento entre a ofendida e o agressor. Por sua vez, o informante Evandro Muriel Ferreira e Silva, filho do apelante, afirmou que os dois voltaram a se encontrar novamente, mesmo com a medida protetiva em vigor.
Nesse contexto, ressalte-se que, em crimes de violência doméstica, por serem cometidos na maioria das vezes na ausência de testemunha, a palavra da vítima possui valor probatório relevante, mormente quando corroborada pela prova testemunhal e, conforme reiteradamente decidido, “nos crimes cometidos no âmbito doméstico o depoimento da vítima tem valor probatório importante, merecendo valoração especial” (TJGO, ApCrim 95982-84.2017.8.09.0142, DJe 2932 de 17.02.2020), porque, como cediço, “as agressões ocorrem, quase sempre, às escondidas, na intimidade do lar, longe dos olhares de testemunhas” - (TJGO, ApCrim. 5265327-42.2019.8.09.0093, DJe de 02.09.2020).
A propósito, arestos do STJ e deste tribunal:
"AGRAVO REGIMENTAL NOS ACLARATÓRIOS NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CONDENAÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. (…) (III) - PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (…) 3. ‘É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, em crimes praticados no âmbito doméstico, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, não podendo ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios (AgRg no AREsp 1003623/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018). 4. Agravo regimental desprovido" (STJ. AgRg nos EDcl no AREsp 1256178/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, j. em 22/5/2018);
“APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 1) ABSOLVIÇÃO. FRAGILIDADE DAS PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. Impõe-se referendar o édito condenatório quando o substrato probatório harmônico amealhado aos autos, composto pelos elementos informativos e, posteriormente, jurisdicionalizados, demonstra, de forma clara, a materialidade e a autoria do crime de lesão corporal no contexto de violência doméstica, especialmente pelo RAI, Laudo de Exame Pericial de Corpo de Delito - Lesões Corporais- e pelas declarações da vítima em ambas as fases da persecutio criminis. (…) RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJGO, Apelação Criminal 0131325-71.2019.8.09.0175, Relª. Desª. CARMECY Rosa Maria Alves de Oliveira, 2ª Câmara Criminal, julgado em 11/07/2022).
Aliado a isso, como bem destacou a Procuradoria em seu parecer (evento 117), “não se pode desconsiderar a palavra da vítima, a menos que haja nos autos provas concretas em sentido contrário, o que não ocorreu no caso sub judice. Desta forma, estando devidamente comprovado o crime de lesão corporal contra a mulher no âmbito doméstico, praticado pelo apelante, não há que se falar em absolvição, razão pela qual a manutenção do decreto condenatório é medida necessária com relação a este delito.”
Ademais, as lesões sofridas pela ofendida foram descritas pelo Relatório Médico acostado aos autos (arquivo 17 do evento 01 dos autos arquivados de número 5876375-36), de seguinte teor:
“LESÕES APRESENTADAS: APRESENTA DOIS HEMATOMAS SUBGALEAIS, UM EM REGIÃO FRONTAL E OUTRO EM REGIÃO OCCIPITAL DE CABEÇA. APRESENTA EQUIMOSE DE APROX. 5CM DE DIÂMETRO EM ANTEBRAÇO ESQUERDO E MÚLTIPLOS FERIMENTOS EM MEMBRO SUPERIOR DIREITO. INSTRUMENTO OU MEIO QUE PRODUZIU A OFENSA: AGRESSÃO POR FORÇA FÍSICA.”
Outrossim, em relação ao descumprimento das medidas protetivas de urgência, o apelante também confessou parcialmente os fatos, ao afirmar que o seu descumprimento fora motivado pela própria ofendida, que teria entrado em contato com ele (o que, contudo, não restou demonstrado nos autos). Além disso, confirmou que teria enviado mensagens para ela, as quais teriam sido incompreendidas, resultando em sua prisão preventiva (evento 70).
Soma-se a isso, como bem destacou o MP de primeiro grau, “é de se ressaltar que o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência tutela direta e primeiramente o bem jurídico indisponível da Administração da Justiça, em especial o interesse estatal de ver cumprida a decisão que decretou medidas de proteção à mulher vítima da violência de gênero. Por isso, o consentimento da vítima NÃO possui o condão de afastar a tipicidade do delito ou o dolo do apelante, como reconhece o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.”
Ressalta-se que, as alusões à relação de afeto entre a ofendida e o agressor demonstram a presença de um elemento central da violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 5°, III, da Lei Maria da Penha:
“Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. De fato, a literatura e as entidades especializadas reconhecem que a violência doméstica e familiar é um fenômeno complexo, que frequentemente se dá por meio do chamado ciclo ou espiral da violência, que inclui, por vezes, uma fase de arrependimento que pode levara ofendida a “dar mais uma chance” ao agressor;”
Assim, configurado o dolo do apelante, ante as declarações prestadas pela vítima e informantes, e pela confissão parcial do acusado, além das conclusões apresentadas no relatório médico, não deixam dúvida de que a conduta do agente foi caracterizada por animus laedendi, isto é, pela vontade livre e consciente de causar danos à integridade física da vítima e em descumprir a medida protetiva.
Destarte, “mostrando-se a palavra da vítima coerente e harmônica com a prova produzida, deve prevalecer diante do confronto com a evasiva versão do agente” (TJGO, ApCrim 5313973-78.2020.8.09.0051, Rel. Des. Aureliano Albuquerque Amorim, DJe de 30.01.2023).
Quanto à alegação de legítima defesa, verifica-se que não há comprovação das supostas lesões sofridas pelo apelante. As imagens apresentadas pelo réu não se prestam a comprovar a sua versão, uma vez que foram produzidas unilateralmente, sem nenhuma confirmação da data em que foram produzidas.
Ademais, a propósito:
“AMEAÇA. LEI MARIA DA PENHA. ABSOLVIÇÃO QUANTO À LESÃO CORPORAL. LEGÍTIMA DEFESA. 1 - Não merece guarida a tese defensiva de excludente de ilicitude, porquanto a legítima defesa invocada pelo apelante deve ser considerada sob a ótica de que o fato dos autos diz respeito ao crime de lesões corporais praticadas em razão das relações domésticas (por um homem contra uma mulher), situação em que naturalmente há em favor do agressor imensa superioridade física, de modo a impor maior rigor do exame dos requisitos e pressupostos insertos no artigo 25 do Código Penal. Como se sabe, a excludente de ilicitude deve ser reconhecida somente quando houver efetiva comprovação de que foram utilizados, de forma moderada, os meios necessários para a repulsa da agressão, atual ou iminente. (…).” APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, Apelação Criminal 5584634-98.2020.8.09.0051, Rel. Des(a). EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES, 1ª Câmara Criminal, julgado em 15/08/2022, DJe de 15/08/2022).
Por fim, registro que, na espécie, para se configurar a relação íntima, não se exige a coabitação. A propósito: “(…). O namoro é uma relação íntima de afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão do namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele, caracteriza violência doméstica.” APELO DESPROVIDO.” (TJGO, Apelação Criminal 5681279-20.2022.8.09.0051, Rel. Des(a). ROZANA FERNANDES CAMAPUM, 4ª Câmara Criminal, julgado em 08/07/2024, DJe de 08/07/2024).
Assim, não havendo dúvidas quanto à tipicidade da conduta dolosa praticada pelo acusado e, ainda, inexistindo qualquer excludente de ilicitude ou culpabilidade a seu favor, deve ser ele responsabilizado criminalmente pelos crimes.
Logo, a despeito do esforço argumentativo da defesa, as provas colacionadas aos autos demonstram que LUIZ MAURO RIBEIRO E SILVA praticou lesão corporal contra a vítima, no âmbito doméstico e familiar, bem como descumpriu as medidas protetivas a ele impostas, razão pela qual a manutenção da sentença que o condenou nas sanções dos artigos 129, § 13, do Código Penal, e no artigo 24-A da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), é a medida que se impõe.
Nesse sentido:
“(…) Apelação. Violência doméstica (...) absolvição por insuficiência probatória; (...) Sentença condenatória devidamente fundamentada. (3) A palavra da vítima corroborada pelos laudos periciais são suficientes para a manutenção da condenação por violência doméstica” - (TJGO, Apelação Criminal 5022461-74.2022.8.09.0100, Rel. Des. Edison Miguel da Silva Júnior, 2ª Câmara Criminal, j. em 10/08/2022).
“APELAÇÃO CRIMINAL. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE CULPOSA. AUSÊNCIA DE DOLO. INVIABILIDADE. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito de lesão corporal no âmbito doméstico, em especial pela palavra da vítima, testemunha e do laudo pericial, não merece prosperar o pleito desclassificatório. Inexistindo dúvidas de que o apelante agrediu a vítima com o dolo de lesionar, utilizando de força desmedida, impossível a desclassificação para lesão corporal culposa. (…) APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA” – (TJGO, Apelação Criminal 5669220-18.2021.8.09.0024, Relª. Drª. Roberta Nasser Leone, 2ª Câmara Criminal, j. em 04/03/2024).
Passo, pois, a análise do processo dosimétrico.
Da análise do decreto condenatório (evento 75), verifico que o sistema trifásico da pena, nos termos do artigo 68 do Código Penal, foi corretamente obedecido pela Juíza condutora do feito, conforme passo a expor:
Do crime de Lesões Corporais
De início, registro que a pena em abstrato do crime lesão corporal (art. 129, §13, do Código Penal) é de 01 a 04 anos de reclusão, considerando que o crime foi cometido antes da alteração promovida pela Lei n. 14.994/2024.
Na hipótese, consta dos autos que, na primeira fase da dosimetria da pena, a Juíza de primeiro grau, de forma justa e proporcional ao crime praticado, fixou a pena base em 01 reclusão, uma vez que neutras/favoráveis ao réu todas as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, evento 75.
Na segunda fase, a magistrada reconheceu a inexistência de agravantes, e verificou a presença da atenuante prevista no do art. 65, II, d, do Código Penal (confissão), porém, corretamente fixou a pena no mesmo patamar da pena-base (01 ano), “Considerando que a pena já está fixada no mínimo legal, em consonância com a Súmula 231 do STJ.”
Por fim, na terceira fase, ausentes causas de aumento e diminuição da pena, ficou o acusado definitivamente condenado a 01 ano de reclusão, sanção que deve ser mantida.
Do crime de Descumprimento de Medida Protetiva.
Observa-se dos autos (evento 75) que, na primeira fase da dosimetria da pena, a Juíza de primeiro grau, considerando o conjunto das circunstâncias judiciais (artigo 59 do Código Penal), as quais são neutras/favoráveis ao réu, fixou a pena-base no mínimo legal de 03 meses de detenção.
Na sequência, na segunda fase da dosimetria da pena, a magistrada reconheceu a inexistência de agravantes, e verificou a presença da atenuante prevista no do art. 65, II, d, do Código Penal (confissão), porém, corretamente fixou a pena no mesmo patamar da pena-base (03 meses de detenção), “Considerando que a pena já está fixada no mínimo legal, em consonância com a Súmula 231 do STJ.”
Do mesmo modo, na terceira fase do processo dosimétrico, ante a ausência de causas especiais de aumento e/ou diminuição da pena, adequadamente fixou a pena definitiva em 03 meses de detenção.
Em seguida, considerando o concurso material de crimes (lesão corporal e descumprimento de medida protetivas), na forma do art. 69 do Código Penal, e a inviabilidade do somatório das penas de reclusão e detenção, a magistrada com precisão assentou (evento 75): “No caso dos autos verifico que houve concurso material entre os crimes de lesão corporal punível com reclusão e descumprimento de medida protetiva punível com detenção. Em virtude disso, deixo de somar as penas, o que faço em conformidade com o comando contido no artigo 69, caput, parte final, do Código Penal.”
No mais, a considerar que o crime de lesão corporal foi cometido mediante violência, bem como tendo em vista o disposto o artigo 17 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) e a Súmula 588 do Superior Tribunal de Justiça, corretamente a sentença deixou de substituir a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos (art. 44 do Código Penal).
Todavia, devidamente autorizada pelo artigo 77 do Código Penal, a juíza singular aplicou a suspensão condicional da pena pelo prazo de 02 anos, sujeitando o réu a condições.
Ainda, quanto a indenização pelos danos sofridos pela vítima, uma vez que esta foi arbitrada no valor mínimo legal (1 salário-mínimo vigente à época dos fatos), a sentença neste ponto também não carece de reparos.
Aliado a isso, o Ministério Público requereu expressamente na inicial acusatória a fixação de indenização mínima pelos danos materiais e morais sofrido pela vítima (evento 08).
Portanto, “admite-se a fixação de valor mínimo para reparação de danos, nos termos do artigo 387, IV, do CPP, desde que haja pedido expresso do Ministério Público. No caso, houve pedido pela acusação ao apresentar as alegações finais, impondo-se a manutenção da condenação em valor indenizatório” – (TJGO – AC nº 0090423-13.2018.8.09.0175, Rel. Des. Eudélcio Machado Fagundes, 1ª Câmara Criminal, j. em 1º/08/2022), os quais continuam regidos pela tese fixada no julgamento do Tema repetitivo nº 983/STJ.
Ante todo o exposto, conheço do apelo e nego-lhe provimento, mantendo-se a sentença recorrida.
É como voto.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
Maria Cristina Costa Morgado
Juíza Substituta em 2º Grau
Relatora
D4/CR
Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LESÃO CORPORAL E DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. CONDENAÇÃO MANTIDA.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação criminal interposta contra sentença proferida em ação penal que resultou na condenação do réu pela prática dos crimes previstos no art. 129, § 13, do Código Penal (lesão corporal contra a mulher) e no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006 (descumprimento de medida protetiva), com aplicação de penas privativas de liberdade, suspensão condicional da pena e fixação de indenização mínima à vítima.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) saber se a ação penal possui justa causa, considerando que foi instaurada com base exclusivamente na palavra da vítima; (ii) saber se os elementos probatórios são suficientes para a manutenção da condenação pelos crimes imputados, em especial diante das alegações de legítima defesa e ausência de dolo; e (iii) saber se a dosimetria das penas aplicadas observou os critérios legais, especialmente quanto à fixação da pena-base, à aplicação de atenuantes e à suspensão condicional da pena.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A denúncia atende aos requisitos do art. 41 do CPP, não havendo inépcia. A alegação de ausência de justa causa é improcedente, pois a peça acusatória está acompanhada de elementos mínimos de prova.
4. A materialidade e a autoria dos crimes restaram comprovadas por documentos, laudo médico, depoimentos colhidos em juízo e confissão parcial do réu, evidenciando o dolo nas condutas praticadas.
5. A alegação de legítima defesa foi corretamente afastada diante da ausência de provas das lesões alegadas pelo réu, bem como do uso desproporcional da força.
6. A tese de ausência de dolo no descumprimento da medida protetiva não prospera, pois a conduta do réu demonstrou ciência e vontade de violar a ordem judicial, independentemente de eventual anuência da vítima que, inclusive, não foi comprovada nos autos.
7. A dosimetria das penas observou o sistema trifásico do art. 68 do Código Penal, com fixação no mínimo legal diante da neutralidade das circunstâncias judiciais e presença de atenuante de confissão, além de correta aplicação do sursis penal e da indenização mínima fixada.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Recurso conhecido e desprovido.
Tese de julgamento:
“1. A palavra da vítima nos crimes de violência doméstica possui especial valor probatório, sobretudo quando corroborada por outros elementos de convicção constantes dos autos.”
“2. A alegação de legítima defesa exige prova idônea e inequívoca das agressões sofridas, não sendo suficiente a apresentação de imagens unilaterais.”
“3. O descumprimento de medida protetiva configura crime formal, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima, além dela não ter sido provada no feito.”
“4. A pena pode ser fixada no mínimo legal quando presentes circunstâncias judiciais neutras e reconhecida atenuante de confissão, nos termos da Súmula 231 do STJ.”
“5. A suspensão condicional da pena é admissível nas hipóteses em que preenchidos os requisitos do art. 77 do Código Penal, ainda que se trate de crime cometido com violência, desde que ausente vedação legal.”
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XL; CP, arts. 59, 65, II, d, 68, 69, 129, § 13; CPP, arts. 41, 387, IV; Lei nº 11.340/2006, arts. 5º, III, 17 e 24-A.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 1256178/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 22.05.2018; TJGO, ApCrim 95982-84.2017.8.09.0142, DJe 17.02.2020; TJGO, ApCrim 5313973-78.2020.8.09.0051, DJe 30.01.2023; TJGO, Apelação Criminal 5669220-18.2021.8.09.0024, j. 04.03.2024.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Criminal nº 5876427-32.2024.8.09.0072.
ACORDAM os integrantes da Quinta Turma Julgadora da Terceira Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, na sessão do dia 01 de julho de 2025, proferir deliberação no expediente, conforme votação e composição registradas no extrato de ata do respectivo julgamento, à unanimidade, em conhecer do recurso, mas lhe negar provimento, nos termos do voto da Relatora.
Esteve presente e fez sustentação oral o advogado do apelante, Dr. Jefferson de Paula Coutinho, OAB/GO 14341.
Presidiu a sessão o Desembargador Donizete Martins de Oliveira.
Procuradoria-Geral de Justiça representada, conforme extrato da ata.
Goiânia, datado e assinado digitalmente.
Maria Cristina Costa Morgado
Juíza Substituta em 2º Grau
Relatora
Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LESÃO CORPORAL E DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. CONDENAÇÃO MANTIDA.
I. CASO EM EXAME
1. Apelação criminal interposta contra sentença proferida em ação penal que resultou na condenação do réu pela prática dos crimes previstos no art. 129, § 13, do Código Penal (lesão corporal contra a mulher) e no art. 24-A da Lei nº 11.340/2006 (descumprimento de medida protetiva), com aplicação de penas privativas de liberdade, suspensão condicional da pena e fixação de indenização mínima à vítima.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) saber se a ação penal possui justa causa, considerando que foi instaurada com base exclusivamente na palavra da vítima; (ii) saber se os elementos probatórios são suficientes para a manutenção da condenação pelos crimes imputados, em especial diante das alegações de legítima defesa e ausência de dolo; e (iii) saber se a dosimetria das penas aplicadas observou os critérios legais, especialmente quanto à fixação da pena-base, à aplicação de atenuantes e à suspensão condicional da pena.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A denúncia atende aos requisitos do art. 41 do CPP, não havendo inépcia. A alegação de ausência de justa causa é improcedente, pois a peça acusatória está acompanhada de elementos mínimos de prova.
4. A materialidade e a autoria dos crimes restaram comprovadas por documentos, laudo médico, depoimentos colhidos em juízo e confissão parcial do réu, evidenciando o dolo nas condutas praticadas.
5. A alegação de legítima defesa foi corretamente afastada diante da ausência de provas das lesões alegadas pelo réu, bem como do uso desproporcional da força.
6. A tese de ausência de dolo no descumprimento da medida protetiva não prospera, pois a conduta do réu demonstrou ciência e vontade de violar a ordem judicial, independentemente de eventual anuência da vítima que, inclusive, não foi comprovada nos autos.
7. A dosimetria das penas observou o sistema trifásico do art. 68 do Código Penal, com fixação no mínimo legal diante da neutralidade das circunstâncias judiciais e presença de atenuante de confissão, além de correta aplicação do sursis penal e da indenização mínima fixada.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Recurso conhecido e desprovido.
Tese de julgamento:
“1. A palavra da vítima nos crimes de violência doméstica possui especial valor probatório, sobretudo quando corroborada por outros elementos de convicção constantes dos autos.”
“2. A alegação de legítima defesa exige prova idônea e inequívoca das agressões sofridas, não sendo suficiente a apresentação de imagens unilaterais.”
“3. O descumprimento de medida protetiva configura crime formal, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima, além dela não ter sido provada no feito.”
“4. A pena pode ser fixada no mínimo legal quando presentes circunstâncias judiciais neutras e reconhecida atenuante de confissão, nos termos da Súmula 231 do STJ.”
“5. A suspensão condicional da pena é admissível nas hipóteses em que preenchidos os requisitos do art. 77 do Código Penal, ainda que se trate de crime cometido com violência, desde que ausente vedação legal.”
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XL; CP, arts. 59, 65, II, d, 68, 69, 129, § 13; CPP, arts. 41, 387, IV; Lei nº 11.340/2006, arts. 5º, III, 17 e 24-A.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 1256178/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 22.05.2018; TJGO, ApCrim 95982-84.2017.8.09.0142, DJe 17.02.2020; TJGO, ApCrim 5313973-78.2020.8.09.0051, DJe 30.01.2023; TJGO, Apelação Criminal 5669220-18.2021.8.09.0024, j. 04.03.2024.
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