Ministério Público Do Estado Do Paraná x Liedson José Alves Da Graça
ID: 283657833
Tribunal: TJPR
Órgão: 12ª Vara Criminal de Curitiba
Classe: PROCEDIMENTO ESPECIAL DA LEI ANTITóXICOS
Nº Processo: 0000508-45.2025.8.16.0196
Data de Disponibilização:
29/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE CARLOS PORTELLA JUNIOR
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Autos nº: 0000508-45.2025.8.16.0196 Autor: Ministério Público do Estado do Paraná Réu: …
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Autos nº: 0000508-45.2025.8.16.0196 Autor: Ministério Público do Estado do Paraná Réu: Liedson José Alves da Graça SENTENÇA 1. Relatório: Liedson José Alves da Graça, brasileiro, casado, montador de eventos, portador da cédula de identidade RG nº 15.076.820-9 SSP/PR, inscrito no CPF/MF sob o nº 107.805.189-50, natural de Campo Largo/PR, nascido no dia 30/09/2002, com 22 (vinte e dois) anos de idade na data do fato, filho de Alessandra Alves e de Rafael José da Graça, residente e domiciliado na Rua Heinz Pechner, nº 176, Bairro Cidade Industrial, em Curitiba/PR, foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06, conforme se extrai da narrativa fática exposta na denúncia de mov. 54.1, in verbis: “No dia 31 de janeiro de 2025, por volta de 16h20, defronte ao numeral 176, bairro Cidade Industrial, neste Município e Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR, o denunciado LIEDSON JOSÉ ALVES DA GRAÇA, agindo dolosamente, vale dizer, com conhecimento (elemento intelectual, no sentido de representação psíquica) e vontade (elemento volitivo, no sentido de querer realizar – ‘decisão de agir’ – as circunstâncias do tipo legal), plenamente ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, sem autorização ePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal em desacordo com determinação legal ou regulamentar, vendeu, para terceira pessoa não identificada nos autos, 03 (três) invólucros da substância entorpecente ‘Cannabis Sativa L.’, em sua forma conhecida como ‘ maconha’, com peso total aproximado de 9g (nove gramas), bem como guardava, em sua residência, situada no mesmo endereço, especificamente no forro, preparadas e prontas para repasse e consumo de terceiros, 56g (cinquenta e seis gramas)da substância entorpecente ‘Benzoilmetilecgonina’, em sua forma conhecida como ‘ cocaína’, 2,650kg (dois quilogramas e seiscentos e cinquenta gramas) da substância entorpecente ‘Cannabis Sativa L.’, em sua forma conhecida como ‘maconha’, bem como R$ 1.160,00 (mil cento e sessenta reais) em notas fracionadas. No quarto, 200g (duzentos gramas) da substância entorpecente ‘Cannabis Sativa L.’, em sua forma conhecida como ‘maconha’, 3g (três gramas) da substância entorpecente ‘Benzoilmetilecgonina’, em sua forma conhecida como ‘crack’ e 236,00 (duzentos e trinta e seis reais) em moedas variadas, além de duas caixas contendo diversas unidades de seda e um aparelho celular marca/modelo Apple/Iphone de cor preta e um aparelho celular marca/modelo Positivo/Infinix de cor azul. O denunciado foi preso em flagrante pela Polícia Militar do Estado do Paraná (K9) em razão de fundada suspeita despertada pelo comportamento do denunciado. Consta nos autos que o denunciado foi flagrado quando estava repassando os invólucros do entorpecente para o terceiro desconhecido, o qual os dispensou ao avistar a referida equipe e tomou atitude evasiva. Em diligências, os invólucros foram localizados e os cães da equipe policial identificaram a existência de narcóticos na frente da residência mencionada,PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal foram procedidas a busca pessoal e domiciliar, tudo conforme se infere do Boletim de Ocorrência de mov. 1.2, do Auto de Prisão em Flagrante Delito de mov. 1.3, dos Autos de Exibição e Apreensão de mov. 1.8, imagem de mov. 1.16, autorização de mov. 1.17 e Auto de Constatação Provisória de mov. 1.10. Registre-se que as substâncias entorpecentes encontradas em poder e à disposição do ora denunciado (‘cocaína’, ‘crack’ e ‘maconha’), são capazes de causar dependência física e/ou psíquica, e tem seu uso e comércio proscrito no País, conforme Portaria nº 344/1998 (norma administrativa), do Ministério da Saúde.” O inquérito policial foi instaurado mediante a lavratura de auto de prisão em flagrante (mov. 1.3). Realizada a audiência de custódia, a prisão em flagrante foi homologada e, na mesma oportunidade, convertida em preventiva (movs. 27.1 e 28.1). Oferecida a denúncia (mov. 54.1). Devidamente notificado (mov. 86), o acusado apresentou defesa prévia por intermédio de advogado particular (mov. 89.1). A denúncia foi recebida em 12/02/2025 (mov. 94.1). O acusado foi regularmente citado (mov. 118). Durante a instrução processual, foram ouvidas duas testemunhas de acusação, uma informante de defesa e, ao final, o réu foi interrogado (mov. 125).PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Acostado aos autos o laudo pericial toxicológico definitivo (mov. 141.2). Em suas alegações finais (mov. 147.1), o ilustre representante do Ministério Público destacou a presença dos pressupostos processuais e condições da ação. Em seguida, destacou a legalidade da busca e apreensão domiciliar. No mérito, entendendo comprovadas a materialidade e autoria do crime, requereu a condenação do réu nas sanções do artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006. Ao final, teceu comentários acerca do procedimento dosimétrico e pugnou pela revogação da prisão preventiva do acusado. Por sua vez, a douta defesa, em suas alegações finais (mov. 149.1), pleiteou, preliminarmente, a nulidade da busca e apreensão domiciliar e o desentranhamento das provas produzidas com a diligência. No mérito, sustentou a absolvição do acusado por ausência de provas de autoria delitiva, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Em caso de condenação, requereu a aplicação da pena no mínimo legal, a fixação do regime aberto para o início do cumprimento da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Subsidiariamente, pugnou pela restituição do celular apreendido nos autos, a isenção das custas processuais e a revogação da prisão preventiva. É, em síntese, o relatório. 2. Fundamentação: 2.1. Preliminarmente: Em sede preliminar, a defesa pleiteou a nulidade do ingresso domiciliar realizado pelos policiais militares, ao argumento de que não houve fundada suspeita apta a justificar o ingresso dos agentes na residência do acusado.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Contudo, sem razão. Explico: É sabido que não existem direitos fundamentais absolutos previstos na Constituição Federal, tampouco relação de hierarquia entre eles. Nesse sentido, o direito à intimidade, à privacidade e à inviolabilidade domiciliar pode e deve ser relativizado quando entra em colisão com outros direitos fundamentais. Ademais, registra-se que a Constituição Federal não outorga direitos fundamentais para que estes sejam utilizados como escudo protetor para a prática de crimes, especialmente aqueles de natureza grave, como o tráfico de drogas, que atenta contra um direito fundamental igualmente relevante, protegido e inerente a toda a coletividade: a saúde pública. Desse modo, pelo critério da ponderação, o afastamento temporário de qualquer direito, desde que realizado de forma necessária, adequada e proporcional, como no caso em tela, para o cumprimento do dever legal dos agentes estatais na realização da busca domiciliar — devidamente amparada em fundadas razões e em conformidade com a lei e a própria Constituição — não configura ilegalidade. Ao contrário, tal atuação é legítima e plenamente respaldada pela legalidade. Vejamos: O delito imputado ao réu e previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 é considerado crime permanente, de modo que o agente ativo se encontra em flagrante delito enquanto não cessar sua atividade, permitindo com que seja efetivada, deste modo, a sua prisão em flagrante independentemente de prévia autorização judicial, nos termos do artigo 303 do Código de Processo Penal. Ademais, a garantia da inviolabilidade domiciliar e os seus desdobramentos, como a privacidade e a intimidade, é afastadaPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal nos casos de flagrante delito, independente de prévia autorização judicial, durante o dia ou noite, conforme clara disposição do artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, merecendo ser observada, também, a disposição do inciso II, do §3º, do artigo 150 do Código Penal, in verbis: § 3° - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências (...) II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser. Assim, da subsunção do fato à norma, não visualizo qualquer ilegalidade na diligência. Neste contexto, atendo-se à cronologia dos fatos, constata-se que a equipe policial realizava patrulhamento na região do CIC, quando avistou o réu e um indivíduo não identificado trocando um objeto, presumindo tratar-se de comercialização de substância entorpecente, sobretudo porque o local é notoriamente conhecido pelo tráfico de drogas. Ao perceber a aproximação da equipe, o indivíduo não identificado evadiu-se, dispensando um objeto ao solo, posteriormente identificado como sendo a substância entorpecente maconha, com peso total de 9g (nove gramas), enquanto o acusado recolheu-se à sua residência. O próprio acusado, em Juízo, chegou a mencionar — ainda que de forma vaga e com o claro propósito de afastar sua responsabilidade penal — que teria conversado com um indivíduo em frente à sua residência, instantes antes de os policiais ingressarem no imóvel. Contudo, não soube esclarecer o contexto dessa conversa, o que acabou, ainda que involuntariamente, por conferir respaldo narrativo à versão apresentada pelos policiais militares. Retomando o relato dos agentes, vê-se que, diante da sequência de condutas suspeitas, a equipe policial acionou o cão farejador, que indicou a presença de mais drogas ilícitas junto ao portão da residência do réu. Nesse ponto, aliás, é interessante notar que tanto o acusado quanto a informante Gabriely confirmaram, em Juízo, que os policiais militaresPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal empregaram um cão de faro durante a ocorrência – presente, mais uma vez, o respaldo narrativo à versão apresentada pelos policiais militares. Com isso em mente, observa-se que os agentes estatais, antes mesmo de ingressarem no imóvel, já dispunham de justa causa, alicerçada em fundadas suspeitas de que, no local, estaria sendo praticado o crime de tráfico de drogas — a justificar-se pela movimentação típica associada à mercancia ilícita, seguida do encontro de uma porção de maconha dispensada pelo sujeito que interagiu com o acusado, bem como pela utilização de cão farejador treinado para a localização assertiva de entorpecentes. De qualquer forma, com o intuito de proceder à averiguação do imóvel, os agentes colheram autorização de ingresso junto à esposa do acusado. Nesse ponto, aliás, cumpre destacar que tal autorização foi formalmente apresentada pelos agentes, mediante a juntada do vídeo respectivo aos autos (mov. 1.15). Dessa forma, além de justa causa para a diligência adotada, os policiais estavam regularmente autorizados a ingressar na residência. Embora a esposa do acusado tenha alegado, em Juízo, que foi forçada a gravar o vídeo no qual autorizava a entrada, enquanto a equipe conduzia seu marido à delegacia, verifica-se que tal alegação permanece isolada nos autos, especialmente porque a defesa não apresentou quaisquer elementos capazes de corroborá-la. Ademais, os agentes afirmaram em Juízo que não conheciam previamente o réu, tampouco possuíam qualquer histórico de abordagens anteriores, não havendo, assim, razões plausíveis para que, aleatoriamente, ingressassem na residência e nela encontrassem substâncias entorpecentes, atribuindo-lhe sua propriedade.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Destarte, realizada a busca domiciliar, os policiais militares localizaram relevante quantidade de drogas e demais instrumentos relativos à prática do crime de tráfico de drogas, devidamente retratados na denúncia e delineados nos autos. Dessa forma, restou confirmada, ao final, a existência de fundadas razões que legitimaram o ingresso no domicílio. Da análise acima, constata-se a sequência lógica dos acontecimentos — um sucedendo o outro —, de modo que, ainda que se superassem os argumentos relativos à autorização voluntariamente concedida e examinada, subsistiria a justa causa necessária à realização da incursão domiciliar sem prévia expedição de mandado judicial, bem como à consequente prisão em flagrante do denunciado, conferindo plena legalidade à medida adotada. Ao mais, não se nega a novel rigorosidade do Egrégio Superior Tribunal de Justiça na hora da valoração das provas de violação de domicílio por parte de agentes públicos. No entanto, importa ressaltar o entendimento do Supremo Tribunal Federal consolidado no tema n. 280, da sistemática da repercussão geral, trabalhado durante o julgamento do RE n. 603.616/RO, que condiciona a medida de busca e apreensão sem mandado judicial mediante necessária presença de justa causa, consubstanciada em razões as quais indiquem a situação de flagrante delito. Nesse sentido: “Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situaçãoPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamentePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso.” (RE 603.616/RO, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 05/11/2015, DJe 10/05/2016) – grifei. Aliás, ao reapreciar o tema n. 280, da sistemática da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 1447045/SP, julgado em 02- 10-2023, destacou: “Ocorre, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça, no caso concreto ora sob análise, após aplicar o Tema 280 de Repercussão Geral dessa SUPREMA CORTE, foi mais longe [...] não agiu com o costumeiro acerto o Tribunal de origem, pois acrescentou requisitos inexistentes no inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal, desrespeitando, dessa maneira, os parâmetros definidos no Tema 280 de Repercussão Geral por essa SUPREMA CORTE. Nesse sentido: “PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR. FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO NO IMÓVEL DEVIDAMENTE COMPROVADAS A POSTERIORI. OBSERVÂNCIA, PELO TJRS, DAS DIRETRIZES FIXADAS POR ESTA SUPREMA CORTE NO JULGAMENTO DO TEMA 280 DA REPERCUSSÃO GERAL. ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM DESCONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A inviolabilidadePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal domiciliar constitui uma das mais antigas e importantes garantias individuais de uma Sociedade civilizada pois engloba a tutela da intimidade, da vida privada, da honra, bem como a proteção individual e familiar do sossego e tranquilidade, que não podem ceder – salvo excepcionalmente – à persecução penal do Estado. 2. Os direitos à intimidade e à vida privada – consubstanciados em bens, pertences e documentos pessoais existentes dentro de "casa" – garantem uma salvaguarda ao espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas, e contra flagrantes arbitrariedades. 3. Excepcionalmente, porém, a Constituição Federal estabelece específica e restritamente as hipóteses possíveis de violabilidade domiciliar, para que a “casa” não se transforme em garantia de impunidade de crimes, que em seu interior se pratiquem ou se pretendam ocultar. Dessa maneira, nos termos do já citado inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal, a casa é o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, ainda, durante o dia, por determinação judicial. 4. O alcance interpretativo do inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal foi definido pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, na análise do RE 603.616/RO (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 10/5/2016, Tema 280 de Repercussão Geral), a partir, exatamente, das premissas da excepcionalidade e necessidade de eficácia total da garantia fundamental; tendo sido estabelecida a seguinte TESE: “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agentePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados.” 5. Ocorre, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça, no caso concreto ora sob análise, após aplicar o Tema 280 de Repercussão Geral dessa SUPREMA CORTE, foi mais longe, alegando que não obstante os agentes de segurança pública tenham recebido denúncia anônima acerca do tráfico de drogas no local e o suspeito, conhecido como chefe do tráfico na região, tenha empreendido fuga para dentro do imóvel ao perceber a presença dos policiais, tais fatos não constituem fundamentos hábeis a permitir o ingresso na casa do acusado. Assim, entendeu que o ingresso dos policiais no imóvel somente poderia ocorrer após “prévias diligências”, desconsiderando as circunstâncias do caso concreto, quais sejam: denúncia anônima, suspeito conhecido como chefe do tráfico e fuga empreendida após a chegada dos policiais. 6. Nesse ponto, não agiu com o costumeiro acerto o Tribunal de origem, pois acrescentou requisitos inexistentes no inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal, desrespeitando, dessa maneira, os parâmetros definidos no Tema 280 de Repercussão Geral por essa SUPREMA CORTE. 7. Agravo Interno a que se nega provimento.” (RE 1447289 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 02-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 06-10-2023 PUBLIC 09-10- 2023) – grifei. Ou seja, a justa causa se fez presente e fundamentou a ação inicial dos policiais militares. Dizer o contrário seria criar requisitos inexistentes no inciso XI, do artigo 5º da Constituição Federal e desrespeitar,PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal conforme o julgado supracitado, os parâmetros definidos no Tema 280 de Repercussão Geral do STF. Nesse sentido, aliás, destaca-se o recente julgado da Suprema Corte: “ Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. RAZÕES PARA INGRESSO EM DOMICÍLIO. CRIME DE NATUREZA PERMANENTE. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. VIA INADEQUADA. I. CASO EM EXAME 1. Paciente preso em flagrante, concedida liberdade provisória, em razão da prática do crime de maus-tratos a animais (art. 32, §1º-A, da Lei 9.605/1998). II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Alega-se ilicitude da prova, em razão da inviolabilidade domiciliar. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL dispõe que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, ainda, durante o dia, por determinação judicial. Estabelece, portanto, hipóteses possíveis de violabilidade domiciliar, para que a “casa” não se transforme em garantia de impunidade de crimes, que em seu interior se pratiquem ou se pretendam ocultar. 4. Enquanto configurada a situação de flagrância, permite-se a busca domiciliar, independentemente da expedição de mandado judicial, desde que presentes fundadas razões de que em seu interior ocorre a prática de crime, como ocorreu na hipótese (RE 603616, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 10/5/2016). A justa causa, nesse contexto, não exige a certeza da ocorrência de delito, mas, sim, fundadas razões a respeito (HC 169788, Relator(a): EDSON FACHIN,PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, DJe de 6/5/2024). 5. Qualquer conclusão desta SUPREMA CORTE em sentido contrário, notadamente no que concerne à alegada ausência de fundadas razões para proceder à busca domiciliar, demandaria minuciosa reanálise das questões fáticas suscitadas pela defesa, providência incompatível por esta via processual. IV. DISPOSITIVO 6. Agravo Regimental a que se nega provimento”. - (HC 250033 AgR, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 24-02-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-02-2025 PUBLIC 28-02-2025) – grifei. Outrossim, convém destacar que nos julgados mais recentes do próprio Superior Tribunal de Justiça, dos quais a defesa extrai seus principais fundamentos para sustentar o pleito de ilegalidade da medida ora examinada nesta preliminar, é possível identificar certa flexibilização do excesso de rigor quanto à validade da busca domiciliar sem mandado judicial em casos de flagrante delito de crime permanente. Inclusive, analisando situação extremamente semelhante ao caso dos autos, assim decidiu: “ DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. BUSCA DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL. FLAGRANTE DELITO. LEGALIDADE RECONHECIDA. AGRAVO PROVIDO. I. Caso em exame1. Agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra decisão monocrática que deu provimento a recurso em habeas corpus, reconhecendo a ilicitude de provas obtidas mediante busca domiciliar sem mandado judicial e determinando a anulação da ação penal correspondente. 2. A decisão recorrida considerou que a busca domiciliar violou a garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio, por ter sido embasada apenas em denúncia anônima e semPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal demonstração de fundadas razões, além de invalidar o consentimento verbal da companheira do agravado. II. Questão em discussão3. A questão em discussão consiste em saber se a busca domiciliar realizada sem mandado judicial, com base em denúncia anônima e consentimento verbal de moradora, é válida diante da alegação de flagrante delito de crime permanente. III. Razões de decidir 4. A entrada em domicílio sem mandado judicial é lícita quando há fundadas razões, posteriormente demonstradas, que indiquem a prática de crime no interior do imóvel, especialmente em casos de flagrante delito envolvendo crimes permanentes, como o tráfico de drogas.5. A apreensão de arma de fogo na posse do agravado e sua confissão sobre a droga armazenada no imóvel constituem elementos suficientes para justificar o ingresso no domicílio sem necessidade de prévia autorização judicial. 6. A autorização verbal da companheira do agravado reforça a legalidade da operação, não havendo exigência de consentimento documentado por escrito ou audiovisual para a sua validade, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.7. Os relatos dos agentes públicos envolvidos, revestidos de presunção de veracidade, foram coerentes e compatíveis com as demais provas dos autos, inexistindo indícios de abuso ou desvio de finalidade por parte da atuação policial. IV. Dispositivo e tese8. Agravo provido para reconhecer a legalidade da busca domiciliar realizada e determinar o regular prosseguimento da ação penal correspondente. Tese de julgamento: "1. A entrada em domicílio sem mandado judicial é lícita quando há fundadas razões,PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal devidamente justificadas a posteriori, que indiquem situação de flagrante delito. 2. A autorização verbal de morador é suficiente para legitimar a busca domiciliar, não havendo exigência de consentimento documentado por escrito ou audiovisual." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XI. Jurisprudência relevante citada: STF, RE 603.616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 10.05.2016; STF, RE 1447045 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma. (AgRg no RHC n. 200.123/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, relator para acórdão Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 26/2/2025, DJEN de 12/3/2025.) – grifei. Com isso, concluo que a incursão dos policiais militares no imóvel não demandou ordem judicial, pois devidamente autorizada e documentada por uma moradora do local, esposa do acusado, além de estar amparada pela configuração de uma das hipóteses de flagrante delito previstas no artigo 302 do Código de Processo Penal. E por todo o exposto, não há falar em provas derivadas da ilícita – teoria dos frutos da árvore envenenada –, eis que as teses de nulidade da invasão domiciliar foram devidamente afastadas, passando ao largo de uma anulação do processo ou de qualquer prova carreada nos autos. Desta feita, estando os policiais amparados pelas causas especiais excludentes de ilicitude previstas nos artigos 302 e 303, ambos do Código de Processo Penal, além da expressa disposição do inciso II, do §3º, do artigo 150 do Código Penal e autorização devidamente colhida, rejeito a preliminar aventada acerca da incursão domiciliar. 2.2. Do mérito:PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Ao acusado Liedson José Alves da Graça foi imputada a prática do crime descrito no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06. A materialidade do crime se encontra consubstanciada pelo boletim de ocorrência (mov. 1.2), auto de prisão em flagrante (mov. 1.3), auto de exibição e apreensão (mov. 1.8), auto de constatação provisória de droga (mov. 1.10), fotografia das apreensões (mov. 1.16), vídeo da autorização da busca domiciliar (mov. 1.17), relatório da Autoridade Policial (mov. 14.1), laudo pericial toxicológico definitivo (mov. 141.2), bem como pela prova oral colhida em Juízo. A autoria, do mesmo modo, é inconteste, consoante se extrai dos elementos informativos presentes na fase indiciária, bem como das provas coletadas na fase processual. Senão, vejamos: A policial militar Angelica Aparecida Chuede, em Juízo (mov. 125.3), declarou que, no dia do fato, a sua equipe patrulhava local conhecido pelo comércio de entorpecentes quando visualizou a venda de algo, presumindo ser de drogas em razão do local do fato. Relatou que, diante da situação, a equipe tentou abordar, sem sucesso, o indivíduo que recebeu algo do acusado, esclarecendo que tal sujeito não identificado se evadiu e dispensou o material recebido, posteriormente reconhecido pela equipe como a substância entorpecente maconha. Informou que levou o seu cão farejador à residência do acusado e o animal indicou que havia mais substâncias ilícitas no local. Acrescentou que a equipe contatou uma mulher, perguntando se ela morava na residência e se os policiais poderiam adentrá-la, e ela permitiu a sua entrada no local, sendo que tal autorização foi filmada, e o vídeo, anexado aos autos. Asseverou que a equipe usou novamente o cão farejador e localizou o réu, identificando-o como o indivíduo que passou os invólucros de maconha ao sujeito que se evadiu. Afirmou que foram encontradas mais quantias de maconha e de crack embaixo de uma cama e, em outro cômodo, em um forro, havia uma sacola contendo maconha e cocaína. Confirmou que o réu confessou a traficância ePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal afirmou possuir passagem pelo tráfico. Esclareceu que não se recordou do horário da ocorrência, mas disse que o dia ainda estava claro. Acrescentou que a equipe não conseguiu identificar o indivíduo que recebeu a substância entorpecente do acusado. Reforçou que uma quantia de dinheiro foi encontrada em uma caixa de moedas, a qual estava no mesmo cômodo onde foram encontradas as drogas, e a outra quantia estava dentro de uma sacola contendo as drogas, não se recordando dos valores. Negou conhecer o acusado de ocorrência anterior e confirmou que ele confessou informalmente o crime de tráfico de drogas. Questionada pela defesa, explicou que o terreno onde foi feita a busca domiciliar possuía duas residências, uma na lateral e outra no fundo, bem como havia um portão e um muro. Acrescentou que a equipe falou com a mulher responsável pela residência após chamá-la ao portão da casa quando o cão farejador indicou a presença de drogas no local. No mesmo sentido, o policial militar Mário Luiz Bittelbrunn, em Juízo (mov. 125.4), relatou que a sua equipe patrulhava o bairro CIC, em local conhecido pelo tráfico de drogas, quando avistou um indivíduo na frente da casa do acusado, sendo que os dois foram vistos no meio da comercialização de uma substância entorpecente. Explicou que a equipe tentou abordar o sujeito não identificado, mas ele dispensou um objeto no chão e se evadiu, ao passo que o réu se recolheu para a sua casa. Informou que a equipe localizou o objeto dispensado e o identificou como vários invólucros de drogas. Acrescentou que, em seguida, o cão farejador foi utilizado e ele indicou a presença de mais substâncias entorpecentes no portão da residência do réu. Afirmou que a equipe bateu palmas na frente do portão, e uma moça apareceu e autorizou a entrada na residência, esclarecendo que tal autorização foi filmada. Narrou que a equipe realizou a busca domiciliar por meio do cão farejador e localizou mais drogas embaixo de uma cama e em cima de um forro, bem como foi identificado o acusado, o qual confessou a posse e a comercialização das substâncias entorpecentes e admitiu ter passagem pelo tráfico de drogas. Assegurou que não se recordou do horário da ocorrência, mas afirmou que o dia estava claro. Explicou que conseguiu visualizar o réu e o indivíduo não identificado trocandoPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal algo, presumindo que um entregou o dinheiro e o outro ofereceu a droga, o que restou confirmado após a equipe localizar a substância entorpecente no chão. Detalhou que o indivíduo não identificado recebeu algo do sujeito que estava dentro da casa e, ao visualizar os policiais, dispensou o objeto no chão. Confirmou que a equipe filmou a autorização da sua entrada na casa, afirmando que a mulher responsável por tal autorização convivia com o réu, presumindo ser ela a sua namorada ou a sua mulher. Asseverou não haver mais ninguém na casa na hora da abordagem e declarou que foi a sua parceira quem localizou as drogas junto do cão farejador. Informou que foi encontrada na casa uma quantia de maconha, confirmando que estava fracionada, e não se recordou de outras drogas. Acrescentou que foi encontrada uma quantia de dinheiro e uma grande quantia de moedas, não se recordando do local onde os valores foram apreendidos. Confirmou que o réu confessou informalmente a prática do tráfico de drogas. Negou conhecer o réu de ocorrência anterior. Questionado pela defesa, não soube indicar o endereço onde se deu a troca entre o acusado e o indivíduo não identificado, mas confirmou que o fato se deu na frente da residência onde a equipe realizou a busca domiciliar. Declarou não se recordar se havia uma ou duas casas no terreno onde a equipe realizou a busca. A seu turno, a informante Gabriely Luiza Martins Sabino, em Juízo (mov. 125.5), confirmou ser esposa do acusado e disse que a ocorrência se deu na Rua Heinz Pechner, número 176, no bairro CIC. Relatou que, na data do fato, estava tomando banho junto do seu marido até que ele saiu buscar uma toalha e, quando terminou o banho, percebeu que os policiais já estavam dentro da casa, afirmando que isso aconteceu umas 4h da tarde. Informou que os cachorros dos policiais reviraram a casa, alegando que a equipe não pediu autorização para a entrada e, somente depois, uma policial militar a forçou a gravar um vídeo no qual autorizava a entrada enquanto a equipe conduzia o seu marido à delegacia. Acrescentou que acompanhou a revista pela casa e disse que os policiais militares atribuíram a posse das drogas encontradas ao seu marido, mesmo quando explicou que moravam na casa da frente. Relatou que contou à policial militar que possuía uma filha e podia provar que moravam na casa daPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal frente a partir das roupas dela, ocasião na qual a policial foi até o guarda-roupa da sua casa, viu as roupas de bebê de sua filha e continuou a perguntar sobre a sua vida enquanto os demais policiais abordavam o seu marido. Afirmou que os policiais militares arrombaram o portão da sua casa. Esclareceu que morava com o seu marido na casa da frente, ao passo que, no mesmo terreno onde se deu a abordagem, há outra casa na parte de trás, onde moram os seus vizinhos, detalhando que a busca domiciliar se deu nessa casa de trás. Esclareceu que foi abordada com o seu marido na casa de trás porque pediram para tomar banho na residência dos seus vizinhos após estragar o chuveiro da sua casa, detalhando que tais vizinhos saíram do local uns minutos antes da abordagem. Declarou que disse aos policiais que não morava na casa onde foi abordada junto do seu marido e que habitavam a casa da frente. Assegurou não se recordar dos fatos com detalhes, mas afirmou que a policial militar perguntou se poderia gravar o vídeo no qual autorizou a entrada da equipe na casa e respondeu a ela que não havia problema. Explicou que mora no mesmo endereço dos seus vizinhos a fim de dividir as contas de água e de luz. Declarou que o acusado não é pai da sua filha, afirmando que ele não possui nenhum filho. Relatou que, na época do fato, morava com o acusado havia dois meses e, antes disso, morava com os seus pais em Campo Largo. Questionada pelo Ministério Público, disse que o terreno onde mora com o seu marido possui duas casas, explicando que os policiais encontraram as drogas na casa dos seus vizinhos. Afirmou não conhecer direito os seus dois vizinhos, alegando que eles se mudaram para o terreno fazia pouco tempo, sem sequer saber os seus nomes. Relatou não saber se os seus vizinhos possuíam ou consumiam drogas. Declarou que, após a prisão do seu marido, não se encontrou mais com os seus vizinhos, pois voltou para a casa dos seus pais. Negou conhecer os policiais antes da ocorrência. Alegou que o seu marido foi coagido a confessar o crime de tráfico das drogas, mas afirmou que não houve qualquer tipo de violência durante a abordagem. Informou que morava no mesmo terreno de um casal, formado por uma menina morena com várias tatuagens e um rapaz. Confirmou que não conhecia direito o casal, mas tomou banho junto do seu marido na casa dos vizinhos, porque o seu chuveiro estava queimado, ocasião na qual perguntou se podiam usar o banheiro da casa deles.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Confirmou que o acusado trabalhava na época do fato “fazendo uns bicos”, explicando que o seu pai trabalhava com o réu montando estantes. Disse que o réu já foi preso pelo crime de tráfico em Campo Largo, negando ser o seu marido usuário de drogas. Ao final, o réu Liedson José Alves da Graça, interrogado em Juízo (mov. 125.2), negou a prática delitiva. Assegurou não estar em posse de drogas na sua residência. Disse que, no dia do fato, estava na casa de trás com a sua mulher porque o seu chuveiro estragou. Argumentou que pediram para tomar banho na casa dos seus vizinhos, explicando que mora na parte da frente do terreno. Informou que saiu do banheiro e foi pegar a toalha na sua própria casa quando um homem o chamou no portão, afirmando ter sido esse o momento em que os policiais o visualizaram junto do indivíduo não identificado. Declarou que voltou para a casa de trás, onde estava a sua mulher, e escutou barulhos de um cachorro no seu portão, ocasião na qual os policiais militares adentraram o terreno sem autorização e foram direto para a casa de trás. Narrou que os cães encontraram substâncias entorpecentes e afirmou que, em nenhum momento, admitiu a posse das drogas. Alegou que sofreu pressão psicológica para confessar, pois um policial apontou a arma em sua direção, momento em que admitiu a posse das drogas porque foi ameaçado de morte. Explicou que a equipe policial gravou o vídeo de autorização da entrada na sua residência após toda a abordagem ter ocorrido, esclarecendo que autorizou a entrada na sua casa, onde não havia substâncias entorpecentes, mas não autorizou a entrada na casa de trás, que pertencia aos seus vizinhos. Relatou que nada declarou em seu interrogatório em sede policial porque o seu advogado pediu para que ficasse em silêncio. Negou conhecer os policiais que realizaram a sua prisão em flagrante. Argumentou que os policiais lhe atribuíram a posse das drogas porque viram a movimentação na frente do seu portão. Afirmou não conhecer os seus vizinhos porque trabalhava muito com o seu sogro e não parava em casa. Assegurou não saber os nomes desses vizinhos, alegando que não os conhecia porque havia se mudado para o terreno fazia pouco tempo, cerca de dois a três meses atrás. Confirmou responder pelo crime de homicídio. Reiterou a negativaPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal quanto à posse das drogas, afirmando que não havia drogas na sua residência, mas sim na casa de trás do terreno. Acrescentou que os seus vizinhos não quiseram testemunhar sobre o fato. Negou ser usuário de crack e de cocaína, afirmando consumir somente maconha. Assim, com o encerramento da instrução criminal, insta destacar que adveio robusta prova direta de autoria, que confirmou os elementos informativos colhidos ainda em sede indiciária e que foram suficientes à deflagração da ação penal. No caso, impende salientar que os policiais militares prestaram declarações claras e harmônicas, tanto na Delegacia quanto em Juízo, em relação à forma que se deu a prisão em flagrante do réu. Deste modo, da análise das narrativas, extrai-se, em síntese, que a equipe policial realizava patrulhamento em região conhecida pelo tráfico de drogas quando visualizou o réu efetuando uma troca com um indivíduo não identificado, o qual, ao perceber a aproximação dos policiais, fugiu e dispensou um objeto, enquanto o denunciado recolheu-se à sua residência. Posteriormente, os agentes constataram que o objeto se tratava de maconha. Diante da fundada suspeita, os policiais acionaram um cão farejador, o qual sinalizou a presença de substâncias entorpecentes na residência do acusado. Em razão disso, os agentes obtiveram autorização para ingresso no imóvel, a qual foi registrada em vídeo (mov. 1.17), sendo concedida por uma mulher que se identificou como moradora do local e esposa do acusado. Ato contínuo, os policiais localizaram, no interior da residência, maiores quantidades de maconha e crack sob uma cama, além de, em outro cômodo, encontrarem uma sacola oculta no forro contendo maconha e cocaína. Também foi apreendida expressiva quantia em dinheiro fracionado e procedida a identificação do réu no local.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Percebe-se, portanto, que todas as circunstâncias características do crime de tráfico de drogas praticado pelo réu foram devidamente delineadas pelos policiais, sobretudo diante do fato de que ele foi encontrado em local amplamente conhecido pela intensa comercialização de entorpecentes, tendo sido flagrado pelos policiais militares realizando a venda de substância identificada como maconha. Além disso, o réu se evadiu para sua residência, onde foram localizadas outras variedades de substâncias entorpecentes, quais seja, o crack e a cocaína, todas devidamente embaladas e prontas para a venda, além de uma quantia significativa de dinheiro fracionado. Quanto às substâncias e instrumentos apreendidos, tem-se (conforme autos de exibição e apreensão de mov. 1.8): a) R$ 236,00 (duzentos e trinta e seis reais); b) 2 (duas) caixas contendo diversas unidades de seda para preparo de maconha; c) R$ 1.160,00 (mil cento e sessenta reais), localizados no forro de uma sacola; d) 9g (nove gramas) de maconha, dispensados na rua; e) 56g (cinquenta e seis gramas) de cocaína, encontrados no forro da residência; f) 3g (três gramas) de crack, localizados no quarto do réu; g) 200g (duzentos gramas) de maconha, também encontrados no quarto do réu; e h) 2,650 kg (dois quilos e seiscentos e cinquenta gramas) de maconha, localizados no forro da residência. Destaca-se, ainda, que todas as substâncias foram encontradas embaladas, conforme foto das apreensões (mov. 1.16). Ademais, salienta-se que os depoimentos de policiais militares são revestidos com especial valor probante, ainda mais quando em harmonia com os demais elementos de prova, exatamente o que acontece no caso posto a deslinde. Nesse sentido: “REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. ARTIGO 33, ‘CAPUT’, DA LEI FEDERAL Nº 11.343/2006. [...] PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA CALCADA NA TESE DE INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. FATOS DEVIDAMENTE ANALISADOS EMPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal AMBAS AS INSTÂNCIAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS PELOS DEPOIMENTOS PRESTADOS PELOS POLICIAIS MILITARES NAS FASES INQUISITORIAL E JUDICIAL E PELAS DEMAIS PROVAS ANGARIADAS NOS AUTOS. PALAVRA DE SERVIDORES PÚBLICOS QUE DETÉM ESPECIAL RELEVÂNCIA, POIS DOTADA DE FÉ PÚBLICA. [...] SENTENÇA MANTIDA INCÓLUME. REVISÃO CRIMINAL PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, JULGADA IMPROCEDENTE. [...] 4. Considerando-se que a aplicação do princípio do ‘in dubio pro reo’ reclama a existência de dúvida razoável no processo, a pretensão de aplicabilidade do referido preceito se mostra desarrazoada quando as provas amealhadas aos autos revelam um conjunto de indicativos probatórios robustos da prática criminosa, o que rechaça a pretensão absolutória por insuficiência de provas. [...] Revisão criminal parcialmente conhecida e, nesta extensão, julgada improcedente.” (TJPR - 3ª Câmara Criminal - 0076109-97.2024.8.16.0000 - Rio Branco do Sul - Rel.: JOSE AMERICO PENTEADO DE CARVALHO - J. 18.01.2025) – grifei. “DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO. NÃO CABIMENTO. ORDEM DENEGADA. I. Caso em exame 1. Habeas corpus impetrado em favor de réu condenado por tráfico de drogas, com base em provas materiais e testemunhais, incluindo depoimentos de policiais militares que presenciaram o acusado lançando uma sacola com entorpecentes ao solo. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste na validade e suficiência dos depoimentos dos policiais para fundamentar a condenação por tráfico de drogas. III. Razões de decidir 3. A autoria e materialidade delitivasPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal foram comprovadas por meio de boletim de ocorrência, auto de apreensão, laudo químico e depoimentos orais. 4. Os depoimentos dos policiais foram considerados harmônicos e sem contradições, não havendo elementos concretos que os desabonem. 5. A jurisprudência reconhece a validade da palavra dos policiais como prova, desde que em consonância com outros elementos dos autos. 6. A revisão do acervo probatório é vedada em sede de habeas corpus. IV. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.” (HC n. 896.285/ES, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 15/10/2024, DJe de 12/11/2024) – grifei. Assim, tem-se que as palavras dos agentes são plenamente viáveis a embasar um decreto condenatório, havendo que se considerar a relevância dos seus testemunhos, especialmente quando prestados em Juízo, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, tendo em vista que o único interesse por eles demonstrado foi o de narrar a atuação e apontar o verdadeiro autor do delito, inexistindo motivos para a incriminação de inocentes. Por outro lado, o acusado Liedson José Alves da Graça, em seu interrogatório judicial, negou a prática delitiva, alegando, em síntese, que, no dia do fato, estava na residência situada nos fundos do terreno, juntamente com sua esposa, pois o chuveiro de sua casa, localizada na parte da frente, havia estragado, razão pela qual pediram aos vizinhos para utilizarem o banheiro. Segundo sua versão, ao sair do banheiro para buscar uma toalha em sua própria casa, um homem o chamou no portão, sendo o momento em que foi visualizado pelos policiais junto ao indivíduo não identificado. Ao retornar para a casa dos fundos, onde estava sua esposa, ouviu barulhos de um cachorro próximo ao portão, ocasião em que os policiaisPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal militares teriam adentrado no terreno sem autorização e se dirigido diretamente à casa dos fundos, onde os cães localizaram as substâncias entorpecentes. Reiterou que não possuía drogas, afirmando que elas não estavam em sua residência, mas sim na casa dos fundos do terreno. Segundo o acusado, os policiais lhe atribuíram a posse dos entorpecentes apenas porque o avistaram na frente do portão. Da mesma forma, a informante Gabriely Luiza Martins Sabino, esposa do réu, reiterou que, no dia do fato, ambos estavam tomando banho na residência dos vizinhos, situada nos fundos do terreno, em razão de o chuveiro da casa deles estar estragado. Relatou que seu marido saiu para buscar uma toalha e, ao terminar o banho, percebeu que os policiais já estavam dentro da residência. A informante disse, ainda, que os cães da equipe policial reviraram o imóvel, que os agentes não solicitaram autorização para ingressar no local e que uma policial a teria coagido a gravar um vídeo autorizando a entrada, enquanto seu marido era conduzido à delegacia. Argumentou que acompanhou a revista feita na casa e, mesmo explicando aos policiais que residiam na parte da frente do terreno e demonstrando isso, os agentes, ainda assim, atribuíram a posse das drogas ao seu marido. Relatou, também, que informou à policial militar que tinha uma filha e poderia comprovar que morava na casa da frente a partir das roupas da criança, ocasião em que a policial foi até o guarda-roupa e viu as roupas de bebê, mas, mesmo assim, continuou a fazer perguntas sobre sua vida, enquanto os demais policiais abordavam o acusado.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Destacados os pontos apresentados em sede defensiva pelo réu e sua informante, passo a analisá-los: Inicialmente, sendo a informante esposa do acusado, é natural que tenha interesse na causa, de modo a apresentar, em Juízo, a versão que melhor lhe convém, especialmente considerando que está desobrigada do compromisso legal de dizer a verdade. Evidentemente, as informações por ela prestadas devem ser consideradas na formação da convicção deste Juízo, mas é importante ressaltar que as versões apresentadas pelo acusado e por sua esposa, embora convergentes, encontram-se completamente isoladas nos autos. Ora, é inverossímil a tese de que os policiais militares tenham, aleatoriamente, adentrado na residência do acusado e, sem qualquer fundamento, lhe imputado a propriedade de expressivas quantidades e variedades de entorpecentes, sobretudo porque não há relatos de inimizade ou motivos para a incriminação de inocentes por parte dos agentes estatais. Ressalte-se, ainda, que o acusado não apresentou qualquer elemento probatório capaz de infirmar ou fragilizar a versão consistente apresentada pelos policiais acerca da mercancia por ele praticada na parte da frente do imóvel. Além disso, a alegação de que as drogas estariam em casa distinta daquela ocupada pelo acusado e sua esposa poderia ter sido facilmente demonstrada, tanto no momento da abordagem quanto em Juízo, mediante a apresentação de documentos ou mesmo a indicação do nome do verdadeiro proprietário, mas nenhuma dessas medidas foi adotada. Nesse contexto, destaca-se que o réu afirmou em Juízo não conhecer bem os vizinhos, razão pela qual não saberia indicar seus nomes. Entretanto, ele e sua esposa afirmaram que estavam tomando banho, juntos, na residência de um dos vizinhos, pois o chuveiro da sua casa estava estragado, o que evidencia, no mínimo, uma relação de confiança ou familiaridade suficientePODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal para que soubessem a identidade do proprietário (caso a narrativa fosse verdadeira). Em outras palavras, o réu deveria ter indicado o nome do suposto proprietário ou até mesmo tê-lo arrolado como testemunha para corroborar a versão apresentada, o que não ocorreu. Sendo assim, é perceptível que o acusado apresentou versão fantasiosa, na tentativa de afastar a sua responsabilidade criminal, sobretudo considerando que as drogas foram encontradas em imóvel vinculado a sua pessoa. De mesmo modo, a alegação do denunciado e de sua esposa de que a entrada dos policiais na residência e a gravação do vídeo autorizando a diligência teria sido forçada também se mostra fantasiosa, uma vez que não foi apresentado qualquer elemento concreto que desabone a regularidade do procedimento adotado pelos agentes. Aliás, cumpre destacar que o acusado, em sede de audiência de custódia (mov. 27.1), não imputou aos policiais qualquer ato de violência ou coação. No mesmo sentido, perante a Autoridade Policial (mov. 1.12), o acusado não relatou qualquer abuso praticado por parte dos policiais. Ressalte-se, ademais, que, em ambos os atos, o acusado foi regularmente assistido por defensor constituído, o qual, certamente, o orientaria caso houvesse qualquer notícia de violência ou abuso ocorrido durante a diligência policial. Inexiste, portanto, qualquer elemento probatório apto a conferir credibilidade à tese defensiva. Assim, diante de todo o exposto, verifica-se que o réu agiu dolosamente ao praticar o delito de tráfico de entorpecentes que lhe foi imputado nos presentes autos.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Agora, partindo para a subsunção fática dos fatos narrados na exordial à norma penal incriminadora, verifica-se que a conduta do réu se amolda perfeitamente ao tipo penal previsto no artigo 33, caput, da Lei de Drogas, que dispõe: “ Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: (...)” (grifei). Nesse contexto, cumpre esclarecer que a consumação do delito de tráfico de drogas prescinde da ocorrência ou efetiva demonstração do comércio de tais substâncias, esgotando-se o tipo subjetivo no dolo. Isso quer dizer, como o delito é de conteúdo múltiplo, o simples fato de o agente, por exemplo, “vender”, “transportar”, “guardar” ou “ter em depósito” a substância entorpecente já é suficiente para a sua caracterização. São esses considerados crimes comuns, de perigo abstrato e presumido. Para esses delitos não se admite tentativa, uma vez que cada conduta disposta nos verbos do tipo é punida por si só, contudo, caso o agente cometa mais de uma ação com a mesma droga, responderá por um único crime, por se tratar de tipo alternativo ou de ação múltipla. Em síntese, as provas orais, documentais e técnicas deixam bastante clara a autoria do fato. Logo, concatenando as narrativas dos policiais militares que atuaram no caso, a apreensão de significativa quantidade e diversidade de drogasPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal - fracionadas e acondicionadas para a mercancia - e de uma grande quantidade de dinheiro fracionado, além das circunstâncias fáticas que permeiam o caso sob análise, não se pode concluir de outra forma que não pela autoria certa e inequívoca da traficância. Por todo o exposto, resta incontroverso que o réu “vendeu” e “guardava” substâncias entorpecentes que determinam dependência física ou psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Outrossim, não concorre qualquer causa excludente de antijuridicidade ou que afaste a culpabilidade do réu. Ao contrário, o conjunto probatório traz elementos que indicam sua potencial consciência da ilicitude e possibilidade de assumir conduta diversa consoante ao ordenamento jurídico e imputabilidade. Deste modo, deve o acusado receber a reprimenda penal. 3. Dispositivo: Ante o exposto, julgo procedente a pretensão punitiva contida na denúncia, a fim de condenar o acusado Liedson José Alves da Graça por infração ao artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/06. 4. Dosimetria da pena: Circunstâncias Judiciais: Considerando as diretrizes estabelecidas no artigo 59 e correlatas do Código Penal, bem como o artigo 42 da Lei 11343/06, passo à individualização da pena.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Culpabilidade: o grau de reprovabilidade do agente se mostrou elevado, e no quesito em análise deve ser considerado desfavorável. Isso porque o réu, à vista da sua certidão de antecedentes criminal atualizada e acostada aos autos, praticou o crime examinado no presente feito durante o gozo de liberdade provisória alcançada nos autos nº 0012547-70.2023.8.16.0026. Portanto, percebe-se que o denunciado desrespeita as decisões judiciais rotineiramente, sem nem mesmo medir as consequências negativas de sua conduta, tendo demonstrado, com isso, a sua completa insubmissão e desprezo pelo órgão judiciário do Estado do Paraná. Nesse sentido, cumpre transcrever o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE PESSOAS E EMPREGO DE ARMA BRANCA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO RÉU. [...] DOSIMETRIA DA PENA. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DA PENA-BASE. IMPOSSIBILIDADE. CULPABILIDADE EXACERBADA. PRÁTICA DO CRIME DURANTE O BENEFÍCIO DA LIBERDADE PROVISÓRIA CONCEDIDA EM OUTROS AUTOS. [...] I. Caso em exame 1. Recurso de apelação criminal interposto contra sentença que condenou o réu pela prática do delito de roubo majorado (artigo 157, § 2º, incisos II e VII, do Código Penal, à pena definitiva de 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 53 (cinquenta e três) dias-multa. II. Questão em discussão [...] III. Razões de decidir [...] 10. “O fato de o agente praticar o crime durante gozo de benefício penal ou de cumprimento de pena imposta em outro processo é circunstância que justifica a elevação da pena-base.” (STJ, AgRg no HC n. 756.534/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/9/2022,PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal DJe de 15/9/2022.) [...] IV. Dispositivo e tese 17. Recurso parcialmente conhecido e não provido. Teses de julgamento: [...] “Verifica-se que o acréscimo à basilar operado na sentença se encontra idoneamente fundamentado. [...]“ (TJPR - 4ª Câmara Criminal - 0001982-57.2024.8.16.0173 - Umuarama - Rel.: DESEMBARGADOR CELSO JAIR MAINARDI - J. 03.02.2025) – grifei. Antecedentes: o réu é considerado tecnicamente primário. Conduta social: a conduta social do acusado demonstra elevado grau de reprovabilidade, na medida em que, de forma deliberada, converteu o ambiente familiar — que deveria ser espaço de acolhimento e formação — em centro de atividade ilícita, comprometendo a segurança, a formação moral e o desenvolvimento psicológico do filho de sua esposa (referido por ele, em seu interrogatório, como seu filho também – mov. 125.2), menor, que ali residia. Conforme se extrai dos autos, há fortes indícios de que o acusado praticava reiteradamente atos de mercancia ilícita no interior de sua própria residência. Tal fato reveste-se de especial gravidade, pois o imóvel era compartilhado com sua esposa e uma criança, os quais, diariamente, estavam expostos a um ambiente insalubre em razão da prática do crime de tráfico de drogas. A exposição habitual de crianças e adolescentes à atividade criminosa praticada no âmbito doméstico configura, além de um fator de incremento do desvalor da conduta, uma afronta direta aos princípios constitucionais da proteção integral e da prioridade absoluta (artigo 227 da Constituição Federal), bem como às disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 4º do ECA), que asseguram, com primazia, o direito àPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal convivência em ambiente seguro e saudável dessas pessoas que se encontram em desenvolvimento. Assim, para a valoração negativa da presente circunstância, o Juízo, considerando o sistema do livre convencimento motivado e da discricionariedade atribuída pelo artigo 59 do Código Penal, deve avaliar o comportamento do agente no convívio social, familiar e laboral, perante a coletividade em que está inserido. No caso dos autos, o comportamento familiar do acusado é desabonador. Nesse sentido, aliás, é a lição do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob o regime de recursos repetitivos (tema Repetitivo 1077): “RECURSO ESPECIAL ADMITIDO COMO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO SUBMETIDO À SISTEMÁTICA DOS RECURSOS REPETITIVOS. PENAL. DOSIMETRIA. ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. UTILIZAÇÃO DE CONDENAÇÕES PENAIS PRETÉRITAS PARA VALORAR NEGATIVAMENTE A PERSONALIDADE E CONDUTA SOCIAL DO AGENTE. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. [...] 3. A conduta social diz respeito à avaliação do comportamento do agente no convívio social, familiar e laboral, perante a coletividade em que está inserido. Conforme o Magistério de Guilherme de Sousa Nucci (in Código Penal Comentado, 18.ª ed. rev., atual. e ampl; Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 389), "conduta social não é mais sinônimo de antecedentes criminais. Deve-se observar como se comporta o réu em sociedade, ausente qualquer figura típica incriminadora". 4. Rogério Greco diferencia detalhadamente antecedentes criminais de conduta social. Esclarece o AutorPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal que o Legislador Penal determinou essa análise em momentos distintos porque "os antecedentes traduzem o passado criminal do agente, a conduta social deve buscar aferir o seu comportamento perante a sociedade, afastando tudo aquilo que diga respeito à prática de infrações penais". Especifica, ainda, que as incriminações anteriores "jamais servirão de base para a conduta social, pois abrange todo o comportamento do agente no seio da sociedade, afastando-se desse seu raciocínio seu histórico criminal, verificável em sede de antecedentes penais" (in Curso de Direito Penal, 18.ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 684). [...]” (REsp n. 1.794.854/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 23/6/2021, DJe de 1/7/2021.) – grifei. Em caso semelhante aos autos, aliás, decidiu recentemente o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: “PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO (ARTIGO 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL) – FATO 1 –, EM CONCURSO MATERIAL COM TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/06) – FATO 2 – E POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÕES DE USO RESTRITO (ARTIGO 16, CAPUT, DA LEI Nº 10.826/03) – FATO 3 –. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. (...) 3) DOSIMETRIA PENAL. 3.1) INTENTADA A REDUÇÃO DA PENA-BASE DE CADA DELITO AOS SEUS RESPECTIVOS PATAMARES MÍNIMOS. REQUERIMENTO IMPROCEDENTE. EXASPERAÇÕES OPERADAS EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO EM RAZÃO DA NEGATIVAÇÃO DAS ‘CIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS’ DOS INJUSTOS. MOTIVAÇÕES ESCORREITAS. MONTANTE DEPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES APREENDIDAS [15G (QUINZE GRAMAS), DE ‘CRACK’ E 750G (SETECENTOS E CINQUENTA) GRAMAS DE ‘COCAÍNA’] QUE PERMITE O AUMENTO DO VETOR RELATIVAMENTE AO INJUSTO DE NARCOTRÁFICO, EM OBSERVÂNCIA AO DISPOSTO NO ART. 42 DA LEI DE REGÊNCIA. ADEMAIS, ITENS ILÍCITOS ENCONTRADOS NO INTERIOR DA RESIDÊNCIA EM QUE A RÉ RESIDE JUNTAMENTE COM OS DOIS FILHOS MENORES DE IDADE. PANORAMA QUE TAMBÉM REPRESENTA MAIOR REPROVABILIDADE DE SUAS CONDUTAS – TRÁFICO DE DROGAS E POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO –. FUNDAMENTAÇÕES IDÔNEAS PARA RECRUDESCER AS REPRIMENDAS BASILARES DE AMBOS OS INJUSTOS. 3.2) ROGO DE INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. REFUTADO. CONTEXTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A DEDICAÇÃO DA RÉ ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. REQUISITOS LEGAIS NÃO CUMPRIDOS NA INTEGRALIDADE. COMPREENSÃO DESTA CÂMARA E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.4) PROVIDÊNCIA EX OFFICIO. PENA DE MULTA DO DELITO DE POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO – FATO 3 – QUE DEVE GUARDAR PROPORCIONALIDADE COM A SANÇÃO PRIVATIVA DE LIBERDADE. PRECEITO NÃO OBSERVADO EM SENTENÇA. REAJUSTE QUE SE MOSTRA IMPERATIVO.RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, COM DELIBERAÇÃO DE OFÍCIO. (TJPR - 5ª Câmara Criminal - 0006150-06.2016.8.16.0037 - Campina Grande do Sul - Rel.: SUBSTITUTA SIMONE CHEREM FABRICIO DE MELO - J. 27.05.2024)” – grifei.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Personalidade: poucos elementos foram coletados a respeito da personalidade do acusado, razão por que deixo de valorá-la. Motivos do crime: certamente se trata de avidez por lucro fácil, porém mesmo nessa situação a circunstância se mantém neutra, pois ínsita ao tipo. Circunstâncias do crime: foram graves e devem ser valoradas negativamente em desfavor do réu. No caso, o acusado violou mais de um núcleo do tipo penal sob análise, quais sejam, vender e guardar. No contexto dos autos, portanto, restou clara a maior afetação em razão da violação de dois verbos, pois, combinados, permitiam ao réu maior facilidade na propagação dos entorpecentes encontrados em seu poder. Nesse sentido, me filio aos seguintes precedentes: “Direito penal e direito processual penal. Apelação Crime. [...] 6. A defesa de RAFAEL HENRIQUE FERREIRA DA SILVA não conseguiu afastar a culpabilidade e as circunstâncias do crime, que justificam a elevação da pena, considerando a natureza, quantidade e variedade do entorpecente apreendido, bem como, a prática de mais de um verbo nuclear do tipo penal em exame, o que denota maior reprovabilidade de sua conduta. 7. [...] IV. Dispositivo e tese 9. [...] Recurso interposto por RAFAEL HENRIQUE FERREIRA DA SILVA conhecido e não provido. Teses de julgamento: [...] A natureza, quantidade e variedade da droga justificam o desvalor da culpabilidade, assim como a prática de mais de um verbo nuclear do tipo penal permite a apreciação negativa das circunstâncias do delito, dada a nítida demonstração da maior reprovabilidade da conduta do acusado. [...]” (TJPR - 5ª Câmara Criminal - 0000300-79.2024.8.16.0072 - Colorado - Rel.:PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal DESEMBARGADOR MARCUS VINICIUS DE LACERDA COSTA - J. 01.02.2025) – grifei. “ APELAÇÃO-CRIME – DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS (ARTIGO 33 DA LEI Nº 11.343/2006) [...] DOSIMETRIA DA PENA – AFASTAMENTO DO DESVALOR DO VETOR CULPABILIDADE – NATUREZA DA DROGA APREENDIDA QUE NÃO VEIO ACOMPANHADA DE RELEVANTE QUANTIDADE – PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES – ENTENDIMENTO DO RELATOR QUE NÃO FOI ACOMPANHADO PELA MAIORIA – BASILAR QUE PERMANECE INALTERADA - MANUTENÇÃO DO DESVALOR DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO – PRÁTICA DE MAIS DE UM VERBO NUCLEAR DO TIPO PENAL, QUE, NO CONTEXTO FÁTICO APRESENTADO, É DIGNO DE MAIOR REPROVAÇÃO – INVIABILIDADE DE AUMENTO DA FRAÇÃO APLICÁVEL À MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO – COMPROVAÇÃO DE QUE O RÉU SE DEDICA ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS – CONTUDO, AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO MINISTERIAL, O QUE INVIABILIZA O AUMENTO DA REPRIMENDA, SOB PENA DE OCORRER A REFORMATIO IN PEJUS – ADEQUADO O REGIME PRISIONAL FECHADO PARA INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA, DIANTE DA EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVAMENTE VALORADA INVIABILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS.RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, POR MAIORIA DE VOTOS, NEGADO PROVIMENTO.” (TJPR - 5ª Câmara Criminal 0001056- 59.2022.8.16.0072 - Colorado - DESEMBARGADOR MARCUS VINICIUS DE LACERDA COSTA- J. 09.09.2024) – grifei.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Consequências: embora delitos como estes sejam considerados sempre graves, haja vista o perigo que se expõe toda a coletividade, na hipótese dos autos o resultado da ação criminosa apresentou-se comum, sem maiores implicações. Do comportamento da vítima: tem sua análise prejudicada, haja vista ser o delito do tipo crime vago, eis que atinge a saúde pública. Ponderadas as circunstâncias judiciais, fixo-lhe a pena-base em 3/8 (três oitavos) acima de seu mínimo legal, vale dizer, em 06 (seis) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 688 (seiscentos e oitenta e oito) dias-multa. Circunstâncias agravantes e atenuantes: Inexistem no caso sob análise circunstâncias agravantes ou atenuantes, razão pela qual a pena-base fixada deve permanecer inalterada. Causas de aumento e diminuição: Ao final, não incidem causas de aumento e/ou diminuição de pena, nem mesmo a prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Isso porque, consoante se infere dos autos, o réu se dedicava à prática do crime de tráfico de drogas com regularidade. Explico: De início, vale destacar que o acusado estava em poder de elevada quantidade de droga, disposta de modo variado. Em detalhe, o réu vendia e guardava (conforme auto de exibição e apreensão de mov. 1.8): 9g (nove gramas) de maconha, dispensados no início da ocorrência, 56g (cinquenta e seis gramas) de cocaína, encontrados no forro da residência, 3gPODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal (três gramas) de crack, localizados no quarto do réu, 200g (duzentos gramas) de maconha, também encontrados no quarto do réu, e 2,650 kg (dois quilos e seiscentos e cinquenta gramas) de maconha, localizados no forro da residência. Não é comum que aos traficantes ocasionais ou que ingressaram recentemente no tráfico sejam confiadas elevadas quantidades de entorpecentes, capaz de trazer alta rentabilidade no comércio. Vale ressaltar, ainda, que não apenas a expressiva quantidade, mas também a natureza altamente nociva de dois dos entorpecentes apreendidos, quais sejam, o crack e a cocaína, evidencia a gravidade da conduta, tratando-se de substâncias de elevado potencial lesivo e de fácil indução à dependência química, o que facilita, de certa maneira, o comércio regular das drogas com usuários presos ao vício. Além disso, as circunstâncias fáticas demonstram a especialização do acusado e sua dedicação habitual à atividade ilícita. Veja-se que, para além das substâncias entorpecentes, o réu mantinha em sua posse significativa quantia em dinheiro trocado, totalizando R$ 1.396,00 (mil trezentos e noventa e seis reais). Tal circunstância não apenas evidencia o elevado lucro obtido com a atividade criminosa, mas também revela a estrutura organizada e profissionalizada da prática ilícita desempenhada pelo réu, que, ao manter valores fracionados e escondidos, demonstra clara intenção de ocultar os proventos ilícitos, dificultando eventual fiscalização ou apreensão. Soma-se, ainda, o fato de que o denunciado se encontrava na posse de 2 (duas) caixas contendo diversas unidades de seda, comumente utilizadas para o preparo de cigarros de maconha — substância, aliás, que foi justamente aquela em que o acusado foi flagrado comercializando pelos agentes policiais, e cuja apreensão se deu em maior quantidade.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Evidencia-se, assim, que o réu muito provavelmente era responsável pelo abastecimento de maconha na localidade dos fatos, demonstrando indícios consistentes de envolvimento com o crime organizado, especialmente diante da especialização demonstrada na atividade ilícita. Impossível, portanto, desconsiderar as circunstâncias fáticas acima analisadas para fins de concessão ao acusado de benefício penal ao qual, de forma evidente, não faz jus. Assim, tendo em vista que o réu estava inserido na prática de atividades criminosas relacionadas ao delito de tráfico com regularidade, passando ao largo dos requisitos exigidos à concessão da benesse prevista pelo § 4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/2006, fixo a pena final em 06 (seis) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 688 (seiscentos e oitenta e oito) dias-multa. Considerando que não existem elementos para se aferir a situação econômica do acusado, determino que o valor do dia-multa seja calculado à base de um trigésimo (1/30) do salário-mínimo vigente à época do fato, devendo ser corrigido monetariamente, na forma da lei, desde a data da infração (artigo 43 da Lei de Drogas c/c art. 49, §§ 1º e 2º e, artigo 60, ambos do Código Penal). Considerando o quantum da reprimenda estabelecido e a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, com supedâneo no artigo 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal, determino o regime FECHADO para o cumprimento inicial da pena imposta. Ressalto que a aplicação de regime inicial de cumprimento de pena mais severo diante da análise das circunstâncias judiciais é corroborada pelo entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Nesse sentido:PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. INSURGÊNCIA CONTRA ACÓRDÃO TRANSITADO EM JULGADO. MANEJO DO HABEAS CORPUS COMO REVISÃO CRIMINAL. DESCABIMENTO. ART. 105, INCISO I, ALÍNEA "E", DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DOSIMETRIA PENAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE. REGIME MAIS GRAVOSO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. [...] 2. A fixação da pena está inserida dentro do critério de discricionariedade do juiz, vinculado às circunstâncias específicas do caso concreto e às características subjetivas do agente, podendo ser revista por este Tribunal Superior apenas nos casos de desrespeito aos limites legais ou evidente desproporcionalidade. 3. A presença de circunstância judicial desfavorável (art. 33, §§ 2. º e 3.º, do Código Penal), justifica a fixação do regime inicial fechado. 4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no HC n. 948.626/SC, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do Tjsp), Sexta Turma, julgado em 18/12/2024, DJEN de 23/12/2024.) – grifei. Por outro lado, deixo de substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, uma vez não preenchidos os requisitos legais previstos nos incisos I e III, do artigo 44, do Código Penal. Deixo, ainda, de beneficiar o réu com a suspensão condicional da pena, haja vista o tempo de pena privativa de liberdade fixado, bem como a valoração negativa de circunstâncias judiciais (artigo 77, caput e inciso II, do Código Penal).PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Relativamente à detração penal, entendo que se trata de matéria afeta ao Juízo da execução. Neste sentido, cumpre transcrever o seguinte julgado: “APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRAVENÇÃO VIAS DE FATO E CRIMES DE DESACATO E RESISTÊNCIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. PEDIDO DE DETRAÇÃO DO PERÍODO QUE CUMPRIU A MEDIDA CAUTELAR DE RECOLHIMENTO DOMICILIAR. MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO.” (TJPR - 2ª Câmara Criminal - 0000197- 08.2022.8.16.0019 - Ponta Grossa - Rel.: DESEMBARGADOR KENNEDY JOSUE GRECA DE MATTOS - J. 09.12.2024) – grifei. 4. Considerações gerais: Trata-se de réu preso provisoriamente por força de prisão preventiva. Assim, tendo em conta o regime inicial determinado para o cumprimento da pena imposta e que ainda se mantêm os fundamentos que possibilitaram a decretação da prisão cautelar, mantenho-a por seus próprios fundamentos, em especial a garantia da ordem pública e a aplicação da lei penal, objetivando, assim, defender os interesses sociais de segurança e resguardar o resultado em definitivo do presente processo, máxime porque as circunstâncias do caso concreto revelaram a dedicação habitual do acusado à prática do crime de tráfico de drogas. Interposto recurso pelo acusado, expeça-se a respectiva guia de recolhimento provisória, bem como, munida das peças elencadas no artigo 106 da Lei de Execuções Penais, encaminhe-se a uma das Varas de Execuções Penais deste Foro Central.PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal Independentemente do trânsito em julgado, encaminhem- se a totalidade das drogas apreendidas à incineração, na eventualidade de ainda existirem drogas a serem incineradas. Após, dê-se baixa nos registros de apreensões. Com fulcro no artigo 1006 e seguintes do Código de Normas da douta Corregedoria Geral da Justiça (CNCGJ), determino a destruição das caixas contendo unidades de seda (apreensão n° 10616/2025), eis que empregadas no crime de tráfico de drogas, não mais interessam aos autos e desaconselhável é a doação ou qualquer outra destinação. Após, dê-se baixa nos registros de apreensões. À Secretaria, para que verifique a situação dos telefones celulares apreendidos, conforme consta no mov. 1.8. Após a lavratura da certidão, voltem os autos conclusos para deliberação. De mesmo modo, à Secretaria para que atualize o endereço residencial do réu, nos termos da ata de audiência de mov. 126.1. Finalmente, ante a ausência de elementos aptos a aferir a situação econômica do réu, indefiro o pedido de gratuidade de justiça e o condeno ao pagamento das custas processuais (art. 804 do Código de Processo Penal). Após o trânsito em julgado desta decisão: a) Expeça-se a guia de recolhimento definitiva, encaminhando-a à Vara de Execuções Penais competente, conforme contido no Código de Normas da douta Corregedoria Geral de Justiça, bem como façam-se as comunicações necessárias;PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ Comarca da Região Metropolitana de Curitiba Foro Central 12ª Vara Criminal b) Comunique-se ao juízo eleitoral, na forma do artigo 15, inciso III, da Constituição Federal; c) Remetam-se os autos à Secretaria do Contador para o cálculo das custas e da pena de multa impostas, intimando-se o réu para efetuar o pagamento no prazo de 10 (dez) dias. Caso o acusado não seja encontrado, intime-se por edital; d) Decreto o perdimento em favor da União do dinheiro apreendido nos autos (apreensões n° 10617/2025 e n° 10618/2025), com fulcro no artigo 63 da Lei de Drogas, que deverá ser transferido ao FUNAD depois do trânsito em julgado da sentença, por restar nítida a sua relação com o crime de tráfico de drogas. Na sequência, dê-se baixa nos registros de apreensões; Cumpra-se, no que for aplicável, o contido no Código de Normas da douta Corregedoria Geral da Justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Curitiba, data de inserção da assinatura no Sistema. CRISTINE LOPES Juíza de Direito
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear