Processo nº 5077886-23.2023.8.09.0142
ID: 299936643
Tribunal: TJGO
Órgão: Santa Helena de Goiás - Vara Criminal - I
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 5077886-23.2023.8.09.0142
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIO CESAR PEREIRA SOUSA
OAB/GO XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIOComarca de Santa Helena de GoiásEstado de GoiásGabinete do Juiz Ronny Andre Wachtelgab.1civsantahelena@tjgo.jus.br PROCESSO CRIMINAL -> Procedimento Comum -> Ação Penal - Procedimento…
PODER JUDICIÁRIOComarca de Santa Helena de GoiásEstado de GoiásGabinete do Juiz Ronny Andre Wachtelgab.1civsantahelena@tjgo.jus.br PROCESSO CRIMINAL -> Procedimento Comum -> Ação Penal - Procedimento OrdinárioProcesso: 5077886-23.2023.8.09.0142Réu: Marcos De Souza Dias SENTENÇA Trata-se de ação penal proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS em desfavor de Marcos de Sousa Dias, qualificado nos autos, pela suposta prática das infrações penais tipificadas no artigo 147 e artigo 147-A, §1°, II, ambos do Código Penal; e art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/1941, c/c art. 5º, III, da Lei n. 11.340/2006, todos na forma do artigo 69 do Código Penal.Segundo a inicial acusatória, ipsis verbis:Em 26 de novembro de 2022 até o dia 08 de fevereiro de 2023, em Santa Helena de Goiás-GO, Marcos de Sousa Dias, agindo de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, perseguiu reiteradamente a vítima Maiara da Silva Bernades, invadindo e perturbando sua esfera de liberdade e privacidade.No dia 08 de fevereiro de 2023, em Santa Helena de Goiás-GO, Marcos de Sousa Dias, agindo de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, praticou vias de fato, consistente em puxar o braço da vítima Maiara da Silva Bernades, pessoa com quem manteve relação íntima de afeto.Ainda, no dia 08 de fevereiro de 2023, em Santa Helena de Goiás-GO, Marcos de Sousa Dias, agindo de forma livre e consciente da reprovabilidade de sua conduta, ameaçou Maiara da Silva Bernades, prometendo-lhe causar mal injusto e grave.Emana dos autos que Maiara e Marcos conviveram em união matrimonial por aproximadamente onze anos. O casal possui uma filha de onze anos.Consta que durante o relacionamento Marcos revelou-se uma pessoa agressiva, especialmente sob o efeito de bebidas alcoólicas. Nessas ocasiões, ele agredia Maiara com empurrões, beliscões e tapas no rosto. Sempre que Maiara manifestava a intenção de deixar o lar, Marcos a ameaçava, dizendo: "Se você sair, eu vou atrás de você, eu te mato, não tenho medo não."No dia 26 de novembro de 2022, exaurida pela violência e ameaças constantes, Maiara decidiu romper o relacionamento. Desde então, Marcos não cessou de persegui-la, enviando diversos áudios com dizeres: "eu vou cortar sua cabeça e arrastar no asfalto, pode mudar de cidade."Adiante, no dia 08 de fevereiro de 2023, por volta das 19h, Marcos foi ao local de trabalho de Maiara, ocasião em que vítima informou que não iria reatar o relacionamento com o denunciado.Não satisfeito, Marcos reagiu de forma agressiva e puxou o braço de Maiara. Após Maiara gritar, Marcos deixou o local, mas continuou a enviar áudios alterados, proferindo ofensas e novas ameaças, como: "Fica esperta, eu vou mover meus pauzinhos para você, sua desgraçada, fica esperta." Marcos ainda fez menção à filha do casal, afirmando: "Eu vou tocar na sua ferida agora, vou pegar a Ana Vitória e sumir com ela."Diante disso, Maiara dirigiu-se à delegacia de polícia, relatou os fatos, manifestou interesse em representar criminalmente em desfavor de Marcos e solicitou a concessão de medidas protetivas de urgência.A autoridade policial, em seu relatório final, indiciou o investigado (evento 73), tendo o Ministério Público apresentado denúncia no evento 83, a qual fora recebida em 30/08/2024 (evento 85).Citado no evento n. 94, o denunciado apresentou resposta à acusação no evento n. 96.Realizada audiência de instrução e julgamento em 27 de março de 2025, procedeu-se à oitiva da vítima Maiara da Silva Bernardes e das testemunhas João Henrique Pires Paiva e Harlen Faria de Assunção. Ao final, passou-se ao interrogatório do denunciado Marcos de Souza Dias (evento n. 138).Com vistas, o Ministério Público apresentou alegações finais, por memoriais, oportunidade em que pugnou pela procedência da inicial acusatória, condenando-se o acusado pela prática dos delitos previstos artigo 147 e artigo 147-A, §1°, II, ambos do Código Penal; e art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/1941, c/c art. 5º, III, da Lei n. 11.340/2006, todos na forma do art. 69 do Código Penal (evento 151).A defesa do acusado, em seus memoriais, requereu a absolvição do mesmo, sob a alegação de a prova material apresentada, consistente em capturas de tela de conversas via WhatsApp, não possui legitimidade suficiente para validar os fatos alegados, uma vez que não corrobora com os demais elementos constantes nos autos, impondo-se o reconhecimento do princípio do in dubio pro reo (evento 162).Certidão de antecedentes criminais (evento 163/165).Vieram-me os autos conclusos.É o relatório. DECIDO.Verifico estarem presentes as condições da ação, bem como os pressupostos processuais para desenvolvimento válido e regular do processo, tendo o iter procedimental transcorrido dentro dos ditames legais, sendo assegurados às partes todas as garantias ofertadas pelos princípios do contraditório e ampla defesa, corolários do devido processo legal.Passo à análise da infração penal atribuída ao denunciado.Segundo a denúncia, a conduta do acusado subsome a prática das infrações penais tipificadas nos artigos 147 e 147-A, §1°, II, ambos do Código Penal; e art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/1941, cujas redações são as seguintes:AmeaçaArt. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.PerseguiçãoArt. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 14.132, de 2021)[...].II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;[...].Vias de fatoArt. 21. Praticar vias de fato contra alguém:Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime.Inicialmente, entendo que a materialidade dos crimes está evidenciada no auto de prisão em flagrante, RAI n. 28586886, termo de solicitação de medidas protetivas urgência e termos de declarações, todos acostados no inquérito policial anexado no evento n. 73.Em relação à autoria, esta também é certa e está devidamente comprovada pelas provas colhidas durante toda persecução penal, especialmente, pelas provas orais.A vítima Maiara da Silva Bernardes, em seu depoimento, relatou que foi casada com Marcos de Souza Dias por mais de 10 (dez) anos, sendo dessa união decorrente uma filha, atualmente com 13 (treze) anos de idade. Relatou que, ao longo do relacionamento, sofreu diversas formas de violência doméstica, tanto física quanto verbal, incluindo agressões como chutes, socos, tapas e insultos variados, sendo constantemente chamada de "puta", "desgraçada", "vagabunda", dentre outras ofensas, inclusive na presença da filha. Disse que, embora acreditasse inicialmente que a situação pudesse mudar, decidiu pela separação no final de novembro de 2022, por não suportar mais a convivência marcada por agressões e humilhações. Ressaltou que saiu de casa às escondidas, levando apenas alguns pertences, pois tinha certeza de que o acusado não permitiria sua saída caso estivesse presente. Afirmou que, após a separação, o réu passou a persegui-la e ameaçá-la constantemente. Inicialmente, ele a procurava pedindo para reatar o relacionamento, chegando a ir até sua residência e bater ao portão durante a madrugada, geralmente embriagado. Em determinado momento, ele descobriu seu novo endereço e passou a rondar o local com frequência. A vítima relatou que houve um episódio em que, ao sair para um restaurante com sua filha, foi seguida pelo acusado, que passou a vigiá-la e a perseguir o trajeto de volta para casa. A situação se agravou no dia 8 de fevereiro de 2023, por volta das 19h, quando o réu a abordou na porta do seu trabalho. Inicialmente, o acusado se mostrava calmo, mas, ao ouvir que a vítima não tinha intenção de reatar o relacionamento, exaltou-se, passou a proferir ameaças, dizendo que ela iria se arrepender de ter nascido, que teria que voltar com ele, e tentou tomar-lhe a bolsa e o celular, chegando a puxá-la pelo braço. A vítima gritou por socorro e, diante da movimentação de terceiros, o acusado deixou o local em uma motocicleta. Na sequência, passou a enviar áudios ameaçadores, nos quais afirmava, entre outras coisas, que "iria arrastar sua cara no asfalto", "quebrar seu pescoço", "fazer ela se arrepender do dia que nasceu", bem como ameaçou sumir com a filha do casal, dizendo expressamente que "iria tocar na ferida" e "sumir com a Ana Vitória". Em razão da gravidade dos fatos, a vítima procurou a delegacia na manhã do dia seguinte, onde apresentou os áudios, mensagens e demais provas das ameaças, tendo solicitado e obtido a concessão de medidas protetivas de urgência. Narrou ainda que, mesmo após a concessão das medidas, o acusado voltou a bater em seu portão em algumas ocasiões, sempre embriagado. Contudo, afirmou que, nos últimos três meses anteriores à audiência, o acusado não a perseguiu mais e que a convivência em relação à filha estava relativamente estabilizada, sendo que ora ele, ora seu pai, busca a criança para visitas, sem incidentes. Destacou, no entanto, que, embora não tenha havido novas ameaças recentemente, continua se sentindo insegura e, por isso, mantém as medidas protetivas em vigor. Por fim, a vítima informou que o acusado trabalha atualmente como mototaxista, mas não sabe se ele realiza algum tipo de tratamento para dependência alcoólica, uma vez que não mantém qualquer contato com ele ou com seus familiares.A testemunha Maiara Alves Geraldino Lopes, companheira de trabalho da vítima, em seu depoimento extrajudicial, alegou que por diversas vezes já vislumbrou o autor na porta da loja puxando a vítima para o canto para conversar, porém não conseguia entender o que eles conversam, mas ficava nítido que o autor sempre está alterado e coagindo-a. Aduziu que a vítima já relatou por diversas vezes que após a separação o autor sempre a ameaça, e que ela não sabe mais o que fazer. Complementou que no dia 08-02-2023 por volta das 18h o autor chegou alterado na loja a procura da vítima, momento este, em que começaram a conversar, quando a depoente foi embora deixou eles conversando.Importante ainda ressaltar, o depoimento da testemunha Lívia Delfino Cruz em sede de inquérito, ressaltando que trabalhava com a vítima na loja Zema e por diversas vezes Maiara afirmou que estava sendo ameaçada pelo seu ex marido Marcos, não sabendo o que fazer, pois já havia presenciado Marcos coagindo Maiara outras vezes; Aduz que já saiu algumas vezes para lanchar com a vítima e quando Marcos a vê retorna no local pedindo para que ela vá embora, que não é para ela estar lá sem sua presença; Complementou que no dia 08/02/2023 por volta das 18h, Marcos chegou na loja Zema pedindo para conversar com a vítima, mas não conseguiu entender o assunto pois ele estava sussurrando, porém era nítido que ele estava coagindo a vítima, quando a depoente foi embora os dois ficaram conversando, ao chegou em casa preocupada ligou para vítima, instante que relatou que o autor teria puxado seu braço, onde a mesma aconselhou a vítima a procurar essa delegacia para que fossem realizados os procedimentos cabíveis.As testemunhas policiais João Henrique Pires Paiva e Harlen Faria de Assunção, em juízo, relataram que foram chamados na DEAM para atender um caso de Maria da Penha, momento em que foi relatado a eles que a vítima estava sendo perseguida pelo ex-marido, que ele estaria a ameaçando, diante disso ela mostrou a foto do ex-marido e o local que ele se encontrava. Halen complementou que a vítima teria chegado desesperada na Delegacia, falando que estava sendo perseguida, que tinha diversos áudios do denunciado ameaçando-a de muito tempo atrás, que ele [denunciado] estava perseguindo a vítima desde que eles terminaram, que ele ficava mais agressivo quando bebia, que ele queria fazer besteira, agredia ela com empurrões, beliscões. Disse que no dia anterior que foi à Delegacia, o denunciado teria procurado Maiara para voltar, e ela tirou o braço dele, não sei se gritou, e que diante disso ele mandou áudios para ela ameaçando-a, que ela iria ver, que ele ia atrás dos filhos dela.O réu, ao ser interrogado, optou pelo direito de permanecer em silêncio.Pois bem.No tocante ao crime de perseguição, a conduta típica consiste em “perseguir” alguém, que necessariamente deverá ser acompanhada da elementar “reiteradamente”, ou seja, deve haver reiteração da conduta para configuração do crime em questão. A perseguição pode se dar por qualquer meio, presencial ou virtual, portanto, a conduta pode consistir em seguir fisicamente a vítima, em remeter mensagens pelo telefone celular, em redes sociais/por correio eletrônico, ou em aparecer insistentemente no local de trabalho da vítima, e outros.É ainda necessário ressaltar que, de acordo com o texto legal, só estará configurado o ato infracional se restar configurado: a) ameaça à integridade física ou psicológica da vítima; b) restrição à capacidade de locomoção do sujeito passivo; c) invasão ou perturbação da esfera de liberdade ou privacidade da vítima.Sem que haja uma dessas hipóteses, o fato será considerado atípico, mesmo porque a Lei 14.132/21 expressamente revogou a contravenção penal de perturbação da tranquilidade (art. 65 da LCP), que era mais abrangente, mas tinha pena consideravelmente menor.Não basta, portanto, que o autor persiga reiteradamente a vítima para a ocorrência do crime em questão, faz-se necessário que tal perseguição seja apta a causar temor na vítima, ameaçando-lhe a integridade física e psíquica, restringindo sua liberdade e invadindo ou perturbando sua privacidade. O bem jurídico protegido é a liberdade ou a privacidade da ofendida, desde que a prática seja reiterada, não comportando casos isolados.A despeito de o tipo penal exigir habitualidade (reiteração), não há necessidade de que os meios de perseguição, invasão e perturbação sejam sempre idênticos em todos os atos que compõem a conduta.Com efeito, embora o termo “ameaçando-lhe” esteja contido no tipo penal descrito no art. 147-A, a ameaça ali prevista difere-se da prevista no artigo 147, à medida que aquele possui o sentido de atingir, abalar a integridade física ou psicológica da vítima, em vez de propriamente ameaçar-lhe causar mal injusto e grave. Ademais, o crime de perseguição só pode ser praticado com dolo (elemento subjetivo), inexistindo a modalidade culposa.Com base nos depoimentos colhidos nos autos e nos elementos probatórios constantes do processo, é possível concluir, de forma segura, pela configuração do crime de perseguição, nos termos do art. 147-A do Código Penal.Ora, conforme relatado pela vítima Maiara Da Silveira Bernardes, após o término do relacionamento, o réu passou a persegui-la de maneira reiterada, utilizando diversos meios – atacando a vítima até mesmo em seu ambiente de trabalho, de modo a invadir sua privacidade, restringir sua liberdade e abalar sua integridade psicológica, especialmente porque a vítima descreveu episódios contínuos de ameaças verbais, vigilância constante, aproximações indesejadas em locais públicos, além de condutas intimidatórias e agressivas, como o envio de mensagens ofensivas e ameaçadoras.As condutas, reiteradas no tempo, não se tratam de meros casos isolados, tampouco de manifestações impulsivas e esporádicas, mas sim de um padrão de comportamento persistente, que comprometeu gravemente a liberdade de locomoção e a tranquilidade da vítima, gerando fundado temor por sua segurança. A própria vítima narra que passou a viver com medo, sendo necessária sua mudança de residência e a solicitação de medidas protetivas.Com efeito, sabe-se que em crimes tal como o dos autos, a palavra da vítima é merecedora de notada relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, não podendo ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios.Aliás, este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, vejamos: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS ACLARATÓRIOS NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. CONDENAÇÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. (I) - AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL OBJETO DE INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE. APELO ESPECIAL COM FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. (II) - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ART. 255/RISTJ. INOBSERVÂNCIA. (III) - PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A falta de indicação do dispositivo de lei federal a que os acórdãos teriam conferido interpretação divergente evidencia deficiência na fundamentação recursal que impede o conhecimento do recurso especial ante à incidência do enunciado 284 da súmula do Supremo Tribunal Federal. 2. A não observância dos requisitos do artigo 255, parágrafo 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça torna inadmissível o conhecimento do recurso com fundamento na alínea c do permissivo constitucional. 3. "É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, em crimes praticados no âmbito doméstico, a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, não podendo ser desconsiderada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios (AgRg no AREsp 1003623/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018). 4. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg nos EDcl no AREsp: 1256178 RS 2018/0047466-0, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 22/05/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/06/2018). Destaquei.Desse modo, entendo que os relatos da vítima foram coerentes e harmônicos, devendo-se conferir credibilidade à versão por ela apresentada, a qual buscou narrar os acontecimentos com riqueza de detalhes e que foi corroborada pelas demais provas produzidas nos autos.Ademais, entendo que a vítima se mostrou totalmente desinteressada em incriminar gratuitamente o réu, tampouco há motivos aparentes para isso.Dessa forma, registro meu convencimento de que restam plenamente demonstrados nos autos os elementos objetivos e subjetivos do crime de perseguição, quais sejam: reiteração da conduta (habitualidade); ameaça à integridade física e/ou psicológica da vítima; perturbação da esfera de liberdade e privacidade da ofendida e; dolo específico, consistente na vontade consciente de perseguir, intimidar e perturbar a vítima.Por fim, o § 1º do art. 147-A do Código Penal prevê causa de aumento de pena de metade, a ser aplicada na terceira fase da dosimetria, quando o crime de perseguição é cometido contra mulher por razões da condição de sexo feminino, conforme disposto no § 2º-A do art. 121 do Código Penal.Importante ressaltar que não basta que a vítima seja do sexo feminino para a incidência da majorante. É necessário que a conduta tenha sido praticada em razão da condição de gênero, ou seja, deve estar inserida no contexto de violência doméstica ou familiar, ou decorrer de menosprezo ou discriminação à condição de mulher.No presente caso, restou incontroverso que a perseguição praticada pelo réu contra a vítima ocorreu em contexto de violência doméstica, tendo em vista que ambos mantiveram relacionamento conjugal por mais de uma década, com histórico de agressões físicas e psicológicas, conforme relatado pela ofendida em juízo. Após o término da relação, o réu passou a controlar, vigiar, ameaçar e invadir a esfera de liberdade e privacidade da vítima, envio reiterado de mensagens ofensivas, presença constante no ambiente de trabalho da mesma. Tais fatos são suficientes para caracterizar o ambiente de violência doméstica previsto na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), preenchendo os requisitos para aplicação da majorante.Dessa forma, mostra-se plenamente cabível a aplicação da causa de aumento prevista no § 1º do art. 147-A do Código Penal, diante da configuração de perseguição motivada por razões da condição de sexo feminino, praticada em contexto de violência doméstica e familiar.Portanto, impõe-se o reconhecimento da prática, por parte do réu, do crime previsto no art. 147-A, caput, c/c § 1º, do Código Penal, não havendo falar em absolvição.Em relação ao crime de ameaça, sabe-se que é espécie de crime cometido contra a liberdade individual; trata-se da manifestação idônea da intenção de causar a alguém qualquer mal injusto e grave. Nesta hipótese, justifica-se a aplicação da severidade da lei, vez que representa um ataque à liberdade pessoal do(a) ameaçado(a), perturbando a sua tranquilidade e a confiança na sua segurança, abalando, desse modo, a sua faculdade de determinar-se livremente.Mal injusto é aquele que a vítima não está obrigada a suportar, podendo ser ilícito ou simplesmente imoral. Por sua vez, mal grave é aquele capaz de causar à vítima um prejuízo relevante. Além disso, o mal deve ser sério, fundado, iminente e verossímil, ou seja, passível de realização. Em outras palavras, a ameaça há de ser séria e idônea para intimidar a pessoa contra quem é dirigida.Ressalta-se que o crime de ameaça exerce força intimidativa, inibitória, impondo medo ou pânico na vítima, que, assim, sente-se verdadeiramente tolhida em sua vontade, incapacitada de opor qualquer resistência ao sujeito ativo. Com efeito, aquele “mal injusto e grave” de que trata o preceito primário do tipo penal em questão, passível de materializar-se em gestos, palavras, atos, escritos ou qualquer outro meio simbólico, é tudo aquilo que efetivamente incute medo, receio, temor na vítima, perturbando, escravizando ou violentando a sua liberdade de querer e de agir segundo o que melhor lhe afigura.No caso dos autos, restou inequívoca a ocorrência da ameaça, tendo em vista que após o término do relacionamento com o réu, a vítima passou a ser perseguida e ameaçada de forma reiterada, sendo que o réu enviava áudios e mensagens com promessas de causar-lhe mal injusto e grave, como “vou cortar sua cabeça e arrastar no asfalto” e “fica esperta, vou mover meus pauzinhos pra você, sua desgraçada”.Tais declarações encontram lastro probatório suficiente nos autos. Além disso, a vítima relatou sentir-se profundamente abalada emocionalmente, com intenso temor pela própria integridade física e psicológica, o que a levou inclusive a mudar de residência e solicitar medidas protetivas de urgência.Nos termos do artigo 147 do Código Penal, comete o crime de ameaça aquele que ameaça alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. A consumação do delito ocorre no momento em que a ameaça é capaz de gerar fundado temor na vítima, ainda que não se concretize o dano anunciado.No presente caso, o dolo do agente é evidente e a conduta reprovável. O réu intimidou deliberadamente a vítima, valendo-se da condição de ex-companheiro e de sua postura agressiva, utilizando mensagens diretas para impor medo e restringir a liberdade da ofendida.Diante disso, resta configurado o crime de ameaça, impondo-se a condenação do acusado.Além disso, ausente qualquer causa que exclua a ilicitude dos fatos. Quanto à culpabilidade, nota-se que inexistem elementos que venham elidir a imputabilidade e a potencial consciência da ilicitude do agente, sendo-lhe exigido comportamento diverso. Deste modo, chega-se à conclusão de que o injusto típico é também culpável, merecendo, portanto, a reprovação através da imposição da pena cominada na norma penal.Por fim, no tocante à contravenção de vias de fato, sabe-se que a norma penal em questão visa tutelar a incolumidade pessoal, nas hipóteses em que a violência perpetrada pelo agente não acarretar lesões corporais na vítima.Em síntese, a contravenção das vias de fato pode ser definida como a violência empregada contra a pessoa sem a finalidade de provocar danos ao seu corpo, cuja consumação ocorre no momento em que o agente passa a agredir, desferir golpes contra a vítima, sem resultar qualquer resultado naturalístico caso contrário, o fato receberia enquadramento jurídico mais gravoso (lesão corporal seja simples ou qualificada).No caso dos autos, verifica-se que o réu, após abordagem em frente ao local de trabalho da vítima, puxou seu braço e tentou tomar sua bolsa e seu celular, provocando-lhe dor e aflição. Embora não tenha havido lesão aparente, o relato revela claramente o uso da força física com o intuito de constranger a vítima, o que configura a prática das chamadas "vias de fato", nos termos da legislação contravencional.O artigo 21 da Lei de Contravenções Penais dispõe: "Praticar vias de fato contra alguém, salvo quando resultem lesão corporal." Ou seja, trata-se de ato de agressão física que não gera lesão corporal formalmente comprovada, mas que ofende a integridade e dignidade da vítima.Importante destacar que a jurisprudência pátria tem conferido relevância autônoma à palavra da vítima nesses casos, especialmente em delitos de violência doméstica ou de gênero, em que muitas vezes inexiste outra prova direta. Neste sentido, cito julgado:APELAÇÃO CRIMINAL. VIAS DE FATO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO ACUSAÇÃO. EMPURRÃO. CONFISSÃO. PALAVRA DA VÍTIMA. VALIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. RECURSO PROVIDO. 1. Nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica e familiar contra a mulher, a palavra da vítima apresenta especial relevo, notadamente quando corroborada por outros elementos de convicção nos autos. 2. A contravenção penal de vias de fato, prevista no artigo 21 do Decreto Lei 3.688/41, consiste nos atos agressivos de provocação praticados contra alguém, mas que não deixam marcas ou sequelas no corpo da vítima, como empurrão, safanão, rasgar roupa ou puxar cabelo. [...]. 4. Recurso conhecido e provido. (Acórdão 1177041, 20180610002903APR, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, 1ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 30/5/2019, publicado no DJE: 11/6/2019. Pág.: 184/194). No caso dos autos, o relato da ofendida se mostra verossímil, detalhado e coerente, estando em consonância com o contexto da relação abusiva e das demais ameaças narradas.Diante dos elementos trazidos aos autos, entendo que estão presentes as elementares objetivas e subjetivas do tipo penal, restando, assim, demonstrada e provada cabalmente a materialidade e a autoria delitiva imputada pelo Ministério Público ao acusado, já que realizou os elementos objetivos do tipo de forma consciente e voluntária (dolo).Além disso, ausente qualquer causa que exclua a ilicitude dos fatos. Quanto à culpabilidade, nota-se que inexistem elementos que venham elidir a imputabilidade e a potencial consciência da ilicitude do agente, sendo-lhe exigido comportamento diverso. Deste modo, chega-se à conclusão de que os injustos típicos são também culpáveis, merecendo, portanto, a reprovação através da imposição da pena cominada na norma penal.DO CONCURSO MATERIALVerifico que os delitos cometidos pelo acusado, se deram em concurso material, nos termos do artigo 69 do Código Penal.Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.Assim, APLICO o concurso material em desfavor do réu.É o quanto basta.Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na denúncia para:a) CONDENAR o acusado MARCOS DE SOUZA DIAS nas penas previstas no artigo 147 e artigo 147-A, §1°, II, ambos do Código Penal; e art. 21 do Decreto-Lei n. 3.688/1941, c/c art. 5º, III, da Lei n. 11.340/2006, todos na forma do art. 69 do Código Penal.Passo à dosimetria da pena, atendendo às diretrizes do art. 68 do Código Penal, conforme seja necessário e suficiente para prevenir e reprovar a prática do crime.1ª FASE DO MÉTODO TRIFÁSICO:No âmbito da 1ª fase do método trifásico de aplicação da pena, serão analisadas as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal.Culpabilidade, motivos, circunstâncias e consequências: normais da espécie.Antecedentes: em consulta a certidão de antecedentes (evento 163), verifico que o réu não possui condenações, sendo, portanto, primário.Conduta social e a Personalidade: não há nos autos elementos suficientes para valoração.Comportamento da vítima: em nada contribuiu.Considerando a inexistência de circunstância judicial desfavorável, fixo a pena-base no mínimo legal, na seguinte forma:a) Ameaça: em 01 (um) mês de detenção;b) Perseguição: em 06 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa;c) Vias de fato: em 15 (quinze) dias de prisão simples.2ª FASE DO MÉTODO TRIFÁSICO:Na segunda fase da dosimetria da pena, não verifico a presença de atenuantes. Todavia, presente a agravante prevista no art. 61, inciso II, “f”, do CP, tendo em vista que os crimes foram cometidos no âmbito das relações domésticas.Cumpre esclarecer que a agravante não se aplica ao crime de perseguição, porquanto a agravante já esta incorporada na causa de aumento de pena do § 1º, inciso II, do art. 147-A do Código Penal, de modo que a aplicação simultânea da agravante com a causa de aumento de pena configuraria indevido bis in idem.Assim sendo, fixo a pena intermediária da seguinte forma:a) Ameaça: em 01 (um) mês e 05 (cinco) dias de detenção;b) Perseguição: em 06 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa.c) Vias de fato: em 17 (dezessete) dias de prisão simples.3ª FASE DO MÉTODO TRIFÁSICO:Na terceira fase da dosimetria da pena, não incidem causas de diminuição de pena. Em contrapartida, em relação ao crime de perseguição, presente a causa de aumento de pena prevista no § 1º, inciso II, do art. 147-A do Código Penal. Assim sendo, cabe o aumento de metade da pena do crime de perseguição, razão pela qual fixo a pena definitiva da seguinte forma:a) Ameaça: em 01 (um) mês e 05 (cinco) dias de detenção;b) Perseguição: em 09 (nove) meses de detenção e 15 (quinze) dias-multa.c) Vias de fato: em 17 (dezessete) dias de prisão simples.DO CONCURSO DE CRIMESPreceitua o art. 69 do Código Penal que, quando o agente pratica, mediante mais de uma ação ou omissão, dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido, executando-se primeiramente a de reclusão quando cumulada com a de detenção.Assim, fica estabelecida a PENA DEFINITIVA em 10 (dez) meses e 05 (cinco) dias de detenção, 17 (dezessete) dias de prisão simples, além de 15 (quinze) dias-multa.DO REGIME DE PENAO regime inicial para cumprimento da reprimenda é o ABERTO, considerando quantum de pena privativa de liberdade definitiva imposta e a reincidência, com fundamento no art. 33, § 2º, “c”, do Código Penal.DO VALOR DO DIA-MULTAFixo o valor de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo nacional vigente à época dos fatos, nos termos do art. 49 do Código Penal.DA SUBSTITUIÇÃO E SUSPENSÃO DA PENAOs crimes foram praticadoa mediante grave ameaça à pessoa, sendo, pois, vedada a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do art. 44, inciso I, do Código Penal. Por outro lado, o sentenciado preenche os requisitos delineados pelo art. 77 do Código Penal. Contudo, considerando que o período mínimo de prova (02 anos) é superior ao tempo da pena fixada em regime aberto e a forma como é executado o regime aberto nessa comarca, entendo que a concessão do sursis se revela mais onerosa do que o cumprimento das condições do regime aberto, razão pela qual deve ser afastada. Sem prejuízo, caso o sentenciado prefira se submeter ao período de prova da suspensão condicional, poderá assim requerer no bojo da execução penal.DO VALOR INDENIZÁVEL A jurisprudência referenda a legitimidade da fixação do patamar mínimo, desde que haja pedido expresso do Ministério Público (STJ - REsp: 1827118). No presente caso, verifico que o pedido de fixação de valor mínimo a título de indenização à vítima foi feito pelo Ministério Público na petição inicial, restando, portanto, preenchido o requisito.Assim, considerando que o dano moral, em tal caso, é in re ipsa, uma vez que, presumidamente, afeta a dignidade da pessoa humana, hei por bem ARBITRAR indenização mínima à vítima no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de danos morais, nos termos do artigo 387, IV, do CPP.Vale, portanto, a presente sentença como título executivo judicial.DIREITO DE APELAR EM LIBERDADECONCEDO ao sentenciado o direito de recorrer em liberdade, tendo em vista que está nesta condição e inexistem razões para a decretação da prisão. Inclusive, sequer há pedido do Ministério Público nesse sentido, o que já inviabiliza a análise.DAS CUSTAS CONDENO o réu ao pagamento das custas processuais.DISPOSIÇÕES FINAISApós o trânsito em julgado:a) Lance-se o nome do sentenciado no rol dos culpados;b) Intime-se o sentenciado para o recolhimento das custas processuais;c) Proceda às anotações devidas no SINIC - Sistema Nacional de Identificação Criminal;d) Expeça-se guia de execução penal, nos termos da Resolução n. 417 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ;e) Comuniquem-se a vítima sobre o teor da presente decisão, consoante art. 201, §§ 2º e 3º, do CPP;f) Decorrido prazo recursal, certifique-se a formação da coisa julgada de maneira individual (trânsito em julgado para acusação e trânsito em julgado para defesa).Após a realização de todos os atos aqui determinados, em não existindo recursos, arquivem-se com as cautelas de estilo.Publicada e registrada eletronicamente.Intimem-se.Santa Helena de Goiás (GO), data e hora da assinatura eletrônica. RONNY ANDRE WACHTELJuiz de DireitoÉ um dever de todos, sem exceção, proteger crianças e adolescentes contra a violência infantil.Disque 100 (canal de denúncias de violações de direitos humanos e hipervulneráveis) - qualquer pessoa pode reportar notícia de fato relacionada à temática através do Disque 100, que recebe ligações 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel, bastando discar 100.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear