1. Bruno Oliveira Loureiro (Impetrante) x 2. Tribunal De Justiça Do Estado Do Rio De Janeiro (Impetrado)
ID: 336144563
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0209493-86.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
BRUNO OLIVEIRA LOUREIRO
OAB/RJ XXXXXX
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HC 1009808/RJ (2025/0209493-9)
RELATOR
:
MINISTRO OG FERNANDES
IMPETRANTE
:
BRUNO OLIVEIRA LOUREIRO
ADVOGADO
:
BRUNO OLIVEIRA LOUREIRO - RJ249216
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE J…
HC 1009808/RJ (2025/0209493-9)
RELATOR
:
MINISTRO OG FERNANDES
IMPETRANTE
:
BRUNO OLIVEIRA LOUREIRO
ADVOGADO
:
BRUNO OLIVEIRA LOUREIRO - RJ249216
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE
:
RONALDO DOS SANTOS VITORIANO
CORRÉU
:
JOAO VICTOR BATISTA DA SILVA
CORRÉU
:
RAFAEL BRUNO RODRIGUES FERREIRA
CORRÉU
:
LUCAS BIANCHINI NUNES BORGES
CORRÉU
:
RENATO MAGNO DE OLIVEIRA SANTOS
CORRÉU
:
THIAGO DO NASCIMENTO MENDES
CORRÉU
:
EDGAR ALVES DE ANDRADE
CORRÉU
:
PEDRO PAULO GUEDES
CORRÉU
:
CARLOS DA COSTA NEVES
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de RONALDO DOS SANTOS VITORIANO em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO.
Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime descrito no art. 121, § 2º, I e IV, c/c o art. 29, e art. 211, todos do Código Penal.
A defesa alega que não há justa causa para a ação penal, ao argumento de que a denúncia se fundamentaria exclusivamente na teoria do domínio do fato e que não há elementos mínimos para vincular o paciente aos crimes.
Assevera que, “pelos mesmos fundamentos, também não há substrato para manutenção de sua prisão preventiva em razão dos fatos aqui narrados” (fl. 12).
Requer, liminarmente e no mérito, o trancamento da ação penal diante da ausência de justa causa e a revogação da prisão preventiva do paciente, com a expedição de alvará de soltura.
Liminar indeferida às fls. 468-469.
As informações solicitadas foram prestadas às fls. 471-475.
O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento do writ (fls. 481-488).
É o relatório.
Esta Corte de Justiça já firmou compreensão de que o habeas corpus não deve ser utilizado como substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Observam-se a respeito: AgRg no HC n. 933.316/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 20/8/2024, DJe de 27/8/2024; AgRg no HC n. 874.713/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/8/2024, DJe de 20/8/2024; AgRg no HC n. 918.177/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 22/8/2024; AgRg no HC n. 749.702/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 29/2/2024; AgRg no HC n. 912.662/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024.
No caso em exame, não se verifica a ocorrência de ilegalidade flagrante apta a superar esse entendimento.
A concessão da ordem de habeas corpus demanda demonstração da ilegalidade de plano, ônus que recai sobre a parte impetrante, a quem cumpre instruir o feito com a prova pré-constituída de suas alegações.
No que concerne ao pedido de trancamento da ação penal, destaca-se que a providência que se busca somente é possível, na via estreita do habeas corpus, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade, a ausência de indícios de materialidade ou de autoria delitiva.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. VIAS DE FATO EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NÃO CABIMENTO. ANÁLISE SOBRE OS INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA DELITIVA E MATERIALIDADE PARA A DENÚNCIA QUE NÃO PODE SER FEITA NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o trancamento do inquérito policial e da ação penal é inviável na via do habeas corpus, visto demandar revolvimento de fatos e provas, principalmente quando as instâncias ordinárias, com suporte no conjunto fático-probatório dos autos, indicam lastro probatório mínimo de autoria e materialidade.
2. No caso, o Tribunal de origem destacou no acórdão impugnado a existência de justa causa para a ação penal, pois a denúncia descreveu claramente as condutas imputadas ao acusado, revelando lastro probatório mínimo e suficiente acerca dos indícios de autoria e materialidade para autorizar a deflagração do processo penal, o que impede o acolhimento do pleito de trancamento do processo-crime.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n. 888.873/MG, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo – Desembargador convocado do TJSP, Sexta Turma, julgado em 19/8/2024, DJe de 23/8/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL E LAVAGEM DE DINHEIRO. INQUÉRITO POLICIAL. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. De acordo com o entendimento desta Corte, não há óbice a que o Ministério Público, reunidos elementos suficientes para tanto, ofereça a denúncia contra um acusado e prossiga na apuração do envolvimento de terceiros para, depois, eventualmente, aditar a peça acusatória ou apresentar nova denúncia contra essas pessoas, o que, em casos complexos, pode contribuir com a razoável duração do processo.
2. Ademais, segundo a jurisprudência consolidada do STJ, "somente é cabível o trancamento da persecução penal por meio do habeas corpus quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta praticada pelo acusado, seja pela ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, ou, ainda, pela incidência de causa de extinção da punibilidade" (AgRg no RHC n. 157.728/PR, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 15/2/2022).
3. No caso, conforme destacou o Tribunal de origem, "a prova pré-constituída que acompanha esta impetração demonstra que a denúncia oferecida nos autos n. 0007380-72.2015.4.03.6000 abarcou apenas as condutas em tese praticadas pelo paciente no comando de grupo econômico composto por empresas do mesmo ramo de atividade, instaladas na mesma planta frigorífica no município de Terenos/MS", ao passo que, o "IPL nº 2019.0011162 se destina a colher elementos probatórios em face de outras pessoas supostamente envolvidas nos delitos de sonegação fiscal".
4. Assim, não há falar em bis in idem na instauração do segundo inquérito, uma vez que, embora os fatos nele investigados sejam relacionados aos que se apuravam no IP n. 217/2013, a denúncia oferecida se limitou às condutas praticadas pelo recorrente, enquanto o novo inquérito teve por objetivo prosseguir na apuração do envolvimento de terceiros, sobretudo os familiares dele, na empreitada criminosa.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RHC n. 151.885/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 1º/7/2024, DJe de 3/7/2024.)
Da leitura do acórdão impugnado, observa-se que foram expressamente indicados os motivos para a solução adotada pelo Tribunal de origem. No ponto (fls. 79-100 – grifei):
Extrai-se dos autos originários que a inicial acusatória realiza a seguinte narrativa quanto à prática criminosa (id. 5 do Anexo):
BREVE INTRODUÇÃO AOS FATOS
É pública e notória a “guerra” que ocorre entre facções criminosas rivais atuantes no Estado do Rio de Janeiro, que atemorizam diariamente as famílias brasileiras, em especial os moradores de comunidades espalhadas pelo Estado, que, por vezes, se veem impedidos de transitar em algumas regiões ou até mesmo de visitarem parentes ou amigos que residem em “comunidades rivais”, sob pena de serem executados por criminosos de outra facção.
Na região do bairro da Penha/RJ, a comunidade que compõe o chamado “Complexo da Penha” é dominada pela facção criminosa Comando Vermelho (C. V.), cujas lideranças na hierarquia do tráfico são os denunciados EDGAR ALVES DE ANDRADE, alcunha “DOCA”, PEDRO PAULO GUEDES, alcunha “PEDRO BALA” e RONALDO DOS SANTOS VITORIANO, alcunha “PITBULL” e CARLOS DA COSTA NEVES, alcunha “GARDENAL”, é a mesma facção criminosa que atua na Comunidade do Quitungo, que, por sua vez, é liderada pelo denunciado THIAGO DO NASCIMENTO MENDES, alcunha “BELÃO”.
Nessa toada, entretanto, os criminosos que atuam nas comunidades existentes no bairro Vigário Geral, são dominadas pela facção criminosa Terceiro Comando Puro (T. C. P.).
Os denunciados suso referidos, detentores de grande poder bélico hierárquico dentro da traficância em que atuam e que dispõe de um alto número de criminosos que executam as ordens dadas por eles, dentre eles suso descritos, têm ordenado e realizado diversas execuções a indivíduos tidos como integrantes e/ou informantes da facção rival intitulada Terceiro Comando Puro (T. C. P), com o fim de expandir seus domínios para prática de ilícitos penais que habitualmente cometem. Tais execuções vêm sendo investigadas em procedimentos próprios (IP nº 038-01118/2024 e nº 038-00428/2024), bem como foram amplamente divulgado pela imprensa (https://g1. globo. com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/01/18/preso- por-sequestro-em-bras-de-pina-afirmou-a-policia-que-jovem-foi- executado-pelo-trafico. ghtml; https://globoplay. globo. com/v/12280008/; https://g1. globo. com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2024/01/16/tres- pessoas-somem-em-menos-de-10-dias-em-bras-de-pina-no- rio-video-mostra-adolescente-sendo-sequestrado-em-estacao- de-trem. ghtml ; https://odia. ig. com. br/rio-de- janeiro/2024/01/6776529-corpo-de-homem-sequestrado-em- bras-de-pina-e-encontrado-em-caxias. html )
Faz-se importante mencionar que, por meio de relatos de moradores das regiões dominadas pelo tráfico, além de diversas reportagens jornalísticas, é de conhecimento público que os criminosos mantêm um “poder paralelo” de julgamento de condutas, denominado “Tribunal do Tráfico” (fazendo uma alusão ao Poder Judiciário do Estado), onde eles, na posição de “juízes”, analisam a conduta de pessoas e a submetem a um julgamento, onde decidem qual será a sentença daquele indivíduo (sentença de morte, em sua maioria), quando fazem uso de técnicas para se desfazer e ocultar os corpos das pessoas que são executadas (carbonizam, esquartejam, transportam para lugares de difícil acesso – como o interior de rios, canais, valas), com o intuito de inviabilizar a localização e identificação dos cadáveres e vestígios do crime, e, consequentemente, dos autores dos fatos delituosos, tolhendo as chances de elucidação por parte da polícia judiciária.
I- DO CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO
Em 14 de janeiro de 2024, no interior da Comunidade do Quitungo, nesta cidade, os denunciados, consciente e voluntariamente, em comunhão de ações e designos entre si e com comparsas não identificados, mataram, a vítima PAULO VITOR ALVES DE SOUSA.
Preliminarmente, insta esclarecer que a vítima ostentava em redes sociais o envolvimento com o tráfico de drogas da comunidade existente na região em que residia, qual seja, Vigário Geral, conforme documentação juntada aos autos do IP, e que é de domínio da facção criminosa Terceiro Comando Puro (T. C. P.), traficância que disputa o domínio com a facção Comando Vermelho (C. V.).
Conforme restou apurado, no dia 14/01/24, a vítima se encontrava na passarela da estação de trem Bás de Pina, na companhia das testemunhas Luan Daniel Anjos de Azevedo e Kelvin Nascimento Dias Conceição, quando os denunciados JOÃO VITOR, RAFAEL BRUNO, LUCAS BIANCHINI e RENATO MAGNO chegaram ao local, a bordo de duas motocicletas, e arrebataram à força a vítima, obrigando PAULO VITOR a embarcar em uma das motocicletas utilizadas na empreitada criminosa, momento em que se evadiram do local em direção à Comunidade do Quintungo, comandada pelo denunciado THIAGO DO NASCIMENTO MENDES, alcunha “BELÃO”, com o adolescente sob seus poderes, quando, então, a vítima nunca mais foi vista.
No curso das investigações, foi constatado que os denunciados JOÃO VITOR, RAFAEL BRUNO, LUCAS BIANCHINI e RENATO MAGNO são integrantes da traficância denominada de como Comando Vermelho (C. V.) e que ostenta grande rivalidade pelo domínio territorial com a facção “T. C. P”., a qual a vítima (cf. imagens de rede social do adolescente) integrou, sendo certo que os denunciados suso descritos atuam nas comunidades do Complexo da Penha, sob o comando dos denunciados EDGAR ALVES DE ANDRADE, alcunha “DOCA”, PEDRO PAULO GUEDES, alcunha “PEDRO BALA” e RONALDO DOS SANTOS VITORIANO, alcunha “PITBULL” e CARLOS DA COSTA NEVES, alcunha “GARDENAL”
Ato contínuo à captura da vítima Paulo Vitor na passarela suso mencionada, os denunciados JOÃO VITOR, RAFAEL BRUNO, LUCAS BIANCHINI e RENATO MAGNO, consciente e voluntariamente, com o emprego de força, sequestraram e conduziram a vítima para o Complexo do Quitungo, e sob o comando dos denunciados THIAGO DO NASCIMENTO MENDES, alcunha “BELÃO”, EDGAR ALVES DE ANDRADE, alcunha “DOCA”, PEDRO PAULO GUEDES, alcunha “PEDRO BALA” e RONALDO DOS SANTOS VITORIANO, alcunha “PITBULL” e CARLOS DA COSTA NEVES, alcunha “GARDENAL”, praticaram o crime de homicídio em face de Paulo Vitor e dando destinação, ainda desconhecida, ao cadáver.
O crime resta qualificado por motivo torpe, tendo em vista que os denunciados o cometeram em razão de disputa por pontos de tráfico de drogas e expansão do território criminoso para práticas de ilícitos penais, motivação flagrantemente abjeto e socialmente repudiado. Além disso, foi praticado mediante emboscada e com emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima mediante a superioridade numérica dos denunciados em relação à vítima e à natureza de execução da morte objeto da presente denúncia.
II – DO CRIME DE DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU OCULTAÇÃO DE CADÁVER
Em data que não se pode precisar, mas em período compreendido entre o dia 14 de janeiro de 2024 e a presente data, nas mesmas circunstâncias de lugar, os denunciados, consciente e voluntariamente, em comunhão de ações e desígnios criminosos entre si, o cadáver de PAULO VITOR ALVES DE SOUSA, vítima do crime de homicídio qualificado cometido por eles.
Ato contínuo à captura da vítima na passarela, os denunciados JOÃO VITOR, RAFAEL BRUNO, LUCAS BIANCHINI e RENATO MAGNO, levaram a vítima para o interior do Complexo do Quitungo, e sob o comando dos denunciados THIAGO DO NASCIMENTO MENDES, alcunha “BELÃO”, EDGAR ALVES DE ANDRADE, alcunha “DOCA”, PEDRO PAULO GUEDES, alcunha “PEDRO BALA” e RONALDO DOS SANTOS VITORIANO, alcunha “PITBULL” e CARLOS DA COSTA NEVES, alcunha “GARDENAL”, mataram PAULO VITOR e deram destinação ainda desconhecida ao cadáver da vítima ao executarem o adolescente no dito “Tribunal do Tráfico” existente nas favelas do Complexo da Penha.
Em sede policial, a testemunha CELIA MARIA OLIVEIRA DAMASCENO (mãe do de cujus) informou que, por meio de relatos de populares presentes no evento delituoso e reportagens jornalísticas, soube que a vítima foi raptada e levado por criminosos da facção criminosa C. V., rival a da comunidade de Vigário Geral (T. C. P.). Ademais, as testemunhas LUAN DANIEL ANJOS DE AZEVEDO e KELVIN NASCIMENTO DIAS CONCEIÇÃO detalharam como se deu a raptura da vítima, reconhecendo os denunciados JOÃO VITOR, RAFAEL BRUNO, LUCAS BIANCHINI e RENATO MAGNO e pormenorizando suas condutas, versões corroboradas pelas testemunhas LUANA ALEXSANDRA FRANCISCO DA SILVA e SARAH TEODORO RIBEIRO, consoante Autos de Reconhecimento e Termos de Declaração.
Por fim, a testemunha JOÃO CARLOS DE SOUZA BORGES, pai do denunciado LUCAS BIANCHINI NUNES BORGES, compareceu em sede policial e identificou seu filho nas filmagens (https://g1. globo. com/rj/rio-de- janeiro/noticia/2024/01/16/tres-pessoas-somem-em-menos-de- 10-dias-em-bras-de-pina-no-rio-video-mostra-adolescente- sendo-sequestrado-em-estacao-de-trem. ghtml).
Derradeiramente, latente ratificar a ausência de qualquer pedido de resgaste feito pelos criminosos desde o dia da captura da vítima as seus familiares e/ou amigos, o que levaria a crer que o adolescente ainda poderia estar com vida e sob poder dos denunciados, passando-se, até o momento, vasto período de tempo. Tal contexto fático demonstra inequivocadamente o desiderato criminoso cujo objetivo foi a captura da vítima com a finalidade de levá-lo ao interior da comunidade dominada pelo tráfico de drogas rival ao que pertencia o adolescente para a sua posterior execução perante o “Tribunal do Tráfico”, com a devida ocultação do seu cadáver.
Assim agindo, estão os denunciados incursos nas sanções do art. 121, § 2°, inciso I e inciso IV, c/c artigo 29, ambos do Código Penal, nos moldes da Lei n° 8.072/90, bem como no artigo 211, na forma do art. 69, ambos do Código Penal.
A autoridade impetrada, no dia 26/04/2024, recebeu a denúncia e decretou a prisão preventiva dos acusados (id. 730 dos autos originários). Confira-se:
“1) RECEBIMENTO DA DENÚNCIA
O Ministério Público vem a Juízo propor a presente ação penal em face dos acusados JOÃO VICTOR BATISTA DA SILVA, RAFAEL BRUNO RODRIGUES FERREIRA, LUCAS BIANCINI NUNES BORGES, RENATO MAGNO DE OLIVEIRA SANTOS, THIAGO DO NASCIMENTO MENDES, EDGAR ALVES DE ANDRADE, PEDRO PAULO GUEDES, RONALDO DOS SANTOS VITORIANO, CARLOS DA COSTA NEVES, qualificado nos autos, a prática, em tese, das condutas tipificadas nos art. 121, § 2°, inciso I e inciso IV, c/c artigo 29, ambos do Código Penal, nos moldes da Lei n° 8.072/90, bem como no artigo 211, na forma do art. 69, ambos do Código Penal.
Passo a avaliar o conteúdo apresentado e as pretensões inicialmente elencadas.
A MATERIALIDADE e a AUTORIA do crime estão indicadas pelos registros de ocorrência, termos de declaração e decisão de indiciamento.
A denúncia expôs, com clareza, os fatos criminosos e todas as suas circunstâncias. Consta ainda a qualificação do denunciado e a precisa tipificação dos crimes imputados. Satisfeitos, assim, os pressupostos contidos no art. 41 do CPP e, afastada, por conseguinte, a incidência da regra contida no art. 395, I, do CPP, aplicável em razão da analogia capitulada no art. 3º do mesmo diploma processual.
Ademais, a interpretação, a contrario sensu, da regra inserta no inciso II, do art. 395 c/c com 3º, ambos do CPP, revela que a ação deve ser admitida em razão da ausência das causas de rejeição da denúncia, haja vista a presença dos pressupostos processuais e condições da ação penal.
Há, portanto, justa causa para a admissão da acusação, a contrario sensu da regra inserta no inciso III, do art. 395, do CPP, sendo certo que, no bojo do processo, à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa, poderão ser confirmadas, ou não, as acusações dirigidas ao denunciado.
Por essas razões, RECEBO A DENÚNCIA.
[...]
Conforme se apura, a denúncia oferece “elementos bastantes para a instauração da ação penal, com a suficiente descrição da conduta delituosa relativa aos crimes imputados, extraindo-se da narrativa dos fatos a perfeita compreensão da acusação, nos termos do art. 41, do Código de Processo Penal” (STJ, RHC 42.865 – RJ, 6.ª T., Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 27.05.2014), e, diversamente do que sustenta o impetrante, há indícios significativos para apuração do atuar desvalorado em tela.
Nesse contexto, é adequada a conclusão de que há indícios mínimos, capazes de respaldar a inicial acusatória, sendo prematura, nesse momento, a análise da tese defensiva de inexistência de provas da participação do paciente nos delitos em apuração.
Como bem lançado pela douta Procuradoria de Justiça, em seu parecer pela denegação da ordem (id. 31): “a ação penal deve seguir conforme o iter processual estabelecido, com o paciente figurando no polo passivo da demanda, sendo, por ora, prematura a concessão da ordem ora requerida, pois não há evidências de ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, atipicidade da conduta ou existência de alguma causa de extinção da punibilidade. Válido destacar que o paciente Ronaldo possui vinte e quatro anotações criminais em sua FAC (doc. 786 – processo de origem) e se encontra foragido, o que levou, inclusive, o juízo a indeferir o pedido de revogação da prisão preventiva no dia 03/02/2025”.
Ademais, não podem ser admitidas, a priori, discussões fundadas na ausência de justa causa para a ação penal, porquanto tais esclarecimentos demandam apreciação detalhada dos elementos de convicção constantes do processo, providência manifestamente incompatível com o rito da presente ação constitucional, conforme vem decidindo o Tribunal da Cidadania, in verbis:
[...]
Conclui-se, portanto, que, para o recebimento da peça acusatória, não se exige prova cabal de todas as afirmações de fato e de direito feitas na denúncia, pois é suficiente a sua verossimilhança, desde que satisfatoriamente assentada no acervo de elementos cognitivos que subsidiam a acusação, como na espécie.
O trancamento da persecução penal, embora cabível em sede de “habeas corpus”, reveste-se de caráter excepcionalíssimo, sendo deferido somente nas hipóteses em que são demonstrados de plano a atipicidade inconteste da conduta, a extinção da punibilidade, a negativa expressa da autoria ou a ausência de justa causa, o que, em análise perfunctória, não se constata.
[...]
Deve ser anotado, ainda, que os elementos probatórios coligidos, ainda em sede policial, apontam para a efetiva atuação do paciente nos delitos em apuração, na medida em que foi identificado como um dos autores mediatos com o poder de decisão de quem morre ou vive, integrando o conselho do chamado Tribunal do Tráfico de Drogas instalado no Complexo da Penha, motivo pelo qual existem indícios suficientes de autoria a justificar o decreto de prisão em desfavor do acusado.
Pontua-se que, de acordo com o inquérito policial, “DOCA, PITBULL, PEDRO BALA e GADERNAL não são apenas líderes e integrantes do conselho do tribunal do tráfico do Comando Vermelho, mas sim os verdadeiros mentores da expansão que visa dominar todo território do Rio de Janeiro. As ações de DOCA, também conhecido como URSO, deu origem à conhecida TROPA DO URSO, ou seja, grupos de Traficantes responsáveis pela linha de frente das guerras para tomada de territórios e são esses que decidem, financiam e planejam tudo que for referente ao Comando vermelho quando a decisão fica a cargo do complexo da Penha” (id. 156 dos autos originários). [...]
Conforme se constata, encontra-se devidamente motivada a determinação de prosseguimento da ação penal.
Com efeito, não se verifica plausibilidade nas alegações defensivas pautadas na ausência de demonstração mínima da materialidade e dos indícios de autoria delitiva no feito de origem. Isso porque, conforme se depreende do acórdão impugnado, há sim elementos de informação e provas suficientes para se extrair a justa causa indispensável à instauração da ação penal e seu processamento.
A propósito, o seguinte trecho do parecer do MPF (fl. 485):
9. No caso em tela, a denúncia narra que o paciente, Ronaldo dos Santos Vitoriano, alcunha 'PITBULL', é apontado como um dos autores mediatos com poder de decisão no denominado 'Tribunal do Tráfico de Drogas' instalado no Complexo da Penha. A acusação detalha o sequestro da vítima PAULO VITOR ALVES DE SOUSA e sua subsequente execução e ocultação de cadáver, em um contexto de disputa entre facções rivais (Comando Vermelho e Terceiro Comando Puro).
10. Além disso, o termo de declaração da testemunha [...] menciona que a vítima foi levada para o Complexo da Penha onde 'os lideres da comunidade da Penha DOCA, PITBULL, PEDRO BALA e GADERNAL autorizariam a morte ou não do menor PAULO'. A declaração de VANESSA PRINCE FERREIRA, utilizada como prova emprestada, corrobora a existência de um “Tribunal do Tráfico” e a necessidade de aval dos chefes, mencionando a expressão 'Pitbull da PENHA picotou' em um áudio vazado. Esses elementos, ainda que contestados pela defesa como "ouvir dizer", são considerados suficientes para a fase de recebimento da denúncia.
Assim, o acolhimento das teses suscitadas pela defesa, voltadas ao trancamento da ação penal, demandaria amplo revolvimento de matéria fático-probatória, o que não se compatibiliza com a estreita via cognitiva do habeas corpus.
Nesse sentido:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ART. 70 DO CÓDIGO BRASILEIRO DE TELECOMUNICAÇÕES. RÁDIO TRANSCEPTOR. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRETENSÃO DEFENSIVA RECHAÇADA. ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO DA CORTE ORIGINÁRIA A DEMANDAR REEXAME DE PROVAS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos.
II - O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam absolvição ou desclassificação de condutas imputadas, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita. Precedentes.
III - A Corte originária assentou a materialidade e autoria delitiva, uma vez que o conjunto fático-probatório dos demonstra que "a prova pericial produzida na ação penal revelou que o rádio é apto a causar interferências em canais de telecomunicação e o aparelho não ostentava certificação da Anatel". Desta feita, o acolhimento da pretensão defensiva, segundo as alegações vertidas na exordial, demanda reexame de provas, medida interditada na via estreita do habeas corpus.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 900.573/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 24/5/2024, grifo próprio.)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ABSOLVIÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFOCÂNCIA.
1. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita.
2. O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que não se aplica o princípio da insignificância ao delito de furto, quando, apesar do pequeno valor da res furtiva, as condições pessoais e as circunstâncias do caso concreto se mostram desfavoráveis. De fato, a prática de furto majorado e a recidiva específica do agente, além do fato dele responder a outro processo-crime pela prática de crime contra o patrimônio, indicativos da habitualidade delitiva, inviabilizam a incidência do princípio da insignificância. Precedentes.
3. A jurisprudência desta Corte Superior reconhece que o princípio da insignificância não tem aplicabilidade nos casos em que o furto é cometido durante o repouso noturno e, ainda, quando o agente é reincidente na prática delitiva, salvo, excepcionalmente, quando as instâncias ordinárias entenderem ser tal medida recomendável diante de circunstâncias concretas, o que não ocorre no caso dos autos.
4. O simples fato de o bem haver sido restituído à vítima, não constitui, por si só, razão suficiente para a aplicação do princípio da insignificância.
5. Agravo desprovido.
(AgRg no HC n. 873.940/ES, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 7/3/2024, grifo próprio.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E POSSE DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. INSURGÊNCIA CONTRA ACÓRDÃO TRANSITADO EM JULGADO. MANEJO DO HABEAS CORPUS COMO REVISÃO CRIMINAL. DESCABIMENTO. ART. 105, INCISO I, ALÍNEA E, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Não deve ser conhecido o writ que se volta contra sentença condenatória já transitada em julgado, manejado como substitutivo de revisão criminal, em hipótese na qual não houve inauguração da competência desta Corte. Nos termos do art. 105, inciso I, alínea "e", da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça, originariamente, "as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados". Precedentes da Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça.
2. Não há flagrante ilegalidade a ser sanada de ofício, pois, no caso, as instâncias ordinárias, soberanas na análise de provas, concluíram pela existência de elementos coerentes e válidos a ensejar a condenação da Agravante pelo delito de associação para o tráfico ilícito de drogas, ressaltando a existência do vínculo associativo, estabilidade e permanência da associação, a qual se utilizava de um mercado de fachada como ponto de tráfico e contava com divisão de tarefas. Assim, para se acolher a pretendida absolvição da Acusada, seria necessário reapreciar todo o conjunto fático-probatório dos autos, o que se mostra incabível na via do habeas corpus.
3. Tendo sido apreendida quantidade não inexpressiva de munições, intactas, em contexto de tráfico de drogas, fica evidenciada a periculosidade social da ação, o que afasta a pleiteada aplicação do princípio da insignificância à espécie.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 821.088/RS, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 28/8/2023, DJe de 30/8/2023, grifo próprio.)
Na mesma direção: AgRg no HC n. 823.071/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, DJe de 3/7/2024; AgRg no HC n. 897.508/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 3/5/2024; AgRg no HC n. 911.682/PA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 3/7/2024; e AgRg no HC n. 860.809/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato –Desembargador convocado do TJDFT, Sexta Turma, DJe de 22/5/2024.
Acrescente-se, por fim, que a revisão das premissas fáticas consideradas pelas instâncias antecedentes na formulação do juízo de admissibilidade da acusação demandaria reexame probatório incompatível com a estreita via cognitiva do habeas corpus.
Por fim, a leitura do acórdão recorrido revela que a custódia cautelar está suficientemente fundamentada na necessidade de garantir a ordem pública, em razão do risco concreto de reiteração delitiva, pois, segundo consignado pelo Tribunal de origem, o paciente possui "24 anotações envolvendo crimes de tráfico de entorpecentes e homicídio, havendo condenação com trânsito em julgado pela prática do delito de tráfico de entorpecentes" (fl. 103).
Tal entendimento está alinhado com a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a periculosidade do acusado, evidenciada pela reiteração de condutas delitivas, constitui fundamento idôneo para a decretação da prisão cautelar, visando à garantia da ordem pública, como ocorre no caso em questão. Nesse sentido: AgRg no HC n. 837.919/TO, relator Ministro Jesuíno Rissato – Desembargador convocado do TJDFT, Sexta Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 18/4/2024; e AgRg no HC n. 856.044/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/4/2024, DJe de 18/4/2024.
Nesse contexto, esta Corte Superior de Justiça tem, reiteradamente, decidido, por ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção, que "maus antecedentes, reincidência, atos infracionais pretéritos ou até mesmo outras ações penais em curso justificam a imposição de segregação cautelar como forma de evitar a reiteração delitiva e, assim, garantir a ordem pública" (AgRg no HC n. 813.662/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 16/8/2023).
Além disso, o Tribunal de origem consignou que o paciente "está foragido, havendo seis mandados de prisão pendentes de cumprimento, conforme consulta ao BNMP, o que demonstra sua intenção de se eximir à aplicação da lei penal" (fl. 104).
Sobre o assunto, verifica-se que a jurisprudência desta Corte Superior sedimentou-se no sentido de que "a fuga do distrito da culpa é fundamento válido à segregação cautelar, forte da asseguração da aplicação da lei penal" (AgRg no HC n. 568.658/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 13/8/2020).
No mesmo sentido: AgRg no HC n. 914.649/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe de 15/8/2024; AgRg no HC n. 803.266/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, DJe de 16/8/2024; e AgRg no HC n. 900.591/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 3/7/2024.
Diante de tais considerações, portanto, não se constata a existência de nenhum flagrante ilegalidade passível de ser sanada pela concessão da ordem, ainda que de ofício.
Ante o exposto, com fundamento no art. 210 do RISTJ, não conheço do habeas corpus.
Cientifique-se o Ministério Público Federal.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
OG FERNANDES
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