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1. Juízo Federal Da 12a Var…
Envolvido
1. JUÍZO FEDERAL DA 12A VARA DE EXECUÇÃO FISCAL DE GOIÂNIA - SJ/GO (SUSCITANTE) consta em registros encontrados pelo Causa Na Justiça.
ID: 324906089
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PÚBLICO
Classe: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0014046-71.2013.8.13.0528
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Advogados:
ARY ANTONIO MAGRI
OAB/MG XXXXXX
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CESAR MENEZES DOS ANJOS
OAB/MG XXXXXX
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ROGERIO MARCIO DIAS MONTEIRO
OAB/MG XXXXXX
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RODRIGO RIBEIRO PEREIRA
OAB/MG XXXXXX
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AREsp 2674023/MG (2024/0225767-8)
RELATOR
:
MINISTRO PAULO SÉRGIO DOMINGUES
AGRAVANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
AGRAVADO
:
LUIZ ROBERTO SANTOS VILELA
ADVOGADOS
:
RODRIGO RIBEIRO …
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1. Eduardo Carneiro De Brito (Recorrente) x 2. Ministério Público Federal (Recorrido)
ID: 338727330
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PÚBLICO
Classe: RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0813540-80.2019.4.05.8200
Data de Disponibilização:
30/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
IARLEY JOSE DUTRA MAIA
OAB/PB XXXXXX
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REsp 2198435/PB (2025/0056410-5)
RELATOR
:
MINISTRO GURGEL DE FARIA
RECORRENTE
:
EDUARDO CARNEIRO DE BRITO
ADVOGADO
:
IARLEY JOSE DUTRA MAIA - PB019990
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESS…
REsp 2198435/PB (2025/0056410-5)
RELATOR
:
MINISTRO GURGEL DE FARIA
RECORRENTE
:
EDUARDO CARNEIRO DE BRITO
ADVOGADO
:
IARLEY JOSE DUTRA MAIA - PB019990
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO
:
PAULO TAVARES DA SILVA
INTERESSADO
:
FABRICIO SANTOS DE SALES
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por EDUARDO CARNEIRO DE BRITO, com arrimo no permissivo constitucional, contra acórdão do TRF-5ª assim ementado (e-STJ fls. 1.810/1.817):
PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AJUIZAMENTO ANTERIOR À LEI Nº 14.230/2021. ADITAMENTO DA PETIÇÃO INICIAL À LUZ DA NOVEL LEI. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA SURPRESA. PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO NÃO MACULADOS. CONVÊNIO ENTRE MUNICÍPIO E MINISTÉRIO DO TURISMO. REPASSE DE VERBAS PÚBLICAS FEDERAIS PARA O "SÃO JOÃO". CONTRATAÇÃO DE BANDAS DE FORRÓ PARA AS FESTIVIDADES JUNINAS DA MUNICIPALIDADE. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. ART. 25, III, DA LEI Nº 8.666/1993. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE "EMPRESÁRIO EXCLUSIVO". ART. 11, V, DA LIA, COM A REDAÇÃO DA LEI Nº 14.230/2021. CONTINUIDADE TÍPICO-NORMATIVA. SUPERFATURAMENTO. DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS. DOLO ESPECÍFICO. PROVA SUFICIENTE. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA PENAL POR FALTA DE PROVAS. NÃO REPERCUSSÃO NA ACPIA. DOSIMETRIA DA SANÇÃO.
1. Apelação interposta pelo MPF, em face da sentença exarada pelo Juízo Federal da 2ª Vara/PB, que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus (E.C.B., ex-Prefeito do Município de Mamanguape/PB; F.S.S., ex-Secretário Municipal de Administração; e P.T.S., representante da empresa Nefertiti Produções, Sonorizações e Iluminações Ltda) da ACPIA.
2. No curso desta ação (ajuizada em 27/09/2019), o regramento das sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa sofreu modificações. Com efeito, a Lei nº 14.230, de 25/10/2021, promoveu alterações substanciais na Lei nº 8.429/1992.
3. Essas significativas modificações vêm sendo objeto de ações para o controle de sua constitucionalidade, notadamente em razão do grande impacto que tiveram para um evoluído sistema de combate à corrupção e à malversação de recursos públicos, de proteção do patrimônio público e de responsabilização dos infratores, que foi inaugurado com a CF/1988 e afinado com o advento da Lei n. 8.429/1992 (cf. STF, Pleno, ARE n. 843.989, julgado em 18/08/2022, Tema 1.199 de Repercussão Geral; ADIs n. 7.042/DF e 7.043/DF, julgadas em 31/08/2022; ADI 7.236, decisão monocrática lavrada em 27/12/2022, todos sob a Relatoria do Ministro Alexandre de Moraes).
4. Subsidiada com as informações reunidas no Inquérito Policial n. 0000012-80.2017.4.05.8200, esta ACPIA foi ajuizada pelo MPF, com vistas à responsabilização do ex-Prefeito e do ex-Secretário de Administração do Município de Mamanguape/PB, pela utilização indevida de recursos públicos federais, objeto do Convênio nº 703807/2009, firmado entre o Ministério do Turismo e a Edilidade, para a realização dos festejos juninos de 2009, assim como do representante da pessoa jurídica que restou beneficiada com a contratação irregular respectiva, efetivada mediante a Inexigibilidade de Licitação nº 016/2009, fundada no art. 25, III, da Lei n. 8.666/1993.
5. O autor alegou que:
5.1. embora o procedimento de inexigibilidade de licitação tenha sido formalmente justificado pelo Secretário Municipal e ratificado pelo Prefeito, a empresa contratada através dele "não era a empresária exclusiva das bandas contratadas, sendo mera intermediária, viabilizando a prática de atos ilícitos, como a contratação direta indevida, o superfaturamento e o desvio de recursos públicos para terceiros [...]", além do que, segundo relatório da CGU, de análise do material apreendido na operação policial, em nenhum momento ficou evidenciado se tratar de artistas consagrados, não tendo sido atendidas as condições fixadas no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993;
5.2. houve superfaturamento (contratada a sua participação por R$25.000,00, a artista L.M., ouvida pela autoridade policial, disse que o valor real por ela cobrado, na época dos festejos juninos de 2009, variava de R$12.000,00 a R$15.000,00; contratada a participação da Banda Brilho da Paixão por R$35.000,00, o seu representante afirmou à autoridade policial que os valores por ela praticados, naquele mesmo período, variavam de R$10.000,00 a R$15.000,00);
5.3. quando do pagamento à pessoa jurídica contratada, o seu representante, que era também o empresário de uma das bandas (Pimenta de Cheiro), recebeu em sua conta bancária pessoal R$33.000,00 (ao invés de R$25.000,00) e sacou, na qualidade de portador do cheque emitido (nº 850024), R$90.400,00. Segundo narrado na petição inicial, em seu depoimento perante a autoridade policial, o empresário afirmou, em relação aos R$33.000,00, que a diferença de R$8.000,00 se destinava ao pagamento de artistas ou bandas pequenas que se apresentavam nos intervalos entre as atrações principais e que não tinham registros empresariais ou CNPJ que permitissem a percepção direta dos valores, bem como que esse valor teria sido entregue a M.F.A., proprietária da pessoa jurídica contratada. Ocorre que, de acordo com o Parquet, a referida senhora disse à autoridade policial nunca ter recebido esse importe, pois todos os pagamentos de artistas ficavam a cargo do representante, que não apresentou documentos comprobatórios da contratação desses artistas e bandas menores, também a Prefeitura não tendo colacionado provas, quando da prestação de contas. Acerca do pagamento, o autor acrescentou que, do referido cheque nº 850024, houve, ainda, a transferência de R$11.000,00 para a empresa NP Sonorização Ltda, de R$25.000,00, para J.M.C.N. (vinculado à empresa PB Som e Sonorização, Palco e Iluminação) - identificando-se, por isso, subcontratação de serviços não previstos no contrato administrativo originário, que se destinava apenas à contratação de bandas de forró para a animação dos festejos juninos -, e de R$7.000,00, em favor de I.P.N., que é esposa de J.M.C.N. e filha da Prefeita atual do Município, tratando-se todas essas situações de desvio de recursos públicos.
6. O autor atribuiu aos réus, especificamente, as seguintes condutas: a) ex-Prefeito: "responsável por ratificar, homologar e adjudicar uma contratação direta para viabilizar o posterior desvio e apropriação dos recursos públicos"; b) ex-Secretário Municipal: "responsável por justificar a contratação direta por meio de inexigibilidade de licitação, além de ter sido o responsável por efetuar o pagamento por meio do cheque"; c) particular: "por haver transferido e sacado os valores pagos pela prefeitura, apropriando-se deles e/ou desviando-os para finalidades diversas". Subsumiu os fatos narrados às condutas típicas inscritas nos arts. 9º, caput, 10, VIII, e 11, caput, da LIA.
7. Posteriormente, intimado para "falar sobre os efeitos da Lei nº 14.230/2021 em relação ao objeto desta demanda, especialmente sobre a alteração do tipo em que enquadrada a conduta e sobre o elemento subjetivo respectivo", o autor se manifestou pela "não aplicação retroativa das alterações promovidas pela Lei nº 8.429/92 e pela continuidade do processamento da demanda, uma vez que os fatos descritos na inicial revelam a prática de condutas ímprobas previstas no art. 10, incisos II e VIII, da Lei nº 8.429/92 e, subsidiariamente, a inexigibilidade de licitação poderá configurar a hipótese do art. 11, inciso V, da Lei nº 8.429/92". E relação a esse último dispositivo, asseverou que "[...] todos os elementos da nova hipótese legal supracitada (que anteriormente à Lei nº 14.230/2021 já era punível como ato lesivo ao erário por ser a fraude licitatória causadora de um dano in re ipsa) estão presentes, na medida em que a realização do procedimento de inexigibilidade configurou ofensa à imparcialidade por ter sido o ato praticado com o objetivo de beneficiar a empresa [...]". Argumentou, ainda, que, a despeito da regra do art. 17, § 10-D, da LIA, com a redação da Lei nº 14.230/2021, o preceito precisa ser interpretado em consonância com a possibilidade de formulação de pedido subsidiário (art. 326 do CPC/2015).
8. O juízo sentenciante: a) sobre a petição do MPF, referente às alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, entendeu que, tratando-se de aditamento da petição inicial, após as notificações prévias dos réus, não havendo consentimento desses quanto ao acréscimo, ele não poderia ser admitido, determinando, então, o prosseguimento com as imputações originais (arts. 9º, caput, 10, VIII, e 11, caput, da LIA); b) quanto à parte do pedido fundada nos arts. 9º e 10, compreendeu que a devolução integral dos recursos ao Erário federal pela Edilidade, no âmbito da prestação de contas, afastou a tipicidade, por inocorrência de dano; c) no que respeita à conduta do art. 11, caput, destacou não ser mais possível a condenação sem a vinculação a uma das hipóteses constantes dos incisos do dispositivo, o que não foi realizado pelo autor, inclusive porque a petição inicial é anterior à Lei n. 14.230/2021, que impôs esse atrelamento.
9. Merece reforma a sentença, na parte em que não admitiu o requerimento apresentado pelo MPF, ao ser intimado para falar acerca do impacto causado à demanda pela novel Lei n. 14.230/2021.
10. O julgador a quo tratou-o como um aditamento ordinário da petição inicial e, considerando que ele se efetivou após as notificações prévias dos demandados, previstas na LIA, anteriormente às alterações promovidas pela Lei n. 14.230/2021 (que suprimiu essa fase do procedimento) e diante da falta de consentimento dos réus (art. 329, I, do CPC/2015), entendeu não ser legitimamente possível a alteração do pedido do autor.
11. Ocorre que o aditamento referido não tem a feição comum com a qual foi tratado pelo juízo de primeiro grau. Em verdade, cuidou-se de providência que, obrigatoriamente, teria que ser oportunizada ao autor da ACPIA, já que ele foi surpreendido, no curso da lide, com a edição de lei que implementou profundas mudanças no regramento das ações de responsabilização por atos de improbidade administrativa.
12. Ademais, acatar o requerimento ministerial não gera, no caso, violação ao princípio do devido processual legal - sobretudo aos seus consectários, princípios da ampla defesa e do contraditório -, haja vista que os réus apenas foram citados, após a manifestação do MPF acerca do impacto da Lei nº 14.230/2021.
13. Por conseguinte, a ACPIA deve ser julgada em atenção à capitulação apresentada pelo Parquet, em virtude dos efeitos da Lei n. 14.230/2021, mormente diante do art. 17, § 10-F, da LIA, com a redação da Lei n. 14.230/2021, segundo o qual será nula a sentença que condenar o demandado por tipo diverso daquele definido na petição inicial.
14. Quanto à parte do pedido embasada no art. 10, II e VIII, da LIA, esse último inciso com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, não há como condenar os réus, in casu, pela simples razão de que os valores objeto do convênio em tela foram integralmente devolvidos aos cofres públicos federais.
15. Com efeito, reprovada a prestação de contas do convênio, no âmbito do Ministério do Turismo, quanto à análise de execução financeira, com a glosa do valor integral repassado ao Município, a Edilidade firmou termo de parcelamento de débito e quitou, a título de principal, multa e demais acessórios, o valor de R$414.145,39, que foram devolvidos aos cofres públicos federais.
16. Por conseguinte, em relação ao Erário federal, não há como se reconhecer perda patrimonial efetiva, para fins de enquadramento das condutas narradas na moldura típica dos dispositivos antes mencionados. No entanto, por outro lado, diante do dano ao Erário municipal, impõe-se oficiar ao Ministério Público do Estado da Paraíba, para a adoção das devidas providências.
17. Examinando o AREsp nº 1.206.630/SP (Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues), a Primeira Turma do STJ, em 27/02/2024, sufragou a seguinte compreensão: "Abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios administrativos prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) pela Lei 14.230/2021. Desinfluência quando, entre os novéis incisos inseridos pela lei 14.230/2021, remanescer típica a conduta considerada no acórdão como violadora dos princípios da moralidade e da impessoalidade, evidenciando verdadeira continuidade típico-normativa, instituto próprio do direito penal, mas em tudo aplicável à ação de improbidade administrativa". Esse entendimento aqui se aplica.
18. Conquanto não seja mais possível a condenação por improbidade administrativa com base, em termos genéricos, no caput do art. 11 da LIA, a conduta narrada pelo Parquet como ímproba encontra, na hipótese, em tese, enquadramento no inciso V do art. 11, na sua nova redação.
19. A responsabilização, com fundamento no art. 11, V, da LIA, independe do reconhecimento da produção de danos ao Erário (§ 4º do art. 11). Logo, é desimportante, para essa subsunção, que tenha havido a devolução dos valores aos cofres públicos federais.
20. O tipo é: "frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros". Frustrar significa obstaculizar, inviabilizar. Já a imparcialidade "é princípio e noção basilar na gestão pública" (STJ, AgInt no AREsp n. 1.745.179/PE, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 27/09/2021), segundo a qual não é dado ao agente público adotar comportamento com o propósito de se beneficiar ou privilegiar terceiro, em detrimento da comunidade. No âmbito da licitação, para que seja salvaguardada a imparcialidade, o gestor público não pode escolher livremente quais serão os fornecedores da Administração Pública. Por caráter concorrencial de procedimento licitatório, entenda-se a competição, que assegure igualdade a todos os concorrentes.
21. Quando o administrador público enquadra como dispensa ou inexigibilidade de licitação, situação na qual seria plenamente possível a disputa entre os interessados em participar da Administração Pública, como fornecedores de bens ou serviços, está agindo de modo a obstar o caráter concorrencial da licitação.
22. O art. 25, III, da Lei nº 8.429/1992, vigente à época dos fatos, dispunha ser inexigível a licitação, quando houvesse inviabilidade de competição, especialmente, "para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública".
23. A inexigibilidade da licitação não eximia o gestor de autuar procedimento administrativo, submetido a algumas formalidades específicas. Para que aquela hipótese de inexigibilidade se materializasse, determinava a lei que o profissional do setor artístico tinha que ser consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública e que a contratação tinha que ocorrer diretamente com o artista ou através de empresário exclusivo.
24. Acerca da condição de "empresário exclusivo", através do Acórdão nº 96/2008 (ou seja, anteriormente aos fatos narrados, que remontam a 2009), o Plenário do TCU já havia definido: "9.5. determinar ao Ministério do Turismo que, em seus manuais de prestação de contas de convênios e nos termos dessas avenças, informe que:/9.5.1. quando da contratação de artistas consagrados, enquadrados na hipótese de inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei nº 8.666/1992, por meio de intermediários ou representantes:/9.5.1.1. deve ser apresentada cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório. Deve ser ressaltado que o contrato de exclusividade difere da autorização que confere exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento; [...]".
25. Tratando-se de recursos públicos federais, disponibilizados ao Município pelo Ministério do Turismo, são as orientações do TCU que a Edilidade deve observar. Por conseguinte, não tem sustentação a afirmação de que havia diretrizes diferentes por parte do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba.
26. Ainda que assim não fosse, da leitura da Resolução Normativa RN-TC nº 03/2009, do TCE não se extrai interpretação diversa da adotada pelo TCU, na consideração do que se entende por "empresário exclusivo". Sublinhe-se que, além de não ter sido apresentado documento comprobatório da redação original do inciso VII, da Resolução Normativa mencionada (anterior à RN-TC nº 05/2012), o § 2º do art. 1º e o art. 8º do ato normativo referido dispunham, respectivamente: "As contratações de que trata o parágrafo anterior podem ser realizadas mediante dispensa ou inexigibilidade de licitação apenas nas hipóteses e condições descritas na Lei nº 8.666/93" e "O vínculo de exclusividade a que se refere o art. 6º deverá ser devidamente comprovado mediante carta de exclusividade ou contrato, assinados por quem detenha condição para representar a banda, grupo musical ou profissional do setor artístico, conforme indicação em contrato social ou estatuto registrados nos órgãos competentes".
27. Mais que isso, o convênio subscrito entre o Ministério do Turismo e a Municipalidade previa expressamente, na Cláusula Terceira ("Das obrigações dos partícipes"), inciso II ("Compete à convenente"), alínea ll: "apresentar na prestação de contas, quando a contratação de artistas, consagrados, enquadrados na hipótese de inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, atualizada, por meio de intermediários ou representantes, cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório, sob pena de glosa dos valores envolvidos. Ressalta-se que o contrato de exclusividade difere da autorização que confere exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento, conforme dispõe o Acórdão nº 96/2009 - Plenário do TCU". Ou seja, no caso, houve violação expressa da regra do convênio.
28. A toda evidência, os documentos apresentados pelos réus, para fins de comprovação de se tratar de "empresário exclusivo", demonstram exatamente o contrário, ou seja, que a pessoa jurídica contratada, cujo representante é réu nesta ACPIA, não empresariava, com exclusividade, as bandas escolhidas, tratando-se apenas de um simples intermediário.
29. Nas "cartas de exclusividade", apenas se nomeava a empresa Nefertiti, como "representante exclusivo" do "representante artístico" das bandas, em relação à única apresentação a ser realizada por ela em junho de 2009, no Município de Mamanguape/PB, por ocasião dos festejos juninos. Os "contratos de cessão de direitos e obrigações" juntados também provam isso, porque neles consta, expressamente, ser a "parte cedente" a "detentora da exclusividade de representação contratual da Banda [...]", apenas se "transferindo" com o documento "o direito de Representante Exclusivo [...] para apresentação artística na cidade de Mamanguape/PB, no dia [...] nas Festividades Juninas do município". Nitidamente, esses documentos ("cartas de exclusividade" e "contratos de cessão de direitos e obrigações"), ao fazerem convergir poderes de "representação" das bandas escolhidas pela Administração Pública, foram artifícios empregados para tornar uma única empresa apta a disponibilizar o serviço, sem outros competidores possíveis. Forçou-se, assim, a hipótese de inexigibilidade de licitação, frustrando-se a competição.
30. Porque a inexigibilidade de licitação foi ilegal (além de terem sido verificadas outras irregularidades), a execução do convênio foi reprovada, na prestação de contas junto ao Ministério do Turismo.
31. Essa conduta teve consequências que foram além da ilegalidade ínsita à deformação do procedimento de inexigibilidade. Segundo se vê dos documentos reunidos, esse modus operandi possibilitou a prática de preços incompatíveis com os do mercado e o desvio de recursos públicos, mediante efetivação de pagamentos a pessoas sem vínculo com a Administração Pública, algumas delas por supostos serviços diversos dos artísticos (iluminação e sonorização). A propósito, porque invocada pelos réus, a Resolução Normativa RN-TC nº 03/2009, do TCE/PB, dispõe que "[a] contratação de bandas, grupos musicais, profissionais ou empresas do setor artístico, por órgãos ou entidades públicas, sujeita-se a Procedimento Licitatório, Dispensa ou Inexigibilidade de Licitação, nos termos da Lei nº 8.666/93, observado, ainda, os procedimentos constantes desta Resolução" (art. 1º, caput); e que "§ 1º Em qualquer hipótese, serão realizadas em procedimento licitatório distinto as contratações:/I - Dos serviços de iluminação, sonorização e manutenção de palco, exceto quando a estrutura for parte integrante do espetáculo, hipótese em que as despesas terão necessariamente o mesmo credor e comporão o cachê da atração contratada".
32. Analisando a documentação reunida pela Polícia Civil, em razão de operação policial, no que diz respeito à Inexigibilidade de Licitação nº 016/2009, a CGU apurou: "[...] A análise desta motivação [da Administração Pública] é suficiente para evidenciar o descaso da Administração da Prefeitura de Mamanguape para com o cidadão e para com o dever de prestar contas inerentes à atividade pública. Expediu, em 01/06/2009, e assinou tal 'documento' o Secretário de Administração Sr. F.S.S. [...]/O mesmo Secretário de Administração informa que efetuou consultas a '[...] outras entidades públicas, setoriais e de classes, bem como os preços praticados no mercado para atividades similares [...]', tendo estabelecido o valor de R$180.000,00 como preço de referência. Não há comprovação de realização das pesquisas de preços./É apresentada a proposta da empresa Nerfetiti [...] A admissibilidade para a não exigência da licitação é dada quando todas as contratações, todas as atividades a serem desenvolvidas por determinado profissional do setor artístico, só possam ser contratadas por meio daquele seu 'empresário exclusivo', aquele que é, em suma, responsável por sua trajetória artística./Conforme se verifica das 'Cartas de Exclusividade' apensadas à Inexigibilidade analisada, a empresa Nefertiti não é a empresária dos grupos artísticos, é, meramente, a responsável pela negociação, junto à Prefeitura de Mamanguape, para aquele exato e exclusivo evento./Assim, o que se tem é a intermedição da apresentação e não a exclusividade de gerenciamento que, salvo melhor juízo, é o objetivo da Lei nº 8.666/93. Vale observar, também, que diversas atrações propostas concedem 'exclusividade' e 'cessão de direitos' a empresas diferentes, para representá-las junto à mesma Prefeitura em eventos específicos./Dessa forma, a contratação, por Inexigibilidade de Licitação, foge à liberalidade concedida pela Lei, devendo ser considerada ilegal./Resta, ainda, como agravante da ilegitimidade da inexigibilidade realizada - nesta e nas demais - o fato de que em nenhum momento fica evidenciada a consagração dos profissionais artistas que a Administração pretende contratar. Para atendimento ao que exige o Inciso III, do Art. 25, da Lei nº 8.666/93, é imperioso ficar demonstrado nos autos que aquela atração é consagrada, quer pela crítica especializada quer pela opinião pública. E isso necessariamente deve estar documentado, evidenciado, comprovado./A montagem do processo, para esta contratação, fica evidenciada quando se observa que os Contratos de Prestação de Serviços celebrados pela empresa Nefertiti com as atrações que a Prefeitura pretendia contratar datam de 20/05/09, e já indicavam o local, o dia e o horário em que se dariam as apresentações. Lembramos que o pedido de contratação só foi expedido em 01/06/09. [...] Entre os documentos apreendidos e analisados neste item não se encontra a comprovação de que a Prefeitura de Mamanguape tenha dado a requerida publicidade ao contrato celebrado com a empresa Nefertiti [...]".
33. Sobre o superfaturamento, observa-se que a proposta aceita e paga pela Administração Pública, apresentada pela empresa Nefertiti, indicava os seguintes valores: a) Banda Moleca 100 Vergonha - R$75.000,00; b) Luciene Melo - R$25.000,00; c) Pimenta de Cheiro - R$25.000,00; d) Brilho da Paixão - R$35.000,00; e e) Teteu do Forró - R$20.000,00.
34. Ocorre que, nas declarações que prestou à Polícia Federal, o empresário C.A.F.S. informou que o show da banda "Brilho da Paixão" girava em torno de R$10.000,00 a R$15.000,00 em épocas festivas. Outrossim, as declarações prestadas pela artista L.M. à Polícia Federal são especialmente contundentes: "QUE reconhece como sua a assinatura aposta na carta de exclusividade que transferiu poderes para a empresa Nefertiti (apenso II); QUE não conhece nem nunca manteve contato com ninguém da empresa Nefertiti; QUE a Prefeitura mandava os dados da empresa intermediária e a produção da banda da declarante elabora a carta de exclusividade; QUE se recorda que quem vendia os shows da Prefeitura de Mamanguape era 'Marcão'; QUE se recorda que seu show, por volta do ano de 2009, em época de São João,, custava entre R$12.000,00 a R$15.000,00; QUE o montante total da contratação era pago pela Prefeutura à empresa, cabendo a esta pagar o cachê da declarante; QUE o valor de R$25.000,00 que foi pago pela Prefeitura à Nefertiti é um valor extremamente elevado; QUE na opinião da declarante houve superfaturamento [...]".
35. O réu E.C.B., ex-Prefeito do Município de Mamanguape/PB, aprovou e ratificou a inexigibilidade de licitação e adjudicou o seu objeto à empresa Nefertiti. Além disso, determinou a efetivação do pagamento e subscreveu a prestação de contas do convênio.
36. O réu F.S.S., ex-Secretário Municipal de Administração subscreveu a motivação acerca das razões da escolha do fornecedor do serviço e a justificativa do preço. Nesse ponto, convém destacar que, tanto houve direcionamento ilícito do procedimento, com vistas à contratação da empresa Nefertiti, que, ao tratar das razões da escolha do fornecer, o agente público sequer mencionou as bandas que iriam se apresentar, limitando-se a falar da mera intermediária, pela "ótima qualidade e preços dos seus produtos ofertados e/ou serviços prestados, já comprovados anteriormente, justificando, sesta forma, a sua escolha". Ou seja, o agente público passou ao largo da consagração que deveria guiar a escolha das atrações artísticas. Ademais, embora o ex-Secretário tenha referido a existência de pesquisa de preço, não consta dos autos qualquer documento que corrobore essa afirmação.
37. O réu P.T.S., representante da empresa Nefertiti Produções, Sonorizações e Iluminações Ltda recebeu os R$180.000,00 contratados (R$171.000,00 líquidos, após a dedução de ISS), segundo recibo nos autos, no qual consta a determinação de "pague-se" subscrita pelo ex-Prefeito, e a nota fiscal anexada. O pagamento ocorreu através do cheque nº 850024, cuja cópia também repousa nos autos.
38. Sacado o cheque, o particular demandado passou a transferir o dinheiro recebido, consoante se verificou em virtude de quebra de sigilo bancário, sendo beneficiários de depósitos por ele efetuados: a) o próprio réu (R$33.000,00); b) a empresa N P Sonorização Ltda (R$11.000,00); c) J.M.C.N. (R$25.000,00); e d) I.R.P.N. (R$7.000,00).
39. Quanto ao depósito feito a si mesmo, considerando que o réu era o empresário de uma das bandas definidas ao preço de R$25.000,00 (Pimenta de Cheiro), restou a descoberto, ou seja, sem justificativa, a percepção de uma diferença de R$8.000,00. Ouvido pela autoridade policial, o aludido réu afirmou que os R$8.000,00 se destinaram ao pagamento de artistas menores, sem registro empresarial ou CNPJ, que se apresentaram nos intervalos das atrações principais, e que o dinheiro foi entregue à dona da empresa Nefertiti, M.F.A.. Ocorre que, ouvida na Polícia Federal, M.F.A. informou que: a) passou procuração a P.T.S., para que ele ficasse responsável pelas contratações de artistas (a procuração está nos autos); b) não recebeu os R$8.000,00, pois todos os pagamentos de artistas cabiam ao outorgado; c) os R$25.000,00 pagos a J.M.C.N., destinou-se à compra de material de iluminação, palco e estrutura; d) desconhece a razão de I.R.P.N. ter recebido R$7.000,00 e o destino dado por P.T.S. aos R$90.400,00 por ele sacados.
40. No que toca aos demais beneficiados com o dinheiro público, é de se reconhecer que não tinham vínculo formalizado com a Administração Pública, em relação aos shows contratados, transparecendo tratar-se de subcontratações, sem amparo legal ou contratual e em violação à Resolução Normativa RN-TC nº 03/2009, do TCE/PB, invocada pelos próprios réus. Pela proposta apresentada pela empresa Nefertiti, os R$180.000,00 se destinavam apenas ao pagamento dos artistas. Além disso, o contrato subscrito estabelecia como objeto do contrato apenas a "[p]restação dos serviços de animação dos festejos juninos", mediante apresentação das Bandas Luciene Melo, Pimenta de Cheiro, Moleca 100 Vergonha, Teteu do Forró e Brilho da Paixão, definindo, ainda, como obrigação do contratado "[n]ão ceder, transferir ou sub-contratar, no todo ou em parte, o objeto deste instrumento, sem o conhecimento e a devida autorização expressa do Contratante". Especificamente quanto à beneficiária I.R.P.N., sequer de subcontratação se pode falar, haja vista que se identificou tratar-se de Promotora de Justiça vinculada ao MPE/PB, casada com J.M.C.N. e filha da Prefeita do Município, ao tempo do ajuizamento da ACPIA.
41. Esses pagamentos a terceiros não mereceram uma linha sequer da contestação do empresário réu, que não os esclareceu.
42. Não se está diante de qualquer ilegalidade. Das provas se extrai que as condutas perpetradas pelos réus foram concertadas, com vistas à frustração do caráter competitivo da licitação, de modo a beneficiar a empresa Nefertiti, mais especificamente o seu representante, que encabeçou toda a negociação e execução. O dolo, como vontade livre e consciente de assim agir, é manifesto. Não se tratou de errônea interpretação, como gostariam de fazer acreditar os réus, mas sim de comportamento sabidamente ilegal e frontalmente contrário ao convênio ajustado, que possibilitou ao empresário praticar valores superiores ao de mercado e desviar os recursos públicos dos fins aos quais estavam vinculados.
43. No que toca à absolvição dos réus F.S.S. e P.T.S., na ação penal ajuizada em razão dos mesmos fatos - Processo nº 0804741-48.2019.4.05.8200 -, que foi mantida pela 4ª Turma/TRF5, considerando que ela se deu com base no art. 386, II, do CPP ("não haver prova da existência do fato"), não repercute, necessariamente, no julgamento desta ACPIA, à vista do princípio da independência das instâncias de responsabilização, na linha do entendimento do STF, que suspendeu a eficácia dos § 4º do art. 21 da LIA, com a redação da Lei nº 14.230/2021 (ADI 7.236).
44. As provas reunidas são suficientes para condenar os réus pelo cometimento de ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, V, da LIA, com a redação dada pela Lei nº 8.429/1992.
45. De acordo com o art. 12, III, da LIA, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, o responsável pelo ato de improbidade administrativa enquadrado no art. 11 da LIA, está sujeito às seguintes cominações: "pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos".
46. Aplicando-se esse dispositivo, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, condenam-se os réus: a) E.C.B., ex-Prefeito do Município de Mamanguape/PB, ao pagamento de multa civil de 5 vezes o valor da remuneração que percebia, quando exercia o mandato; b) F.S.S., ex-Secretário Municipal de Administração, ao pagamento de multa civil de 3 vezes o valor da remuneração que percebia, quando ocupava o cargo; e c) P.T.S., empresário, ao pagamento de multa civil de R$20.000,00 e à proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 anos.
47. Apelação parcialmente provida.
48. Diante do dano ao Erário municipal (já que foi dos cofres do Município que saíram os recursos destinados ao ressarcimento da União, pelo inadimplemento do convênio, em razão das ilegalidades perpetradas pelos réus), impõe-se oficiar ao Ministério Público do Estado da Paraíba, encaminhando-se cópia integral destes autos, para a adoção das devidas providências.
Embargos de declaração rejeitados.
Em suas razões, o recorrente defende que o acórdão contrariou o contido nos arts. 11 e 21, § 4º, da Lei n. 8.429/1992, com a redação dada pela Lei n. 14.230/2021.
Contrarrazões.
Juízo de admissibilidade (e-STJ fls. 2103/2104).
Parecer ministerial pelo desprovimento do apelo nobre (e-STJ fls. 2143/2150).
Passo a decidir.
No exame dos autos, cumpre consignar que o acórdão recorrido não merece nenhum ajuste.
O julgado recorrido apresenta o fundamento de que, como não é mais possível a condenação pelo caput, do art. 11 da Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA), não pode prosperar a pretensão ministerial, uma vez que a conduta passou a ser atípica.
Inicialmente, cumpre consignar que a Primeira Turma desta Corte Superior, por maioria, no julgamento do AREsp 2.031.414/MG, em que fiquei vencido, realizado em 09/05/2023, seguindo a divergência apresentada pela Min. Regina Helena Costa, firmou a orientação de conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da NLIA, adstrita aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado, de acordo com a tese 3 do Tema 1.199 do STF.
Acontece que a Suprema Corte, em momento posterior, ampliou a aplicação da referida tese ao caso de ato de improbidade administrativa fundado na responsabilização por violação genérica dos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei n. 8.249/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado, nos termos dos seguintes precedentes das suas duas Turmas e do Plenário:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.
1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal.
2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade.
3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.
4. Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente.
5. Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto.
6. Embargos de declaração conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento aos embargos de divergência, ao agravo regimental e ao recurso extraordinário com agravo, a fim de extinguir a presente ação civil pública por improbidade administrativa no tocante ao recorrente. (ARE 803.568 AgR-segundo-EDv-ED, relator para Acórdão Min. GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe 06/09/2023).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 14.231/2021: ALTERAÇÃO DO ART. 11 DA LEI N. 8.429/1992. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO. TEMA 1.199 DA REPERCUSSÃO GERAL. AGRAVO IMPROVIDO.
I – No julgamento do ARE 843.989/PR (Tema 1.199 da Repercussão Geral), da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações promovidas pela Lei n. 14.231/2021 na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992), mas permitiu a aplicação das modificações implementadas pela lei mais recente aos atos de improbidade praticados na vigência do texto anterior nos casos sem condenação com trânsito em julgado.
II – O entendimento firmado no Tema 1.199 da Repercussão Geral aplica-se ao caso de ato de improbidade administrativa fundado no revogado art. 11, I, da Lei n. 8.429/1992, desde que não haja condenação com trânsito em julgado.
III – Agravo improvido. (RE 1.452.533 AgR, relator Min. CRISTIANO ZANIN, PRIMEIRA TURMA, DJe 21/11/2023).
SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843.989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO.
1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal.
2. No julgamento do ARE 843.989 (tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações introduzidas pela Lei 14.231/2021, para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade.
3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.
4. Tendo em vista que (i) a imputação promovida pelo autor da demanda, a exemplo da capitulação promovida pelo Tribunal de origem, restringiu-se a subsumir a conduta imputada aos réus exclusivamente ao disposto no caput do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) as condutas praticadas pelos réus, nos estritos termos em que descritas no arresto impugnado, não guardam correspondência com qualquer das hipóteses previstas na atual redação dos incisos do art. 11 da Lei 8.429/1992, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para julgar improcedente a pretensão autoral.
5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada.
6. Agravo regimental desprovido. (ARE 1.346.594 AgR-segundo, Relator GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 30-10-2023 PUBLIC 31-10-2023).
A propósito do tema, vale transcrever excerto do voto proferido pelo Min. ALEXANDRE MORAES, por ocasião do julgado do RE 1.452.533 AgR, acima referido:
No presente processo, os fatos datam de 2012 – ou seja, muito anteriores à Lei 14.230/2021, que trouxe extensas alterações na Lei de Improbidade Administrativa, e o processo ainda não transitou em julgado.
Assim, tem-se que a conduta não é mais típica e, por não existir sentença condenatória transitada em julgado, não é possível a aplicação do art. 11 da Lei 8.429/1992, na sua redação original.
Logo, deve se aplicar ao caso a tese fixada no Tema 1199, pois, da mesma maneira que houve abolitio criminis no caso do tipo culposo houve, também, nessa hipótese, do artigo 11.
Portanto, conforme registra o Eminente Relator, o acórdão do Tribunal de origem no presente caso ajusta-se ao entendimento do Plenário do SUPREMO no Tema 1199, razão pela qual não merece reparos.
Idêntico entendimento vem sendo aplicado em precedentes monocráticos, conforme os julgados que seguem: ARE 1.450.417, relator Min. DIAS TOFFOLI, DJe 1º/09/2023; ARE 1.456.122, rel. Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, DJe 22/09/2023; ARE 1.457.770, rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe 09/10/2023.
Não obstante esse panorama jurisprudencial, a Primeira Turma do STJ consolidou o entendimento a respeito da aplicação do princípio da continuidade típico-normativa, de modo a afastar a abolição da tipicidade da conduta do réu (caput do art. 11, e seus incisos I e II, da LIA), quando houvesse inciso específico no referido dispositivo, com a redação dada pela Lei n. 14.230/2021, preservando a reprovação da conduta da parte demandada, a justificar a manutenção da condenação.
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS REITORES DA ADMINISTRAÇÃO. MÁCULA À IMPESSOALIDADE E À MORALIDADE MEDIANTE A PROMOÇÃO PESSOAL REALIZADA PELO PREFEITO EM PROPAGANDA OFICIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO DOLOSO E RAZOABILIDADE DAS PENAS APLICADAS. ATRAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. CONDENAÇÃO COM BASE NO CAPUT DO ART. 11 DA LIA. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE TÍPICO-NORMATIVA. INEXISTÊNCIA DE ABOLIÇÃO DA IMPROBIDADE NO CASO CONCRETO. EXPRESSA TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA DO PREFEITO NO INCISO XII DO ART. 11 DA LIA. PROVIMENTO NEGADO.
1. Nos termos do art. 535 do Código de Processo Civil de 1973, os embargos de declaração destinam-se a esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão e corrigir erro material eventualmente existentes no julgado. Caso concreto em que todas as questões relevantes foram devidamente enfrentadas no acórdão recorrido.
2. É pacífica a possibilidade de agentes políticos serem sujeitos ativos de atos de improbidade nos termos do que foi pontificado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 976.566 (Tema 576).
3. A revisão do reconhecimento da presença do elemento subjetivo doloso na promoção pessoal realizada pelo Prefeito em propaganda oficial e a dosimetria das sanções aplicadas em ação de improbidade administrativa implicam reexame do contexto fático-probatório, providência vedada pela Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), notadamente quando, da leitura do acórdão recorrido, não exsurge a desproporcionalidade das penas aplicadas.
4. Abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios administrativos prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa (LIA) pela Lei 14.230/2021. Desinfluência quando, entre os novéis incisos inseridos pela lei 14.230/2021, remanescer típica a conduta considerada no acórdão como violadora dos princípios da moralidade e da impessoalidade, evidenciando verdadeira continuidade típico-normativa, instituto próprio do direito penal, mas em tudo aplicável à ação de improbidade administrativa.
5. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp n. 1.206.630/SP, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 27/2/2024, DJe de 1/3/2024) (Grifos acrescidos).
No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu que a frustração ao certame licitatório beneficiou dolosamente terceiros, enquadrando-se na hipótese do inciso V do art. 11, da LIA, conforme se observa às e-STJ fls. 1803/1808.
Ressalte-se, por fim que o art. 21, § 4º, da Lei n. 14.230/2021 encontra-se suspenso pela Suprema Corte, por força da decisão proferida no bojo da Medida Cautelar na ADI n. 7.236, conforme bem apontado no parecer ministerial.
De rigor, portanto a incidência da Súmula 83 do STJ.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do recurso especial.
Publique-se. Intimem- se.
Relator
GURGEL DE FARIA
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DECISÃO
Cuida-se de recurso especial interposto por ODILON ALBERTO MENEZES com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO em julgamento da Apelação Criminal n. 5021573-12.2014.4.04.7100/RS.
Consta dos autos que, instruído o feito, sobreveio sentença (evento 1154, SENT1), julgando PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido condenatório veiculado na denúncia para: a) ABSOLVER o réu DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; b) ABSOLVER o réu MÁRIO RACHE FREITAS da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, com base nos arts. 386, VII, do Código de Processo Penal, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; c) ABSOLVER o réu PAULO FERNANDO BILLES GOETZE da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; d) ABSOLVER o réu RICARDO LINS PORTELLA NUNES da prática dos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8.666/93, e 288, caput, do Código Penal, com base no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal; e) ABSOLVER o réu SÉRGIO LUIZ KLEIN da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; f) ABSOLVER o réu SÉRGIO LUIZ MALLMANN da prática do delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, com base no art. 386, V, do Código de Processo Penal; g) ABSOLVER o réu WOODSON MARTINS DA SILVA da prática do delito previsto no art. 333 do Código Penal, com base no art. 386, II, do Código de Processo Penal; h) CONDENAR o réu CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ como incurso nas sanções do art. 288 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, em regime aberto, e multa de 11,6 (onze vírgula seis) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então; i) CONDENAR o réu CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, e art. 288, caput, do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 ano de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 644.030,42 (seiscentos e quarenta e quatro mil trinta reais e quarenta e dois centavos) e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base; j) CONDENAR o réu MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, art. 288, caput, do Código Penal e art. 333, parágrafo único do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 3 anos e 8 meses de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime semiaberto, e multa de R$ 827.469,33 (oitocentos e vinte e sete mil quatrocentos e sessenta e nove reais e trinta e três centavos) e 23,3 (vinte e três vírgula três) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base; k) CONDENAR o réu ODILON ALBERTO MENEZES como incurso nas sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/90, por três vezes, e art. 288, caput, do Código Penal, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 ano de reclusão e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, e multa de R$ 147.900,93 (cento e quarenta e sete mil e novecentos reais e noventa e três centavos) e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizados a partir de cada data-base. Exceto quanto ao réu MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO, todas as outras penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em: a) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo mesmo tempo da condenação ou de limitação de final de semana, a ser definido pelo juízo da execução. b) prestação pecuniária, consistente no pagamento do valor de 20 (vinte) salários mínimos, para Carlos Júlio Garcia Martinez, e do valor de 40 (quarenta) salários mínimos cada um, para Cláudio Luiz da Silva Abreu e Odilon Alberto Menezes, considerado o valor do salário mínimo vigente à época do efetivo pagamento.
Em sede de apelação, o TRF a) reconheceu de ofício a extinção da punibilidade de Sérgio Mallmann, por conta da prescrição pela pena em abstrato para o delito do art. 90 da Lei n. 8.666/93; b) reconheceu, de ofício, a extinção da punibilidade dos réus quanto ao crime do art. 288 do CP por conta da prescrição pela pena aplicada; c) deu parcial ao recurso de Carlos Martinez, para reconhecer a extinção da punibilidade quanto ao crime do art. 288 do CP por conta da prescrição pela pena aplicada; d) negou provimento aos recursos de Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu; e) deu parcial provimento ao recurso do MPF para reconhecer como negativa a culpabilidade dos réus Carlos Martinez, Marco Camino e Odilon e as circunstâncias de todos os crimes para todos os réus e elevar a fração da continuidade delitiva para os réus Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu.
Embargos de declaração opostos por SERGIO LUIZ KLEIN, MARCO ANTONIO DE SOUZA CAMINO, CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU e ODILON ALBERTO MENEZES foram desprovidos.
Em sede de recurso especial (fls. 18503/18577), a defesa apontou violação de dispositivos de lei federal, relacionados às seguintes teses jurídicas:
(i) Arts. 157, caput e §§, 315, §2.º, incs. II e III, 619 e 620 do Código de Processo Penal e arts. 1.º e 5.º da Lei n. 9.296/96 – A defesa alegou nulidade das interceptações telefônicas devido à ausência de fundamentação idônea para as sucessivas prorrogações, em desacordo com os parâmetros fixados pelo STF no julgamento do Tema 661. Sustentou a inobservância de foro por prerrogativa de função, uma vez que a captação de diálogos nos quais o recorrente figura como interlocutor ocorreu após o conhecimento sobre o envolvimento de parlamentares, configurando usurpação da competência do STF. Salienta que a decisão de prorrogação da quebra de sigilo, a partir da qual foram interceptadas as conversas do recorrente é de abril de 2008, ou seja, posterior à ciência de que se investigavam sujeitos com prerrogativas.
(ii) Art. 59 do Código Penal e art. 315, §2.º, incs. I a III, do Código de Processo Penal – A defesa argumentou que houve ilegalidades na dosimetria das penas, especialmente por ausência de fundamentação para exasperação da pena-base. A culpabilidade e as circunstâncias do crime foram desqualificadas com base em elementos inerentes ao tipo penal e desacompanhados de devida comprovação, notadamente quando se atestou inexistência de dano ao erário.
(iii) Arts. 315, §2.º, incs. II e III, 619 e 620 do Código de Processo Penal – A defesa alegou que as teses apresentadas não foram devidamente enfrentadas, mesmo com a oposição dos pertinentes embargos de declaração, configurando negativa de prestação jurisdicional.
Requer o provimento do recurso para que sejam anuladas as interceptações telefônicas que fazem menção ao recorrente e determinado o seu desentranhamento, além de ajustar a dosimetria das penas ao mínimo legal.
Contrarrazões do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 18616/18647).
Admitido o recurso no TJ (fls. 18850/18851), os autos foram protocolados e distribuídos nesta Corte. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo não conhecimento ou desprovimento do recurso especial (fls. 18910/18929).
É o relatório.
Decido.
Sobre as omissões, o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO não as reconheceu, sustentando que as diversas alegações preliminares de nulidade foram repisadas pela defesa, já tendo sido refutadas na sentença e no voto condutor do julgado, razão porque rejeitou os embargos declaratórios defensivos.
O recorrente pretendeu nos aclaratórios a análise dos seguintes temas: 1) ilicitude dos diálogos interceptados em relação a si; 2) violação ao princípio constitucional do juiz natural; 3) indevida prorrogação por período superior ao previsto em lei (Tema 661 de repercussão geral) e; dosimetria da pena sem fundamentação concreta e com bis in idem.
Vejamos como as controvérsias foram deslindadas pela Corte Regional no julgamento da apelação:
"1.3. Competência do juízo federal de primeiro grau
As defesas de Odilon e de Marco Antônio sustentaram a nulidade da ação penal decorrente da incompetência do juízo federal de primeira instância para investigar agentes públicos com prerrogativa de foro, identificados nas interceptações telefônicas ainda em março/2008 - no caso, o envolvimento de deputados estaduais e federais nos delitos.
A tese não merece prosperar, tendo sido já enfrentada essa questão por este Tribunal, no âmbito da própria Operação "Solidária", nos termos dos seguintes julgados.
(...)
O STF também já se manifestou a esse respeito, quando lá foi instaurado o Inquérito nº 3.305, em razão da necessidade de redirecionamento da apuração ao então deputado federal Eliseu Padilha (processo 5021824-30.2014.4.04.7100/RS, evento 470, DEC1):
(...)
Ainda no Inq nº 3.305, o STF autorizou o compartilhamento das provas obtidas na Operação Solidária, incluindo a interceptação telefônica, para instrução de inquérito civil público e outras ações (Informativo n. 815, STF):
(...)
Como bem salientou o MPF em seu parecer, o envolvimento do parlamentar federal ocorreu fortuitamente, em meio a conversas com os reais investigados cujos terminais estavam sendo interceptados, o que é inerente a esse tipo de medida e até frequente em situações semelhantes. Uma vez verificada a ligação de pessoa com prerrogativa de foro, os autos foram encaminhados ao STF, já que a investigação inicial não era voltada a autoridades com foro especial.
Portanto, inexiste qualquer nulidade quanto aos investigados que não são titulares da prerrogativa de função, inclusive porque a Suprema Corte já afastou suposta usurpação de competência quanto a investigados sem foro por prerrogativa de função, no bojo da Operação Rodin, conforme o seguinte acórdão:
(...)
Logo, não há falar em nulidade da prova - especialmente as interceptações telefônicas - em decorrência de violação de prerrogativa de foro do parlamentar federal quanto a réus investigados que não ostentam tal condição pessoal.
Reitere-se, o fato de terem sido indiretamente captadas conversas com pessoas titulares de foro por prerrogativa de função, quando os alvos iniciais não eram esses indivíduos, não acarreta, por si só, nulidade da prova, sobretudo porque, no caso em tela, foram remetidos os autos ao STF assim que constatada a participação de Parlamentares Federais e Estaduais nos delitos investigados, prosseguindo as investigações na origem somente quanto aos demais envolvidos.
Assim, rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal de primeiro grau no que se refere aos réus e ao objeto desta ação penal.
(...)
1.5. Interceptações telefônicas deferidas com base em denúncia anônima e investigação quanto ao réu Marco Antônio Camino.
A alegação de que as interceptações telefônicas foram realizadas a partir de denúncia anônima já foram analisadas por este Tribunal no âmbito da Operação Solidária (TRF4, ACR 0033019- 10.2008.404.7100, Oitava Turma, Relator Nivaldo Brunoni, D. E. 23/02/2016) e foram novamente rechaçadas na decisão do evento 459 destes autos.
Na citada decisão, o magistrado de primeiro grau asseverou que as interceptações telefônicas não foram deferidas exclusivamente com base em denúncia anônima, a qual veio a se somar aos primeiros indícios de prática criminosa levantados através de depoimentos prestados ao Ministério Público Federal no ano de 2007 (evento 459, DESPADEC1).
Aliás, já é assentado na jurisprudência do STF ser possível dar início a apurações preliminares com amparo em denúncia anônima ou peça apócrifa a fim de verificar a sua plausibilidade e, em caso positivo, instaurar formalmente eventuais procedimentos investigatórios. Confira-se:
(...)
Na situação dos autos, não houve a alegada instauração de investigação ou o deferimento de medidas de quebras de sigilo, como as interceptações telefônicas, unicamente com base em denúncia anônima, o que se verifica pelo farto material probatório constante dos feitos relacionados e também na documentação apresentada quando do oferecimento da peça acusatória (evento 1).
Ademais, o STJ, ao apreciar o HC nº 315.670, impetrado pela defesa de Marco Aurélio Soares Alba - cuja ação penal tramitou em apartado - reconheceu a licitude das interceptações telefônicas ora analisadas, nos seguintes termos:
(...)
A respeito da investigação e inclusão do réu Marco Antônio Camino, verifica-se nos autos que a interceptação telefônica inicialmente direcionada aos desvios de recursos destinados à merenda escolar revelou contatos de Francisco Fraga (alvo) com o réu, o qual ainda não havia sido identificado. Foi a partir daí que se passou a apurar a prática de diversos outros crimes, por isso, não procede a alegação defensiva de que não havia elementos para a inclusão de Marco Antônio nas investigações e nas interceptações telefônicas.
Desse modo, não há nulidade a ser reconhecida nesse ponto.
(...)
1.7. Excesso de prazo e sucessivas prorrogações das interceptações
Em relação às sucessivas prorrogações, também rejeitada na decisão do evento 459.1, na decisão do evento 957.1 e novamente na sentença, cabe registrar que, em crimes como os ora analisados, em que estão envolvidos diversos indivíduos com atribuições distintas, o monitoramento das conversas telefônicas consubstancia-se, muitas vezes, no único instrumento capaz de identificar a natureza das relações entre os membros, os planos para a execução das práticas delituosas e as funções por eles desempenhadas, justificando a quebra de sigilo por período superior aos 15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias, previsto na Lei nº 9.296/96
Nesse contexto, desde a primeira medida deferida pelo juízo, houve a devida fundamentação.
E, especificamente quanto às sucessivas prorrogações, uníssona a jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de sua adequação ao ordenamento pátrio, desde que devidamente fundamentadas e justificadas pelas peculiaridades do caso concreto - diversos investigados (restaram 18 inicialmente denunciados) e pluralidade de crimes -, como as citadas anteriormente, não havendo falar em inconstitucionalidade ou inconveniência da medida.
(...) "(fls. 17967/17971)
2. MÉRITO
2.1. Crimes de licitação - art. 90 da Lei nº 8.666/1993.
De início, cumpre tecer algumas considerações em relação às modificações legislativas atinentes aos crimes anteriormente inseridos na Lei de Licitações (Lei n. 8.666/1993) e que se encontram hoje no capítulo II-B do Código Penal ("Dos crimes em licitações e contratos administrativos").
Com o advento da Lei nº 14.133/2021, foram revogados os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666/93, passando a constar do Código Penal os delitos relativos a licitações e contratos administrativos, conforme explicado acima.
Em sua maioria, os dispositivos anteriores foram replicados no CP com pequenas alterações terminológicas e também recrudescimento de penas.
Especificamente no que se refere ao artigo 90 da Lei nº 8.666/93, foi ele transformado no artigo 337-F do CP, ocorrendo essa reprodução do tipo penal anterior, com modificações de alguns termos e aumento da sanção - este último ponto, evidentemente, não pode retroagir para prejudicar os réus.
Pois bem, no tocante ao delito licitatório, o MPF acusou Marco Aurélio Soares Alba, Marco Antônio de Souza Camino, Odilon Alberto Menezes, Ricardo Lins Portella Nunes, Sérgio Luiz Mallmann, Sério Luiz Klein, Mário Rache de Freitas, Cláudio Luiz da Silva Abreu, Deoclécio Luiz Caumo, Caetano Alfredo Silva Pinheiro e Paulo Fernando Billes Goetze de frustrar, mediante prévio ajuste, no período de 17 de dezembro de 2007 a 30 de maio de 2008, o caráter competitivo das licitações na modalidade Concorrência nº 426/08, nº 427/08 e nº 428/08, realizadas pela CORSAN com recursos repassados pela União/Ministério das Cidades, com o intuito de obter vantagens decorrentes da adjudicação às empresas vencedoras dos certames (MAC ENGENHARIA LTDA e SULTEPA CONSTRUTORA E COMÉRCIO LTDA).
Segundo a acusação, teria havido uma combinação entre os empresários para decidir quem venceria cada uma das licitações, mediante ajustes entre as empresas. Além disso, teriam sido incluídas cláusulas nos editais com o objetivo de direcionar a licitação, restringindo a competição.
Mais especificamente, a denúncia narrou que as licitações nºs 426/08 e 427/08 foram adjudicadas à empresa Sultepa Construções e Comércio Ltda (nos valores de R$ 13.372.246,77 e R$ 27.601.304,38, respectivamente) e a licitação nº 428/08 à empresa MAC Engenharia Ltda (no valor de R$ 35.462.971,91) em decorrência da atuação do então Secretário Estadual de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento (MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, réu na ação penal n. 2009.04.00.025279-0), agentes públicos da CORSAN (MÁRIO RACHE FREITAS, Presidente da entidade, SÉRGIO LUIZ KLEIN, Diretor de Expansão, e SÉRGIO LUIZ MALLMANN, Superintendente de Projetos e Obras), e empresários (MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO, da MAC Engenharia Ltda.; CLÁUDIO LUIZ SILVA ABREU e RICARDO LINS PORTELLA NUNES, da Construtora Sultepa S/A e Sultepa Construções e Comércio Ltda.; CAETANO ALFREDO SILVA PINHEIRO, Diretor do SICEPOT; ODILON ALBERTO MENEZES, da CSL Construtora Sacchi Ltda e Presidente da AGEOS; e PAULO FERNANDO BILLES GOETZE, da Goetze Lobato Engenharia Ltda).
Os editais das licitações foram publicados em 28/03/2008.
Em primeira instância, foram condenados os réus MARCO Antônio, ODILON E CLAUDIO e foram absolvidos os réus DEOCLECIO, Mário, PAULO, RICARDO, Sérgio KLEIN E Sérgio MALLMANN.
O MPF recorreu pedindo a condenação de DEOCLECIO, Mário, PAULO, RICARDO, Sérgio KLEIN E Sérgio MALLMANN (este último com punibilidade extinta por conta da prescrição, conforme item 1.1 deste voto), enquanto as defesas dos demais réus apelaram requerendo a absolvição.
Em relação à materialidade delitiva e à fraude do caráter competitivo da licitação em si, a sentença de primeiro grau contou com a seguinte fundamentação (evento 1154, SENT1):
II.2.1 - Materialidade
As licitações tratadas nesta ação penal são as Concorrências Públicas nºs 426/08, 427/08 e 428/08. II.2.1. a) Elementos de prova que embasam a materialidade do delito descrito no fato 1. 1) Contratos de Repasse n.º 0218519-60/2007, 0224353-90/2007 e 0224352-86/2007, celebrados em 28/12/2007, entre a União/Ministério das Cidades, representada pela Caixa Econômica Federal, o Estado do Rio Grande do Sul/Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano, e a Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN, objetivando a execução de ações relativas aos serviços urbanos de água e esgoto (evento 1088, OUT5, págs. 41 a 44. 2)
No âmbito do Contrato de Repasse nº 0218519-60/2007, a CORSAN promoveu, dentre outras, a Concorrência Pública nº 426/08, cujo objeto era a execução das obras de Implantação de Redes Coletoras de Esgoto, Estação Elevatória de Esgoto - ELE e Emissário por Recalque - Lote II, na localidade de Canoas/RS. O valor da licitação era de R$ 13.372.246,77, com data de abertura em 08/05/2008 (edital da concorrência nº 426/08; termo de contrato de obras e serviços de engenharia n.º 176/08 firmado entre a CORSAN e a SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA, vencedora do certame; e termos aditivos do contrato; e o contrato de repasse nº 0218519-60/2007, tudo no evento 1088, OUT5, págs. 1 a 44 e OUT6). 3) No âmbito do Contrato de Repasse nº 0224353-90/2007, a CORSAN promoveu, dentre outras, a Concorrência Pública nº 427/08, cujo objeto era a execução das obras de Implantação de Redes Coletoras de Esgoto Sanitário, Estações Elevatórias de Esgoto - ELE e Linhas de Recalque - Lote II, nas localidades de Alvorada e Viamão/RS. O valor da licitação era de R$ 27.751.095,82, com data de abertura em 09/05/2008 (edital da concorrência nº 427/08; termo de contrato de obras e serviços de engenharia n.º 168/08 firmado entre a CORSAN e a SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA, vencedora do certame; termos aditivos do contrato; e o contrato de repasse nº 0224353-90/2007, tudo no evento 1088, OUT13, OUT14 e OUT15). 4) No âmbito do Contrato de Repasse nº 0224352-86/2007, a CORSAN promoveu, dentre outras, a Concorrência Pública nº 428/08, cujo objeto era a execução das obras de Implantação de Redes Coletoras de Esgoto Sanitário, Estações Elevatórias de Esgoto - ELE-1 - e Linhas de Recalque ELE-1 - Lote II, nos municípios de Esteio/Sapucaia do Sul/RS. O valor da licitação era de R$ 35.647.282,55, com data de abertura em 09/05/2008 (edital da concorrência nº 428/08; termo de contrato de obras e serviços de engenharia n.º 167/08 firmado entre a CORSAN e a MAC ENGENHARIA LTDA, vencedora do certame; termos aditivos do contrato; e o contrato de repasse nº 0224352-86/2007, tudo no evento 1088, OUT16, OUT17, OUT18, OUT19 e OUT20). 5) Laudos n.º 598/2011 e 40/2012 – INC/DITEC/DPF, referentes à Concorrência 426/2008 (evento 1, APINQPOL67, págs. 14 a 51 e INQ11, págs. 32 a 45). 6) Laudos n.º 094/2011 e 162/2012 – UTEC/DPF/SMA/RS, referentes à Concorrência 427/2008 (evento 1, APINQPOL66, págs. 3 a 39; APINQPOL67, págs. 1 a 13 e INQ7, págs. 124 a 132 e INQ8, págs. 1 a 44). 7) Laudos n.º 462/2011 e 1582/2011 – INC/DITEC/DPF, referentes à Concorrência 428/2008 (evento 1, APINQPOL63, págs. 3 a 44; APINQPOL64, págs. 1 a 62 e INQ8, págs. 46 a 68). 8) Relatório de Demandas Especiais de n.º 00222.000317/2009-88 da Controladoria Geral da União, que confirma a existência de cláusulas restritivas nos editais das concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08 (evento 1, INQ11, págs. 118 a 120 e INQ12, págs. 1 a 70). 9) Áudios de interceptações telefônicas e suas transcrições (Auto Circunstanciado nº 04/2008, no evento 1, AP-INQPOL19, págs. 87/88; 105/106). II.2.1. b) Exame da restritividade das cláusulas. Aspecto fundamental à identificação da materialidade delitiva do crime de fraude às licitações é a identificação da existência ou não das cláusulas restritivas ao caráter competitivo das licitações, o que pode apontar para a manipulação das exigências dos editais pelos denunciados. Em 06 de maio de 2008, antes das datas de abertura dos editais, as empresas GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA, a CONTRUTORA PELOTENSE LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) apresentaram impugnações administrativas aos três editais.
Quanto às Concorrências 426/2008 e 427/2008, as alegações principais das empresas Goetze Lobato Engenharia Ltda, Contrutora Pelotense Ltda e Saenge Engenharia de Saneamento e Edificações Ltda (evento 249, OUT70 a OUT72) foram: a) ausência de prazo mínimo instituído em lei para a elaboração da proposta, uma vez que, segundo a impetrante (Goetze Lobato Engenharia Ltda), os projetos básicos somente teriam sido disponibilizados no dia 20/04/2008 no endereço estipulado no edital; Afrontaria o art. 21 da Lei n.º 8.666/93, que estabelece prazo mínimo de trinta dias a ser disponibilizado para que os licitantes interessados elaborem suas propostas. b) incorporação de obras de natureza distintas em um mesmo procedimento licitatório, ferindo o previsto no artigo 23 da Lei n.º 8.666/93; c) aplicação de exigências não previstas em lei para comprovação de capacidade técnica da empresa licitante (evento 1, AP_INQ_POL67). Todos os recursos de impugnação apresentados foram indeferidos pela Comissão de Licitação no dia seguinte à data de seus respectivos protocolos, sem apresentação de qualquer embasamento legal. No Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 da Controladoria-Geral da União, apurou-se que o edital da Concorrência Pública n.º 426/08 teve a inclusão de cláusulas não previstas na Lei Federal de Licitações, constituindo restrição ao caráter competitivo da licitação e, por consequência, irregulares. Há restrições quanto à qualificação técnica das licitantes (como a exigência de registro no CREA/RS para empresa não sediada no Estado, não prevista no inciso I do art. 30 da Lei n.º 8.666/93, e, desta forma, vedada) e exigências restritivas quanto à qualificação econômico- financeira das licitantes, pois o item 2.2.5, alínea "e", exige das licitantes a comprovação de Capital Social igual ou superior a R$ 1.344.930,00, o que corresponde a 10% do valor previsto para a contratação, sendo que a alínea "f" exige a apresentação de Garantia de Proposta no valor de R$ 134.493,00, que deveriam ser alternativas, conforme disposto no § 2.º, art. 31, da Lei n.º 8.666/93. No mesmo relatório são apontadas outras irregularidades: a) a limitação da alínea "d" do subitem 2.2.4 do edital, que limita o número de atestados para comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes a 01 (um) único atestado ou, no máximo, 02 (dois); b) de que houve restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 426/08 pela não publicação do aviso da licitação no Diário Oficial da União, em infringência ao inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93; como o preço de contratação alcançou valores da ordem de 13,5 milhões de reais, certamente haveria interesse de empresas de outros Estados em participar do certame, desde que, evidentemente, tomassem conhecimento da realização da Concorrência, sendo o Diário Oficial da União o único meio de divulgação, dentre os legalmente previstos, que alcança outros Estados da Federação; b) contratação de obra de engenharia, por meio da Concorrência Pública n.º 426/08, com custos unitários superiores aos de mercado, em prejuízo estimado de R$ 1.171.336,32; o item Recomposição de asfalto CBUQ, espessura 8 cm, teve preço unitário contratado de 71,73/m2, enquanto o preço referencial de mercado era de 50,45/ m2; c) houve a habilitação indevida da empresa vencedora da Concorrência Pública n.º 426/08, a Sultepa Construções e Comércio Ltda., pois os atestados técnicos apresentados (para demonstrar capacidade técnico-operacional) não pertenciam a essa empresa, e sim à SULTEPA S. A. Para legitimar a utilização do acervo técnico da SULTEPA S. A., as empresas firmaram entre si um contrato de assistência técnica (evento 1, INQ12, pág. 13 a 18). O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 598/2011 (evento 1, AP_INQ_POL67, págs. 14 a 51) concluiu que houve restrição à competitividade do instrumento convocatório CN 426/08: a) por meio de exigências desnecessárias, como a exigência de apresentação de licenciamento para a usina de asfalto (capacidade técnico-operacional, enquanto o art. 30 da Lei 8.666/93 tem rol exaustivo, que exige apenas capacitação técnico-profissional); b) pela limitação de uma quantidade máxima de dois atestados para a comprovação dos serviços e c) dos oito serviços exigidos na alínea "d" do Capítulo II, do item 2.2.4 do edital, cinco são tecnicamente irrelevantes (execução de escavação mecânica de vala; de escavação em rocha branda; de reaterro com areia; de recomposição de asfalto CBUQ e de escoramento contínuo de madeira). O laudo concluiu também que o contrato foi celebrado a preço compatível com preços de referência oficiais à época e região, contudo, constatou-se que esses preços de referência estavam consideravelmente acima do preço competitivo de mercado. As propostas de preço das duas primeiras colocadas eram muito próximos do teto estabelecido pela CORSAN (R$ 13.449.308,37). E a proposta vencedora (R$ 13.372.246,77) tinha preço consideravelmente acima de um preço competitivo de mercado. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 40/2012, com o mesmo objeto do Laudo n.º 598/2011 (evento 1, INQ11, págs. 32 a 45), concluiu que os exames realizados não permitem confirmar a hipótese de dano ao erário na execução da obra periciada. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 094/2011 – UTEC/DPF/SMA/RS concluiu que houve restrição à competitividade do instrumento convocatório CN 427/08, de Alvorada/RS e Viamão/RS, lote II (evento 1, AP-INQPOL66, págs. 3-39 e AP-INQPOL67, págs. 1-13), por meio de exigências desnecessárias e sem o devido respaldo legal, como a exigência de comprovação de experiência por parte dos licitantes em no máximo dois atestados; a exigência de qualificação técnico operacional elencadas na alínea "d" do item 2.2.4 do edital, dos oito serviços exigidos, cinco são tecnicamente irrelevantes. Na CN 427/08, a Sultepa Construções e Comércio Ltda. foi considerada vencedora com uma proposta de R$ 27.601.304,38, montante 0,54% inferior ao valor máximo admitido no edital. A diferença percentual entre a proposta vencedora e a segunda colocada é também irrizória, de quatro décimos de milésimo, correspondendo a R$ 10.944,62. O Laudo concluiu que os preços globais contratados mostraram-se compatíveis com os preços globais de mercado da região à época. Porém, observou que embora não tenha havido sobrepreço global, cabe esclarecer ainda que estas variações pontuais de preços unitários, aliadas a modificações de quantidades ao longo da execução do contrato, podem dar causa a ocorrência de jogo de planilha, fenômeno este caracterizado pelo desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em desfavor da Administração Pública (evento 1, AP-INQPOL67, págs 2 a 3). O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 162/2011 (INQ7, págs. 124 a 132 e INQ8, págs. 1 a 44), que tem o mesmo objeto do Laudo n.º 094/2011, concluiu que não foram constatados elementos que pudessem fundamentar a tese de dano ao erário por ocasião da execução da obra sob análise. O Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 apurou restrição à competitividade d a Concorrência Pública n.º 427/08, por: a) exigências restritivas quanto à qualificação técnica das licitantes (como a exigência de registro no CREA/RS para empresa não sediada no Estado), o que não é previsto no inciso I do art. 30 da Lei n.º 8.666/93; b) exigência de apresentação de licenciamento para a usina de asfalto (capacidade técnico-operacional, enquanto o art. 30 da Lei 8.666/93 tem rol exaustivo, que exige apenas capacitação técnico-profissional); c) limitação da alínea "d" do subitem 2.2.4 do edital, que limita o número de atestados para comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes a 01 (um) único atestado ou, no máximo, 02 (dois); d) exigências restritivas quanto à qualificação econômico-financeira das licitantes, pois o item 2.2.5, alínea "e", exige das licitantes a comprovação de Capital Social igual ou superior a R$ 2.775.109,00, o que corresponde a 10% do valor previsto para a contratação, sendo que a alínea "f" exige a apresentação de Garantia de Proposta no alor de R$ 277.510,00, que deveriam ser alternativas, conforme disposto no § 2.º, art. 31, da Lei n.º 8.666/93; e) restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 427/08 pela não publicação do aviso da licitação no Diário Oficial da União, em infringência ao inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93, especialmente em se considerando que a obra alcançou valores na ordem de 27,5 milhões de reais; f) indeferimento indevido de pedidos de impugnação do edital, pela Superintendência de Obras da CORSAN, sem qualquer fundamentação; nenhuma das três empresas impugnantes pôde participar da Concorrência Pública n.º 427/08, o que demontra a efetiva restrição ao caráter competitivo da licitação; g) houve a habilitação indevida da empresa vencedora da Concorrência Pública n.º 427/08, a Sultepa Construções e Comércio Ltda., pois os atestados técnicos apresentados (para demonstrar capacidade técnico-operacional) não pertenciam a essa empresa, e sim à SULTEPA S. A. Para legitimar a utilização do acervo técnico da SULTEPA S. A., as empresas firmaram entre si um contrato de assistência técnica; h) contratação de obra de engenharia, por meio da Concorrência Pública n.º 427/08, com custos unitários superiores aos de mercado, em prejuízo estimado de R$ 350.198,64; o item Recomposição de asfalto CBUQ, espessura 8 cm, teve preço unitário contratado de 67,28/m2, enquanto o preço referencial de mercado era de 50,45 m2 (evento 1, INQ12). O Laudo n.º 462/2011, referente à Concorrência 428/2008 (evento 1, APINQPOL63, págs. 3 a 44; APINQPOL64, págs. 1 a 62) concluiu que houve restrição à competitividade do instrumento convocatório CN 428/08: a) por meio de exigências desnecessárias, enquanto as exigências de qualificação técnica formuladas passaram ao largo da parte mais complexa dessa obra, qual seja, a estação elevatória de esgotos, que demandam experiência e mão de obra especializada na sua implantação; b) pela limitação de uma quantidade máxima de dois atestados a comprovação dos serviços e c) dos oito serviços exigidos na alínea "d" do Capítulo II, do item 2.2.4 do edital, cinco são tecnicamente irrelevantes (execução de escavação mecânica de vala; de escavação em rocha branda; de reaterro com areia; de recomposição de asfalto CBUQ e de execução de escoramento metálico). O laudo concluiu também que o contrato foi celebrado a preço compatível com preços de referência oficiais à época e região, contudo, constatou-se que esses preços de referência estavam consideravelmente acima do preço competitivo de mercado. A empresa vencedora foi a MAC Engenharia Ltda., que ofereceu proposta de R$ 35.462.971,91; após aditamentos o valor passou para R$ 43.995.457,82. O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 1582/2011 – INC/DITEC/DPF, complementar ao Laudo n.º 462/2011 (INQ8, págs. 46 a 68), concluiu que não foram encontradas evidências de dano ao Erário nos exames relatados na peça. O Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 ainda apurou restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 428/08, pela: a) inclusão de exigências ilegais no instrumento convocatório, como condição para participar do certame: exigências restritivas quanto à qualificação técnica das licitantes (como a exigência de registro no CREA/RS para empresa não sediada no Estado), o que não é previsto no inciso I do art. 30 da Lei n.º 8.666/93; b) a exigência do subitem 2.2.4, alínea "d", de que as licitantes deveriam apresentar atestados de capacidade técnica comprovando a execução de diversos serviços afetos à obra a ser executada, dentre eles constando um pouco relevante do ponto de vista quantitativo (0,43% do valor orçado da obra), que seria o serviço de travessia subterrânea pelo método não destrutivo de 1000 mm, com comprimento mínimo de 25 metros; c) a exigência de apresentação, pelas licitantes, (item 2.2.4, alínea "d"), de licença de operação de usina de asfalto, expedida pela FEPAM em nome da licitante, ou a apresentação de contrato de fornecimento de concreto asfáltico por usina licenciada pela FEPAM, tornando-se neste caso igualmente necessária a apresentação da licença de operação expedida por esse órgão ambiental (exigência considerada ilegal pelo TCU, conforme já comentado acima); d) a limitação da alínea "d" do subitem 2.2.4 do edital, que limita o número de atestados para comprovação da capacidade técnico- operacional das licitantes a 01 (um) único atestado ou, no máximo, 02 (dois); e) exigências restritivas quanto à qualificação econômico-financeira das licitantes, em infração ao disposto no § 2.º, art. 31, da Lei n.º 8.666/93, como já tratado; f) restrição à competitividade da Concorrência Pública n.º 428/08 pela não publicação do aviso da licitação no Diário Oficial da União, em infringência ao inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93, principalmente considerando que essas obras conjuntamente alcançaram o valor aproximado de 43 milhões de reais; g) contratação de obra com custos unitários superiores aos de mercado, num prejuízo estimado de R$ 3.444.323,04 (evento 1, INQ12). Merecem um exame mais acurado as principais exigências editalícias que possuiriam a característica de restrição à competitividade dos certames. Quanto à exigência de "execução de serviços tecnicamente irrelevantes" dentre as exigências de qualificação técnico operacional (execução de escavação mecânica de vala; de escavação em rocha branda; de reaterro com areia; de recomposição de asfalto CBUQ e de execução de escoramento metálico), a defesa bem afastou a questão que diz respeito ao reaterro com areia, cumprindo referir que o próprio laudo 598/2011 apontou que a exigência do uso de areia é imposição do Decreto n.º 231/99 da Prefeitura Municipal de Canoas. Sérgio Mallmann, quanto à utilização de areia nas valas, por imposição dos municípios, referiu que soube que os demais municípios, à exceção de Canoas (que já exigia há mais tempo) passaram a impor, após a finalização da licitação, a utilização de areia para o reaterro das valas; que quanto a essa exigência, apesar de não ter tido nenhuma participação, mas tendo em conta sua experiência de mais de 30 anos na área de saneamento, classifica como "no mínimo estranha" (evento 1, INQ11, pág. 82). Ebrael Schena, engenheiro de produção da MAC Engenharia entre 2008 e 2012, confirmou que houve um problema que parou a obra em virtude da exigência de reaterro das valas com areia e não com material escavado, o que foi comentado em reuniões da empresa. A necessidade de utilização de areia acarretou em aumento do custo de obra. Referiu que geralmente é uma exigência dos municípios para evitar o adensamento nas valas, então os municípios geralmente exigem areia, a maioria deles cobra isso (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 44/46). Joe José David, engenheiro civil, trabalhou na MAC Engenharia de 1989 a 2014 como gerente de contratos, confirmou que a utilização de areia no reaterro das valas ocasionou um aumento no custo da obra, pois teriam que utilizar um material importado. E que as prefeituras, além de Esteio e Sapucaia, têm essa exigência porque, se for utilizado o material escavado, ocorre o adensamento das valas; então é exigido o reaterro com material adequado, no caso areia, para uma compactação melhor, evitando o adensamento da vala (evento 1067, pág. 130 a 364). Marcos Picarelli Ferreira, que à época dos fatos era diretor de obras da construtora SULTEPA, referiu que havia um decreto municipal em Canoas que obrigava a CORSAN a colocar areia nas valas (evento 1067, pág. 208). Quanto aos demais pontos, não obstante a perícia os tenha considerado irrelevantes, não parecem ser exigências de realização de serviços de alta complexidade, que tivessem o condão de efetivamente intimidar a participação das empresas e restringir o caráter competitivo do certame. Quanto à "não publicação do aviso no Diário Oficial da União", que foi objeto de impugnação das empresas, com efeito, vai de encontro com inciso I do art. 21 da Lei n.º 8.666/93 que assim estabelece: Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez: (...) I - no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal e, ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais Iusra Jabbar Torres foi a única responsável por montar as pastas de documentos para todas as licitações da GEL Engenharia, entre 1992 e 2014. Quanto à Concorrência 426/08, sustentou que eles não tiveram disponibilizados todos os elementos dentro do prazo entendido adequado para fazer um orçamento competitivo; nesse caso específico foi de 18 dias, desde a disponibilização dos projetos; a CORSAN não atendeu o pedido de prorrogação de prazo feito pela empresa; logo, a empresa impugnou o edital, o que foi julgado improcedente (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 108/107). O engenheiro civil William Luiz Marcelino, que desde 2001 prestava serviços para a Gel Engenharia, no departamento de orçamentos e propostas, disse que, no caso específico da Concorrência 426/08, o edital foi publicado nos trinta dias de antecedência, mas os elementos necessários, principalmente os projetos, foram todos disponibilizados quando faltavam 18 dias para entrega da licitação. Não tiveram o tempo necessário para fazer um estudo detalhado. Foi ele mesmo quem fez o orçamento da proposta e apurou a proposta, fez a cotação de preços de materiais e tudo mais. Levou a proposta para assinatura do Paulo Goetze, o avisando que, em função do pouco tempo que tiveram para orçar essa obra, estaria entrando no preço teto dela. Toda vez que tem uma obra que seja estratégica ou que tenha um montante muito maior de valor ou que seja uma obra muito mais interessante para a GEL, um dos dois sócios acabava participando do fechamento desses preços. No entanto, em relação à licitação 426/08, não aconteceu isso; o preço foi fechado por Régis Lobato, que tinha autonomia para fechar preços, era gerente comercial e nenhum dos dois sócios participou; como disse anteriormente, levou a proposta para o Paulo assinar, pois era ele quem estava na empresa naquele dia. Explicou que tiveram pouco tempo para executar, tinham uma situação de que a obra era em Porto Alegre, havia uma logística complicada para a mobilização de pessoal, de material e equipamentos. Então tudo isso é ponderado naquela matriz de risco, chegando à conclusão de que para essa obra, não teria como dar um preço menor em função de todos esses fatores. Informou, ainda, que venceram 26 licitações nas quais participaram próximo ao preço teto (evento 1067, págs. 345 a 348). De fato, como os preços das contratações das três licitações alcançou valores que ultrapassam 76 milhões de reais, certamente empresas de outros Estados foram prejudicadas por não tomarem conhecimento das Concorrências através do Diário Oficial da União, o único meio de divulgação, dentre os legalmente previstos, que alcança outros Estados da Federação. Quanto à "exigência de usina de asfalto instalada", o Relatório de Demandas Especiais n.º 00222.000317/2009-88 da Controladoria-Geral da União destacou que a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, pelos Acórdãos n.º 1.578/2005 - Plenário e n.º 800/2008 - Plenário, considera restrititiva a inclusão de cláusulas editalícias exigindo, na fase de habilitação, que a empresa licitante já possua usina de asfalto instalada, ou, em caso negativo, que apresente declaração de terceiros detentores de usina. Segundo o Relatório, essa exigência é condição restritiva, especialmente para empresas de fora do Estado, infringindo os artigos 3.º, § 1.º, inciso I, e 30, § 6.º, ambos da Lei n.º 8.666/1993 (evento 1, INQ12), que assim estabeleciam, na época do relatório: Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. § 1o É vedado aos agentes públicos: I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato; [...] Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: I - registro ou inscrição na entidade profissional competente; II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos; III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação; IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso. [...] § 6o As exigências mínimas relativas a instalações de canteiros, máquinas, equipamentos e pessoal técnico especializado, considerados essenciais para o cumprimento do objeto da licitação, serão atendidas mediante a apresentação de relação explícita e da declaração formal da sua disponibilidade, sob as penas cabíveis, vedada as exigências de propriedade e de localização prévia. Embora o Relatório da CGU tenha impugnado a exigência de apresentação de licenciamento para a usina de asfalto (capacidade técnico-operacional, enquanto o art. 30 da Lei 8.666/93 teria rol exaustivo, que exige apenas capacitação técnico-profissional), o réu Cláudio Luiz da Silva Abreu (evento 1068, págs. 34/35), que era Diretor da SULTEPA à época, alegou que trata-se de questão superada, podendo ser exigido atestado de capacidade técnica e operacional em todas as obras públicas, tendo o TCU sumulado a matéria, citando a Súmula 263 do TCU, que dispõe o seguinte: Para a comprovação da capacidade técnico-operacional das licitantes, e desde que limitada, simultaneamente, às parcelas de maior relevância e valor significativo do objeto a ser contratado, é legal a exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes, devendo essa exigência guardar proporção com a dimensão e a complexidade do objeto a ser executado. Cláudio Luiz da Silva Abreu assim comentou a respeito dos laudos periciais : Sr. Cláudio Luiz da Silva Abreu – Eu tenho sim. Os laudos periciais, na parte que lhe é técnico e científico, que é mensurado, que é medido, ele... Os peritos furaram a espessura da obra, calcularam as quantidades executadas, medidas e pagas e chegaram à conclusão de que não apontaram danos ao erário, de que as espessuras aplicadas na obra estavam corretas e que as quantidades pagas eram realmente as quantidades executadas. Então, no tocante, na parte que eu chamaria de objetiva, do laudo pericial, os laudos absolvem totalmente as empresas de qualquer irregularidade, não encontrou nenhuma irregularidade e eu vi num depoimento, em um dos depoimentos, de um dos peritos, dizendo que esse foi um dos trabalhos mais complexos e mais completos que eles fizeram, e não encontraram nada. Nada de irregular. Mas a parte que eu chamaria de subjetiva do laudo, a parte em que se pergunta o terceiro quesito. Aliás, o primeiro quesito, “houve restritividade do edital?” O perito respondeu: “Sim.” E aqui, me parece que ele incorreu em, pelo menos, cinco equívocos, Excelência. Cinco equívocos. Se o senhor me permite, eu gostaria de declinar. O primeiro equívoco, Excelência, o perito considerou que não poderia, esse edital, exigir atestado de capacidade técnica e operacional. Por quê? Porque na lei 8.883 teria sido vetado o artigo que possibilitaria tal exigência. Não procede, Excelência. Não procede. Em favor do perito, pode-se dizer que havia uma corrente de pensamento que pensava assim, há muitos anos atrás. Mas, hoje, esse pensamento está pacificado de que pode e deve ser exigido atestado de capacidade técnica e operacional em todas as obras públicas, além do atestado de capacidade técnica e profissional. Isso, segundo a doutrina majoritária, segundo a júris farta, a jurisprudência e vários e vários acórdãos do TCU nesse sentido. O TCU, de tantos acórdãos que fez, ele resolveu sumular a matéria, fez a súmula 263, pacificando esse assunto. Então, eu acho que esse foi o primeiro equívoco da perícia ao analisar a resolutividade do edital. Sobre o fato de que 31 empresas retiraram o edital e não participaram da licitação, Cláudio Abreu alegou que, quase com certeza, o fator preço teve fundamental importância nessa decisão. Porque, na lista das empresas que retiraram o edital, tem empresas paulistas, tem empresas de outros estados, paranaenses, tem empresas de outros estados, que, certamente, são empresas de médio ou grande porte. Que teriam as condições de participar, mas não participaram. Porque, se o preço já é apertado para nós aqui, os caboclos da aldeia, como se diz, imagina para uma firma que vem de fora, para se instalar aqui, com acampamento, contratar engenheiro, contratar tudo, do zero aqui. Então, isto, eu diria que o fator preço foi o que afugentou a participação da maioria das empresas. A denúncia trata de outra maneira. A denúncia trata com a restritividade do edital, que teria afastado essas empresas. Eu não concordo com isso. Contudo, o próprio TCU considerou restrititiva a inclusão de cláusulas editalícias exigindo, na fase de habilitação, que a empresa licitante "já possua usina de asfalto instalada", ou seja, trata-se de questão específica, e não da exigência de "execução de quantitativos mínimos" em obras ou serviços, conforme sumulado, e tampouco de exigência de atestado de capacidade técnica e operacional. Rogério Araújo de Souza, engenheiro que trabalhou na MAC, referiu que a exigência de licença de operação de usina de asfalto expedida pela FEPAM em nome da licitante ou a apresentação de contrato de fornecimento de concreto asfáltico por usina licenciado também pela FEPAM era aberta, e não restritiva, já que havia por volta de 30 usinas de asfalto; que a limitação do número de atestados para comprovação da capacidade operacional das licitantes a um atestado ou no máximo 2, e exigência de comprovação de capital social igual ou superior a 10% do valor prevista para a contratação eram "usuais"; que os editais do DNIT eram mais rigorosos do que os da CORSAN (evento 1067, págs. 298/299)
O engenheiro civil William Luiz Marcelino, que desde 2001 prestava serviços para a Gel Engenharia, no departamento de orçamentos e propostas, referiu que o edital exigia que apresentassem um documento de que teriam disponível uma usina de asfalto para atender a essa obra, muito embora o custo desse asfalto não fosse tão impactante nessa obra, mas era uma exigência do edital. Então precisaram, na época, correr atrás e tentar obter uma autorização de uma dessas empresas, de usinas de asfalto, para que pudessem participar da licitação (evento 1067, pág. 348). Não há como afastar-se a restritividade da cláusula que prevê tal exigência, que ultrapassa o rol taxativo do artigo 30 acerca dos documentos relativos à qualificação técnica, bem como ultrapassa a "exigência de comprovação da execução de quantitativos mínimos em obras ou serviços com características semelhantes", sendo um dos pontos dos editais que pode ter afastado a concorrência de outras empresas. Quanto à "exigência de execução de travessia pelo método não destrutivo", houve impugnação da empresa Construtora Pelotense Ltda. ao Edital de Concorrência n.º 426/08. A empresa insurgiu- se quanto à exigência editalícia de “execução de travessia de rodovia ou ferrovia pelo método não destrutivo de 400 mm, com comprimento mínimo de 25 m", sob o argumento de que “poucas empresas possuem atestados de execução de serviço de travessia de rodovia ou ferrovia pelo método não destrutivo, já que se trata de serviço especializado, usualmente terceirizado (evento 249, OUT70, págs. 17/19). Paulo Fernando Billes Goetze informou que poucas empresas no Brasil possuíam a máquina específica (importada dos Estados Unidos) com tecnologia para executar tubulações por métodos não destrutivos. Ele afirmou que, pelo que sabe, na época, máquina igual a que eles tinham somente existia uma (evento 1069, pág. 15). SÉRGIO LUIZ MALLMANN, Superintendente de Projetos e Obras da CORSAN na época dos fatos, referiu, quanto à exigência de comprovação de execução de travessia de rodovia ou ferrovia pelo método não destrutivo de 400 mm, com comprimento mínimo de 25m, que não se recordava especificamente do mesmo; no entanto, teve que analisar essa questão quando deu entrada na CORSAN uma solicitação de esclarecimentos pela Controladoria-Geral da União; que essa exigência provavelmente tenha sido determinada pela Diretoria de Expansão ou pela própria presidência da CORSAN, pois provavelmente foi considerada exigência importante para o certame (evento 1, INQ11, pág. 81). Guilherme Gonçalves Almeida, engenheiro civil, ouvido como testemunha, explicou como é o método não destrutivo: O não destrutivo, para instalar uma rede do A até o pronto B, se um poço de ataque que é uma escavação localizada no ponto A mesmo sendo visto do ponto B e com uma máquina, um equipamento instalado nesse ponto A, uma sonda vai até outro lado e puxa a tubulação que vai ficar instalada. Não se interrompe o trânsito, não se abre, não tem escavação, tem menos interrupção, não existe interrupção do tráfico; em compensação, tem vários riscos no sentido de que o conhecimento do que tem no subsolo vem de cadastro, projetos existentes e de equipamentos que se fazem a sondagem; então é um serviço muito mais técnico. (...) é um serviço de muita responsabilidade, porque problemas na execução podem causar explosão em um gasoduto, um rompimento de via de formação (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 65/66). A testemunha Márcio Ferreto, que trabalha na SULTEPA desde 1989, alegou que nas obras de Alvorada não houve a necessidade de emprego de método não destrutivo, mas nas de Canoas sim. Como Canoas já tinha uma estação de tratamento implantada e canais, rodovias, Trensurb, uma série de interferências, a solução para fazer a interligação é o uso de travessias não destrutivas; é uma solução técnica, econômica e rápida (evento 1067, pág. 200). O engenheiro civil William Luiz Marcelino, que desde 2001 prestava serviços para a Gel Engenharia disse que a GEL executou uma obra em São Paulo e, salvo engano, em 2006 a empresa adquiriu um equipamento americano para fazer serviço pelo método não destrutivo, então possivelmente já tinham esse equipamento em 2008. Mas respondeu que não é muito comum; que no Brasil devem ter três ou quatro empresas de saneamento que possuem equipamentos similares a esse, até mesmo na data atual. Existem outros equipamentos mais simples que também fazem o método não-destrutivo, porém com diâmetros menores, que é o chamado Navigator, que é um equipamento diferente do equipamento que a GEL possui (evento 1067, págs. 362 a 363). Se, por um lado, as defesas dos réus demontraram a adequação da exigência de método não destrutivo para as obras nos municípios de Canoas, Esteio e Sapucaia do Sul, em virtude da existência de rodovias movimentadas, Trensurb, e uma série de outras interferências, por outro, fica a questão relativa à exigência de características específicas (e, por consequência, de equipamento mais raro) da não destrutividade. De qualquer forma, e sopesada a sua não exigência em casos de editais referentes outras áreas, há que se concluir que tais cláusulas dos editais das Concorrências n.º 426/2008 e 428/2008 não são claramente restritivas à competitividade dos certames, por serem justificáveis pelas circunstâncias físicas. Quanto à "exigência de no máximo dois atestados", houve impugnação da Construtora Pelotense Ltda., sustentando a ilegalidade da exigência de comprovação de experiência por parte dos licitantes em no máximo dois atestados, alegando ter em seu currículo a execução de todos os serviços elencados em quantidades muito superiores às exigidas, porém em mais de dois atestados. CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU afirmou que eram dois atestados por item; então se eram sete exigências, poderiam ser admitidos 14 atestados; se fossem oito, seriam 16; os editais da CORSAN já eram assim antes. Continuaram assim depois e foram feitos assim, durante essa licitação (evento 1068, pág. 35), sendo que na Concorrência nº 426/08, a empresa Mac Engenharia Ltda foi habilitada apresentando três atestados; na Concorrência nº 427/08, as empresas Marco Projetos e Sultepa Construções e Comércio Ltda foram habilitadas apresentando quatro atestados; na Concorrência nº 428/08, a empresa Sultepa Construções e Comércio Ltda foi habilitada apresentando quatro atestados. Contudo, conforme referiu o MPF, a questão (possibilidade de até dois atestados para cada item) não estava clara no edital e não foi esclarecida para as empresas interessadas nos certames licitatórios, o que possivelmente as impediu de oferecer proposta. Esta seria mais uma cláusula restritiva. Quanto aos "custos unitários superiores aos de mercado", Cláudio Luiz Da Silva Abreu, em Juízo, sustentou que no edital da CORSAN o preço de CBUQ era R$ 73,13, salvo engano, por m², mas no diálogo está se falando de R$ 58,00 a R$ 90,00. Nunca foi R$ 58,00 e nunca chegou a R$ 90,00. Mas esse preço de R$ 73,13, ele não foi feito para essas três licitações que estão em pauta, a 426, 427 e 428. Esse preço era o praticado já para a CORSAN. Licitações anteriores adotaram esse mesmo preço (evento 1068, TERMOTRANSCDEP1, págs. 15 a 24). A testemunha Dirceu Guimarães dos Passos afirmou que era bastante comum as empresas oferecerem propostas mais próximas do preço teto, do preço oficial dos órgão contratantes, em função do aquecimento do mercado que se apresentava na época. Quanto ao diálogo de 05/03/2008, referiu que CBUQ, laje de grês e areia, são serviços comuns que são corriqueiros a qualquer tipo de obra. Mas os preços que são mencionados ali não são, não têm a ver com os preços praticados pela CORSAN. Primeiro porque no edital da CORSAN, o preço de CBUQ era R$ 73,13, salvo engano, por m², mas no diálogo está se falando de R$ 58,00 a R$ 90,00. Nunca foi R$ 58,00 e nunca chegou a R$ 90,00. Mas esse preço de R$ 73,13, ele não foi feito para essas três licitações que estão em pauta, a 426, 427 e 428. Esse preço era o praticado já para a CORSAN. Licitações anteriores adotaram esse mesmo preço (evento 1067, TERMO_TRANSC_DEP1, págs. 39/40). Algumas testemunhas, como André Leufermann, engenheiro e sócio-diretor da Brasília Guaíba Obras Públicas, comentaram que os preços praticados pela CORSAN nunca eram bons para o mercado, eram muito baixos, e não permitiam a rentabilidade esperada pelas empresas (evento 1067, pág. 20). O réu ODILON afirmou que os preços propostos pela CORSAN eram considerados defasados pela AGEOS (evento 1, INQ7, pág. 27). DEOCLÉCIO LUIZ CAUMO, quanto ao diálogo do dia 05/03/08, às 08h34min, entre Marco Camino e Odilon Menezes, afirmou que em algumas ocasiões se reuniu com Odilon, inclusive para tratar sobre preços unitários, mas não tratou nada com ele acerca das obras da CORSAN; perguntado sobre a elevação de preços de alguns itens mencionados como CBUQ, laje de grês e areia, esclareceu que a AGEOS exerce um controle sobre os preços praticados no mercado, no intuito de garantir que os mesmos estejam sempre atualizados; mas apenas sugere a atualização, não tem o poder de garanti-la (evento 1, INQ7, pág. 22/23). Logo, não se verifica que os editais tenham efetivamente praticado preços unitários superiores aos de mercado, ao menos em termos gerais, sendo relevante ressaltar que os laudos periciais complementares não identificaram prejuízo ao erário na execução das obras. A isso se poderia acrescer a argumentação de defesa no sentido de que os preços estariam defasados, ainda que, pela perspectiva empresarial, tal argumentação seja conveniente. Quanto à tentativa de manipulação de alguns preços por parte dos réus, a análise se dará junto à da autoria delitiva. Pelo exposto, conclui-se que, em alguns pontos, o veredito da perícia técnica acerca de restrições à competitividade em certas cláusulas dos Editais 426/08, 427/08 e 428/08, é crível. Cumpre agora analisar se houve manipulação por parte dos réus - sejam empresários ou funcionários da CORSAN - quanto a essas exigências, para que constassem nos editais com o fim de restringir a competitividade dos certames (o direcionamento dos editais). Também há que se verificar se houve o conluio entre as empresas para a combinação prévia de preços, orçamentos ou propostas financeiras. Da mesma forma, será apurado se houve ou não o conhecimento prévio - antes da publicação - dos editais das Concorrências, por parte das empresas.
Pois bem, a materialidade delitiva está bem documentada nos autos, evidenciando que, nas Concorrências Públicas nºs 426/08, 427/08 e 428/08 para obras de saneamento, com recursos repassados pela União/Ministério das Cidades, em Canoas, Alvorada, Viamão, Esteio e Sapucaia do Sul - todos municípios da região metropolitana de Porto Alegre/RS - houve fraude do caráter competitivo do certame pela imposição de cláusulas restritivas nos respectivos editais.
Os recursos federais direcionados a essas obras constam dos Contratos de Repasse nºs 0218519-60/2007, 0224353-90/2007 e 0224352-86/2007, celebrados em 28/12/2007, entre a União/Ministério das Cidades, representada pela Caixa Econômica Federal, o Estado do Rio Grande do Sul/Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano, e a Companhia Riograndense de Saneamento – CORSAN (evento 1088).
Em síntese, os documentos que concluíram ter havido fraude licitatória são os Laudos nº 598/2011 – INC/DITEC/DPF(evento 1, AP_INQ_POL67, pág. 14 a 51) e nº 40/2012– INC/DITEC/DPF (evento 1, INQ11, pág. 32 a 45), referentes à Concorrência 426/2008; Laudos nº 094/2011- UTEC/DPF/SMA/RS (evento 1, AP_INQ_POL66, pág. 3 a 39; evento 1, AP_INQ_POL67, pág. 1 a 13) e nº 162/2012-UTEC/DPF/SMA/RS (evento 1, INQ7, pág. 124 a 132 e evento 1, INQ8, pág. 1 a 44) referentes à Concorrência 427/2008; Laudos nº 462/2011 -INC/DITEC/DPF (evento 1, AP_INQ_POL63, págs. 3 a 44; evento 1, AP_INQ_POL64, pág. 1 a 62) e nº 1582/2011 – INC/DITEC/DPF (evento 1, INQ8, pág. 46 a 68), referentes à Concorrência nº 428/2008.
Consta dos autos também o Relatório de Demandas Especiais de nº 00222.000317/2009- 88 da Controladoria Geral da União, corroborando a existência de cláusulas restritivas nos editais das concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08 (evento 1, INQ11, pág. 118 a 120 e evento 1, INQ12, pág. 1 a 70).
Em 06/05/2008, as empresas GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA, a CONTRUTORA PELOTENSE LTDA e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) apresentaram impugnações administrativas aos três editais, alegando irregularidades como ausência de prazo mínimo instituído em lei para a elaboração da proposta, incorporação de obras de natureza distintas em um mesmo procedimento licitatório, em desacordo com art. 23 da Lei nº 8.666/93, e aplicação de exigências não previstas em lei para comprovação de capacidade técnica da empresa participante. Todas essas impugnações foram indeferidas pela Comissão de Licitação no dia imediatamente posterior (07/05/2008), sem fundamentação ou embasamento legal expresso.
No que se refere ao conteúdo dos editais, configurariam fraude à competição das licitações essas cláusulas restritivas apontadas nos documentos acima, analisadas uma a uma pelo magistrado, as quais impossibilitariam a participação de um número maior de empresas. Dentre essas exigências, o juiz sentenciante concluiu que efetivamente restringiram o caráter competitivo a "não publicação do aviso no Diário Oficial da União", a "exigência de usina de asfalto instalada" e a "exigência de no máximo dois atestados para comprovação de experiência dos licitantes".
Os demais pontos dos editais não foram considerados na sentença como restritivos da competição, do que o MPF não recorreu. Sobre a não publicação do aviso no Diário Oficial da União, ponto impugnado pelas três empresas, verifica-se possível violação do art. 21, I, da Lei nº 8.666/93, o qual determina que os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, devem "ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez, no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal e, ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais".
E como bem pontuou o magistrado, uma vez que os preços das contratações das três licitações chegavam a R$ 76 milhões, houve prejuízo a empresas de outros estados que não tiveram pleno conhecimento das licitações pelo DOU, veículo de alcance nacional.
Sobre a exigência de usina de asfalto instalada, a Controladoria-Geral da União, em seu Relatório de Demandas Especiais nº 00222.000317/2009-88, esclareceu que a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (Acórdãos nº 1.578/2005 - Plenário e nº 800/2008 - Plenário), reputa que é, sim, restrititiva a inclusão de cláusulas editalícias exigindo que a empresa, na fase de habilitação, já possua usina de asfalto instalada, ou, em caso negativo, que apresente declaração de terceiros detentores de usina, o que, segundo a CGU, é especialmente restritiva para empresas de fora do Estado, contrariando o art. 3.º, § 1.º, inciso I, e o art. 30, § 6.º, ambos da Lei n.º 8.666/1993 (evento 1, 1.11 e 1.12).
Ao contrário do que foi alegado pelo réu Cláudio, não se trata de questão superada em súmula do TCU (Súmula nº 263) autorizando a exigência de atestado de capacidade técnica e operacional em todas as obras públicas, posto que o próprio Tribunal de Contas considerou restritiva a inclusão do requisito de já possuir usina de asfalto instalada.
Sobre a exigência de no máximo dois atestados, a Construtora Pelotense Ltda. alegou ser uma exigência ilegal, posto que teria em seu currículo a execução de todos os serviços em quantidades muito superiores às exigidas, porém em mais de dois atestados. Quanto a isso, o réu Cláudio referiu que eram dois atestados "por item". Porém, o MPF afirmou que esse ponto não estava suficientemente claro no edital, o que poderia, sim, afastar interessados, o que se verificou no caso da própria Construtora Pelotense, o que caracteriza cláusula restritiva.
Em suma, do ponto de vista do seu conteúdo, esses foram os itens dos editais considerados restritivos do caráter competitivo dos certames.
Já o envolvimento dos réus para manipular a inclusão de tais exigências nos instrumentos convocatórios a fim de direcioná-los, o conluio das empresas para a combinação de propostas e o conhecimento prévio do conteúdo dos editais será analisado em conjunto com a autoria de cada réu, na mesma ordem adotada em primeiro grau.
2.1.1. réus Marco Antônio de Souza Camino, Odilon Alberto Menezes e Cláudio Luiz da Silva Abreu
Os réus Marco Camino, Odilon e Cláudio foram condenados em primeira instância pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/1993 (atual art. 337-F do CP), por terem, em suma, fraudado o caráter competitivo das licitações de Concorrência nºs 426/2008, 427/08 e 428/08.
Segundo a sentença, os acusados manipularam o direcionamento dos editais, com a combinação de preços e propostas apresentadas e a vantagem de terem conhecimento prévio dos editais daqueles certames, o que estaria demonstrado pelos elementos dos autos, principalmente as interceptações telefônicas.
As condenações foram proferidas nos seguintes termos (evento 1154, SENT1):
(...)
A sentença deve ser mantida quanto à condenação de Marco Camino, Odilon e Cláudio pela prática dos crimes de fraudar o caráter competitivo da licitação, pois as interceptações telefônicas, somadas à prova documental, não deixam dúvidas de que os réus agiram para direcionar os editais das licitações das quais se sagraram vencedoras as empresas SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA (Concorrências nºs 426/08 e 427/08) e MAC ENGENHARIA LTDA (Concorrência nº 428/08).
Conforme se viu nos autos, na época dos fatos, o réu Marco Camino era sócio e proprietário da empresa MAC ENGENHARIA LTDA, o réu Odilon era sócio da empresa CSL CONSTRUTORA SACCHI LTDA e Presidente da AGEOS (Associação Gaúcha de Empresas de Obras e Saneamento) e o réu Cláudio era o Diretor da empresa CONSTRUTORA SULTEPA S/A e administrador da SULTEPA CONSTRUÇÕES E COMÉRCIO LTDA.
O início das tratativas referentes às licitações em questão ocorreu em diálogo interceptado no dia 17/12/2007, alguns meses antes da publicação dos editais ocorrida em 28/03/2008. O então Secretário Estadual de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento, Marco Aurélio Soares Alba, comunicou ao proprietário da MAC Engenharia, o réu Marco Camino, que no dia seguinte o Ministro das Cidades iria a Porto Alegre/RS trazendo "boas notícias para o Rio Grande", convidando o réu a comparecer à Secretaria entre 10h30 e 11h. Marco Camino responde que iria entre 11h e 11h30, acertando o encontro entre eles (Auto Circuntanciado nº 04/2008, evento 1, AP_INQ_POL19, pág. 87 a 88). Em 28/12/2007, foram assinados os contratos de repasse da União/Ministério das Cidades para as obras de saneamento básico em municípios da região metropolitana de Porto Alegre. Em 03/01/2008, o réu Marco Camino conversou com o réu Odilon, sócio da CSL – Construtora Sacchi Ltda e Presidente da Associação Gaúcha de Empresas de Obras de Saneamento (AGEOS), o qual comentou que os editais que estavam para sair "seriam de materiais", que "ia trabalhar para isso" e que "o contrato foi assinado dia 28", em clara alusão ao repasse de recursos federais para aquelas obras (Auto Circunstanciado nº 04/2008, evento 1, AP_INQ_POL19, pág. 105/106).
Nesse ponto, já merece atenção que o réu Odilon atuaria ("trabalharia") para que os editais fossem publicados nos termos do seu interesse. Em 16/01/2008, Marco Camino e Odilon trataram de vários aspectos relativos às licitações, com expressões que claramente se referem aos seus possíveis ganhos caso a formatação dos certames ocorresse conforme esperavam. Esse diálogo repleto de termos não compreensíveis num primeiro momento - o que é proposital nesse tipo de tratativa e já denota a sua ilicitude - demonstra sem sombra de dúvidas que havia um ajuste prévio entre Marco Camino e Odilon, mesmo sem deixar totalmente claro qual ele seria (evento 1, INQ13, pág. 47).
Conforme relatório de análise da PF, em 12/02/2008, Marco Camino entrou em contato com Mário Freitas, à época Presidente da CORSAN, informando que havia agendado um café para aquela manhã e que precisava receber os projetos de janeiro (evento 1, INQ13, pág. 49). Em 29/02/2008, Marco Camino pediu a Deoclecio (Diretor da MAC Engenharia Ltda.) que entrasse em contato com Cláudio, para ver como estaria "a outra parte” e “fazer reunião com os caras para poder mudar o negócio” (evento 1, INQ13, pág. 51-52). Em 05/03/2008, foi gravado outro diálogo entre Marco Camino e Odilon, um dia após uma reunião que, de acordo com a acusação, é aquela citada na conversa de 29/02/2008. Nesse mesmo diálogo, Marco Camino e Odilon conversaram abertamente sobre alteração de valores de itens licitados ("o preço do CBUQ, aquele preço passa pra 90, vai de 58 para 90, preço da lage de gress e o preço da areia") e o que teria ficado "combinado" com Claudio (evento 1, INQ13, pág. 53). Em 17/03/2008, nova conversa entre Marcos Camino e Odilon revelaram a interferência dos empresários nas licitações, ao falarem mais uma vez de maneira aberta que mantinham contato com agentes públicos para que preços e itens fossem alterados para ficar "de acordo com aquilo que a gente tinha pedido". Em 24/03/2008, poucos dias antes das publicações dos editais de concorrência, Marco Alba convidou Marco Camino para "tomar um café". Um pouco mais tarde daquele mesmo dia, Marco Camino disse a Odilon que o "número um" o havia chamado para uma conversa à tarde, ao que Odilon responde que tinha falado com o "número dois" e que provavelmente conseguiria reunir-se com ele ao final da tarde. Ambos combinaram de conversar novamente após as suas reuniões. Naquela mesma tarde, Marco Camino falou com Odilon sobre o encontro com Marco Alba, mencionando que seria entregue algum documento a Odilon, com a recomendação de que Odilon não aceitasse "aquele papel de pão". Camino ressaltou que eles queriam "o quente, aquele que nós conversamos" (evento 1, INQ13, pág. 59).
Em 26/03/2008, Marco Camino e Odilon mostraram que estavam previamente a par da confecção e do conteúdo dos editais, ao comentarem a não inclusão da exigência do método "não destrutivo" ("tem dois que eles não tão querendo botar lá 'não destrutivo'..."), dando a entender que esse item não seria exigido e caso isso ocorresse, seria prejudicial ao seus negócios. E foram além, disseram que alguma coisa deveria ser feita e que não aceitariam resposta negativa, tinha "que dar um jeito", "precisa e acabou" e que "se não der, isso tá fora das conversas", em tom até ameaçador, demonstrando inexistir muito pudor quando se tratava de interferir nas licitações do seu interesse (evento 1, INQ13, pág. 60). Esse diálogo, além de deixar clara a total falta de limites na atuação dos réus para garantir benefícios perante a administração pública, evidenciou a intenção de restringir a competitividade do certame com a inclusão do mencionado método "não destrutivo", o que, no entender dos réus, favoreceria as suas empresas, e o prévio conhecimento dos editais, posto que a Concorrência Pública nº 426/08 (Canoas/RS) e a Concorrência Pública nº 428/08 (Esteio/RS e Sapucaia do Sul/RS) exigiam a execução pelo método não destrutivo, mas a Concorrência Pública nº 427/08 (edital para dois municípios, Alvorada/RS e Viamão/RS: "tem dois que eles não tão querendo botar lá"), não exigiu o método "não destrutivo", nos exatos moldes do diálogo travado entre Marco Camino e Odilon. Em 29/03/2008, Marco Camino contou a Odilon que os editais haviam sido publicados, fazendo piada com a "eficiência fantástica", ao que Odilon responde que, mesmo sem saber da publicação, já tinha cópia deles (evento 1, INQ13, pág. 62). Já em 22/04/2008, Marco Camino entrou em contato com Carlos Júlio Garcia Martinez, então Diretor Administrativo-Financeiro da CORSAN, convidando-o para um almoço na quinta-feira seguinte. Carlos então questionou se seria "no mesmo lugar", mostrando certa intimidade entre o empresário e o funcionário público, revelando também que já houve algum encontro anterior. Marco Camino confirmou e disse que seria para tratar do "assunto de março", referindo-se aos editais das licitações publicados no mês anterior, ao que Carlos respondeu que, até quinta, teria uma "informação melhor" (evento 1, INQ13, pág. 64-65). Em 24/04/2008, quinta-feira, Marcos Camino avisou que estava esperando e Carlos respondeu que tinha se atrasado justamente porque estava "em função da informação", mas já estava no táxi a caminho (evento 1, INQ13, pág. 67-68).
Vale registrar que Carlos Martinez afirmou ter sido convidado pelo então Secretário Estadual Marco Alba para ingressar na CORSAN (evento 1, INQ7 p. 20-21). O relatório policial concluiu que Carlos era tratado por Marco Camino e Odilon como "o nosso homem da CORSAN", o que indica sua importância no esquema e sua ligação com os empresários participantes de licitações na companhia (evento 1, INQ13, pág. 73).
Na sequência dos fatos, em 06/05/2008, três empresas impugnaram administrativamente os três editais - GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA - GEL, CONTRUTORA PELOTENSE LTDA e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA, como já observado acima. Os pedidos foram sumariamente indeferidos pela CORSAN, em 07/05/08, apenas um dia após a apresentação das impugnações, sem qualquer fundamentação (evento 249, OUT70, evento 249, OUT71 e evento 249, OUT72). Em 07/05/2008, Marco Camino entrou novamente em contato Carlos Martinez para tratar de um “projeto de reestruturação”. Os dois marcaram de almoçar no dia seguinte, "no mesmo lugar" e, poucos minutos após essa conversa, Marco Camino avisou Odilon de que se encontraria “com o nosso homem da CORSAN”, deixando claro que essa pessoa era, de fato, Carlos Martinez (evento 1, INQ13, pág 72). Ainda em 07/05/2008, um outro diálogo de Marco Camino, desta vez com Caetano Alfredo Silva Pinheiro (integrante da Diretoria do Sindicato da Indústria da Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem em Geral/SICEPOT, e sócio da empresa Procon Construções, Indústria e Comércio Ltda), descreveu a participação de uma empresa de Curitiba/PR "no primeiro baile" e que "pagaria o convite e o preço cheio". Essa linguagem em código foi utilizada para tratar de que a referida empresa participaria de licitação (baile) e ofereceria o valor teto do edital (preço cheio) para dar ares de competição. Poucos minutos depois, Marco Camino reportou a Odilon a participação da empresa de Curitiba e diz que o total de participantes seria suficiente ("vai ele no 'baile' e nós três, chega?") (evento 1, INQ13, pág. 73 e 75-76).
Também em 07/05/2008, o engenheiro Paulo, da MAC ENGENHARIA, avisou Marco Camino sobre as impugnações aos editais do dia anterior. Marco Camino respondeu expressamente que iria pedir "lá pros caras não acatar", deixando claro que iria interferir no julgamento das impugnações aos três editais (evento 1, INQ13, pág. 69). Em 12/05/2008, Marco Camino e Odilon combinaram de agendar almoço com Carlos Martinez. Em 14/05/2008, data em que foram publicados os avisos de julgamento das Concorrências nºs 427 e 428, Marco Camino combinou de se encontrar com Carlos Martinez e disse que avisaria Odilon (evento 1, INQ13, pág. 79-80). Em 27/05/2008, Marco Camino e Odilon trataram de marcar uma reunião "com os parceiros para acertar logo o chaca-chaca". Nessa conversa, houve menção a Ricardo Lins Nunes Portella e a Cláudio Abreu, ambos da empresa SULTEPA, que venceu as Concorrências nº 426/2008 e 427/2008 (evento 1, INQ13, pág. 83/84). Em 29/05/2008 à tarde, foram abertas as propostas da Concorrência nº 426/2008, cuja vencedora foi a Sultepa Construções e Comércio Ltda. Naquela mesma tarde, Cláudio Abreu (Sultepa) telefonou para Marco Camino (MAC Engenharia) para solicitar que alguém da MAC estivesse presente na abertura das propostas para renunciar aos prazos de recurso. Como bem pontuado na sentença, esse diálogo revelou que Cláudio já sabia que a sua empresa seria a vencedora, pois a conversa ocorreu antes do anúncio do resultado, já tendo o réu Cláudio definido que a outra empresa - a MAC - deveria abrir mão de prazo para recorrer e por isso algum representante deveria estar presente (evento 1, INQ13, pág. 87).
Ora, diante do conteúdo dessas conversas, resta cristalina a atuação dos réus Marco Camino, Odilon e Cláudio Abreu para fraudar a competição das três licitações, não tendo as defesas apresentado explicações plausíveis para os diálogos incriminatórios, nem logrado êxito em infirmar as provas que recaem sobre os acusados.
O réu Marco Camino, em sede policial, afirmou, em síntese, que se encontrava com o então Secretário Marco Alba para tratar de Parcerias Público-Privadas (PP Ps) na região metropolitana de Porto Alegre, na área de saneamento da CORSAN. Disse que a sua empresa, MAC Engenharia, havia firmado parceria com a empresa CIBE, de São Paulo, para levar adiante essa iniciativa junto ao Governo do RS; que muitas reuniões foram feitas nas cidades que seriam envolvidas nas obras, a fim de apresentar a ideia das PP Ps, mas o projeto acabou não sendo implementado. Sobre os contatos com Odilon, o réu Marco Camino disse que ocorreram porque Odilon era presidente da Associação Gaúcha de Empresas de Obras de Saneamento (AGEOS), e a entidade representava suas associadas, mas que não trataram de manipulação de editais. Também não soube explicar por que falou com Odilon sobre combinações com Cláudio Abreu, apenas referindo que, como soube que a SULTEPA havia sido vencedora de certame, tentou contato com seus representantes para uma empresa não prejudicar a outra quanto a contratação de profissionais e a compra de materiais (evento 1, INQ7).
Em juízo, Marco Camino optou por não comentar as interceptações telefônicas. Basicamente disse que teve contato com parte dos réus mas negou qualquer influência no caráter competitivo das licitações, as quais afirmou serem com editais padrão, com pontuais modificações pelo tipo e tamanho da obra(evento 1068, TERMO_TRANSC_DEP1, pág. 66 e seguintes).
O réu Odilon, em sede policial, disse que a CSL, empresa da qual era sócio, não preenchia os requisitos das concorrências nº 426/08, nº 427/08 e nº 428/08, e que por isso não participou dos certames, o que poderia indicar que Odilon não se beneficiou das fraudes licitatórias (evento 1, INQ7).
Em juízo, Odilon permaneceu em silêncio (evento 1069, TERMO_TRANSC_DEP1, pág. 1 a 4 e evento 1061). Porém, o fato de a CSL não ter participado daquelas licitações não lhe causou verdadeiro prejuízo nem afasta a participação no conluio, posto que na Concorrência nº 428/08 (Esteio e Sapucaia do Sul), a vencedora do certame - MAC Engenharia, do réu Marco Camino - subcontratou outras empresas e também a CSL, mas esta num valor muito superior às outras terceirizadas.
De acordo com a tabela 9 constante do Laudo nº 462/2011, a empresa CSL Construtora Sacchi Ltda foi subcontratada pela MAC Engenharia por um valor de aproximadamente R$ 6.330.000,00 (seis milhões, trezentos e trinta mil reais), num percentual de 64,3% em relação ao total de serviços terceirizados, enquanto a segunda empresa com maior porcentagem teve apenas 9,5% do total de serviços subcontratados (evento 1, AP_INQ_POL63, pág. 35).
Além disso, como Presidente da AGEOS, o réu Odilon representava as empresas do ramo e, por isso, fazia essa intermediação entre elas, razão pela qual frequentemente foi flagrado conversando com Marco Camino (MAC Engenharia) e mencionando expressamente Cláudio Abreu e Ricardo Portella (Sultepa).
O réu Cláudio Abreu, ouvido em juízo, também não trouxe explicações convincentes para as gravações telefônicas e demais provas dos autos. Sobre os preços de itens dos editais mencionados na conversa do dia 05/03/2008, o réu disse que "CBUQ, laje de grês e areia" são corriqueiros a qualquer tipo de obra, mas aqueles preços ditos pelos interlocutores não se referiam aos valores praticados usualmente pela CORSAN (evento 1068, TERMO_TRANSC_DEP1).
A respeito do diálogo com Marco Camino em 29/05/2008, o réu Cláudio Abreu disse também em juízo que pediu a presença de algum representante da MAC Engenharia para, caso a empresa não fosse declarada vencedora, já abrisse mão do prazo para recurso, agilizando todo o processo. Mas, como já referido quando da análise desse trecho das conversas, Cláudio Abreu solicitou alguém comparecesse para abrir mão do prazo e ponto final, sem qualquer condicionante de possível empresa vencedora, o que leva à conclusão óbvia de que já sabia que a SULTEPA, a sua empresa, seria vitoriosa. Sobre a conversa de 29/02/2008 em que Marco Camino pediu a Deoclecio para contatar Cláudio Abreu para ver como estaria "a outra parte” e “fazer reunião com os caras lá para poder mudar o negócio lá”, a defesa de Cláudio Abreu afirmou que se tratava do consórcio para as obras do DMAE/PISA em Porto Alegre, juntando documentos (evento 1063). Porém, os editais de licitações das obras do PISA/DMAE não haviam sido lançados na época das conversas interceptadas, apenas os de pré-qualificação, pelo que não teria sentido o pedido de Marco Camino para “fazer reunião com os caras para mudar o negócio”.
E como bem pontuou o magistrado de primeiro grau, a citação à “outra parte” indica que só havia duas empresas aptas a vencer as licitações em comento, posto que fraudaram o seu caráter competitivo, além de que as gravações telefônicas não continham em nenhum momento expressões “DMAE” ou “PISA”, por exemplo, desmontando por completo essa tese defensiva.
Sobre as combinações de preços entre as empresas, a defesa de Claudio Abreu alegou que a redução de R$ 0,01 consistia apenas em correção da tabela equivocada do órgão licitante, o que não comprovaria o acerto entre os réus. Ora, esse sequer é o único elemento de convicção quanto ao conluio entre as empresas, que, aliás, apresentaram propostas idênticas com um centavo de diferença nos exatos mesmos itens. De todo modo, a diferença de apenas um centavo para os exatos mesmos itens é, sim, mais uma evidência de ajuste prévio entre os licitantes, pois não faria sentido que, somente nos itens com erros na tabela do órgão público, as empresas apresentassem propostas iguais com ínfima e idêntica diferença do valor referencial. Como bem pontuado no relatório do inquérito policial, num suposto ambiente de concorrência, seria impensável que as propostas fossem coincidentes sempre nos mesmos pontos (evento 1, INQ14, pág. 5). O réu Carlos Martinez, embora não tenha sido denunciado pelo crime de licitação, teve suas conversas gravadas e revelou contato frequente com os réus, tanto que marcava encontros "no mesmo lugar", reforçando a tese acusatória, conforme esmiuçado na análise dos diálogos de 22/04/2008 e 24/04/2008. Seu envolvimento será mais bem detalhado quando da análise do crime do art. 288 do CP.
Não há dúvidas, portanto, que a atuação de Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu consistiu em fraude ao caráter competitivo das três licitações (426, 427 e 428), o que obviamente beneficiou as suas empresas - SULTEPA, MAC e CSL. Inexistem razões para a reforma da sentença quanto a esse ponto, devendo ser mantidas as condenações pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/1993 (atual art. 337-F do CP), por três vezes.
(...)
2.3. Crime de quadrilha - art. 288 do CP (redação anterior)
Os réus Marco Camino, Odilon, Cláudio e Carlos Martinez foram condenados pelo crime do art. 288 do CP, com a redação vigente à época, por terem se associado para a prática de crimes.
A condenação quanto a esse delito foi proferida nos seguintes termos:
II.4 - Fato 5 - Quadrilha ou Bando (artigo 288, caput, do CP) Segundo a denúncia, os acusados CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, DEOCLECIO LUIZ CAUMO, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, MARCO AURÉLIO SOARES ALBA, MÁRIO RACHE FREITAS, ODILON ALBERTO MENEZES, RICARDO LINS PORTELLA NUNES, no período de 17 de dezembro de 2007 a 08 de maio de 2008, teriam se associado em quadrilha com a finalidade de praticar crimes licitatórios no âmbito da Companhia Riograndense de Saneamento (CORSAN). Os réus CARLOS JULIO GARCIA MARTINEZ, CLAUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, DEOCLECIO LUIS CAUMO, MARCO Antônio DE SOUZA CAMINO, Mário RACHE FREITAS, ODILON ALBERTO MENEZES e RICARDO LINS PORTELLA NUNES foram denunciados pela prática do delito previsto no artigo 288 do Código Penal, que assim dispunha, à época dos fatos (redação anterior à Lei n.º 12.850/2013): Quadrilha ou bando Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de um a três anos. Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado. Segundo a redação do artigo 288 à época dos fatos (não se aplica a alteração da Lei n.º 12.850/2013 por ser mais grave), para a configuração do delito de quadrilha ou bando, seria necessária a associação de pelo menos quatro pessoas, para o fim de cometer crimes. Os réus DEOCLECIO LUIS CAUMO, MÁRIO RACHE FREITAS e RICARDO LINS PORTELLA NUNES foram absolvidos quanto ao delito de fraude à licitação, e, pelos mesmos fundamentos então desenvolvidos, devem ser absolvidos quanto ao delito do artigo 288 do Código Penal, nos termos do artigo 386, V, do CPP (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal). Por outro lado, os réus MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU e ODILON ALBERTO MENEZES foram condenados pelo crime de fraude à licitação. Na fundamentação então desenvolvida fica claramente evidenciada a sua associação para o cometimento de crimes. Resta, pois, analisar o envolvimento de CARLOS JULIO MARTINEZ nos fatos. CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ era Diretor Administrativo-Financeiro da CORSAN à época dos fatos, e foi convidado pelo Secretário Marco Alba para ocupar esse cargo. Era subordinado ao Presidente Mário Rache Freitas. Em 22 de abril de 2008, às 12h09min, houve ligação entre MARCO CAMINO e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, então Diretor Administrativo- Financeiro da CORSAN:
(...)
Depreende-se que o Diretor da CORSAN passava informações aos acusados, pelo menos à MAC Engenharia, com relação às Concorrências nºs 426/08, 427/08 e 428/08, cujos editais foram publicados em 28 de março de 2008, sendo que no caso da Concorrência nº 426/08, foi marcada abertura da licitação para dia 08/05/2008; das Concorrências n.º 427/08 e 428/08, foi marcada a abertura das licitações para dia 09/05/08.
Sobre o diálogo acima, CARLOS MARTINEZ referiu que conversou com MARCO CAMINO em algumas ocasiões para tratar de PP Ps; quanto ao mencionado "assunto de março", esclareceu que, possivelmente, tenha relação com uma reunião em que dirigentes da CORSAN e empresários trataram do tema PP Ps, a qual tinha ocorrido, salvo engano, no mês de março; não se recorda o local onde ocorreu o almoço, recordando-se apenas que, em certa ocasião, almoçou com MARCO CAMINO no restaurante Vitrine Gaúcha, em Porto Alegre; não se recorda exatamente qual informação prestaria a CAMINO, conforme dito no diálogo, reafirmando que se relacionava à implantação das PP Ps, certamente (evento 1, INQ7, pág. 20). Em 24 de abril de 2008, às 12h25min, CARLOS MARTINEZ avisou MARCO CAMINO que atrasou-se para o almoço agendado porque estava "em função da informação" (evento 108, DESP1, pág. 4):
(...)
Segundo a denúncia, CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ ingressou nos quadros da CORSAN a convite do então Secretário Estadual Marco Alba (Evento 1, INQ7, p. 20-21). Era tratado por MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e ODILON ALBERTO MENEZES como o "nosso homem da CORSAN" (como concluído no relatório policial, evento 1, INQ3, pág. 73), a indicar a relevância de sua participação nas fraudes, bem como seu grau de articulação com os empresários interessados nas licitações da CORSAN. Sobre essa conversa, CARLOS MARTINEZ afirmou que, apesar de não se recordar do teor exato da "informação" que havia prometido, ela estava inserida no contexto das PP Ps, como já foi dito; que as informações mencionadas no diálogo não tinham nenhuma relação com as licitações que estavam sendo conduzidas pela CORSAN, as quais não estavam afetas às funções que exercia (evento 1, INQ7, págs. 20/21). Em Juízo, CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ alegou que foi nomeado pelo Presidente da companhia - CORSAN, e pelo Secretário à época, como sendo a pessoa que poderia, na área financeira, achar um caminho para que fossem ampliados os procedimentos de tratamento de esgoto. E isso só se antevia, na época o Governo era muito favorável a isso (Governo da Yeda Crusius), através das PPP’s. Isso na época era tratado como uma aventura, praticamente. Ele teria sido incumbido de coletar dados e se organizar, no sentido de criar um ambiente favorável informalmente a que fossem implantadas as PP Ps. Ele seria a pessoa nomeada pelo Estado, informalmente, pelo Presidente, para ser o organizador das PP Ps. Pelo que recorda, teria sido apresentado a Marco Camino e Odilon por Mário Freitas. Depois teve contatos esporádicos com Marco Camino. Referiu que levou mais de meio ano dedicando-se à implementação das PP Ps, fez várias tabelas e demonstrativos, mas não os protocolou em nenhum lugar. Não gerou nenhum documento formal, pois o projeto era muito incipiente; foram mais conjecturas (evento 1068, págs. 1 a 15). Quanto à alegação de CARLOS MARTINEZ de que fora designado, informalmente, para cuidar do assunto das PP Ps, cumpre referir a informação da CORSAN de que, relativamente ao período de 12/2007 a 08/2008, não foram localizados registros ou documentos a respeito da implementação de PPP (evento 1108, INF4). Ademais, a Secretaria de Obras e Habitação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do Ofício nº 258/GAB/201967, informou que não encontrou “registros relativos a viagens, reuniões, protocolos, levantamentos ou outros documentos envolvendo as empresas relacionadas ou os agentes públicos citados, no período de 2007 e 2008” (evento 1117, OFIC1). Ademais, ainda em relação aos projetos tendentes à implantação das Parcerias Público-Privadas na CORSAN, foi informado que apenas em 05/09/2008 foi publicado no DOE a Resolução n.º 01/2008 que estabeleceu regramentos gerais para registro, seleção e aprovação de projeto básico e estudo de viabilidade de empreendimentos de parceria público-privada (evento 1, INQ12, págs. 85-86). Em 06 de maio de 2008 as empresas GOETZE LOBATO ENGENHARIA LTDA, a CONTRUTORA PELOTENSE LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) e SAENGE ENGENHARIA DE SANEAMENTO E EDIFICAÇÕES LTDA (evento 249, OUT70 a OUT72) apresentaram impugnações administrativas aos três editais. Em 07 de maio de 2008, às 12h05min, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO voltou a conversar com CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ (Diretor Administrativo CORSAN), desta vez a respeito de um determinado “projeto de reestruturação”. Marcaram de almoçar no dia seguinte, "no mesmo lugar". Logo em seguida, às 12h28min, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO avisou ODILON ALBERTO MENEZES de que no dia seguinte haveria encontro “com o nosso homem da CORSAN”. A testemunha Vacedi Anflor Pacheco, engenheiro civil e membro da AGEOS, referiu que as empresas que vão executar obras precisam se preparar para as licitações com antecedência, e por isso fazem interlocuções com representantes dos órgãos públicos, para ficar sabendo o que o órgão vai licitar nos próximos 24 meses para se prepararem em função disto. Para tanto faziam reuniões na AGEOS semestrais ou anuais onde as diretorias da CORSAN, do DEMAE, das empresas que contratam, faziam a explanação para todos os associados de qual o seu plano de obras para os próximos meses e anos. As reuniões eram realizadas no Plaza, na Fiergs, num lugar público, feito por convocação e aberto a todos. Em 08 de maio de 2008, às 17h46min, MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, agendaram almoço para o dia seguinte. Em seguida, o empresário comunica ODILON ALBERTO MENEZES do encontro “com o nosso homem da CORSAN”, referindo-se a CARLOS MARTINEZ. Em 09 de maio de 2008, às 11h18min, CAMINO solicitou a seu funcionário WOODSON que aprontasse determinadas "tabelas" para serem entregues (evento 1, INQ13, págs. 77 e 78). A respeito desse diálogo em que solicitou a Woodson a preparação de tabelas para serem entregues em um almoço que teria em seguida, MARCO CAMINO esclareceu que provavelmente tenha entregue a MARTINEZ tabelas contendo o impacto financeiro da implantação das PP Ps (evento 1, INQ7, pág. 31). Contudo, como já referido, não foram mostradas essas tabelas, nem demonstrado nos autos qualquer documento que fizesse referência às parcerias público-privadas. Aliás, é estranhável que Marco Camino tenha pedido justamente a Woodson a preparação de "tabelas" sobre o "impacto financeiro da implantação das PP Ps", assunto tão recente quanto desconhecido e complexo. Segundo a prova produzida pela própria defesa, Woodson seria um funcionário encarregado da recepção de documentos e sua distribuição aos setores devidos, segundo um testemunho, ou encarregado da segurança, manutenção e limpeza, segundo outro, e que tinha entre suas atribuições a compra de carne para o churrasco, segundo a tese de defesa quanto à corrupção ativa, tudo indicando que se ocupava de atividades materiais ou intelectualmente simples. Seria realmente muito versátil caso, em breve tempo, conseguisse produzir "tabelas" sobre assunto tão árduo. (Desta forma, ainda que o fato não tenha sido denunciado pelo MPF, é de se observar que sobre tais "tabelas" também recaem dúvidas, no que se assemelham aos "cinquenta quilos de costela" examinados anteriormente.) Na mesma data (09/05/2008), houve a sessão de entrega dos envelopes com Documentação e Proposta da Concorrência nº 427/08 (Alvorada e Viamão), restando o seguinte rol de participantes: Marco Projetos Construções Ltda., Sultepa Construções e Comércio Ltda. e MAC Engenharia Ltda. Igualmente nesse dia, houve a sessão de entrega dos envelopes com a Documentação e Proposta da Concorrência nº 428/08 (Esteio e Sapucaia do Sul), tendo demonstrado interesse apenas duas empresas: Sultepa Construções e Comércio Ltda. e MAC Engenharia Ltda. Em 12 de maio de 2008 (14h42min), MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO e ODILON ALBERTO MENEZES marcaram novo almoço com CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, um dia antes da publicação dos avisos de julgamento. E, tão logo publicados os avisos de julgamento de ambas as concorrências (em 13 de maio), novo encontro foi marcado entre os três envolvidos. Ressalta, pois, a intensidade do convívio entre Marco Camino, Odilon Menezes e Carlos Júlio Martinez, em evidente sincronia com os episódios licítatórios em questão. Deve-se notar mais uma vez que estas reuniões não constavam em agendas, nem tinham pautas explícitas pré-definidas, nem delas resultaram atas, nem ocorreram em locais de atendimento oficial a particulares. CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ, além do crime de quadrilha ou bando, foi denunciado pelo delito previsto no artigo 321 do Código Penal (advocacia administrativa), cuja punibilidade foi extinta em face da prescrição. Pelas provas produzidas, se conclui que o réu CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ associou-se com os demais réus ora condenados com a finalidade do cometimento de crimes licitatórios. Certo que o delito do art. 90 da Lei n.º 8.666/93 já pressupõe o concurso de pessoas, mas a "associação" referida no núcleo do tipo penal do art. 288 distingue-se do mero concurso de pessoas pelo seu caráter de durabilidade e permanência, elementos indispensáveis para a caracterização do crime previsto neste tipo (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2019). No caso presente, a associação dos réus detinha esse caráter de durabilidade, tendo os réus fraudado pelo menos três procedimentos licitatórios, demonstrando que se conheciam de longa data e promoviam diversos encontros informais onde exerciam seus interesses em detrimento do de terceiros, especialmente do interesse público. Presente também o elemento subjetivo do tipo específico, consistente na finalidade de "cometer crimes". Diante de todos esses elementos, reputo comprovados materialidade, autoria e dolo. E, uma vez ausentes causas excludentes de antijuridicidade e/ou culpabilidade, os denunciados MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, ODILON ALBERTO MENEZES e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ tiveram conduta passível das sanções do artigo 288 do Código Penal. Por outro lado, não existindo provas de que tenham concorrido para a infração penal, os réus DEOCLECIO LUIS CAUMO, MÁRIO RACHE FREITAS e RICARDO LINS PORTELLA NUNES devem ser absolvidos quanto ao delito do artigo 288 do Código Penal, nos termos do artigo 386, V, do CPP.
Não há o que modificar nesse ponto da sentença.
O magistrado se reportou aos argumentos utilizados para a condenação quanto ao crime de licitações para os réus Marco Camino, Odilon e Claudio, acrescentando novos argumentos para o réu Carlos Martinez, que não foi denunciado por aquele delito.
De fato, o ajuste para o cometimento de fraudes licitatórias restou comprovado nos autos, pelo frequente contato entre os réus e pelos encontros marcados em locais já rotineiros para os envolvidos, como claramente verificado nas interceptações telefônicas. Os reiterados contatos telefônicos entre Marco Camino, Odilon e Claudio Abreu não deixam dúvidas de que se tratava de verdadeiro esquema articulado para fraudar a competição nas licitações da CORSAN, mais especificamente as concorrências nos 426/08, 427/08 e 428/08, conforme o item 2.1.1 deste voto, ao qual também me reporto por brevidade.
Quanto a Carlos Martinez, então Diretor-Administrativo da CORSAN, que não foi acusado pelo delito do art. 90 da Lei nº 8.666/93 mas somente por integrar o grupo criminoso, as provas também são claras. A já analisada ligação telefônica de 22/04/2008 entre Marco Camino e Carlos Martinez demonstrou que foi combinado um almoço "no mesmo lugar" para tratar do "assunto de março", referência aos editais das licitações publicados no mês anterior, ao que Carlos respondeu que, até aquela quinta-feira, teria uma "informação melhor". É evidente que há certa intimidade entre o empresário e o funcionário público, revelando também que já houve algum encontro prévio.
Em 24/04/2008 (quinta-feira), Marcos Camino avisou que estava esperando e Carlos respondeu que tinha se atrasado justamente porque estava "em função da informação", mas já estava no táxi a caminho.
Cumpre reiterar que Carlos Martinez afirmou que ingressou na CORSAN por convite do então Secretário Estadual Marco Alba, o que indica ter sido uma nomeação eminentemente política. O relatório policial concluiu que Carlos era tratado por Marco Camino e Odilon como "o nosso homem da CORSAN", confirmando sua importância no esquema e sua ligação com os empresários participantes de licitações na companhia.
Em 07/05/2008, Marco Camino entrou novamente em contato Carlos Martinez para tratar de um “projeto de reestruturação”. Os dois marcaram de almoçar no dia seguinte, "no mesmo lugar" e, poucos minutos após essa conversa, Marco Camino avisou Odilon de que se encontraria “com o nosso homem da CORSAN”, deixando claro que essa pessoa era, de fato, Carlos Martinez. Em 12/05/2008, Marco Camino e Odilon combinaram de agendar almoço com Carlos Martinez.
Em 14/05/2008, data em que foram publicados os avisos de julgamento das Concorrências nos 427 e 428, Marco Caminou combinou de se encontrar com Carlos Martinez e disse que avisaria Odilon. Ora, ainda que Carlos Martinez não tenha sido denunciado pelo crime de licitação, o réu teve suas conversas gravadas e revelou contato frequente com os demais, em especial Marco Camino, tanto que marcava encontros "no mesmo lugar", reforçando a tese acusatória, conforme análise dos diálogos de 22/04/2008 e 24/04/2008 e, mais detalhadamente, no item 2.1.1 deste voto.
Nesse contexto, a associação de mais de três pessoas para o fim de cometer crimes está suficientemente caracterizada. Como bem pontuou o magistrado a quo, houve fraude em pelo menos três procedimentos licitatórios, diversos contatos telefônicos, encontros e reuniões em locais já conhecidos pelos réus, demonstrando a estabilidade do grupo, que ultrapassou o mero concurso de agentes.
Portanto, deve ser mantida a condenação de MARCO ANTÔNIO DE SOUZA CAMINO, CLÁUDIO LUIZ DA SILVA ABREU, ODILON ALBERTO MENEZES e CARLOS JÚLIO GARCIA MARTINEZ pela prática do crime previsto no art. 288 do Código Penal (redação anterior).
3. DOSIMETRIA
De início, consigno que a lei não estabelece critério matemático para a dosagem da pena, de tal modo que não está o magistrado obrigado a pautar-se em cálculos precisos para a sua fixação, mas sim nos princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais e da isonomia.
(...)
Com efeito, não há nenhuma vinculação a critérios puramente matemáticos - como, por exemplo, os de 1/8 (um oitavo) ou 1/6 (um sexto) por vezes sugeridos pela doutrina -, mas os princípios da individualização da pena, da proporcionalidade, do dever de motivação das decisões judiciais e da isonomia exigem que o Julgador, a fim de balizar os limites de sua discricionariedade, realize um juízo de coerência entre: (a) o número de circunstâncias judiciais concretamente avaliadas como negativas; (b) o intervalo de pena abstratamente previsto para o crime; e (c) o quantum de pena que costuma ser aplicado pela jurisprudência em casos parecidos. (AgRg no R Esp 1817386/PB, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, D Je 12/11/2020).
Vale dizer, a preocupação central da individualização da pena não é a de precisamente fatiar e classificar cartesianamente a realidade entre as oito circunstâncias judiciais, mas sagrar o seu predomínio buscando encontrar, entre o mínimo e o máximo de pena previstos pelo legislador, e sem se desviar do comando legal quanto aos fatores a observar, a dose adequada àquela particular ocorrência.
Passo, então, à análise das reprimendas na mesma sequência da sentença de primeiro grau.
(...)
3.4. Réu Odilon Alberto Menezes
3.4.1. Crimes do art. 90 da Lei nº 8.666/93 (art. 337-F do CP)
As penas do réu Odilon para os crimes de licitação foram assim fixadas em primeiro grau:
III.4 - ODILON ALBERTO MENEZES III.4.1 - Delito do artigo 90 da Lei n.º 8.666/93 (três vezes) O réu fraudou três licitações nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e maneira de execução, cometendo três delitos em continuidade delitiva, na forma do artigo 71 do CP. A dosimetria das penas será feita conjuntamente. A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 90 da Lei n.º 8.666/93 é de 02 (dois) a 04 (quatro) anos de detenção, além de multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM7 e 8), constata-se que o réu é tecnicamente primário e tem bons antecedentes. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade ou conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar o prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de 02 (dois) anos de detenção, para cada um dos três delitos. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, não concorrem causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, a pena privativa de liberdade, ainda em caráter provisório, fica estabelecida em 02 (dois) anos de detenção para cada um dos três delitos. Aplicando-se a continuidade delitiva entre os três delitos, nos termos do artigo 71 do CP, com o aumento de 1/6, a pena definitiva fica estabelecida em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção. O regime inicial para o cumprimento de pena será definido após a aplicação do concurso material de crimes. Quanto à multa, considero que o valor efetivamente auferido pelo réu sobreveio da subcontratação da empresa CSL Construtora Sacchi Ltda pela Mac Engenharia, para a execução das obras nos municípios de Sapucaia do Sul e Esteio (Concorrência 428/2008 - Contrato nº 167/2008) (evento 1, AP- INQPOL63, pág. 35). Em atenção ao disposto no art. 99, caput, e seus §§ 1.º e 2 da Lei nº. 8.666/93 e às condições socioeconômicas do réu, estabeleço a multa em 2% sobre o valor de R$ 6.338.611,97, correspondendo a R$ 126.772,23 (cento e vinte e seis mil setecentos e setenta e dois reais e vinte e três centavos). Face à continuidade delitiva, a pena de multa deve ter igual tratamento ao da pena privativa de liberdade, não incidindo a disposição contida no art. 72 do CP, a qual se restringe aos casos de concursos material e formal. Logo, aumentando o valor da multa na fração de 1/6 (um sexto), arbitro o montante de R$ 147.900,93 (cento e quarenta e sete mil e novecentos reais e noventa e três centavos).
Em relação à culpabilidade, assiste razão ao MPF para a negativação, por ser o réu Presidente da AGEOS (Associação Gaúcha de Empresas de Obras e Saneament, com formação superior (engenheiro civil) e bem inserido socialmente. Odilon também mantinha contato e exercia influência em esferas de poder, com interlocução entre os envolvidos no esquema, agindo como intenso articulador, razões pelas quais entendo que a sua conduta em desrespeito à lei merece maior reprovação.
As circunstâncias do crime são muito graves. Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que o réu se articulou para o cometimento de crimes licitatórios para obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública.
Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto.
Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto.
As demais vetoriais também são neutras.
Assim, havendo duas circunstâncias negativas, fixo a pena-base em 2 anos e 6 meses de detenção.
Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes.
Na terceira fase, inexistem causas de aumento ou de diminuição.
Quanto à continuidade delitiva, assiste parcial razão ao MPF ao requerer elevação da pena em maior patamar, já que, em se tratando de três infrações, a fração de aumento adequada, de acordo com a jurisprudência, deve ser de 1/5, o que resulta na pena de 3 anos de detenção, a qual torno definitiva.
No que se refere à multa, com o advento da Lei n. 14.133/2021, aplica-se o preceito secundário do novel art. 337-F do Código Penal, em dias-multa, por ser mais favorável ao réu, conforme já detalhado no item 2.1 deste voto.
Portanto, fixo a multa em 185 dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos vigentes à época dos fatos, atualizados monetariamente desde então. A esse respeito, conforme constou da sentença, o critério para a quantificação do dia-multa foi a situação econômica do acusado, não merecendo guarida o pedido de fixação no mínimo legal por ausência de fundamentação no ponto.
3.4.2. Crime de quadrilha - art. 288 do CP (redação anterior)
As penas do crime de quadrilha quanto ao réu Odilon foram assim fixadas em primeiro grau:
III.4.2 - Delito do artigo 288 do Código Penal A pena prevista em abstrato para o delito do artigo 288, com a redação anterior à Lei n.º 12.850/2013 é de 01 (um) a 03 (três) anos de reclusão, além de multa. Analisando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade do acusado é normal ao tipo penal, nada havendo a se valorar. Da análise de seus antecedentes criminais (evento 1151, CERTANTCRIM7 e 8), constata-se que o réu é primário e tem bons antecedentes. Os elementos constantes nos autos não permitem avaliar a sua personalidade ou conduta social, sendo circunstâncias neutras. Os motivos são inerentes ao tipo penal infringido. Não há falar em comportamento da vítima como influência no comportamento delituoso do agente. Nada a valorar quanto às consequências do crime, uma vez que não foi possível apurar o prejuízo ao erário nas três licitações promovidas pela CORSAN. As circunstâncias que envolveram o fato criminoso, que são o modus operandi empregado na prática do delito, não influenciaram em sua gravidade. Logo, fixo a pena base no mínimo legal, de 01 (um) ano de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então. O critério para a quantificação do dia-multa é o da situação econômica do acusado, razão pela qual o valor unitário foi fixado no máximo legal, conforme o estabelecido no artigo 49 do CP. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes de pena. Na terceira fase, não concorrem causas de aumento ou de diminuição de pena. Portanto, a pena privativa de liberdade fica definitivamente estabelecida em 01 (um) ano de reclusão, acrescido de multa no patamar de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 5 salários mínimos conforme o vigente à época do último fato delituoso (08/05/2008), devidamente atualizado a partir de então.
Em relação à culpabilidade, assiste razão ao MPF para a negativação, por ser o réu Presidente da AGEOS (Associação Gaúcha de Empresas de Obras e Saneamento, com formação superior (engenheiro civil) e bem inserido socialmente. Odilon também mantinha contato e exercia influência em esferas de poder, com interlocução entre os envolvidos no esquema, agindo como intenso articulador, razões pelas quais entendo que a sua conduta em desrespeito à lei merece maior reprovação.
As circunstâncias do crime são muito graves. Ao contrário do que constou da sentença, não vejo como normais ao crime em apreço os contornos do caso concreto, já que a quadrilha/associação criminosa se articulou para o cometimento de crimes licitatórios para obras do saneamento básico, área de infra-estrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública.
Não há como considerar que essa violação tem a mesma gravidade que qualquer outro descumprimento da legislação, pelo que merece provimento o recurso do MPF no ponto. Já quanto às consequências, não há maiores informações nos autos, pelo que as mantenho como neutras, não merecendo provimento o recurso do MPF nesse ponto.
As demais vetoriais também são neutras. Assim, havendo duas circunstâncias negativas, fixo a pena-base em 1 ano e 4 meses de reclusão.
Na segunda etapa, ausentes agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, inexistem causas de aumento ou de diminuição, pelo que torno definitiva a pena de 1 ano e 4 meses de reclusão. O art. 288 do CP não prevê multa, pelo que deve ser afastada de ofício a pena pecuniária fixada em primeiro grau.
3.4.3. Prescrição pela pena aplicada
Levando-se em conta as penas aplicadas ao delito do art. 288 do CP (1 ano e 4 meses de reclusão), o crime prescreve em 4 anos. Assim, deve ser reconhecida a extinção da punibilidade do réu Odilon pela prescrição quanto ao crime do art. 288 do CP, nos termos do art. 107, IV, c/c art. 109, IV e art. 110 (redação anterior), todos do Código Penal, pois transcorridos mais de 4 anos entre as datas dos fatos (maio de 2008) e o recebimento da denúncia (26/11/2015 - evento 139) e também entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença condenatória (20/01/2020 - evento 1154).
3.4.4. Substituição por penas restritivas de direitos
O juízo de primeiro grau substituiu a pena privativa de liberdade, superior a 1 (um) ano, por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas ou limitação de fim de semana, pelo tempo da condenação, e na prestação pecuniária, fixada em 40 salários mínimos vigentes na data do pagamento. Mesmo com a redução da pena por conta da prescrição do crime de quadrilha, e ausente recurso do Ministério Público Federal quanto ao ponto, cabível a substituição por duas penas restritivas de direitos. No que tange à escolha da espécie de penas restritivas de direitos efetuada pelo juízo, está de acordo com os parâmetros vigentes na jurisprudência, pois a prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas é considerada como a que melhor cumpre a finalidade de prevenção e retribuição, nos moldes da Súmula nº 132 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sendo resposta criminal não invasiva do direito de liberdade e que exige maior implicação da pessoa do réu no seu cumprimento, impondo a efetiva execução de um trabalho socialmente útil. Já a prestação pecuniária, embora tenha caráter indenizatório prevalente, mantém o condenado socialmente inserido e é capaz de colaborar no restabelecimento do equilíbrio jurídico e social perturbado pela infração, uma vez que proporciona auxílio à comunidade quando da destinação dos valores pagos, os quais são preferencialmente destinados à entidade pública ou privada com finalidade social, previamente conveniada, ou para atividades de caráter essencial à segurança pública, educação e saúde, desde que estas atendam às áreas vitais de relevante cunho social, a critério da unidade gestora (artigo 2º da Resolução nº 154/2012, do Conselho Nacional de Justiça). A defesa pugnou pela redução da prestação pecuniária para 1 salário mínimo. Não acolho o pedido, porquanto a simples alegação de que não foi fixada no mínimo legal não é suficiente para que seja reduzida a sanção, a qual, vale lembrar, tem natureza de pena e deve ter impacto relevante na esfera patrimonial do condenado, a fim de puni-lo pelo crime cometido e ainda evitar que volte a delinquir. Ademais, não existe simetria direta entre a pena privativa de liberdade e a prestação pecuniária, a qual deve ser sopesada levando em conta o dano causado, a sua reparação, as condições econômicas do réu e o caráter pedagógico e ressocializante da medida. Nesse sentido:
(...)
É possível, ainda, o parcelamento do valor, sendo que eventual pedido deve ser direcionado e avaliado pelo juízo da execução. Portanto, mantenho a prestação pecuniária em 40 salários mínimos pelo valor vigente na data do pagamento. (fls. 17971/18039)
Vê-se dos excertos transcritos que não há omissão. Todas as controvérsias foram solucionadas pelas instâncias ordinárias, embora de modo contrário à pretensão da defesa. Foram apontados os motivos concretos para afastar as apontadas nulidades e manter a condenação do recorrente pelo delito do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por três vezes, dada a prescrição reconhecida para o crime do art. 288, caput, do Código Penal.
Ressalta-se que omissão no julgado e entendimento contrário ao interesse da parte não se confundem. No sentido:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS DOS DECLARATÓRIOS NÃO DEMONSTRADOS. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. MULTA.
1. Nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração destinam-se a esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão e corrigir erro material eventualmente existentes no julgado.
2. Não há espaço para aplicação do Tema n. 1.011/STF, visto que a embargante distorce a realidade dos fatos para fazer com que os autos retrocedam a fase que nem sequer lhe assiste, suscitando tese (competência da Justiça Federal ante a necessidade de a CEF integrar o polo passivo da ação) que não foi objeto de debate na origem, o que por si só inviabilizaria eventual análise da questão pela falta de prequestionamento (incidência da Súmula n. 211/STJ).
3. A competência da justiça estadual não foi objeto de análise por entender que tal questão já se encontrava acobertada pelo manto da coisa julgada ["A competência da Justiça estadual para conhecimento da lide foi definida no julgamento do agravo de instrumento n. 2193670-42.2018.8.26.0000 (relator Desembargador Maurício Campos da Silva Velho), transitando em julgado"], bem como em razão da efetiva demonstração nos autos de que a apólice regente do seguro é do ramo privado ("a apólice de seguro habitacional foi averbada no ramo 68"), o que afasta a incidência do referido Tema n. 1.011/STF à hipótese dos autos.
4. A parte embargante, inconformada, busca, com a oposição destes embargos declaratórios, ver reexaminada e decidida a controvérsia de acordo com sua tese. Contudo, entendimento contrário ao interesse da parte não se confunde com omissão.
5. A alteração da verdade dos fatos dos autos para obter incidência de precedente (Tema n. 1.011/STF) do qual é sabedor que não tem nenhuma aplicação à hipótese autoriza a condenação por litigância de má-fé. Precedentes.
Embargos de declaração rejeitados com aplicação de multa.
(EDcl no AgInt no REsp n. 1.932.086/SP, relator Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024.)
PRELIMINARES.
1. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.
1.1. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA PARA AS SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES E EXCESSO DE PRAZO.
Na hipótese, as instâncias ordinárias concluíram, de forma devidamente fundamentada, pela imprescindibilidade das medidas de interceptação telefônica e das sucessivas prorrogações para a obtenção dos indícios de autoria e materialidade delitiva para fins de deflagração da persecução penal.
Conforme constou nos autos, "em crimes como os ora analisados, em que estão envolvidos diversos indivíduos com atribuições distintas, o monitoramento das conversas telefônicas consubstancia-se, muitas vezes, no único instrumento capaz de identificar a natureza das relações entre os membros, os planos para a execução das práticas delituosas e as funções por eles desempenhadas, justificando a quebra de sigilo por período superior aos 15 dias, prorrogáveis por mais 15 dias, previsto na Lei nº 9.296/96."
Consoante se destacou, "desde a primeira medida deferida pelo juízo, houve a devida fundamentação. E, especificamente quanto às sucessivas prorrogações, uníssona a jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de sua adequação ao ordenamento pátrio, desde que devidamente fundamentadas e justificadas pelas peculiaridades do caso concreto - diversos investigados (restaram 18 inicialmente denunciados) e pluralidade de crimes -, como as citadas anteriormente, não havendo falar em inconstitucionalidade ou inconveniência da medida".
A tese firmada em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, no Tema n. 661/STF, é a seguinte: "São lícitas as sucessivas renovações de interceptação telefônica, desde que, verificados os requisitos do artigo 2º da Lei n. 9.296/1996 e demonstrada a necessidade da medida diante de elementos concretos e a complexidade da investigação, a decisão judicial inicial e as prorrogações sejam devidamente motivadas, com justificativa legítima, ainda que sucinta, a embasar a continuidade das investigações".
No caso concreto, as prorrogações das interceptações telefônicas que se sucederam tiveram suas razões idênticas às do pedido original, não havendo ilegalidade, na medida em que se tratava de um caso complexo, sendo o monitoramento telefônico, à época, prova indispensável para o aprofundamento das investigações.
Esta Corte Superior pacificou o entendimento de que inexiste ilegalidade na decisão que decreta, ou prorroga, a interceptação telefônica, desde que esteja fundamentada. No sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE DELITOS GRAVES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "Esta Corte Superior, pacificou o entendimento de que inexiste ilegalidade na decisão que decreta, ou prorroga, a interceptação telefônica, desde que esteja fundamentada. [...] O deferimento do mandado de busca e apreensão, deve conter fundamentação concreta, com demonstração da existência dos requisitos necessários para a decretação" (AgRg no RHC n. 144.641/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 1º/12/2022).
2. No caso em tela, está demonstrada à exaustão a necessidade de diligências mais graves, como a quebra do sigilo telemático e a decretação de busca e apreensão, pelo fato de que há investigações em andamento para averiguar um possível esquema criminoso de desvio de recursos de obras públicas na Prefeitura de Presidente Kennedy.
Os investigados, supostamente, utilizam a empresa SHARK NEGÓCIOS E EMPREENDIMENTOS LTDA. para participar de licitações, com um "laranja" à frente como proprietário. Esses atos ilícitos exigem provas sólidas que demonstrem materialidade, como documentos, provas escritas e comunicações que conectem efetivamente o grupo investigado, pois denúncias anônimas ou meramente testemunhais não são suficientes.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC n. 204.099/ES, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025.)
A propósito, a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça encontra-se estabelecida no sentido de que, para a prorrogação da medida que autoriza a interceptação telefônica, é possível adotar-se a fundamentação per relationem, sem que tal proceder implique nulidade (HC n. 616.950/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 30/8/2022).
Em acréscimo à fundamentação, "dúvidas não há de que a lei permite a prorrogação das interceptações diante da demonstração da indispensabilidade da prova, sendo que as razões tanto podem manter-se idênticas às do pedido original quanto podem alterar-se, desde que a medida ainda seja considerada indispensável. Por certo que essas posteriores decisões não precisam reproduzir os fundamentos do decisum inicial, no qual já se demonstrou, de maneira pormenorizada e concretamente motivada, o preenchimento de todos os requisitos necessários à autorização da medida, à luz dos requisitos constantes da Lei n. 9.296/1996. Com efeito, a jurisprudência desta Corte entende não ser necessária a apresentação de fundamentos inéditos para a continuidade das investigações a cada pedido de renovação da interceptação telefônica" (AgRg no HC n. 1.003.213/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/6/2025, DJEN de 27/6/2025).
1.2. PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DOS PARLAMENTARES.
Quanto ao ponto, nos termos do aresto, a tese já foi enfrentada no âmbito da Operação Solidária, onde se concluiu que, tendo o envolvimento de parlamentar federal ocorrido fortuitamente, em meio a conversas com os reais investigados cujos terminais estavam sendo interceptados, não há nulidade a ser reconhecida, principalmente quando os autos são remetidos ao STF assim que constatada a participação dos réus com prerrogativa de foro, prosseguindo as investigações na origem somente quanto aos demais envolvidos.
De fato, não tendo sido as investigações dirigidas aos parlamentares federais com prerrogativas de foro, ainda que os diálogos nos quais o recorrente figura como interlocutor tenham ocorrido após o conhecimento sobre o envolvimento de parlamentares, a simples captação de conversas dos alvos investigados com aquelas autoridades não acarreta, por si só, nulidade da prova. No sentido:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 90 DA LEI N. 8.666/93, CORRUPÇÃO PASSIVA E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. ACUSADO COM PRERROGATIVA DE FORO. INTERCEPTAÇÕES DETERMINADAS POR JUÍZO INCOMPETENTE. INOCORRÊNCIA. PACIENTE QUE NÃO ERA ALVO DA INVESTIGAÇÃO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA NO MOMENTO QUE SURGIRAM INDÍCIOS CONCRETOS DO ENVOLVIMENTO DE ACUSADOS COM FORO PRIVILEGIADO. MODIFICAÇÃO DA CONCLUSÃO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. VIA IMPRÓPRIA. NECESSIDADE REVISÃO FÁTICO-PROBATÓRIA. WRIT DENEGADO.
1. O habeas corpus não é a sede adequada para desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias sobre em que momento passaram a existir elementos concretos da participação do paciente na prática dos ilícitos investigados, tendo em vista que a referida análise implica no reexame aprofundado do conjunto fático-probatório colhido ao longo das investigações, providência incompatível com os estreitos limites da via eleita, que é caracteriza pelo seu rito célere e cognição sumária.
2. Inobstante a existência de menções esporádicas ao nome do paciente nos relatórios parciais juntados aos autos, tratava-se de transcrições relativas aos agentes investigados pela autoridade policial e que eventualmente mantinham contato com o paciente.
Constata-se que a autoridade policial buscava com os relatórios parciais a renovação das escutas telefônicas dos acusados que não possuíam prerrogativa de foro.
O paciente, que não era alvo das investigações ao tempo dos pedidos de quebra do sigilo das comunicações, sendo que somente após o aprofundamento das investigações é que vieram a surgir indícios da participação de acusados com foro privilegiado no esquema criminoso, ocasião em que houve o declínio da competência pelo Juízo de primeiro grau.
3. A existência de "meros rumores, boatos, da participação de parlamentar em fatos investigados no primeiro grau de jurisdição não constituiria fundamento suficiente para deslocar o processo para o Supremo Tribunal Federal. Noutras palavras: enquanto não existam indícios concretos que confirmem os "rumores" de suposta participação de detentor de prerrogativa de foro nos delitos investigados, e autorizem a instauração de Inquérito contra ele, não há motivo idôneo para a declinação da competência" (Min. Luiz Fux, voto no Inq. 3305/STF, DJe 01-10-2014).
Habeas Corpus denegado.
(HC n. 315.670/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 2/10/2018, DJe de 15/10/2018.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. COMPOSIÇÃO DA TURMA. NÃO OCORRÊNCIA. JUÍZES CONVOCADOS. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. PROVAS ILÍCITAS. NULIDADES. NÃO OCORRÊNCIA. AUTORIZAÇÃO DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS COM BASE EM OUTROS ELEMENTOS ALÉM DA DENÚNCIA ANÔNIMA. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. RECORRENTE QUE NÃO POSSUI PRERROGATIVA DE FORO. ALEGAÇÃO DE PERÍODO DE INTERCEPTAÇÃO SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ.
I - O recurso especial interposto com fulcro no art. 105, inciso III, alínea c, da Constituição Federal exige o atendimento dos requisitos contidos no art. 1028, § 1º do Código de Processo Civil, e no art. 255, § 1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, para a devida demonstração do alegado dissídio jurisprudencial, pois, além da transcrição de acórdãos para a comprovação da divergência, é necessário o cotejo analítico entre o aresto recorrido e o paradigma, com a constatação da identidade das situações fáticas e a interpretação diversa emprestada ao mesmo dispositivo de legislação infraconstitucional, situação que não ocorreu, in casu. Precedentes.
II - Não há se falar em ofensa ao princípio do juiz natural. Isto porque, esta eg. Corte Superior de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm entendimento pacificado quanto ao tema, no sentido de que "Não viola o postulado constitucional do juiz natural o julgamento de apelação por órgão composto por juízes convocados, nos termos da lei" (AgR no RE n. 741.939/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 17/12/2013). Precedentes.
III - Ao contrário do alegado pela defesa, as interceptações telefônicas que culminaram com o processamento e condenação do ora recorrente não foram decorrentes, diretamente, de denúncia anônima, tendo o eg. Tribunal a quo esclarecido que a denúncia anônima veio a somar à percepção dos primeiros indícios de prática criminosa levantados com os depoimentos obtidos em setembro de 2007, antes mesmo da denúncia anônima, em outubro do mesmo ano. E consoante entendimento desta Corte: "a denúncia anônima pode dar início à investigação, desde que corroborada por elementos informativos prévios que denotem a verossimilhança da comunicação" (RHC n. 59.542/PE, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 14/11/2016).
IV - Os argumentos apresentados pela Corte de origem, justificando a necessidade das interceptações telefônicas em razão da complexidade das investigações, bem como da possibilidade de diversas prorrogações, desde que fundamentadas, como ocorreu in casu, estão de acordo com a jurisprudência firmada pelos Tribunais Superiores.
Precedentes do STF e do STJ.
V - As instâncias originárias, soberanas na análise do acervo fático-probatório dos autos, consignaram que não houve períodos em que a interceptação telefônica teria perdurado sem a devida autorização judicial. Concluir de forma contrária demandaria o necessário revolvimento fático-probatório, procedimento vedado na presente via recursal, nos termos da Súmula n. 7/STJ.
VI - A competência firmada por prerrogativa de função (ratione muneris) é fixada em virtude do cargo ou da função exercida pelo agente, o que importa dizer, o fato de ter o Supremo Tribunal Federal decidido pelo arquivamento de inquérito contra deputado federal, em razão da não observância da prerrogativa de função do investigado, que não é parte na presente ação penal, não implica na obrigatoriedade do reconhecimento de nulidade das provas também para o ora recorrente, que não possui a prerrogativa de função.
Precedentes.
VII - Ademais, as alegações acerca da ilicitude das provas aviadas nesse recurso especial foram objeto de exame no RHC n. 29.658/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe de 8/2/2012, oriunda da mesma operação policial, tendo o e. Ministro Relator consignado que "No que concerne à alegada nulidade das escutas, o fato de que estas alcançaram a comunicação de vários parlamentares federais, sem autorização do Supremo Tribunal Federal, não possui o condão de invalidar as provas colhidas. Ora, as conversas interceptadas envolvendo os parlamentares ocorreram em razão da efetivação da medida em relação aos interlocutores que não possuem prerrogativa de foro".
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 988.527/RS, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 20/9/2018, DJe de 28/9/2018.)
2. PENA-BASE. AUMENTO INADEQUADO. REFERÊNCIA GENÉRICA E ABSTRATA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO IDÔNEA.
As penas-base de Odilon relativas aos delitos dos arts. 90 da Lei de Licitações e 288, caput, do CP, foram majoradas em decorrência da negativação do vetor "circunstâncias do crime", em razão da gravidade, pois o réu articulou o crime licitatório para obras do saneamento básico, área de infraestrutura extremamente sensível, com reflexos diretos na saúde pública. E do vetor culpabilidade, tendo em vista ser presidente da AGEOS (Associação Gaúcha de Empresas de Obras e Saneamento), com formação superior, ter influência no serviço público, além de intensa articulação do esquema.
Os fundamentos ter formação superior, influência no serviço público e crime com reflexos na saúde pública não são inerentes aos tipos criminosos e são idôneos para o recrudescimento das penas, denotando maior reprovabilidade às condutas. Cito precedentes desta Corte em casos semelhantes:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME LICITATÓRIO. REVISÃO CRIMINAL. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. As circunstâncias do crime foram valoradas negativamente, na primeira etapa da dosimetria da pena, pela sofisticação no modo de execução do delito, considerando o quantitativo de elementos fraudulentos praticados, quais sejam, "elaborar um edital sem especificação da quilometragem a ser percorrida pelos licitantes, indicação de turno e quantidade de alunos transportados, ausência de parâmetro de fixação de preços e aceitação de propostas sem prévia descrição qualitativa dos veículos que iriam transportar os alunos", o que atrai o maior desvalor da conduta, não havendo, portanto, falar-se em bis in idem.
2. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem encontra amparo na jurisprudência desta Corte Superior, "no sentido do não cabimento da revisão criminal quando utilizada como nova apelação, com vistas ao mero reexame de fatos e provas, não se verificando hipótese de contrariedade ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, consoante previsão do art. 621, I, do CPP" (HC 206.847/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 16/2/2016, DJe 25/2/2016).
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.384.761/DF, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 30/11/2023, DJe de 5/12/2023.)
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 90 DA LEI Nº 8.666/93. AUSÊNCIA DE OMISSÃO PELA CORTE DE ORIGEM. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Ao contrário do que sustenta a parte recorrente, não há falar em omissão, uma vez que o acórdão recorrido apreciou as teses defensivas com base nos fundamentos de fato e de direito que entendeu relevantes e suficientes à compreensão e à solução da controvérsia, o que, na hipótese, revelou-se suficiente ao exercício do direito de defesa.
2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação.
3. As circunstâncias do crime como circunstância judicial referem-se à maior ou menor gravidade do crime em razão do modus operandi.
Constata-se, assim, a existência de fundamentação concreta e idônea, a qual efetivamente evidenciou aspectos mais reprováveis do modus operandi delitivo e que não se afiguram inerentes ao próprio tipo penal, a justificar a majoração da pena, uma vez que os acusados, durante o período da prática delitiva, usavam da prefeitura de Caculé/BA como uma extensão patrimonial particular para auferir valores em detrimento dos cofres públicos, o que demonstra uma reprovabilidade superior àquela ínsita ao tipo penal, a merecer uma maior resposta do Estado. Salienta-se, no ponto, que o período em que praticado o delito foi apontado como argumento de forma supletiva na avaliação negativa das circunstâncias do crime, não podendo se falar em bis in idem com a continuidade delitiva. Ainda, é perfeitamente possível a coexistência entre o crime de formação de quadrilha e a continuidade delitiva no delito do artigo 90 da Lei nº 8.666/93, porquanto os bens jurídicos tutelados são distintos e os crimes, autônomos.
4. Em relação às consequências do delito, que devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. No presente caso, as instâncias de origem decidiram pela sua reprovabilidade, tendo em vista que as condutas geraram efeitos indiscutivelmente nefastos e que transcendem as consequências naturais do crime, uma vez que foram desviados recursos do escasso Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, que auxilia na alimentação escolar dos alunos do ensino municipal, que, muitas vezes, têm na merenda escolar sua principal ou única refeição do dia, aumentando a reprovabilidade da conduta, em razão dos resultados que transbordam o tipo penal.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.162.629/BA, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/9/2024, REPDJe de 28/10/2024, DJe de 14/10/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 90, 96, I E V, DA LEI 8.666/93. FRAUDE AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. ELEVAÇÃO ARBITRÁRIA DE PREÇO. ART. 312, § 1º. DO CP. PECULATO. DESVIO DE RECURSOS PÚBLICOS. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CONSUNÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. MULTA. EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL DE VALOR MÍNIMO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1.No que se refere ao pedido de absolvição dos crimes previstos nos artigos 90 e 96, I e V, da Lei 8.666/93 e 312, § 1º do CP, denota-se que a condenação decorreu da análise dos elementos de provas constantes nos autos. A desconstituição desse entendimento, para concluir pela absolvição demandaria, inevitavelmente, aprofundado reexame do conjunto probatório, providência incompatível com o rito do recurso especial, conforme se extrai do óbice da Súmula n. 7/STJ.
2. A tese de de prescrição da pretensão punitiva não comporta acolhimento. A contagem do prazo prescricional para o delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1996 se inicia com a assinatura do contrato administrativo. O Tribunal de origem destacou que a assinatura do instrumento contratual ocorreu há menos de oito anos do recebimento da denúncia, de modo que não há que se falar em prescrição nos termos postulados.
3. A instância antecedente reconheceu a existência de desígnios autônomos para aplicar o concurso material entre os delitos previstos na Lei de Licitações e o crime de peculato desvio do que se denota que a modificação dessa conclusão enseja necessário revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial, por força da Súmula 7/STJ.
4. O fato de a fraude no procedimento licitatório ter afetado setor agropecuário, o qual necessita de recursos públicos de forma premente para melhoria das condições de vida dos agricultores envolvidos no cultivo de tomate em pequeno munícipio do Estado do Rio de Janeiro, desborda do tipo penal do art. 90, da Lei 8.666/93 a autorizar o incremento da pena-base a título de circunstâncias do crime
5. Observa-se que a multa, da forma como fixada, não vulnerou o art. 99 da Lei n. 8.666/1993, mas antes lhe deu efetiva aplicação, em observância ao índice percentual mínimo trazido no § 1º do referido dispositivo legal, que é de 2% sobre o valor do contrato licitado.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EDcl no REsp n. 2.139.686/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/6/2025, DJEN de 16/6/2025.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. ACRÉSCIMO DE 6 (SEIS) MESES. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL. QUANTUM DE AUMENTO. DISCRICIONARIEDADE VINCULADA. AUSÊNCIA DE CRITÉRIO MATEMÁTICO FIXO. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Ausência de enfrentamento no acórdão recorrido da matéria impugnada objeto do recurso impede o acesso à instância especial por faltar o requisito constitucional do prequestionamento. Incidência, por analogia, das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.
2. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a valoração negativa da culpabilidade pode ser fundamentada na relevância do cargo exercido pelo condenado pelo crime de corrupção, especialmente quando este possui atribuições especiais de fiscalização ou vigilância, uma vez que esse fator eleva o grau de reprovabilidade da conduta. Precedente.
3. A condição de Policial Rodoviário Federal do agravante, embora seja servidor público, como exige o tipo penal da corrupção passiva, reveste-se de especial especificidade, pois se trata de agente que tem o dever específico de fiscalizar e fazer cumprir a lei nas rodovias federais.
4. Conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, não existe um critério matemático fixo para o aumento da pena-base em razão de circunstâncias judiciais desfavoráveis, sendo possível a adoção de frações diversas dentro da discricionariedade vinculada do magistrado, desde que devidamente fundamentada. Precedente.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 2.074.512/PE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025.)
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/1990. DOLO RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. PENA DE MULTA PROPORCIONAL. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME
1. Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que conheceu em parte do recurso especial e, nesta extensão, negou-lhe provimento. O agravante sustenta que não se aplica ao caso o óbice previsto na Súmula 7/STJ e que houve erro na valoração das circunstâncias judiciais que aumentaram a pena-base. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) Definir se a condenação do recorrente por crime contra a ordem tributária (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90) se baseou em provas suficientes para demonstrar o dolo na sua conduta. (ii) Estabelecer se a exasperação da pena-base, fundamentada na culpabilidade, circunstâncias do crime e consequências do crime, observou os parâmetros legais e jurisprudenciais. (iii) Verificar a proporcionalidade da pena de multa e a regularidade das medidas patrimoniais aplicadas, diante da alegação de excesso. III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O Tribunal de origem analisou detalhadamente o conjunto fático-probatório e concluiu que o recorrente participou ativamente de um esquema de fraude fiscal e contábil, recebendo rendimentos não declarados e adotando artifícios para ocultar os valores da fiscalização, caracterizando o dolo exigido para a configuração do crime.
4. Para afastar a conclusão das instâncias ordinárias quanto à caracterização do dolo, seria necessário o reexame do contexto fático-probatório, providência vedada pelo enunciado da Súmula 7/STJ.
5. A exasperação da pena-base foi devidamente fundamentada, considerando-se: (i) A culpabilidade do recorrente, que possuía formação superior em Ciências Contábeis e especialização em Finanças, demonstrando conhecimento técnico aprofundado sobre a ilicitude de sua conduta. (ii) As circunstâncias do crime, que envolveram a utilização de familiares para dissimulação dos valores recebidos, movimentação de contas bancárias de terceiros e uso de estrutura empresarial fictícia para ocultação de rendimentos (iii) As consequências do crime, com prejuízo aos cofres públicos em valor expressivo que justifica a majoração da pena, conforme precedentes do STJ em casos de sonegação fiscal.
6. O quantum de aumento da pena-base observou critérios proporcionais. A pena de multa aplicada manteve proporcionalidade em relação à pena privativa de liberdade, não tendo o recorrente demonstrado concretamente qualquer excesso.
7. Quanto ao valor da prestação pecuniária e ao bloqueio de bens, o recurso não indicou os dispositivos de lei federal supostamente violados pelo acórdão recorrido, configurando deficiência na fundamentação recursal, o que atrai a incidência da Súmula 284/STF. IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: O reconhecimento do dolo no crime contra a ordem tributária, quando baseado em elementos concretos analisados pelas instâncias ordinárias, não pode ser afastado em recurso especial, sob pena de reexame fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ. A exasperação da pena-base, com fundamento na culpabilidade do agente e nas consequências do crime, é legítima quando devidamente motivada, especialmente em casos de fraude fiscal sofisticada e prejuízo expressivo ao erário. A fixação da pena de multa deve guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, sendo ônus do recorrente demonstrar eventual excesso. A ausência de indicação específica dos dispositivos de lei federal supostamente violados impede o conhecimento do recurso especial quanto à prestação pecuniária e ao bloqueio de bens, conforme a Súmula 284/STF.
Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 59 e 68; Lei nº 8.137/90, art. 1º, I. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp n. 2.171.488/SP, rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, j. 4/6/2024, DJe 6/6/2024. STJ, AgRg no AREsp n. 1.376.588/RJ, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, j.
15/10/2019, DJe 22/10/2019. STJ, AgRg nos EDcl no REsp n. 2.092.749/SE, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, j.
8/4/2024, DJe 11/4/2024. STJ, AgRg no AREsp n. 1.778.761/PB, rel. Min. Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, DJe 4/10/2022. STF, Súmula 284.
(AgRg no AREsp n. 2.548.333/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 18/2/2025.)
As circunstâncias judiciais encontram-se devidamente fundamentadas, não se podendo extrair dos argumentos deduzidos pelo eg. Tribunal de origem a adoção de circunstâncias inerentes ao tipo penal para exasperação da pena-base.
A inexistência de dano ao erário não se confunde com os citados reflexos na saúde pública, não se podendo concluir, como quer a defesa, que tal consequência não se efetivou ou que não foi provada, sob pena de incursão fático-probatória (Súmula n. 7/STJ).
Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, nego-lhe provimento.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. Juliano Carlos Brasil (Recorrente) x 2. Ministério Público Federal (Recorrido)
ID: 333860888
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 5000143-54.2021.4.04.7101
Data de Disponibilização:
24/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LARISSA KRETZER LEONEL
OAB/SC XXXXXX
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CLONNY CAPISTRANO MAIA DE LIMA
OAB/SC XXXXXX
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REsp 2155482/RS (2024/0244816-5)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
JULIANO CARLOS BRASIL
ADVOGADOS
:
CLONNY CAPISTRANO MAIA DE LIMA - SC018344
LARISSA KRETZER LEONEL - SC053157A
REC…
REsp 2155482/RS (2024/0244816-5)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
JULIANO CARLOS BRASIL
ADVOGADOS
:
CLONNY CAPISTRANO MAIA DE LIMA - SC018344
LARISSA KRETZER LEONEL - SC053157A
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
CORRÉU
:
HIAGO LUIZ DA SILVA
CORRÉU
:
LUIZ DE SOUZA JUNIOR
CORRÉU
:
JEAN PAULO GADEIA OLIZ
CORRÉU
:
FRANCINE BRANDINA MEURER
CORRÉU
:
LORENA BIATA MORAES
CORRÉU
:
LORENA BEATA MORAES
CORRÉU
:
MAURICIO PINTO FRANCA
DECISÃO
Cuida-se de recurso especial interposto por JULIANO CARLOS BRASIL com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal – CF, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO – TRF4 em julgamento da Apelação Criminal n. 5000143-54.2021.4.04.7101.
Consta dos autos que o recorrente foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 35, c/c o art. 40, I e V, ambos da Lei n. 11.343/2006 (associação para o tráfico interestadual e transnacional de drogas), à pena de 8 anos, 8 meses e 3 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 1.105 dias-multa (fl. 2877).
Recurso de apelação interposto pela defesa foi parcialmente provido para "afastar a aplicação da majorante inscrita no art. 40, V, da Lei 11.3,43/06 e redimensionar o incremento pela majorante remanescente, com consequente redução das penas definitivas" (fl. 3662). O acórdão ficou assim ementado:
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO CEM LIBRAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ART. 35 C/C ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. PRÁTICA DE CRIMES DIVERSOS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA TRANSNACIONAL COM PARTICIPAÇÃO DE MENORES. ART. 2º, § 4º, I E V, DA LEI 12.850/13. NULIDADE DAS INVESTIGAÇÕES. AÇÃO CONTROLADA DESAUTORIZADA. INOCORRÊNCIA. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E DE DADOS. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. INOCORRÊNCIA. NULIDADE DA BUSCA E APREENSÃO. INOCORRÊNCIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO CARACTERIZADA. AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO DO TERCEIRO APELANTE. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. VALIDADE DA PROVA EXTRAJUDICIAL E DO TESTEMUNHO DOS POLICIAIS. VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 213 DO CPP. INOCORRÊNCIA. EXISTÊNCIA DO PRIMEIRO CRIME DEMONSTRADA. PARTICIPAÇÃO DO APELADO NÃO COMPROVADA. SEGUNDO CRIME NÃO CONFIGURADO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. TRANSNACIONALIDADE COMPROVADA. INTERESTADUALIDADE DO TRÁFICO NÃO CONFIGURADA. MAJORANTE INSCRITA NO ART. 40, V, DA LEI 11.343/06 AFASTADA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. QUANTO DE AUMENTO. CRITÉRIOS. QUALIDADE E QUANTIDADE DA DROGA MOVIMENTADA. VETORIAIS DESFAVORÁVEIS, AUTÔNOMAS E PREPONDERANTES. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA DO SEGUNDO APELANTE. ATENUANTE INSCRITA NO ART. 66 DO CP. INAPLICABILIDADE. MAJORANTE PREVISTA NO ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. INCREMENTO MANTIDO. MAJORANTE PREVISTA NO ART. 40, VI, DA LEI 11.343/06. APLICABILIDADE PARA O TERCEIRO APELANTE. AUMENTO REVISTO. REGIME PRISIONAL. DETRAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA DO TERCEIRO APELANTE MANTIDA. RESTITUIÇÃO DE BENS. IMPOSSIBILIDADE.
1. Na linha de entendimento do STJ, não há ilegalidade em hipóteses em que os policiais responsáveis pela investigação, a partir de informações colhidas, optam por aguardar para a realização da prisão, a fim de confirmar não apenas a prática de tráfico de drogas mas também da associação para o tráfico.
2. No caso, ainda, verificado que, ao apreciar a representação pela interceptação telefônica e quebra de sigilo de dados de celulares, o Juízo de origem expressamente autorizou a ação controlada, não havendo qualquer irregularidade a sanar.
3. Concretamente nada se identifica nos autos que evidencie violação à cadeia de custódia, havendo, ao que tudo indica, aparente confusão da defesa entre as etapas distintas de coleta e análise das provas.
4. O parecer técnico juntado pelo segundo apelante não serve à comprovação de efetiva violação da cadeia de custódia da prova, primeiro, porque se refere apenas à análise do telefone deste agente e, segundo, por apenas apontar que "não há indícios que a cadeia de custódia foi mantida".
5. O acesso a elementos de prova obtidos pela perícia e pelo monitoramento telefônico pelos policiais, frise-se, apenas aqueles expressamente autorizados na decisão judicial relacionada, não implica em acesso "privilegiado" (em detrimento da defesa), encontrando-se no âmbito do cumprimento das suas atribuições específicas.
6. A apreensão de bens nos endereços vinculados ao segundo apelante, imputado líder da associação criminosa investigada, dentre os quais aparelho celular utilizado pela companheira e automóvel registrado em nome desta, não constitui ilegalidade flagrante, por haver indicativos iniciais de que estavam relacionados ao acusado, sendo possíveis instrumentos e produto ou proveito dos crimes. Quanto aos valores apreendidos, com maior razão, diante dos indícios de significativo poderio econômico da associação criminosa e ausência de prova inequívoca de propriedade da alegada terceira.
7. Inexiste a alegada inépcia da denúncia, visto que narrou específica e expressamente o papel desempenhado pelos acusados.
8. Ainda que assim não fosse, assente na jurisprudência o entendimento de que, prolatada a sentença, esvai-se de sentido a arguição de inépcia da denúncia, desde que, por óbvio, a instrução criminal tenha possibilitado o exercício do contraditório e da ampla defesa, tal como se verificou nos autos.
9. Verificado que o pleito de realização de interrogatório do terceiro apelante sem apresentação em juízo - enquanto foragido, por meio de videoconferência - já havia sido analisado e indeferido pelo Juízo de origem, decisão que restou mantida por este Tribunal no exame de habeas corpus relacionado, e que, após o cumprimento do mandado de prisão, não houve qualquer manifestação da defesa a respeito, descabe o reconhecimento da alegada nulidade, conforme art. 565 do CPP, porquanto para esta concorreu.
10. Não falar em cerceamento de defesa pelo indeferimento fundamentado de produção de prova pericial requerida a destempo (ao final da instrução criminal).
11. Não tendo sido comprovada qualquer ilicitude no inquérito policial e demais procedimentos relacionados, não há óbice à valoração fundamentada das provas nestes colhidas, em conformidade com o princípio do livre convencimento motivado vigente em nosso sistema.
12. Muitos elementos produzidos na fase policial, como a apreensão de bens, documentos e objetos relacionados aos crimes e os laudos periciais, não demandam repetição em juízo, constituindo atos validamente praticados ao seu tempo, revestidos de valor probante, conforme o próprio art. 155 do CPP, estando submetidos ao contraditório diferido, o que atende ao disposto no art. 5º, LV, da Constituição Federal.
13. Na linha do entendimento jurisprudencial consolidado, o testemunho dos policiais, especialmente quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório, mostra-se plenamente válido. Isso, porque o simples fato de serem policiais não comprova o interesse na condenação e, de consequência, a sua suspeição.
14. Não se verifica a alegada violação ao art. 213 do CPP, porquanto, os policiais, em seus depoimentos, limitaram-se ao relato do que foi apurado nas investigações, o que, embora dificilmente possa ser dissociado da experiência pessoal e conhecimento acerca das atividades criminosas, está longe de traduzir "meras conjecturas e exposição de opiniões pessoais", como sustenta a defesa.
15. Todo o apurado no monitoramento telefônico, pela quebra de sigilo de dados, bem como nas apreensões e diligências empreendidas não deixam qualquer dúvida do vínculo entre os apelantes e da dedicação estável ao tráfico de drogas.
16. O fato de não ter havido apreensão de droga na posse dos apelantes por si não infirma a existência do crime, por ser comum justamente às associações criminosas a divisão de tarefas, de forma que nem todos têm necessariamente contato direto com o objeto do delito, especialmente aqueles que detém posição de liderança e/ou ascendência, como se imputa a eles.
17. O desempenho de atividade lícita por si não se traduz em prova de inocência em relação ao crime imputado, uma vez que é usual o exercício de profissões e manutenção de negócios de fachada e/ou secundários, eventualmente até para lavagem dos ativos obtidos com a ação delituosa.
18. Transnacionalidade presente, dada a comprovação de que a droga movimentada era adquirida na região da fronteira com o Paraguai, especialmente, com Ponta Porã/MS, a partir das viagens empreendidas pelo terceiro apelante, e de que parte das remessas tinha como destino o Uruguai. Aplicação da majorante inscrita no art. 40, I, da Lei 11.343/06 mantida.
19. Não apurada a prática de tráfico entre Estados e, sim, apenas que parte das remessas de droga tinham como destino o Rio Grande do Sul, o que por si não basta para configuração de interestadualidade, em especial da associação criminosa. Aplicação da majorante prevista no inciso V do art. 40 da Lei 11.343/06 afastada.
20. Não havendo elementos concretos demonstrando que o apelado estava associado aos demais, com caráter duradouro, para a traficância transnacional de drogas, resta mantida a absolvição quanto ao crime inscrito no art. 35 c/c art. 40, I, da Lei 11.343/06, com fundamento no art. 386, VII, do CPP.
21. Diante da não comprovação de participação efetiva e direta do apelado em quaisquer dos crimes e nem determinada a natureza e estabilidade do vínculo mantido por este com os demais denunciados, já estaria afastada a configuração do delito inscrito no art. 2º da Lei 12.850/13, por ausência da elementar "associação de 4 (quatro) ou mais pessoas" (art. 1º, Lei 12.850/13), tal como considerou a sentença.
22. Ainda, também não se comprovou à suficiência a estruturação, divisão de tarefas e dedicação estável dos apelantes ao cometimento de outros delitos, à exceção do tráfico de drogas. Absolvição quanto ao crime previsto no art. 2º, § 4º, I e V, da Lei 12.850/13 mantida.
23. O entendimento sedimentado há bastante tempo no âmbito deste Tribunal é de que a fixação do quanto da pena-base deve atender às peculiaridades do caso, sem adoção de critérios matemáticos rígidos.
24. Para os crimes previstos na Lei 11.343/06, deve ser também observado, nos exatos termos do seu art. 42, que natureza e quantidade da droga têm preponderância sobre as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, devendo, de rigor, ter incremento diferenciado dessas.
25. Qualidade e quantidade da droga não são um binômio e, sim, duas vetoriais autônomas, ambas autorizando por si aumento da pena-base.
26. No caso, foi corretamente destacada na pena-base, a quantidade de entorpecente movimentada pela associação criminosa que integravam os apelantes, que foi bastante significativa, considerando todas as apreensões noticiadas.
27. Comprovado que o grupo dedicava-se, também, à importação e transporte de cocaína, substância de maior lesividade, acertada a valoração da qualidade (de parte) da droga.
28. Verificando-se que o segundo apelante ostenta condenações por crimes anteriores, uma destas com trânsito em julgado posterior aos presentes fatos e outra com penas correspondentes extintas há mais de 5 (cinco) anos, correta a valoração a título de antecedentes, na linha da jurisprudência consolidada.
29. Mantida a aplicação da agravante pela reincidência (art. 61, I, CP) para o segundo apelante, por ostentar uma terceira condenação por crimes anteriores, esta sem transcurso do período depurador (art. 64, I, CP).
30. Diversamente do que sustenta o primeiro apelante, não se apurou circunstância relevante que reclame aplicação da atenuante genérica inscrita no art. 66 do CP, visto que a alegada "colaboração com o Juízo" limitou-se à submissão ao cumprimento de ordem judicial em seu favor (comparecimento para colocar tornozeleira eletrônica) e ao exercício de defesa (resposta ao questionamentos do Juiz no interrogatório).
31. Justificado o incremento de 1/4 (um quarto) pela majorante descrita no art. 40, I, da Lei 11.343/06, diante da importação da droga do Paraguai, através da fronteira do Mato Grosso do Sul, com destino final ao Uruguai, em parte das ações flagradas.
32. Comprovada a atuação do terceiro apelante em pelo menos duas ações de tráfico de drogas em que houve a participação de adolescentes, correta a incidência da majorante prevista no inciso VI do art. 40 da Lei 11.343/06. Contudo, mostra-se mais adequado um aumento global pelas duas majorantes ora mantidas, que resta imposto em 1/3 (um terço) para este agente.
33. Consoante orientação consolidada no STF e STJ, seguida nesta Corte, não há impedimento da avaliação dos vetores natureza e quantidade do entorpecente para sua fixação do regime prisional.
34. A despeito da primariedade do primeiro e terceiro apelantes, pela observância da quantidade e qualidade de parte da droga movimentada, resta mantida a imposição do regime fechado para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, conforme art. 33, § 2º, a, c/c § 3º, do CP.
35. Para o segundo apelante, mantido o regime fechado para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, diante da qualidade e quantidade da droga e da reincidência específica, conforme art. 33, § 2º, a, c/c § 3º, do CP.
36. A disposição do § 2 º do art. 387 do CPP relativa à detração do período de prisão cautelar deve ser observada pelo juízo da condenação ao fixar o regime inicial. Do mesmo modo, em relação ao pleito de detração do tempo de monitoramento eletrônico.
37. Tratando-se nesta instância de juízo revisor, uma vez que a condenação ocorreu em primeiro grau, incumbe apenas o exame do acerto do regime fixado, descabendo qualquer outra medida.
38. Eventual análise do transcurso de tempo para obtenção de benefícios da pena ou progressão deve ser feito pelo juízo das execuções penais competente.
39. Mantida a prisão cautelar do terceiro apelante, por permanecerem hígidos os fundamentos da decretação, em especial considerando o tempo em que permaneceu foragido.
40. Sustentando o terceiro apelante que a aquisição dos bens apreendidos foi feita com recursos lícitos por seus pais, incumbia-lhe a comprovação, consoante disposição do art. 156, caput, primeira parte, do CPP, no que não procedeu à suficiência.
41. Evidenciado que os bens e valores apreendidos constituíam produto/proveito do crime pelo qual condenados os apelantes, resta mantido seu perdimento, conforme a sentença." (fls. 3663/3666)
Em sede de recurso especial (fls. 3682/3712), a defesa suscita a nulidade das investigações iniciais da operação policial que levou à abordagem do recorrente, já que elas configuraram ação controlada de caráter informal, pois extrapolaram limites para a referida diligência, uma vez que foram apreendidos dinheiro que não pertence ao recorrente e telefones celulares que não compõem o rol de itens apreendidos constantes dos autos de origem. Alega que, após a primeira ação investigatória, a Polícia Federal deu continuidade ao monitoramento do recorrente, sem comunicar ao juízo nem apresentar detalhes da continuação das investigações, a qual perdurou por cerca de sete meses.
Em seguida, aponta violação ao art. 157 do Código de Processo Penal – CPP, porque o conteúdo do depoimento da testemunha da acusação Bernardo Freitas Carriconde, feito em audiência de instrução, fez referência a informações oriundas de laudos periciais de telefones celulares sobre as quais a defesa não obteve acesso integral prévio e que foram juntadas ao processo de origem somente alguns meses depois da audiência. Alega que referida prova testemunhal deve ser desentranhada dos autos, já que viola os princípios do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, LV, da CF, considerando que a testemunha da acusação trouxe informações, durante o ato instrutório, em relação às quais a defesa não possuía conhecimento e, portanto, não reunia condições para refutá-las.
Também sustenta a violação aos arts. 157 e 240, ambos do CPP, em razão da ilegalidade na apreensão de objetos e valores apreendidos da esposa do recorrente. Alega que tal conduta configura também violação ao princípio da pessoalidade da pena, previsto no art. 5º, XLV, da CF. Alega, ainda, que o veículo automotor apreendido, Santa Fé, ano 2010, placa ASC7G77, bem como o celular e o valor pecuniário retidos, não comportam qualquer relação fática com o caso concreto, sendo ilegal a sua manutenção na pena de perdimento em relação ao recorrente.
Afirma que foi violado o disposto no art. 159, §§ 3º e 4º, do CPP, porquanto o TRF4 não reconheceu o cerceamento de defesa oriundo do indeferimento indevido pelas instâncias de origem do pedido da defesa na realização de prova pericial a partir da nomeação de assistentes técnicos após a conclusão do laudo pericial pelos peritos oficiais.
Aponta a violação ao art. 35 da Lei n. 11.343/2006, porquanto não foram provadas a adequação típica da conduta do recorrente com o tipo penal previsto no referido artigo legal, considerando que não foram provados, de maneira concreta e objetiva, a estabilidade e o caráter duradouro do suposto vínculo associativo do recorrente à prática do tráfico de drogas.
Por fim, argumenta que houve a violação ao art. 40, I, da Lei n. 11.343/2006, pois tampouco foi provado caráter transnacional da associação ao tráfico de drogas, já que, para tanto, a execução delitiva deve iniciar ou terminar fora dos limites nacionais, para fins de demonstração de conduta transcendente ao território brasileiro. Não obstante, alega que os elementos probatórios constantes dos autos de origem não foram capazes de demonstrar tal caráter no vínculo associativo.
Requer o deferimento do pedido de tutela de urgência para liberação do veículo supramencionado, de propriedade de sua esposa, o reconhecimento das nulidades processuais apontadas e a absolvição do recorrente. Subsidiariamente, requer o redimensionamento da reprimenda.
Contrarrazões (fls. 3770/3794).
Admitido o recurso no TRF4 (fls. 3797/3800), os autos foram protocolados e distribuídos nesta Corte. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo desprovimento do recurso especial (fls. 3831/3836).
É o relatório.
Decido.
De plano, o recurso especial não merece conhecimento para a tese de nulidade processual por ocorrência de ação controlada de caráter informal, porquanto a peça recursal traz argumentos confusos e não indica o correspondente dispositivo legal violado, atraindo o óbice da Súmula n. 284 do STF:
“É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.”
A corroborar, precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. ROUBO. PERDÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. MAUS ANTECEDENTES. DISPOSITIVO VIOLADO NÃO INDICADO. SÚMULA N. 284 DO STF. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Não há ofensa ao princípio da colegialidade diante da existência de previsão legal e regimental para que o relator julgue, monocraticamente, o agravo em recurso especial quando constatar as situações descritas no art. 932, III, do CPC, c/c o art. 253, parágrafo único, II, "a", do RISTJ, hipótese ocorrida nos autos.
2. A defesa alega ofensa ao art. 107, IX, do Código Penal, sob o argumento de que o recorrente faz jus ao perdão judicial, porquanto ficou paraplégico em decorrência do ferimento ocasionado pela arma de fogo disparada por um Guarda Municipal no momento em que praticava o delito de roubo.
3. A aplicação do perdão judicial pelo magistrado, como causa de extinção da punibilidade do condenado, resulta da existência de circunstâncias expressamente determinadas em lei, nos termos do inciso IX do art. 107 do CP, não podendo referido instituto ser estendido, ainda que in bonam partem, às hipóteses não consagradas no texto legislativo.
4. No caso, além de não haver previsão legal para aplicação da causa extintiva da punibilidade para os condenados pelo crime de roubo, o reconhecimento do pleito de perdão judicial dependeria do reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado em recurso especial, a teor da Súmula n. 7 do STJ.
5. A defesa não indicou, com relação à alegada ausência de fundamentação idônea para valorar negativamente os antecedentes do réu, o dispositivo legal supostamente violado, o que atrai a incidência da Súmula n. 284 do STF.
6. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.140.215/GO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023.)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INVASÃO DE DOMICÍLIO, LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO, AMEAÇA E INCÊNDIO EM CASA HABITADA. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA ATIPICIDADE DA CONDUTA DO ART. 150, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL - CP. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DO VERBETE N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. QUALIFICADORA DO CRIME DE INCÊNDIO. CASA HABITADA OU, NO MÍNIMO, DESTINADA À HABITAÇÃO. INCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO E DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REGIME INICIAL DE PENA. NÃO INDIC ADOS NO RECURSO ESPECIAL OS DISPOSITIVOS LEGAIS VIOLADOS. ÓBICE DO ENUNCIADO N. 284 DA SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
[...]
3. A ausência de indicação do dispositivo de lei federal eventualmente violado implica em deficiência de fundamentação do recurso especial. Assim, incide, por analogia, a Súmula n. 284 do STF, segundo a qual, "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia". Precedentes.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AgRg no AREsp n. 2.093.101/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 9/3/2023.)
No que tange à alegada violação ao art. 5º, incisos XLV e LV, da CF, não é possível conhecer do presente apelo nobre. Conforme é cediço, o recurso especial é incabível para apreciação de violação de dispositivos e princípios constitucionais, sob pena de usurpação da competência do STF.
Nos termos da jurisprudência desta Corte, “[é] vedada a análise de dispositivos constitucionais em recurso especial, ainda que para fins de prequestionamento de modo a viabilizar o acesso à instância extraordinária, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal” (AgRg no REsp n. 2.001.544/RS, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 15/12/2023).
No mesmo sentido (grifos acrescidos):
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS E A PRINCÍPIOS DE EXTRAÇÃO CONSTITUCIONAL. VIA INADEQUADA, AINDA QUE PARA FINS DE PREQUESTIONAMENTO. COMPETÊNCIA DO PRETÓRIO EXCELSO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DELINEADO NOS AUTOS. INCIDÊNCIA DO ÓBICE PREVISTO NA SÚMULA 7 DO STJ.
I - Não compete a este eg. Superior Tribunal se manifestar sobre violação a princípios ou a dispositivos de extração constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência do Pretório STF.
[...]
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.222.784/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 21/3/2023, DJe de 28/3/2023.)
Por fim, verifica-se que o Tribunal a quo não se manifestou especificamente sobre a tese defensiva de ilegalidade do depoimento da testemunha da acusação Bernardo Freitas Carriconde em audiência, em razão de suposto cerceamento de defesa advindo da ausência de acesso prévio pela defesa do conteúdo dos laudos periciais.
Dessa forma, o recurso carece do adequado e indispensável prequestionamento. Incidentes, por analogia, as Súmulas n. 282 (“[é] inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”) e 356 (“[o] ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”), ambas do STF.
Inviável, pois, o conhecimento do apelo nobre quanto ao ponto.
Nesse sentido, confiram-se precedentes:
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N.ºS 282 E 356, AMBAS DO STF. DECISÃO MANTIDA.
I - Como se sabe, o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento firmado anteriormente, sob pena de ser mantida a decisão agravada por seus próprios fundamentos.
II - Com efeito, constato que a matéria, da forma como trazida nas razões recursais, não foi objeto de debate na instância ordinária, o que inviabiliza a discussão da matéria em sede de recurso especial, por ausência de prequestionamento.
III - Nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal, "Incidem as Súmulas n. 282 e 356 do STF quando a questão suscitada no recurso especial não foi apreciada pelo tribunal de origem e não foram opostos embargos de declaração para provocar sua análise" (AgRg nos EDcl nos EDcl no AREsp n. 1.727.976/DF, Quinta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 10/6/2022).
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 1.948.595/PB, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 6/11/2023.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 171, § 3.º, DO CÓDIGO PENAL. PLEITO DE APLICAÇÃO DO ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 282 E 356, AMBAS DA SUPREMA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O pleito de concessão do Acordo de Não Persecução Penal não foi objeto de apreciação pela Corte de justiça de origem e não se opuseram embargos de declaração. Ausência de prequestionamento. Incidência das Súmulas n. 282/STF e 356/STF.
2. In casu, quando do julgamento dos embargos de declaração, que ocorreu em 09/03/2020, a Lei n. 13.964/2019 já estava em vigor e a prestação jurisdicional não estava encerrada e, assim, não há falar em impossibilidade de levar o tema à apreciação da Corte a quo.
3. E ainda que se trate de matéria de ordem pública, o requisito do prequestionamento se mostra indispensável a fim de evitar supressão de instância.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.065.090/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 15/8/2023.)
Sobre a violação aos arts. 157 e 240, ambos do CPP, o TRF4 não reconheceu nulidade na busca e apreensão de bem de titularidade da esposa do recorrente, nos seguintes termos do voto do relator (grifos acrescidos):
"I.2. Nulidade da busca e apreensão (de bem de terceiro)
A defesa de JULIANO argui a nulidade da apreensão (e perdimento) dos bens e, em consequência, de "todo o conjunto probatório relacionado aos itens apreendidos", pela "ausência de mandado de busca e apreensão para objetos e valores de pessoa estranha ao processo" (esposa do réu) e caracterização de "fishing expedition".
A propósito, a análise da sentença:
(...)
- Ilicitude da apreensão de bens pertencentes à esposa do réu Juliano
A defesa do réu Juliano refere que o mandado de busca domiciliar foi expedido para a apreensão de materiais indiciários de propriedade de Juliano Carlos Brasil, destacando que “a ordem judicial não concede autorização para a apreensão de valores, veículos e aparelhos celulares de Adriana Silva de Freitas”.
Argumenta que, mesmo sem ordem judicial para tanto, foram apreendidos o valor de R$ 10.600,00 (dez mil e seiscentos reais) em espécie, o veículo Hyundai Santa Fé, placas ASC7G77, bem como o telefone celular, marca Apple, modelo A1921, bens pertencentes à esposa do réu (Adriana Silva de Freitas).
Sustenta que não é admissível a apreensão de objetos que não interessem à investigação e de propriedade de pessoas próximas ao réu, que não são alvo da investigação e/ou do processo.
Defende que, assim, as provas anexadas no Inquérito Policial nº 5000445-20.2020.4.04.7101, evento 84, INF5 (perícia realizada no celular pertencente a Adriana), devem ser “consideradas ilícitas por ausência de ordem judicial apta a sua colheita”, com o seu consequente desentranhamento dos autos.
Conforme se observa na decisão exarada no evento 40, DESPADEC1, do Pedido de Busca e Apreensão nº 5004088-83.2020.4.04.7101, por ocasião da deflagração da fase ostensiva da Operação Cem Libras, foi deferida pelo juízo a expedição de mandado para a busca e apreensão de, dentre outros bens relacionados, “objetos que possam estar relacionados com o tráfico internacional de drogas, associação para o tráfico ou organização criminosa”.
No tocante à alegação de que, no caso concreto, os três bens (numerário, veículo e celular) apreendidos não interessariam à investigação, gize-se que o próprio fato de a perícia realizada no celular de Adriana ter encontrado conteúdo supostamente relativo a atividades ilícitas da associação criminosa e de tráfico de drogas, corrobora a medida de busca e apreensão efetivada, demonstrando o interesse de tal objeto para o processo.
No que diz respeito ao numerário e veículo apreendidos, diante da possibilidade de que constituam produto ou proveito da atividade criminosa supostamente promovida pelo investigado, estando, portanto, sujeitos a eventual decretação de perdimento, resta evidenciado se enquadrarem como objetos que possam estar relacionados com os delitos ora em julgamento.
Sobre a questão atinente à apreensão de bens de terceiros – independentemente de o terceiro ter ou não relação com os fatos delituosos – quando moradores do mesmo imóvel do investigado, impende ressaltar o seguinte acórdão do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a admissibilidade e validade na busca e apreensão de tais bens, sendo irrelevante a sua discriminação no mandado. Restou pontuado, ainda, que a autoridade policial possui certa margem de discricionariedade, no momento da diligência, para selecionar e apreender os itens que julgar relevantes:
[...]
Registre-se, outrossim, que contra os bens de terceiros correm os mesmos efeitos da apreensão dos bens do investigado, tais como o perdimento em favor da União.
Nesse contexto, não se constata a aventada ilicitude na apreensão de tais bens, de modo que rechaço a preliminar em comento.
Corretas as conclusões da sentença.
Primeiro, observo que a terceira apontada não se trata de pessoa absolutamente estranha aos fatos, eis que é esposa/companheira do então investigado, agora apelante, JULIANO.
Segundo, diversamente do que sustenta a defesa, não se trata de "reverter, de maneira interpretativa" a decisão relativa às buscas e apreensões. Ocorre que desta constou expressamente o deferimento de apreensão de todos os "equipamentos eletrônicos, bem como anotações, documentos e objetos" que pudessem estar "relacionados com o tráfico internacional de drogas, associação para o tráfico ou organização criminosa nos endereços" indicados (item 10. e) - evento 40 - Pedido de Busca e Apreensão Criminal 5004088-83.2020.4.04.7101).
Ainda, cabe salientar que a JULIANO foi imputado ser um dos líderes da associação criminosa investigada, com ascendência sobre os demais, de modo que a apreensão de bens móveis nos endereços a ele vinculados, entre os quais aparelho celular utilizado pela companheira (Adriana Silva de Freitas) e automóvel registrado em nome desta, não constitui ilegalidade flagrante, por haver indicativos iniciais de que estavam relacionados a ele, sendo possíveis instrumentos e produto ou proveito dos crimes.
Quanto aos valores apreendidos, com maior razão ainda, diante dos indícios de significativo poderio econômico da associação criminosa em investigação.
A respeito, pertinente registrar que, no Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas 5004986-96.2020.4.04.7101, foi mantida a apreensão de todos os bens, considerando não haver prova inequívoca de propriedade de Adriana (evento 07):
(...)
Os bens cuja restituição está sendo requerida foram apreendidos durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão na residência de JULIANO CARLOS BRASIL, expedido nos autos do Pedido de Busca e Apreensão Criminal nº 5004088-83.2020.4.04.7101, diante dos indícios de envolvimento do investigado nos delitos previstos nos artigos 33 e 35, c/c 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06 (evento 85, DOC2).
Conforme a decisão que determinou a medida (evento 40 do Pedido de Busca e Apreensão Criminal nº 5004088-83.2020.4.04.7101), existem elementos fortes e concretos acerca do envolvimento de JULIANO com o tráfico internacional de entorpecentes.
(...)
Assentadas tais premissas, constata-se que, no caso dos autos, não se verificam os requisitos necessários para a restituição dos bens apreendidos.
(...)
2. Além disso, ressalta-se que os bens foram apreendidos na residência do investigado JULIANO CARLOS BRASIL, diante da apuração de delitos supostamente relacionados ao tráfico internacional de drogas, atividade criminosa que movimentaria significativas quantias de dinheiro, conforme consta na decisão proferida no evento 40 do Pedido de Busca e Apreensão Criminal n° 5004088- 83.2020.4.04.7101. Nos autos da referida investigação, JULIANO é apontado pela autoridade policial como um dos líderes de uma organização criminosa voltada para a prática do tráfico de entorpecentes, referido como "patrão", sendo considerado gerente da organização e ocupando uma posição hierárquica superior aos demais integrantes do grupo criminoso. Assim, com base nos elementos até então trazidos aos autos, não se pode desconsiderar sumariamente a hipótese de que os bens apreendidos constituam produtos ou proveitos da lucrativa atividade criminosa supostamente promovida pelo investigado, razão pela qual persiste a possibilidade de decretação do seu perdimento diante de eventual sentença condenatória. Ademais, antes do encerramento das investigações, não se pode concluir que o veículo Hyundai Santa Fé V6, modelo 2009, cor prata, Placa ASC7G77, e o celular Iphone XS MAX não eram habitualmente utilizados na atividade criminosa em apuração, especialmente considerando que o veículo apreendido foi o único automóvel encontrado na residência de um dos supostos chefes de uma organização criminosa estruturada para a prática de crimes relacionados ao tráfico de drogas, fatos que, caso confirmados, podem ensejar a decretação de seu perdimento, com base nas disposições da Lei nº 11.343/06, ainda que seu uso não constitua fato ilícito. Assim, persistindo a possibilidade de eventual decretação de perdimento dos bens, resta prejudicada a sua imediata restituição. 3. Por fim, observa-se que persiste a dúvida quanto à efetiva propriedade dos bens. Quanto ao Iphone XS MAX , cor rosa, e ao montante de R$ 10.600,00 (dez mil e seiscentos reais), a requerente se limitou a indicar que, em razão de sua atividade comercial, possui uma renda financeira perfeitamente apta a integrar os bens apreendidos. Contudo, a simples compatibilidade entre os lucros de sua atividade e o valor dos bens apreendidos é insuficiente para provar a respectiva propriedade, o que prejudica o pedido de restituição por ela formulado. No que se refere ao veículo Hyundai Santa Fé V6, modelo 2009, cor prata, Placa ASC7G77, cabe reiterar que o bem foi apreendido diante do cumprimento de mandado de busca e apreensão na residência de investigado pela suposta prática de crimes cujo modus operandi costuma envolver mecanismos de blindagem e ocultação patrimonial, inclusive mediante interposta pessoa, de forma que a demonstração da propriedade do bem passa a exigir um conjunto probatório mais robusto. Logo, a prova documental apresentada pela requerente deve ser confrontada com o contexto de estratégias de ocultação patrimonial usualmente empregadas nos delitos pelos quais JULIANO está sendo investigado, o que acaba por fragilizar a demonstração da efetiva propriedade do veículo apreendido, impedindo a sua restituição até que novos elementos de investigação eventualmente comprovem a verdadeira titularidade. (...) (grifei)
Nesse contexto, não há irregularidade a sanar." (fls. 3576/3578)
Extrai-se do trecho acima que não foi identificada qualquer nulidade na apreensão ou no perdimento dos objetos apontados como de propriedade da esposa do recorrente pelas autoridades policiais, considerando que existiram indícios de que eles estavam relacionados à prática de tráfico internacional de drogas, associação para o tráfico ou organização criminosa, em um dos endereços indicados em mandado judicial.
Tal entendimento encontra amparo na jurisprudência desta Corte, a qual se posiciona no sentido de ser prescindível que no mandado de busca e apreensão haja um rol pormenorizado de quais documentos ou objetos devam ser coletados na execução da medida cautelar, sendo, inclusive, possível a apreensão e o posterior perdimentos de bens supostamente de propriedade de terceiros, desde que inequivocamente demonstrada nos autos de origem a ligação dos referidos bens com os crimes investigados.
Trata-se, portanto, da presente hipótese, em que, conforme se lê do trecho acima, a perícia realizada no celular da esposa do recorrente apontou ter sido encontrado conteúdo relativo a atividades ilícitas da associação criminosa e de tráfico de drogas, demonstrando, assim, o interesse de tal objeto para o processo a fim de que fosse apreendido. No mesmo sentido, foram apontados indícios de que o numerário e o veículo apreendidos constituíam produto ou proveito da atividade criminosa promovida pelo investigado, o que fundamentou a declaração de seu perdimento. A corroborar, colaciono precedentes desta Corte (grifos acrescidos):
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. COMPARTILHAMENTO DE DADOS ENTRE ÓRGÃOS FISCAIS E POLICIAIS. DADOS CADASTRAIS. LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO SIGILO FISCAL. APREENSÃO DE BENS DE TERCEIROS. REGULARIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Não se verifica ilegalidade no compartilhamento de dados entre a Receita Estadual e a Polícia Civil, limitado a informações cadastrais, por não configurar violação ao sigilo fiscal.
2. O endereço de protocolo de internet (IP) não constitui dado pessoal sigiloso, pois, isoladamente, não revela informações atinentes à identidade do usuário.
3. Hipótese na qual apreensão de bens de terceiros no cumprimento do mandado de busca e apreensão deu-se dentro dos limites da legalidade, abrangendo dispositivos eletrônicos relacionados às investigações e regularmente autorizados pelo juízo competente.
4. A decisão que determinou a expedição do mandado de busca e apreensão foi fundamentada e justificou a necessidade da medida excepcional, não havendo ilegalidade na sua execução.
5. "[N]ão há no ordenamento jurídico pátrio qualquer exigência de que a manifestação judicial que defere a cautelar de busca e apreensão esmiúce quais documentos ou objetos devam ser coletados, até mesmo porque tal pormenorização só é possível de ser implementada após a verificação do que foi encontrado no local em que cumprida a medida". (AgRg nos EDcl no RHC n. 145.665/RO, Rel. Ministro Jesuíno Rissato - Desembargador Convocado do TJDFT, Quinta Turma, julgado em 28/9/2021, DJe de 5/10/2021).
6. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RHC n. 185.119/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 3/6/2025, DJEN de 10/6/2025.)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus interposto contra decisão que negou provimento ao recurso, mantendo a legalidade de busca e apreensão realizada em endereço de terceiro, não diretamente investigado.
2. A busca e apreensão foi autorizada judicialmente com base em informações de que o local era utilizado pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) para armazenar armas, no contexto de investigação de homicídio.
II. Questão em discussão
3. A discussão consiste em saber se a busca e apreensão em imóvel de terceiro, não diretamente envolvido no crime investigado, pode ser considerada legal quando fundamentada em indícios de que o local é utilizado para fins ilícitos.
4. Outro ponto é verificar se a apreensão de celular de terceiro, não mencionado no mandado, é válida no contexto de busca autorizada judicialmente.
III. Razões de decidir
5. A decisão que autorizou a busca e apreensão foi devidamente fundamentada, com base em indícios razoáveis de que o local poderia conter elementos de prova relativos à organização criminosa PCC.
6. A jurisprudência permite a busca e apreensão em imóveis de terceiros não diretamente investigados, desde que existam fundadas razões para acreditar que o local possa conter provas de atividades ilícitas.
7. A apreensão do celular ocorreu no contexto de uma busca legítima e regularmente ordenada, não havendo ilicitude ou contaminação das provas obtidas.
IV. Dispositivo e tese
8. Agravo regimental não provido.
Tese de julgamento: 1. A busca e apreensão em imóvel de terceiro não diretamente investigado é válida quando fundamentada em indícios de uso do local para fins ilícitos. 2. A apreensão de objetos durante busca autorizada judicialmente é legítima, mesmo que o terceiro não seja mencionado no mandado, desde que haja contexto probatório suficiente.
Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 240, § 1º; CPP, arts.
245 e 246.
Jurisprudência relevante citada: STJ, HC 624608/CE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 02.02.2021;
STJ, AgRg no RHC n. 137.379/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 19.04.2022.
(AgRg no RHC n. 203.817/SC, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 30/4/2025, DJEN de 8/5/2025.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. BUSCA E APREENSÃO E QUEBRA DE SIGILO DE DADOS. DEMONSTRADA A IMPRESCINDIBILIDADE DAS MEDIDAS PARA AS INVESTIGAÇÕES. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O Juízo de origem - referendado pelo Tribunal local - consignou fundamentação adequada para determinar as medidas de busca e apreensão e de quebra do sigilo de dados em desfavor do Agravante, porquanto foi relatado que se trata de inquérito policial destinado a apurar crimes de peculato e associação criminosa supostamente praticados por policiais civis lotados na Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás e, em razão disso, os objetos a serem colhidos na busca e apreensão e a quebra de sigilo dos dados são indispensáveis às investigações, notadamente para que as provas e instrumentos utilizados para a prática delitiva não desapareçam.
2. Conforme entendimento desta Corte Superior de Justiça, "[s]erá cabível a busca e apreensão domiciliar nos casos em que ficar evidenciado que no local indicado se encontrem objetos que poderão auxiliar na elucidação do crime investigado, prescindindo, todavia, que seja indicado com precisão as coisas a serem arrecadadas, podendo o mandado apontar que deverão ser recolhidos computadores, documentos, roupas, mídias, veículos etc" (AgRg no REsp 1.388.497/PR, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 01/06/2017, REPDJe 15/06/2018, DJe 07/06/2017; sem grifos no original). 3. Agravo desprovido.
(AgRg no RHC n. 123.437/GO, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 27/10/2020, DJe de 12/11/2020).
Somado a isso, verifica-se que nos autos do Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas foi mantida a apreensão do veículo, do montante em dinheiro e do celular perquerido pela defesa, considerando não ter havido prova inequívoca de que eles eram de propriedade da esposa do recorrente. Dessa forma, inevitável a incidência da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, já que, para se concluir de modo diverso seria necessário o revolvimento fático-probatório, vedado por força da referida súmula. Nesse sentido, trago precedente em caso similar ao presente:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RESTITUIÇÃO DE BENS E VALORES APREENDIDOS EM AÇÃO PENAL. CONDENAÇÃO POR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E ROUBO QUALIFICADO DE COMBUSTÍVEIS. PENA DE PERDIMENTO DE BENS APREENDIDOS MANTIDA EM APELAÇÃO CRIMINAL. PEDIDO DE LIBERAÇÃO DE BENS DIRIGIDO AO RELATOR DA APELAÇÃO CRIMINAL APÓS O ESGOTAMENTO DE SUA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, QUANDO JÁ INTERPOSTOS EMBARGOS INFRINGENTES. ILEGITIMIDADE ATIVA PARA PLEITEAR A LIBERAÇÃO DE BENS DA TITULARIDADE DE TERCEIROS E AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA DA PROPRIEDADE FORMAL DOS DEMAIS BENS. FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA NÃO IMPUGNADO ESPECIFICAMENTE. SÚMULA 182/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Não há como se reconhecer ao impetrante (pessoa física) legitimidade para pleitear a liberação de veículos e bens móveis apreendidos no curso da ação penal, se tais bens são formalmente de titularidade de terceiros.
2. Não cabe ao Relator de apelação criminal deliberar sobre pedido de restituição de bens após o exaurimento de sua jurisdição no feito, quando já havia se encerrado o julgamento colegiado de apelação criminal e de embargos de declaração, já tendo sido interpostos embargos infringentes.
3. Inviável o conhecimento de pedido de liberação de bens apreendidos no bojo de ação penal se, a par de tal pleito não ter sido formulado no bojo da apelação criminal, o pedido implicaria no reexame de matéria já examinada na apelação e em embargos de declaração nos quais ficou expressamente consignado que "os bens cujo perdimento foi decretado possuem intensa ligação com os fatos discutidos nos autos".
4. Ainda que assim não fosse, a restituição das coisas apreendidas, mesmo após o trânsito em julgado da ação penal, está condicionada tanto à ausência de dúvida de que o requerente é seu legítimo proprietário, quanto à licitude de sua origem e à demonstração de que não foi usado como instrumento do crime e não constitui proveito dele, conforme as exigências postas nos arts. 120, 121 e 124 do Código de Processo Penal c/c o art. 91, II, do Código Penal.
Nessa linha de entendimento, a jurisprudência desta Corte tem exigido a prova da real propriedade do bem apreendido como requisito para sua liberação. No caso concreto, entretanto, o pedido de liberação dos bens cuja titularidade não era de terceiro veio desacompanhado de qualquer espécie de documento que pudesse demonstrar que o ora recorrente é seu proprietário formal, sabido que o mandado de segurança demanda prova pré-constituída, já que não admite dilação probatória.
5. A ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada no momento oportuno impede o conhecimento do recurso, atraindo o óbice da Súmula 182 desta Corte Superior ("é inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada").
In casu, o recorrente deixou de rebater os fundamentos lançados na decisão agravada quanto à ausência de competência do Relator de apelação criminal para deliberar sobre pedido após o esgotamento de sua prestação jurisdicional, e quanto ao fato de que a apelação criminal decidiu que "os bens cujo perdimento foi decretado possuem intensa ligação com os fatos discutidos nos autos", incidindo a aplicação da Súmula 182/STJ.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RMS n. 67.052/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 13/12/2021.)
Sobre a violação ao art. 159, §§ 3º e 4º, do CPP, o TRF4 não reconheceu o alegado cerceamento de defesa pelo indeferimento do pedido de prova pericial por assistentes técnicos, nos seguintes termos do voto do relator (grifos acrescidos):
"A defesa de JULIANO argui a ocorrência de cerceamento de defesa, dado o indeferimento de produção de prova com fundamento em preclusão não caracterizada.
Trata-se dos seguintes pedidos, relacionados ainda à perícia nos aparelhos celulares apreendidos (evento 865, PET1):
(...)
Assim, tendo em vista que o perito técnico forense que, neste ato, figurou como Assistente Técnico, não localizou informações acerca da preservação da cadeia de custódia, considerou os arquivos vulneráveis e não teve acesso as imagens (se geradas) do sistema CELLEBRITE, requer a esse Juízo as seguintes providências:
a) Oficiar a Autoridade Policial para informar os documentos que informam a manutenção da cadeia de custodia antes, durante e após a apreensão dos aparelhos celulares, que não foram identificadas pelo perito;
b) Submeter o perito técnico forense responsável pelas extrações, aos mesmos quesitos respondidos pelo assistente técnico nomeado pelo Réu Juliano Carlos Brasil (em anexo);
c) Oficiar a Autoridade Policial para anexar ao processo o relatório de acesso as informações da extração dos celulares apreendidos, onde seja possível verificar a data, horário e quais/quantas pessoas acessaram os dados extraídos;
d) Oficiar a Autoridade Policial fornecer as câmeras de segurança do local onde sejam realizadas as extrações de dados ou perímetro próximo ou qualquer outro meio que seja possível identificar se as testemunhas de acusação adentraram (ou não) ao local para visualizar o material em período antecedente aos seus depoimentos (de 10/03/2021 até 09/06/2021).
Os requerimentos foram indeferidos pelo Juízo de origem, conforme segue (evento 872):
(...)
Primeiramente, oportuno destacar que é facultado à defesa requerer a admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia, nos termos do que dispõe o art. 3º-B, XVI, do Código de Processo Penal.
Ademais, o art. 159, § 3º do mesmo diploma legislativo, autoriza, além da indicação do assistente técnico, a tempestiva formulação de quesitos a serem respondidos pelos peritos.
Nesse cenário, a admissão do assistente técnico na decisão vinculada ao evento 811, DOC1, com o fito de elaborar parecer acerca da perícia já realizada, não abrange a formulação de novos quesitos, notadamente considerando que a defesa do réu foi devidamente intimada dos laudos relativos às perícias realizadas, havendo preclusão.
Outrossim, não se vislumbra, no parecer anexado, elementos concretos que indiquem tenha havido a alegada quebra da cadeia de custódia - art. 158-A do Código de Processo Penal -, tendo o assistente técnico se limitado a referir genericamente que "não foi identificado nenhum documento que garanta a cadeia de custódia", sem mencionar, todavia, quais seriam os documentos capazes de salvaguardar a higidez do elemento probatório no caso em exame e que não foram anexados ao acervo dos autos.
Dessarte, de rigor o indeferimento dos pedidos formulados pela defesa do réu JULIANO no evento 865, DOC1. (...)
Já na sentença a alegação de nulidade foi assim refutada:
(...)
- Nulidade em razão do indeferimento dos pedidos do evento 865 - cerceamento de defesa
A defesa técnica do réu Juliano sustenta que houve cerceamento de defesa no indeferimento dos pedidos do evento 865, PET1, formulados com base no parecer do assistente técnico ( evento 865, PARECER2).
O pedido em comento já foi ventilado pelo réu no curso da instrução processual, sendo apreciado e repelido na decisão do evento 872, DESPADEC1, não cabendo a rediscussão do tema neste grau de jurisdição.
Apesar disso, não custa repisar que é lícito ao Juiz o indeferimento das provas entendidas como irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, desde que de forma devidamente fundamentada, e que na hipótese em apreço, conforme se observa na decisão do evento 872, DESPADEC1, os pedidos não foram indeferidos com base tão somente na ocorrência de preclusão temporal, mas também porque "não se vislumbra, no parecer anexado, elementos concretos que indiquem tenha havido a alegada quebra da cadeia de custódia - art. 158-A do Código de Processo Penal -, tendo o assistente técnico se limitado a referir genericamente que ‘não foi identificado nenhum documento que garanta a cadeia de custódia’, sem mencionar, todavia, quais seriam os documentos capazes de salvaguardar a higidez do elemento probatório no caso em exame e que não foram anexados ao acervo dos autos".
Dessa forma, rejeito a preliminar em análise.
Como se verifica, a questão de fundo é a alegada quebra da cadeia de custódia da prova, que já foi objeto de exame e afastada no item I.1.2.
De qualquer modo, cabe destacar o acerto das conclusões do Juízo, pois, consoante repisou a Procuradoria Regional da República (evento 30), "a determinação de realização de perícia ocorreu na sequência das apreensões dos telefones celulares, e portanto, se era a intenção da defesa assegurar que a perícia não sofresse interferências ou não fosse realizada de forma indevida, deveria ter formulado ao juízo o requerimento de indicação do assistente técnico para acompanhar a produção da perícia (art. 3º-B, XVI, do Código de Processo Penal)".
Entretanto, a defesa optou por aguardar a juntada dos laudos periciais, para, após, requerer a designação de assistente técnico, e, ainda, por aguardar o parecer deste, para então, realizar novos pedidos visando lastrear sua tese de violação da cadeia de custódia. O Juízo de origem indeferiu os requerimentos, considerando especialmente o momento processual (final da instrução criminal).
Ao contrário do alegado, a decisão não implicou em cerceamento de defesa, visto que era do conhecimento da defesa que a prova estava sendo produzida e poderia ter requerido o acompanhamento e as demais medidas anteriormente.
Assim, devidamente fundamentado o indeferimento da prova, não se verifica a alegada nulidade." (fls. 3581/3582)
Extrai-se do trecho acima que não se identificou o alegado cerceamento de defesa em razão do indeferimento do pedido de nomeação de assistentes técnicos, tendo o Tribunal de origem consignado que o referido requerimento visava a que a produção da perícia fosse acompanhada por um assistente técnico da defesa, para garantir a proteção da cadeia de custódia das informações examinadas. No entanto, já havia sido concluído o correspondente laudo pericial cuja produção a defesa desejava acompanhar, já tendo sido ela intimada sobre isso. Dessa forma, a admissão de novo assistente técnico, sem a formulação de novos quesitos sobre o objeto da perícia já finalizada, revelou-se desnecessária, considerando o momento processual em que o seu pedido foi formulado (final da instrução criminal, após a conclusão da perícia sobre os aparelhos celulares).
O entendimento adotado pelo Tribunal a quo encontra amparo nos termos do art. 400, § 1º, do CPP, considerando que o direito à produção probatória dos réus coexiste com a discricionariedade motivada do magistrado para indeferir as provas que reputar protelatórias, irrelevantes ou impertinentes. Como visto, era do conhecimento da defesa que a prova pericial a que ela pretendia nomear assistentes para acompanhá-la já estava sendo produzida, de modo que, com a finalização do correspondente laudo pericial, verifica-se que o pedido da defesa torna-se precluso, como consignado pelo TRF4. Para corroborar, citam-se precedentes desta Corte (grifos acrescidos):
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÕES DE NULIDADE PROCESSUAL E CERCEAMENTO DE DEFESA. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. AGRAVO IMPROVIDO.
[...]
5. Não tendo sido demonstrada a imprescindibilidade da realização de exame pericial das vozes contidas nas gravações para a comprovação da materialidade dos crimes e da autoria da agravante, não há que se falar em nulidade processual, já que tais indeferimentos estão amparados pela discricionariedade motivada do magistrado para indeferir as provas que reputar irrelevantes, conforme art. 400, § 1º, do CPP.
[...]
9. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp n. 2.703.609/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 8/4/2025, DJEN de 14/4/2025.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL GRAVE E FALSIDADE IDEOLÓGICA. ABSOLVIÇÃO, INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA, ATIPICIDADE, ELEMENTO SUBJETIVO. TESES DEFENSIVAS QUE DEMANDAM REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 DO STJ. INDEFERIMENTO DE PROVA DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ARTS. 203 E 206 DO CPP. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211 DO STJ. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AGRAVANTE DO ART. 61, G, DO CP MANTIDA. ATENUANTE DO ART. 65, III, B, DO CP AFASTADA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBILIDADE. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. VALOR DO DIA-MULTA E DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS (ART. 387, IV, DO CPP). PECULIARIDADES DA CAUSA E CAPACIDADE ECONÔMICA DA AGRAVANTE. REVISÃO. SÚMULA 7 DO STJ. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.
[...]
5. O art. 400, § 1º, do CPP autoriza o magistrado a indeferir as provas que considerar irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, sem que se possa falar em cerceamento de defesa, de forma que o indeferimento fundamentado da prova requerida pela defesa - no caso, o laudo grafotécnico da assinatura oposta na DNV - não revela cerceamento de defesa, pois foi justificada sua desnecessidade para o julgamento.
[...]
17. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.982.190/DF, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 1/4/2025, DJEN de 11/4/2025.)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR EM CONTINUIDADE DELITIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 41 DO CPP. DENÚNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS AO INÍCIO DA PERSECUÇÃO PENAL E À GARANTIA DO PLENO EXERCÍCIO DA DEFESA DO RECORRENTE. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 156, 159, 176, 184, 400, § 1°, E 563 DO CPP. TESE DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS REQUERIDAS PELA DEFESA FUNDAMENTADO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 386 DO CPP. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. VIA IMPRÓPRIA. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 59 E 71, AMBOS DO CP. ALTERAÇÃO OU INOVAÇÃO DE FUNDAMENTOS PARA VALORAÇÃO NEGATIVA NA DOSIMETRIA DA PENA. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE AFASTOU A VALORAÇÃO NEGATIVA DO VETOR JUDICIAL DA PERSONALIDADE E PRESERVOU A PENA-BASE DOSADA PELO JUÍZO SINGULAR. REDUÇÃO PROPORCIONAL NOS TERMOS DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. CONTINUIDADE DELITIVA. DESCONSTITUIÇÃO. SÚMULA 7/STJ. PLEITO DE REDUÇÃO DA FRAÇÃO DE AUMENTO. PRÁTICA DO DELITO POR INCONTÁVEIS VEZES (ENTRE 2001 E 2006). IMPRECISÃO DO NÚMERO DE CRIMES. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PATAMAR MÁXIMO DE 2/3. JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES. MANUTENÇÃO DA FRAÇÃO APLICADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS ANTE A CARÊNCIA DE RECURSO ACUSATÓRIO.
[...]
4. No que se refere ao indeferimento de diligências, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul asseverou que sustenta a Defesa que o indeferimento da realização de perícia envolvendo a vítima, os genitores e o acusado (fls.193) lhe causou prejuízos, já que o exame feito na fase policial não teve o acompanhamento da Defesa. [...], destaca-se que a referida decisão não se baseou na ausência de apresentação de quesitos pelo advogado; teve como fundamento não estar demonstrada a pertinência da prova, concluindo que a nova submissão da vítima à avaliação psicológica configuraria agressão desnecessária e inócua. [...] Não se justificava a imposição à vítima e seus genitores a uma nova experimentação da memória do evento. O Juiz tem o poder de denegar pedidos protelatórios, impertinentes ou irrelevantes à busca da verdade, nos termos do § 1° do artigo 400 do Código de Processo Penal. [...] Restava facultado à Defesa a possibilidade de ouvir a psicóloga e o assistente técnico, bem como realizar perguntas a profissional que auxiliou o juízo, conforme ocorreu na audiência de instrução (fls. 166/167). [...]
Igualmente releva lembrar que o laudo contra o qual se insurge é apenas um dos elementos de prova dos autos, indicando que as afirmações de M. K. D. deveriam ser tidas como verossímeis. Logo, sua corroboração depende do restante das provas, a serem examinadas no mérito. [...] A Defesa arguiu também ter pleiteado a reinquirição da vítima e de seu genitor, em razão de carta redigida pelo genitor e acostada à fls. 247, pois pretendia esclarecer os fatos ali alegados, o que foi indeferido (fls. 292). [...] Irrelevante o pleito, já que o documento não trouxe nada de novo em relação ao que se discute nesse processo, não se podendo transformar o processo em espaço de discussão eterna entre os familiares da vítima e o acusado. Os argumentos trazidos pelo pai apenas ratificavam aqueles já trazidos desde o inquérito, contrapondo, por óbvio, a Defesa (fls. 562/564).
5. Nos termos do § 1° do art. 400 do Código de Processo Penal, as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o Juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.
Consoante discricionariedade do Juízo em apreciar as provas do processo, não se verifica nulidade no indeferimento de provas que em nada modificariam o resultado final. Dessa forma, ao concluir que o Magistrado pode, quando devidamente fundamentado, avaliar e decidir pela necessidade da produção de provas requeridas pelas partes, indeferindo aquelas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (art. 400, § 1°, do CPP), exatamente como ocorreu in casu, a Corte Estadual decidiu em sintonia com a jurisprudência pacificada no âmbito deste Superior Tribunal, sendo inviável a alteração do quanto decidido pelo óbice da Súmula 7/STJ.
6. Cabe ao juiz indeferir, motivadamente, a produção de provas irrelevantes ao deslinde do feito, nos termos do art. 400, § 1º, do CPP. Estando adequadamente fundamentada sua decisão, concluir que a prova pretendida seria necessária é medida vedada pela Súmula 7/STJ (AgRg no AREsp n. 2.027.084/DF, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 26/4/2022 - grifo nosso).
7. [...], a orientação firmada pelas instâncias ordinárias está em sintonia com a jurisprudência desta Corte Superior firmada no sentido de que cabe ao Magistrado de primeiro grau, condutor da instrução e destinatário da prova, indeferir as diligências que entender irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, conforme dispõe o art. 400, § 1º, do Código de Processo Penal - CPP. O indeferimento fundamentado da prova requerida pela defesa não revela cerceamento de defesa, quando justificada sua desnecessidade para o deslinde da controvérsia (AgRg no HC n. 649.365/RJ, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 16/9/2022).
[...]
15. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.898.364/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 20/3/2023, DJe de 23/3/2023.)
Por fim, sobre a violação aos arts. 35 e 40, I, ambos da Lei n. 11.343/2006, o TRF4 manteve a condenação do recorrente pelo crime associação para o tráfico transnacional de drogas, nos seguintes termos do voto do relator (grifos acrescidos):
"HIAGO, JULIANO E LUIZ
Todos os acusados negam a manutenção de vínculo associativo para a traficância.
Entretanto, tudo quanto apurado no monitoramento telefônico, pela quebra de sigilo de dados, bem como nas apreensões e diligências empreendidas não deixam qualquer dúvida do vínculo entre os apelantes e da dedicação estável ao tráfico de drogas.
Com efeito, os contatos mantidos pelos acusados com os agentes flagrados no transporte dos entorpecentes, antes e após os episódios acima listados; as viagens realizadas,, em conjunto ou separadamente para a região da fronteira com o Paraguai, para o Rio Grande do Sul e fronteira com o Uruguai; a contabilidade colhida na quebra de sigilo; a troca de veículos; o histórico criminoso, especialmente no caso de Juliano; as apreensões de valores em sua posse; aliados à falta de plausibilidade da versão apresentada para os fatos, comprovam à suficiência que estavam associados entre si para a prática reiterada de tráfico transnacional de drogas.
As questões suscitadas pelas defesas não têm o condão de ilidir os fundamentos da sentença, que bem examinou a prova e todos os pontos relevantes do caso, ora devolvidos à apreciação do Tribunal.
No entanto, cabe ressaltar alguns pontos.
A vinculação de HIAGO ao perfil “Chacrinha”, como antes salientado, assim como aos terminais telefônicos apontados, restou bem evidenciada ao longo das investigações.
Da mesma forma, a conclusão de que JULIANO/Cabelo era o “patrão” de LUIZ JUNIOR mostra-se bem lastreada, conforme as próprias afirmações do último em duas conversas telefônicas destacadas.
Veja-se que, na ligação de 24/03/2020, LUIZ JUNIOR identifica-se como “o menino que trabalha para o Juliano, o Cabelo”; já, em 01/09/2020, afirma “... meu patrão ... o Cabelo já falou”, e o contexto de ambas não deixa margem à dúvida.
De outra parte, o fato de não ter havido apreensão de droga na posse dos apelantes por si não infirma a existência do crime imputado.
A respeito, primeiro, ressalto que não se exige a posse direta da droga para responsabilização pelo tráfico nos casos de co-autoria. Consoante a doutrina, não é necessário o contato físico, corpóreo, bastando o conluio prévio com aquele que importa ou transporta, por exemplo.
Segundo, é comum justamente às associações criminosas a divisão de tarefas, de forma que nem todos têm necessariamente contato direto com o objeto do delito, especialmente aqueles que detém posição de liderança e/ou ascendência, como se imputa aos apelantes.
No que pertine às viagens realizadas pelos acusados, não se pode creditar à mera coincidência o fato de que, nas mesmas datas ou pouco após, várias pessoas com quem mantiveram contato tenham sido presas em flagrante transportando entorpecentes.
Quanto aos valores apreendidos na posse de HIAGO e JULIANO em 10/09/2020, a alegação de que tinham origem e destino lícito – a aquisição de moeda estrangeira e mercadorias, como bebidas e perfumes, na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai para revenda na região metropolitana de Florianópolis – também se revela frágil.
Com efeito, se HIAGO enfrentava dificuldades financeiras, como alegado, difícil crer que dispusesse de valor significativo (R$41.500,00) e sua alternativa fosse justamente investir em comércio clandestino de produtos que exigisse viagem dessa magnitude, em direção à região de fronteira, e não teria tanto retorno financeiro imediato a ponto de custear a empreitada e, ainda, justamente na companhia de JULIANO, coincidentemente um reincidente específico em tráfico de drogas.
Ademais, é preciso ter presente que, coincidentemente, a apreensão dos valores ocorreu um dia após a prisão em flagrante de Sergio Schutz e Tamires Vitória Rocha, enquanto transportavam 21Kg de cocaína, tendo aquele mantido contato com HIAGO.
Ainda, os valores registrados na contabilidade encontrada na quebra de sigilo de dados de HIAGO (no iCloud Drive) não são compatíveis com venda de mercadorias, como bebidas e perfumes, em escala individual.
Nesse aspecto, também importante ressaltar que desempenho de atividade lícita por si não caracteriza prova de inocência em relação ao crime imputado, uma vez que é usual o exercício de profissões e manutenção de negócios de fachada e/ou secundários, eventualmente até para lavagem dos ativos obtidos com a ação delituosa.
Com relação à transnacionalidade, restou evidenciada pela comprovação de que a droga movimentada era adquirida na região da fronteira com o Paraguai, especialmente, com Ponta Porã/MS, a partir das viagens empreendidas por LUIZ, e de que parte das remessas tinha como destino o Uruguai.
No ponto, cabe destacar que, nos casos de concurso para o tráfico de drogas, não se exige que o sujeito realize pessoalmente a transposição da fronteira para caracterização da transnacionalidade, bastando que da circunstância tenha ciência, o que não se pode afastar quanto a nenhum dos apelantes.
[...]
Nesse contexto, suficientemente demonstrada a dedicação estável de HIAGO, JULIANO e LUIZ ao tráfico transnacional de drogas, mantenho sua condenação, conforme a sentença, porém com exclusão da causa de aumento inscrita no art. 40, V, da Lei 11.343/06:
(...)
- Materialidade delitiva
A presente ação penal está lastreada em investigação policial da Delegacia de Polícia Federal de Pelotas/RS, denominada Operação Cem Libras, que teve início a partir da prisão em flagrante de ALEXSANDRO LUIZ DE MEDEIROS no dia 08.08.2019, em Pelotas/RS, quando foi flagrado transportando 45 kg (quarenta e cinco quilos) de cocaína, acondicionados no interior do veículo Kia Cerato, placas MMJ0799, de Jaraguá do Sul/SC, fato que originou o Processo nº 022/2.19.0009060-6, que tramitou na 4ª Vara Criminal da Comarca de Pelotas.
Com base nos dados extraídos do celular apreendido com ALEXSANDRO LUIZ DE MEDEIROS - de acordo com a Informação de Polícia Judiciária nº 188/2019, anexada no evento 1, INF2, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone nº 5000447-87.2020.4.04.7101, através da análise do aplicativo WhatsApp, identificou-se que dois terminais telefônicos (47 99111-7987 - JUNINHO e 49 99114-9305 - HB20) haviam feito diversas tentativas de contato com ALEXSANDRO, por mensagens e ligação de voz, no mesmo horário em que o flagrado estava sendo abordado por uma equipe da Brigada Militar; além disso, ALEXSANDRO havia enviado para o contato JUNINHO a sua localização em tempo real -, a autoridade policial representou pela quebra do sigilo telefônico de outros possíveis envolvidos na empreitada criminosa do dia 08.08.2019.
As investigações da Polícia Federal, a partir da primeira apreensão e da análise dos dados extraídos do telefone celular de ALEXSANDRO LUIZ DE MEDEIROS, bem como dos dados coletados a partir das medidas deferidas nos autos do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447- 87.2020.4.04.7101, possibilitaram a apreensão de diversas cargas de drogas, bem como três apreensões de valores.
Nessa toada, no dia 26 de fevereiro de 2020 foram apreendidos 206 kg (duzentos e seis quilos) de maconha em Palmeira/PR, no interior do veículo Ford Fusion, placas FUI5999, conduzido por um menor de idade (DIEGO DOS SANTOS CRESPO) que perdeu o controle do automóvel (Ocorrência Policial n° 1990741200226084500). Na ocasião, conforme apurado pela equipe de investigações, o veículo VW/Jetta, placas QUC2585 - locado em nome de LUIZ DE SOUZA JUNIOR, cujo deslocamento, de Ponta Porã/MS em direção ao sul do país, estava sendo monitorado - exercia a função de batedor, enquanto os veículos GM/Vectra, placas MGS1177 e o veículo Ford Fusion estavam “colados” um ao outro e se deslocavam logo atrás do Jetta, seguidos a uma certa distância pelo veículo Ford Fiesta Sedan, placas MJQ8792 (Auto Circunstanciado nº 02/2020, evento 32, AUTO3, fls. 3/6, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
No dia seguinte, em 27 de fevereiro de 2020, JEFFERSON SÉRGIO DE SOUZA – que havia embarcado no ônibus da Viação Penha em Florianópolis/SC – foi abordado no Km 509 da BR-116, no Posto da Polícia Rodoviária Federal, em Pelotas/RS, e preso em flagrante, na posse de 23 kg (vinte e três quilos) de cocaína, fato que deu origem ao Processo n° 022/2.20.0002566-0, que tramitou na 4ª Vara Criminal da Comarca de Pelotas/RS. A referida apreensão foi resultante da análise, pela equipe de investigações, das ações pretéritas do grupo criminoso, tendo sido identificado que JEFFERSON SÉRGIO DE SOUZA teria se hospedado, juntamente com LUIZ DE SOUZA JUNIOR, em um hotel na cidade de Pelotas/RS, no período de 06.05.2019 a 10.05.2019 (Auto Circunstanciado nº 02/2020, evento 32, AUTO3, fls. 6/8, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
Posteriormente, no dia 04 de março de 2020, em Rio Grande/RS, foi preso em flagrante ALEXANDRE GOULART ALVES, na saída da balsa que faz a travessia do canal entre São José do Norte e Rio Grande, conduzindo o veículo Hyundai Tucson, placas MEB7586, onde estavam sendo transportados, dentro das portas traseiras do veículo, 20,4 kg (vinte quilos e quatrocentos gramas) de cocaína, fato que ensejou o Processo nº 023/2.20.0001159-3, em trâmite na 1ª Vara Criminal da Comarca de Rio Grande/RS. Na véspera, em 03.03.2020, a Polícia Federal havia observado o deslocamento de LUIZ DE SOUZA JUNIOR, FRANCINE BRANDINA MEURER e ALEXANDRE GOULART ALVES para a região sul do país, identificando que LUIZ e FRANCINE exerciam a função de batedores, no veículo Ford Ka Sedan, placas QQF4283, locado por FRANCINE (Auto Circunstanciado nº 02/2020, evento 32, AUTO3, fls. 8/14, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101, e contrato de locação anexado no evento 25, CONTR12, do Inquérito Policial nº 5000445-20.2020.4.04.7101). Ademais, a análise dos dados extraídos do celular apreendido por ocasião da prisão em flagrante de ALEXANDRE identificou o destino da droga apreendida (Rua Alberto Torres, nº 163, Vila São Miguel, em Rio Grande/RS), e que HIAGO LUIZ DA SILVA concorreu para o crime, mantendo contato diretamente com ALEXANDRE, acerca da empreitada criminosa (Informação de Polícia Judiciária nº 21/2020, evento 7, INF3, fls. 3 e 9/10, do Inquérito Policial nº 5000445-20.2020.4.04.7101).
Em 25 de março de 2020, foram apreendidos 32 kg (trinta e dois quilos) de cocaína (escondidos numa carga de sal) na posse de VALDELIR RODRIGUES, cuja prisão em flagrante deu origem ao Processo nº 022/2.20.0003584-4, em trâmite na 2ª Vara Criminal da Comarca de Pelotas/RS. A autoridade policial havia identificado o caminhoneiro VALDELIR RODRIGUES a partir da sua interação com o terminal telefônico utilizado pelo réu LUIZ DE SOUZA JUNIOR, o que possibilitou, quando observado o deslocamento de VALDELIR da região de Santa Catarina para o Rio Grande do Sul, a realização da abordagem do caminhão placas ICP0F55 (adquirido pelo próprio grupo criminoso, de acordo com a análise dos dados extraídos do celular de VALDELIR, conforme o Relatório nº 02/2020, o qual apontou, ainda, as tratativas prévias e o monitoramento da empreitada, por parte dos corréus HIAGO e JULIANO, evento 8, INF3, do Inquérito Policial nº 5000445-20.2020.4.04.7101) e a apreensão do entorpecente, no Km 509 da BR-116, no Posto da Polícia Rodoviária Federal, em Pelotas/RS (Auto Circunstanciado nº 04/2020, evento 74, OUT2, fls. 14/15, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
No dia 04 de abril de 2020, em São José/SC, foram apreendidos 530 kg (quinhentos e trinta quilos) de maconha na posse de um menor de idade (KEVEN DE BAIRROS PEREIRA) que conduzia o veículo Nissan Sentra, placas EZI1B38, tendo iniciado o trajeto no Paraná (Ocorrência Policial nº 0255285/2020-BO- 00480.2020.0001050/PC). A equipe de investigações havia observado, alguns dias antes, a movimentação de LUIZ DE SOUZA JUNIOR, acompanhado de LORENA BEATA MORAES, para a fronteira com o Paraguai, na região de Guaíra/PR, onde, na sequência, iniciaram o deslocamento para Santa Catarina. A análise da movimentação junto à malha rodoviária identificou que os veículos VW/Jetta, placas EVS6607, conduzido por LUIZ DE SOUZA JUNIOR e Nissan Sentra, placas EZI1B38, conduzido pelo menor de idade, viajavam em comboio - composto também pelos veículos GM/Onix, placas QHR3839, VW/Voyage, placas MHS4616 e Ford Ka Sedan, placas QQF4283 - da região de Curitiba/PR para a cidade de São José/SC (Auto Circunstanciado nº 04/2020, evento 74, OUT2, fls. 21/25, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
Em 24 de abril de 2020, em Gravataí/RS, foram apreendidos 20 kg (vinte quilos) de cocaína que estavam sendo transportados (ocultos em compartimentos nas portas) no veículo Fiat Uno, placas MHJ9350, conduzido por PEDRO HENRIQUE DAMIANI, cuja prisão em flagrante deu origem ao Inquérito Policial nº 5026368-51.2020.4.04.7100, que tramitou, inicialmente, na 11ª Vara Federal de Porto Alegre, sendo posteriormente declinada a competência para a Justiça Estadual de Gravataí/RS. No dia anterior, por volta das 23h, a equipe de investigação, a partir do monitoramento das ER Bs de JULIANO CARLOS BRASIL e HIAGO LUIZ DA SILVA, e da movimentação da malha rodoviária, identificou que ambos, em deslocamento de Santa Catarina para a região de Porto Alegre/RS, no veículo VW/Voyage, placas MHS4616, estariam atuando como batedores do veículo Fiat Uno, placas MHJ9350. Repassada a informação à Polícia Rodoviária Federal, foi feita a abordagem do veículo Fiat Uno e apreendida a carga de entorpecente (Auto Circunstanciado nº 06/2020, evento 115, OUT2, fls. 3/5, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
No dia 19 de maio de 2020, em Bagé/RS, foram apreendidos 20 kg (vinte quilos) de cocaína que estavam sendo transportados (em um compartimento oculto) no veículo Fiat Stilo, placas NED0261, conduzido por ADEMIR DE OLIVEIRA RIBEIRO, cuja prisão em flagrante deu origem ao Inquérito Policial nº 5001343-18.2020.4.04.7106, que tramitou, inicialmente, na 2ª Vara Federal de Santana do Livramento, sendo posteriormente declinada a competência para a Justiça Estadual de Bagé/RS. A partir de um diálogo interceptado no dia anterior, a equipe de investigações, através do monitoramento da localização georreferenciada dos terminais telefônicos utilizados pelos alvos e do deslocamento de veículos pela malha rodoviária, identificou que o veículo Citroen C4 Cactus, placas QQR8724, tripulado por HIAGO LUIZ DA SILVA e LUIZ DE SOUZA JUNIOR, estaria desempenhando a função de batedor do veículo Fiat Stilo, placas NED0261. Repassada a informação à Polícia Rodoviária Federal de Bagé, foi efetuada a abordagem do veículo Fiat Stilo e a apreensão da droga (Auto Circunstanciado nº 07/2020, evento 146, OUT2, fls. 5/10, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
Em 18 de junho de 2020 foram apreendidos R$ 560.200,00 (quinhentos e sessenta mil e duzentos reais) em Biguaçu/SC, na posse de FLÁVIO IRADI SERPA e VICTOR MATEUS SALMENTÃO SILVEIRA, os quais foram presos em flagrante, dando origem ao IPL 2020.0061198-SR/PF/SC (Processo nº 5012262- 75.2020.4.04.7200, Vara Federal de Florianópolis/SC). A autoridade policial, através do monitoramento do veículo Toyota Hilux, placas IWD1685 – anteriormente identificado a partir do cruzamento de dados de Estações Rádio Base do terminal (55) 99617-7036, utilizado por EDUARDO ACOSTA WEBER (o qual, por sua vez, havia sido identificado após interação frequente com HIAGO LUIZ DA SILVA), que constatou a utilização do referido veículo em viagens para Santa Catarina –, tinha observado que o veículo se deslocou de Santana do Livramento/RS até Santa Catarina, na região de Itapema/SC. Ato contínuo, ao verificar que se iniciava o trajeto de retorno, a equipe de investigações solicitou à Polícia Rodoviária Federal de Biguaçu/SC que fizesse a abordagem do veículo, a qual ensejou a apreensão do numerário em apreço, cuja origem FLÁVIO e VICTOR não souberam explicar (Auto Circunstanciado nº 09/2020, evento 181, AUTO2, fls. 3/4, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
No dia 21 de julho de 2020 foram apreendidos R$ 4.950,00 (quatro mil, novecentos e cinquenta reais) e US$ 10.000 (dez mil dólares), em espécie, na posse de KETILLA THAÍS DE ANDRADE e IZADORA SCHIMIDT DA SILVA, fato que ensejou a instauração do IPL nº 0019/2020-4-DPF/PGZ/PR (Processo n° 5035061-33.2020.4.04.7000, em trâmite na 14ª Vara Federal de Curitiba/PR). A autoridade policial observou que o veículo Kia Sportage, placas QHV7G09 – identificado a partir de interações do terminal telefônico utilizado por JULIANO CABELO –, deslocou-se de Balneário Camboriú/SC para Foz do Iguaçu/PR. No retorno para Santa Catarina, o veículo, conduzido por KETILLA, foi abordado no Km 245 da BR-277, no município de Irati/PR, por uma equipe da Polícia Rodoviária Federal, sendo encontrados os referidos numerários, que estavam acondicionados em uma embalagem e ocultos no interior do veículo, do lado esquerdo do console central (Auto Circunstanciado nº 11/2020, evento 224, OUT3, fls. 8/9, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
Em 12 de agosto de 2020 foram apreendidos 5,3 kg (cinco quilos e trezentos gramas) de cocaína em poder de LARISSA FIUZA ALMEIDA, cuja prisão em flagrante deu origem ao IPL nº 2020.0082947- SR/PF/RS (Processo n° 165/2.20.0000784-6, em trâmite na Vara Judicial da Comarca de Eldorado do Sul/RS). Com base na posição georreferenciada do terminal telefônico de LARISSA - identificada a partir da análise dos extratos dos terminais de LUIZ DE SOUZA JUNIOR e HIAGO LUIZ DA SILVA -, a equipe policial havia monitorado o seu deslocamento de Rio Grande/RS até Santa Catarina, na véspera, bem como o seu retorno, o que possibilitou a abordagem do ônibus linha Porto Alegre - Rio Grande, no posto policial localizado no Km 111 da BR-290, em Eldorado do Sul/RS, que culminou com a sua prisão em flagrante e a apreensão do entorpecente (Auto Circunstanciado nº 13/2020, evento 257, AUTO2, fls. 3/5, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
Poucos dias depois, em 15 de agosto de 2020, foi apreendida uma carga de 4,5 toneladas de maconha e 43,5 kg (quarenta e três quilos e quinhentos gramas) de skunk (ocultos embaixo de uma carga de milho) na posse de ALOZIR SÉRGIO BURG, cuja prisão em flagrante deu origem ao IPL nº 2020.0083851-DPF/GRA/PR (Processo n° 5001701-56.2020.4.04.7017, em trâmite na 1ª Vara Federal de Guaíra/PR). A equipe de investigações tinha observado que no dia 13.08.2020 houve uma intensa comunicação entre ALOZIR (que estava em Ponta Porã/MS) e LUIZ DE SOUZA JUNIOR, bem como a ativação de um aplicativo de fretes, o que possibilitou, mediante cooperação entre forças policiais, a abordagem do caminhão Scania/T112, placas IFG5964, com carreta/reboque Randon, placas AAB4138, conduzido por ALOZIR, e a apreensão do entorpecente, em Guaíra/PR (Auto Circunstanciado nº 13/2020, evento 257, AUTO2, fls. 7/12 e 16/17, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
Em 09 de setembro de 2020 foi apreendida uma carga de 21 kg (vinte e um quilos) de cocaína, que estava sendo transportada (em um compartimento oculto) no veículo Ford Ka, placas NMC2694, tripulado por SÉRGIO SCHUTZ – que havia sido identificado através da análise do WhatsApp de HIAGO LUIZ DA SILVA – e TAMIRES VITÓRIA ROCHA, os quais foram presos em flagrante, fato que deu origem ao Inquérito nº 070/2.20.0001441-8, em trâmite na 2ª Vara Criminal da Comarca de Taquara/RS. A autoridade policial, através da posição georreferenciada do terminal telefônico cadastrado em nome de SÉRGIO, tinha observado que ele se dirigiu até a região de Itapema/SC, retornando, em seguida, ao Rio Grande do Sul, e acionou equipes de policiais federais para abordá-lo em seu deslocamento pela malha rodoviária. Na rodovia ERS-239, em Igrejinha/RS, uma equipe de policiais federais, com apoio da Brigada Militar e da Receita Federal, efetuou a abordagem e a apreensão do entorpecente (Auto Circunstanciado nº 14, evento 273, INF2, fls. 7/8, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
Por fim, na data de 10 de setembro de 2020 foram apreendidos R$ 41.500,00 (quarenta e um mil e quinhentos reais), em espécie, na posse de HIAGO LUIZ DA SILVA e JULIANO CARLOS BRASIL, fato que ensejou a instauração do IPL nº 2020.0092373-SR/DPF/RS. A equipe de investigações havia observado que na véspera (09.09.2020), logo após a prisão em flagrante de SÉRGIO SCHUTZ e TAMIRES VITÓRIA ROCHA, o veículo BMW, placas NRK0033, tripulado por HIAGO e JULIANO, deslocou-se até a região sul do Rio Grande do Sul, pernoitando em Rio Grande/RS. No dia seguinte, HIAGO e JULIANO locaram o veículo Voyage, placas QUT1932 e foram até Santa Maria/RS, onde se encontraram com MAURÍCIO PINTO FRANÇA. Foi identificado, ainda, que após este encontro, HIAGO e JULIANO iniciaram o seu deslocamento em direção a Porto Alegre/RS, o que possibilitou a abordagem do veículo Voyage, placas QUT1932, no interior do qual foi localizado (oculto no estofamento do banco traseiro do veículo) o numerário apreendido (Auto Circunstanciado nº 15/2020, evento 288, INF2, fls. 3/5, do Pedido de Quebra de Sigilo de Dados e/ou Telefone n° 5000447-87.2020.4.04.7101).
Na sequência, com base na representação registrada sob o nº 5004088-83.2020.4.04.7101, oriunda da Delegacia de Polícia Federal de Pelotas/RS, cujos requerimentos foram deferidos em parte, deflagrou- se, em 06.11.2020, a fase ostensiva da investigação denominada Operação Cem Libras, sendo determinada, dentre outras medidas:
a) a expedição de mandado de prisão preventiva em face de Juliano Carlos Brasil, Hiago Luiz da Silva, Luiz de Souza Júnior, Diego Xavier Borges, Rafael Oliveira Melo e Maurício Pinto França;
b) a expedição de mandado de prisão temporária, inicialmente por 30 (trinta) dias, em face de Gilmar Dias, Jean Paulo Gadeia Oliz e Márcio da Silva Mello;
c) a expedição de mandado de sequestro cautelar dos veículos BMW X1, placas NRK0033, VW T Cross, placas RAE5209, Hyundai Elantra, placas OTR3140, VW Golf, placas FBI0A92, VW Golf, placas OJK2G93, Peugeot 208, placas QIK0196, VW Fox, placas MKQ5367 e MMC Triton, placas IZQ0H56.
d) o bloqueio dos valores depositados em contas correntes, poupanças e/ou aplicações financeiras vinculadas aos CP Fs e CNP Js de Juliano Carlos Brasil (CPF 033.089.159-60), Hiago Luiz da Silva (CPF 084.404.129-75), MM Móveis Planejados (CNPJ 20.090.210/0001-25), BF Clínica de Fisioterapia (CNPJ 30.324.425/0001-17), Luiz de Souza Júnior (CPF 093.332.889-37), Diego Xavier Borges (CPF 018.992.610-44), Maurício Pinto França (CPF 013.834.250-43) e Ana Paula Soares de França (CPF 013.892.810-00), via SISBAJUD, conforme previsão do art. 60 da Lei nº 11.343/06, a qual foi modificada pela Lei nº 13.840/19;
e) a expedição de mandado de busca e apreensão de telefones celulares, smartphones, tablets, cartões de memórias, notebooks e outros equipamentos eletrônicos, bem como anotações, documentos e objetos possivelmente relacionados com o tráfico internacional de drogas, associação para o tráfico e organização criminosa, nos endereços de Juliano Carlos Brasil, Hiago Luiz da Silva, Luiz de Souza Júnior, Diego Xavier Borges, Lorena Beata de Moraes, Francine Brandina Meurer, Jefferson Nunes de Souza, Jean Paulo Gadeia Oliz, Karen Gabriele Farias Abib, Márcio da Silva Mello, Fábio Silveira Barbosa, Rafael Oliveira Melo, Maurício Pinto França, Eduardo Acosta Weber, Gilmar Dias e Jeferson Ismael da Rosa.
Verifica-se, portanto, que em um interregno de pouco mais de um ano ocorreram diversas apreensões de drogas – totalizando montante superior a 5 (cinco) toneladas de maconha, 140 (cento e quarenta) quilos de cocaína e 40 (quarenta) quilos de skunk –, as quais resultaram em significativo número de prisões em flagrante, estando os casos acima citados diretamente relacionados com a atuação da associação criminosa sobre a qual versa a imputação em análise.
Os elementos coligidos ao longo da investigação, por intermédio das interceptações telefônicas levadas a efeito, das diversas apreensões de drogas, autuações em flagrante e monitoramento pessoal dos réus, comprovam a existência de associação voltada prioritariamente para o tráfico internacional de drogas, revelando organização permanente e estável cujas atividades de negociação de entorpecentes eram desenvolvidas desde o Paraguai (principalmente por meio da fronteira brasileira na cidade de Ponta Porã/MS), passando pelos estados situados à Região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), até a exportação para o Uruguai.
Percebe-se haver certa hierarquia entre os membros da associação, sendo Juliano Carlos Brasil (referido como “patrão”) o gerente da organização, Hiago Luiz da Silva o gerente operacional, encarregado da logística do transporte e Luiz de Souza Júnior o responsável por prestar auxílio direto no transporte dos entorpecentes, conforme será esmiuçado quando da análise individualizada da conduta de cada um dos imputados.
Nessa senda, as diversas diligências policiais, bem como os testemunhos prestados em Juízo, confirmam a existência da associação para o tráfico e sua atuação na importação e exportação de expressivas quantidades de drogas, além do transporte e venda de entorpecentes em frações menores.
A estabilidade e a permanência da associação voltada para o tráfico transnacional de drogas, já demonstradas pelos elementos coligidos aos procedimentos policiais que lastreiam a denúncia, foram ratificadas pelos depoimentos prestados em Juízo.
Nesse sentido, o Agente da Polícia Federal Sílvio José Ribeiro Duarte – responsável pela elaboração da maioria dos relatórios da fase fechada da Operação Cem Libras, e que também participou de algumas diligências de campo e de alguns flagrantes – explicou que a movimentação do grupo criminoso consistia em deslocamentos a Ponta Porã/MS, onde os entorpecentes eram adquiridos, retorno para Santa Catarina e, logo após, deslocamentos em comboio (veículo batedor e veículo transportador de entorpecentes) em direção à fronteira no sul do país, especialmente nas cidades do Chuí, Jaguarão e Bagé/RS:
“Eles se deslocam a Ponta Porã, ficam um tempo lá na região, retornam em direção à Santa Catarina e vem, sempre batendo em comboio com algum outro veículo, batendo uma carga de entorpecentes, e sempre em direção à fronteira sul aqui do Brasil. Região Sul aqui, Chuí, Jaguarão, Bagé nós verificamos também, então sempre nesse sentido assim tentando transpor as fronteiras.”
Acrescentou que a base da organização criminosa estava situada em Santa Catarina, sendo que a cidade de Pelotas serviria como um entreposto para os membros do grupo criminoso:
“Pelotas é um entreposto, eles partiam geralmente, eles moravam em São José e vinham para cá, primeiro iam a Ponta Porã, pegavam a droga, internalizavam ela, atravessando Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e depois transnacionalizavam ela através do cruzamento da fronteira com o Uruguai, provavelmente essa droga devia ir para a Europa, mas Pelotas ali era a cidade que servia de entreposto, eles paravam ali, (...), não fazíamos vigilância 24 horas por dia ali, então, e visitavam as outras fronteiras ali, Aceguá, Chuí, Jaguarão, para cruzar com a droga pela fronteira”
Ressaltou que ficou claro se tratar de uma quadrilha/grupo criminoso voltado para o tráfico de drogas, com grande capacidade econômica, especialmente considerando que o prejuízo decorrente da primeira apreensão de entorpecentes (45 kg de cocaína, carga avaliada em torno de um milhão de reais) “pouco ou nada afetou a movimentação desse pessoal pela fronteira” (evento 307, VIDEO2, evento 307, VIDEO3, evento 307, VIDEO4, evento 307, VIDEO5, evento 307, VIDEO6, evento 307, VIDEO7, evento 307, VIDEO8, evento 307, VIDEO9, evento 307, VIDEO10, evento 307, VIDEO11 e evento 307, VIDEO12). (e-STJ Fl.3593).
Rubens Hallal dos Santos, Agente da Polícia Federal que atuou na análise de extratos e escutas telefônicas, bem como em algumas diligências de campo, por sua vez, salientou que o modus operandi do grupo criminoso consistia, basicamente, em sair dse Santa Catarina, ir a Ponta Porã, onde os entorpecentes eram adquiridos, voltar de Ponta Porã e, logo em seguida, deslocar-se até o sul do Rio Grande do Sul, algumas vezes indo até Pelotas ou Rio Grande e, noutras, até o Chuí ou Jaguarão, cruzando a fronteira (evento 307, VIDEO13, evento 307, VIDEO14, evento 307, VIDEO15, evento 307, VIDEO16, evento 307, VIDEO17, evento 307, VIDEO18, evento 307, VIDEO19, evento 307, VIDEO20, evento 307, VIDEO21, evento 307, VIDEO22, evento 307, VIDEO23, evento 307, VIDEO24 e evento 307, VIDEO25)
Em suma, as interceptações telefônicas levadas a efeito, as diversas apreensões de drogas e o monitoramento pessoal dos réus, acompanhados das demais diligências policiais, bem como os testemunhos prestados pelos agentes policiais que participaram da Operação Cem Libras, comprovam a existência de associação estável voltada para a prática reiterada do tráfico transnacional de drogas.” (fls. 3587/3588 e 3590/3594)
Extrai-se do trecho acima que o TRF4 concluiu, com base nas provas reunidas nos autos de origem, com o teor das interceptações telefônicas, da quebra de sigilo de dados, das apreensões de bens e das demais diligências investigatórias, corroboradas pela prova oral produzida em juízo, que existia vínculo duradouro e estável entre o recorrente e seus corréus na prática reiterada de tráfico de drogas, com origem e destino para fora do território nacional.
Lê-se acima que, no contexto da Operação Cem Libras, em um lapso temporal de pouco mais de um ano ocorreram diversas apreensões de drogas – totalizando montante superior a 5 toneladas de maconha, 140 quilogramas de cocaína e 40 quilogramas de skunk e um número significativo de prisões em flagrante, tendo sido evidenciado que tais situações estavam diretamente relacionadas à atuação da associação criminosa para destinar à traficância ilegal de entorpecentes de que o recorrente fazia parte.
Especificamente em relação ao recorrente, restou demonstrado que ele era um dos líderes do vínculo associativo, sendo até mesmo chamado de "patrão" pelos demais associados. Pelo resultado das investigações, foi evidenciada sua participação nas negociações para o sucesso do tráfico de drogas desde o Paraguai, passando pelos estados da região sul do Brasil (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) até a exportação para o Uruguai. O recorrente foi, inclusive, flagrado em atuação como um dos batedores de um veículo (Fiat Uno, placa MHJ9350) que carregava quantidade elevada de drogas (20 quilogramas de cocaína).
Dessa forma, de fato, para se concluir de modo diverso seria necessário o revolvimento fático-probatório, vedado conforme Súmula n. 7 do STJ. No mesmo sentido, citam-se precedentes (grifos nossos):
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. AUTONOMIA DO CRIME DE POSSE DE MAQUINÁRIO PARA FABRICAÇÃO DE DROGAS. DOSIMETRIA. QUANTIDADE DE DROGA E CAPACIDADE PRODUTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO INAPLICÁVEL. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME
1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que não conheceu de habeas corpus impetrado em favor de paciente condenado pelos crimes de tráfico de drogas (15 anos de reclusão), associação para o tráfico (10 anos de reclusão), posse de maquinário para fabricação de drogas (10 anos de reclusão), posse ilegal de arma de fogo (6 anos de reclusão), uso de documento falso (4 anos de reclusão), corrupção ativa (12 anos de reclusão) e desobediência (30 dias de detenção), no qual se pleiteava a absolvição quanto aos crimes de associação para o tráfico e posse de maquinário, além da revisão da dosimetria da pena.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há três questões em discussão: (i) definir se estão presentes os requisitos para a configuração do delito de associação para o tráfico (art. 35 da Lei n. 11.343/2006); (ii) estabelecer se o crime de posse de maquinário para fabricação de drogas (art. 34 da Lei n. 11.343/2006) deve ser absorvido pelo crime de tráfico de drogas, aplicando-se o princípio da consunção; e (iii) verificar a legalidade da dosimetria da pena aplicada, especialmente quanto à exasperação em fração superior a 1/6, em razão da reincidência e quantidade de droga apreendida. III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Para a configuração do delito de associação para o tráfico de drogas, é necessário o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião de duas ou mais pessoas sem o animus associativo não se subsume ao tipo do art. 35 da Lei n. 11.343/2006, tratando-se de delito de concurso necessário.
4. O Tribunal de origem, após detida análise do conjunto probatório, concluiu pela comprovação da autoria e materialidade do crime de associação para o tráfico, identificando os integrantes do grupo criminoso, suas respectivas funções e a estabilidade do vínculo entre eles, elementos suficientes para a caracterização do delito.
[...]
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Agravo regimental desprovido.
[...]
(AgRg no HC n. 824.965/SP, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 11/6/2025, DJEN de 18/6/2025.)
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PROVAS SUFICIENTES. MINORANTE IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento a recurso especial, mantendo a condenação por tráfico de drogas e associação para o tráfico, com base em provas periciais e testemunhais que indicam a autoria e materialidade dos crimes.
2. A instância anterior destacou a expressividade das substâncias apreendidas, o comportamento em comboio, a estrutura organizada e a origem comum dos envolvidos, além dos depoimentos colhidos, para demonstrar o vínculo estável e permanente dos réus na prática do tráfico de drogas.
II. Questão em discussão
3. A questão em discussão consiste em saber se a condenação por tráfico de drogas e associação para o tráfico pode ser mantida com base nas provas apresentadas, sem necessidade de reexame do conteúdo fático-probatório.
[...]
III. Razões de decidir
5. O acórdão impugnado está amparado em farto material probatório, colhido durante a instrução criminal, que demonstra a configuração dos crimes de tráfico e associação para o tráfico. A instância anterior destacou que a investigação policial, a prova oral, a elevada quantidade de droga (56,4kg de skank) e as circunstâncias da prisão comprovaram que o agravante estava atuando como batedor do veículo em que estava a droga. Ainda, ressaltou a expressividade das substâncias, o comportamento em comboio, a estrutura organizada e sofisticada, a origem comum (Santarém/PA), os depoimentos colhidos e a relação entre os veículos para demonstrar o vínculo estável e permanente dos réus para a prática do tráfico de drogas.
6. A pretensão de absolvição demandaria o revolvimento do conteúdo fático-probatório dos autos, providência inviável em recurso especial, conforme a Súmula 7 do STJ.
[...]
IV. Dispositivo e tese
8. Agravo regimental improvido.
[...]
(AgRg no AREsp n. 2.834.602/MA, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10/6/2025, DJEN de 17/6/2025.)
Vale ressaltar, por fim, que a jurisprudência desta Corte se posiciona no sentido de ser possível "o reconhecimento da majorante da transnacionalidade do tráfico de drogas quando as circunstâncias do caso concreto evidenciam a origem estrangeira da substância ilícita, ainda que não haja prova direta da transposição de fronteiras" (AgRg no HC n. 981.249/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/3/2025, DJEN de 19/3/2025). Nesse mesmo sentido:
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. QUANTIDADE DE DROGAS. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME E CULPABILIDADE. AUMENTO VÁLIDO E PROPORCIONAL. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. TRANSNACIONALIDADE DO DELITO COMPROVADA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
[...]
6. A transnacionalidade do tráfico foi mantida, pois as circunstâncias do crime indicam que a droga era proveniente de local fora dos limites territoriais nacionais, dispensando a comprovação de transposição de fronteiras.
IV. Dispositivo e tese
7. Agravo regimental não provido.
Tese de julgamento: "1. A majoração da pena-base em razão da quantidade de drogas, da culpabilidade do réu e circunstâncias do crime é proporcional e não configura bis in idem. 2. A transnacionalidade do tráfico de drogas não exige comprovação de transposição de fronteiras, bastando indícios de origem externa."
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 11.343/2006, art. 33, § 4º;
art. 40, I; Código Penal, art. 59.
(AgRg no HC n. 938.293/MS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 17/12/2024, DJEN de 3/1/2025.)
PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRANSNACIONALIDADE DO CRIME COMPROVADA. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME
[...]
4. A tese defensiva de ausência de transnacionalidade delitiva não é acolhida, pois a condenação está de acordo com a jurisprudência do STJ, que não exige a transposição de fronteiras para o reconhecimento da transnacionalidade.
IV. DISPOSITIVO
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.694.245/SC, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 4/12/2024, DJEN de 9/12/2024.)
Ante o exposto, conheço, em parte, do recurso especial e, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, nego-lhe provimento.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. Jairo Santos (Agravante) e outros x 3. Ministério Público Do Estado De Sergipe (Agravado)
ID: 328425245
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0006467-91.2022.8.25.0053
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Advogados:
LUCAS ALVES DOS SANTOS
OAB/SE XXXXXX
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CINTIA DE JESUS SANTOS
OAB/SE XXXXXX
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AREsp 2902184/SE (2025/0119892-0)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
AGRAVANTE
:
JAIRO SANTOS
ADVOGADO
:
CINTIA DE JESUS SANTOS - SE015330
AGRAVANTE
:
JULIO ALEXANDRE SANTOS GUIMARAES
ADVOGADO
:
…
AREsp 2902184/SE (2025/0119892-0)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
AGRAVANTE
:
JAIRO SANTOS
ADVOGADO
:
CINTIA DE JESUS SANTOS - SE015330
AGRAVANTE
:
JULIO ALEXANDRE SANTOS GUIMARAES
ADVOGADO
:
LUCAS ALVES DOS SANTOS - SE015516
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE
CORRÉU
:
JUSSIANO OLIVEIRA NASCIMENTO
CORRÉU
:
DAVID OLIVEIRA BENTO
DECISÃO
Cuida-se de agravo de JULIO ALEXANDRE SANTOS GUIMARAES contra decisão proferida no TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE – TJSE que inadmitiu o recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, alínea “a”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido no julgamento da Apelação Criminal n. 202400336860.
Consta dos autos que o agravante foi condenado pela prática dos crimes tipificados no art. 157, §2º, II e §2º-A, I, (crime de roubo qualificado), c/c art. 70, por 03 (três) vezes e art. 157, §3º, II, (crime de latrocínio), por duas vezes, todos do Código Penal, à pena de 31 (trinta e um) anos, 8 (oito) meses de reclusão, em regime fechado, além de 65 (sessenta e cinco) dias-multa (fls. 1106).
Recurso de apelação interposto pela defesa foi desprovido, mantendo-se a condenação (fls. 1650/1670). O acórdão ficou assim ementado:
“APELAÇÕES CRIMINAIS INTERPOSTAS SOMENTE PELAS DEFESAS – CRIMES DE ROUBO MAJORADO (CONCURSO DE AGENTES E EMPREGO DE ARMA DE FOGO) E LATROCÍNIO – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 157, §2º, II, E §2º-A, I E ARTIGO 157, §3º, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL (CP) – PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL – ANÁLISE DOS ELEMENTOS OBTIDOS NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL COM AS DEMAIS PROVAS COLHIDAS JUDICIALMENTE, SENDO SUBMETIDAS, PORTANTO, AO CRIVO DO CONTRADITÓRIO – QUESTÃO PRÉVIA REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE DOS DELITOS DEVIDAMENTE COMPROVADAS NOS AUTOS – CONJUNTO PROBATÓRIO COERENTE E SUFICIENTE PARA DEMONSTRAÇÃO DOS CRIMES – PROVA ORAL SUFICIENTE E DOCUMENTOS SATISFATÓRIOS – PALAVRA DAS VÍTIMAS COM ESPECIAL RELEVÂNCIA NOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO – DEMONSTRAÇÃO DAS CAUSAS DE AUMENTO DA PENA PELO USO DE ARMA DE FOGO E PELO CONCURSO DE AGENTES – MORTES DE DOIS OFENDIDOS COMPROVADAS NOS AUTOS POR LAUDOS PERICIAIS E CERTIDÕES DE ÓBITO – PEDIDOS DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE LATROCÍNIO PARA HOMICÍDIO – INCABÍVEL - CONDENAÇÕES MANTIDAS – DOSIMETRIA – PEDIDO DE REDUÇÃO DAS PENAS-BASE PARA O MÍNIMO LEGAL – IMPOSSIBILIDADE – VALORAÇÃO NEGATIVA DE ALGUMAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS – FUNDAMENTAÇÕES IDÔNEAS – DEMAIS FASES DOS CÁLCULOS ESTIPULADAS LEGALMENTE, DE FORMA PROPORCIONAL E RAZOÁVEL – INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM - DOSIMETRIA IRRETORQUÍVEL – PEDIDO DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA – MATÉRIA A SER ANALISADA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL – APELO NÃO CONHECIDO NESTE PONTO - PLEITO DE CONCESSÃO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - NÃO ACOLHIDO – RÉU QUE PERMANECEU CUSTODIADO AO LONGO DE TODO O FEITO – CONDENAÇÃO MANTIDA E QUE TORNA O CÁRCERE NECESSÁRIO PARA RESGUARDAR A ORDEM PÚBLICA E ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL – PRECEDENTES DO STJ – RECURSOS CONHECIDOS, SENDO EM PARTE O APELO INTERPOSTO PELO RÉU JAIRO SANTOS PARA, NESSA EXTENSÃO, REJEITAR A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA E, NO MÉRITO, NEGAR-LHES PROVIMENTO.” (fls. 1651/1653)
Em sede de recurso especial (fls. 1689/1703), a defesa apontou a violação ao art. 157, §2o, II e §2o-A, I do Código Penal, artigo 155, caput, artigo 226 e artigo 386, VII, todos do CPP uma vez que a condenação do recorrente aos crimes patrimoniais em questão foi mantida com base em provas colhidas predominantemente na fase de inquérito policial, sem a devida instrução e contraditório, comprometendo a regularidade do processo e ferindo o devido processo legal.
Aduziu, ainda, a violação ao art. 59 do Código Penal, alegando que a dosimetria da pena foi realizada de forma desproporcional, sem fundamentação adequada para a exasperação das penas acima do mínimo legal. Argumentou que a consideração de antecedentes e reincidência resultou em bis in idem, violando o princípio da proporcionalidade.
Requer a reforma da dosimetria da pena, com redução das penalidades para o mínimo legal, e, subsidiariamente, a absolvição do recorrente por falta de provas consistentes.
Contrarrazões do Ministério Público estadual (fls. 1730/1776).
O recurso especial foi inadmitido no TJ em razão da incidência da Súmula nº 7 do STJ (fls. 1799/1808).
Em agravo em recurso especial, a defesa buscou impugnar o referido óbice (fls.1850/1865).
Contraminuta do Ministério Público estadual (fls. 1882/1894).
Os autos vieram a esta Corte, sendo protocolados e distribuídos. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo não conhecimento do agravo em recurso especial, e, caso conhecidos, pelo não provimento (fls. 1912/1914).
É o relatório.
Decido.
Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo em recurso especial, passo à análise do recurso especial.
Sobre a controvérsia recursal relacionada à pretendida absolvição pela violação ao art. 157, §2o, II e §2o-A, I do Código Penal, artigo 155, caput, artigo 226 e artigo 386, VII, todos do CPP, verifica-se que o Tribunal de origem manteve a condenação do recorrente pelos crimes patrimoniais descritos na denúncia, afastando os argumentos aduzidos pela defesa, nos seguintes termos do voto do relator:
"De início, nota-se que todos os réus/apelantes pleitearam, em suas razões recursais, a absolvição deles sob o argumento de insuficiência de provas, dúvidas quanto às práticas delitivas, p. 167 contradições nos depoimentos prestados no feito e incidência do princípio do . in dubio pro reo
Especificamente em relação à Defesa do réu , JÚLIO ALEXANDRE SANTOS GUIMARÃES observa-se, também, que este pleiteia o acolhimento da , sob o argumento nulidade da sentença de que a condenação dele foi fundamentada única e exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, no qual inexiste o devido processo legal, ou seja, apenas e somente considerando o depoimento de Christian Correia Santos (alcunha “Torroio”), pessoa desconhecida, que sequer foi encontrado para ratificar em Juízo o depoimento dele colhido na fase inquisitorial.
No entanto, não obstante tais argumentos defensivos, observa-se que o édito condenatório teve por supedâneo os depoimentos colhidos na instrução criminal e complementados pelas provas produzidas na fase de inquérito, cujos conteúdos constituem um acervo probatório robusto, convincente e coerente, não deixando dúvidas quanto à autoria e materialidade delitivas.
Na realidade, nota-se que a Juíza de 1º grau confrontou elementos obtidos na fase do inquérito policial com as demais provas colhidas judicialmente, sendo submetidas, portanto, ao crivo do contraditório, de modo que não há que reconhecer qualquer nulidade da sentença condenatória ou a absolvição do apelante nesses aspectos.
Portanto, conclui-se que a condenação dos réus não se baseou única e exclusivamente nas provas produzidas durante na fase do inquérito policial e, por tal, a referida preliminar de nulidade da sentença deve ser rejeitada, inclusive, em virtude do explanado a seguir.
Ora, nesse contexto, tem-se que a autoria e materialidade delitivas encontram-se demonstradas por meio do Boletim de Ocorrência de fls. 07/08, relatório de investigação em local de crime de morte violenta de fls. 09/27, autos de apreensão de fls. 30 e 203, Relatório Médico da vítima José Arinaldo de fl. 63, Termo de Entrega de fl. 98, certidões de óbito das vítimas Antônio Carlos Santos Menezes e Cleberson Santos Menezes de fls. 99 e 100, Laudo Pericial de Balística Forense de fls. 135/136, laudos cadavéricos das vítimas de fls. 167/173 e 175/181, comunicação de serviço de fls. 185/194, certidão de fl. 309, autos de reconhecimento fotográfico de fls. 326 e 327, laudos periciais de fls. 445/449. 496/501. 605/614, além dos depoimentos das vítimas e testemunhas ouvidas em Juízo, complementadas pelas declarações prestadas na fase do inquérito policial.
Acrescente-se, ainda, que foi encontrada uma pistola calibre .40 junto ao acusado JUSSIANO OLIVEIRA NASCIMENTO, arma que coincidiu com projéteis que atingiram as vítimas de latrocínio, conforme se verifica dos laudos periciais de balística às fls. 605/614, 652/661 e 931/936, cujas conclusões indicam que “(...) os estojos questionados foram percutidos pelo percussor da Pistola Taurus com número de série SHM87237. (...) 3. Os projéteis questionados .40 S&W (P. IML 528/2021) foram propelidos pelo mesmo cano de arma de fogo.”
Vale registrar que os referidos laudos atestaram que os projéteis retirados dos corpos das vítimas são oriundos de, pelo menos 04 (quatro) armas de fogo distintas, o que implica dizer que houve a participação dos outros indivíduos no crime de latrocínio em questão.
Como se não bastassem as provas aludidas, existe também o relatório de monitoramento de quebra e interceptação telefônica, inserido nos autos do processo nº 202188600265, onde se constata o IMEI gerado a partir do terminal subtraído da vítima Vagner, que foi atrelado à linha 79 98845-5788 cadastrada em nome de Zilda Santos, genitora do acusado JAIRO SANTOS conforme demonstrado nos autos.
Outrossim, no relatório parcial de monitoramento de interceptação telefônica, encaminhado pela Divisão de Inteligência e Planejamento Policial – DIPOL, no terceiro período, destacaram-se ligações com conteúdo indicativo da prática de crimes, oriundas do terminal 79- 98161-6463, o qual foi atrelado a dois aparelhos daqueles subtraídos dos ofendidos, cujo usuário foi identificado também como JAIRO SANTOS , consoante indicado no processo.
A Magistrada de 1º grau também analisou tal questão probatória, inclusive, fundamentou a sentença combatida também com base nas interceptações telefônicas mencionadas no processo, consoante trechos a seguir: “
(...) Logo em seguida, com a pesquisa dos novos CHIPS, foi observado que, após o fato delituoso, foram inseridos aos IMEIs 351759115456549, 351760115456547, 352690060621160, 352691060621166, 355552091853510 e 355552091853524, o que resultou na descoberta de novos telefones, que foram incluídos na interceptação. Por conta disso, a Autoridade Policial requereu a inclusão dessas linhas telefônicas na interceptação. A partir daí, no terceiro período de monitoramento, destacaram-se ligações com conteúdo indicativo da prática de crimes oriundas do terminal 79-98161-6463, o qual foi atrelado a dois aparelhos das três das vítimas, cujo usuário era o acusado, Jairo Santos; Chama atenção, também, no auto de interceptação, à fl. 721, uma conversa travada o celular de Jairo e um contato intitulado “Galego Doido”, onde este informa que foi intimado para uma oitiva do finado Wel”. Nesse ponto, saliento que “Wel” foi identificado como uma das vítimas fatais na qualificação e interrogatório do réu David Oliveira Bento, à fl. 195. Já a fl. 725, numa conversa também partida do terminal do celular do réu Jairo, com um contato intitulado “Jota”, é possível vislumbrar que este avisa a Jairo que um carro da Polícia está entrando na localidade, recomendando que Jairo tomasse cautela quanto a isso. (...)”
Aliado às referidas provas, encontra-se o auto de reconhecimento fotográfico de fls. 326/327, onde a vítima Edno Oliveira Ferreira reconhece os acusados Júlio Alexandre Santos Guimarães e Jairo Santos como autores do crime.
Igualmente, a vítima Jânio Santos Silva reconhece o acusado Júlio Alexandre Santos Guimarães como autor do crime, consoante demonstrado no feito.
Para melhor compreensão acerca dos fatos narrados no feito, importante destacar trechos dos depoimentos das vítimas e testemunhas ouvidas em Juízo, transcritos na sentença combatida:
Depoimento da vítima Kleber Aparecido Teixeira da Silva:
“(…) que conhece Antônio Carlos; que o apelido de Antônio Carlos é “Tonho”; que Cleberson é conhecido por “Pi”; que eram seus clientes e amigos; que estava trabalhando, quando Tonho e Pi passaram para pegar a peça do viveiroe os camarões; Que quando foi 12h00min ou 12h30min, as duas vítimas ligaram pedindo para o depoente para levar pilhas para utilizar na balança, pois iam pesar os camarões, farinha e água; que comprou e levou para o viveiro; que as vítimas já estavam trabalhando no viveiro com um funcionário deles; que, quando eu cheg uei no local, encontrei Pi e Tonho junto com um funcionário de Antônio, chamado Dileno; que estavam armando a rede e esperando a maré para pescar; que chamei meu sobrinho para ir p. 169 para lá também, Arinaldo, mas ele chegou depois, que estavampegando caranguejos, que Tonho estava tirando camarões antes do tempo porque estavam roubando os camarões, que Tonho disse que sabia quem estava mexendo mas não sabia quem; que tinha um vizinho com quem vivia em pé de guerra, teve umas confusões com uns vizinhos do viveiro, que estavam com a cabeça baixa, menos Antônio e Pi, quando vieram pessoas, com rede nas costas e com saco com ratoeira dentro; que ficou mexendo na panela, quando perguntaram dos caranguejos e depois puxaram a arma e dizendo “quem correr, morre”; que estava com chapéu de palha, se jogou no chão e não viu nada; que somente ouviu os disparos; que uma das pessoas pisou no seu pescoço, perguntando onde estava o celular; que indicou onde estava o celular; que lhe deram um chute e pediram a chave do carro; que ouviu muitos tiros; que fez silêncio e o cara tirou o pé do seu pescoço; que depois de um tempo, levantou a cabeça e viu seu sobrinho agachado; que ele acenou e quando olhou para trás viu as pessoas correndo; que Tonho estava todo ensanguentado, com a cabeça “esbagaçada” de pancada; que olhou para Pi e notou que ele tinha sido alvejado, com tiros, na cabeça também; que o seu funcionário Valter estava com a cabeça toda arrebentada; que todo mundo correu; que queria socorrer Tonho, pois percebeu que ele estava respirando, mas pediram para que corresse e saísse do local; que correu e chegou na estrada do Calumbi; que pediu ajuda; que ficou lesionado com chute e pisão; que seu corpo estava arranhado; que, ao correr pelo manguezal, machucou a perna; que os indivíduos não os mataram porque não quiseram; que o problema era com Tonho e Pi; que quando o primeiro indivíduo apareceu e o mandou deitar no chão, viu cerca de 04 (quatro) ou 05 (cinco) pessoas juntas, com redes nas costas; que os indivíduos levaram o seu celular, como também o de Vagner e Arinaldo; que seu celular foi rastreado e localizado, por um aplicativo, indicando o local onde estava; que ficou mais de 03 (três) meses monitorando e não pegaram de volta; que não sabe quem o agrediu; que seu celular era um Samsung A30s e não foi recuperado; que nunca ouviu nada sobre as demais vítimas estarem envolvidas em alguma confusão; que sempre via as outras vítimas no viveiro; que o indivíduo que estava com chapéu de palha estava armado; que ele era baixo e gordo e negro; que ele aparentava ter 20 e poucos anos; que dava para perceber que tinha outras armas, pois identificou diferença noa barulho dos disparos;que Arinaldo e Dileno também foram agredidos e ficaram bastante feridos;que ouviu Arinaldo falando que teve o celular, corrente e relógio roubados; que não chegou a levar ponto na cabeça; que não consegue reconhecer os indivíduos; que na Delegacia não reconheceu ninguém. (...)”
Depoimento da vítima Vagner Santana Cruz:
“(...) que estava no viveiro pescando camarão de costa com uma das vítimas, quando cerca de 05 (cinco) pessoas perguntaram sobre os Guaiamuns e, logo após, mandaram todos se deitar; que não viu quem eram os indivíduos; que seu patrão, Kleber, que conhecia Pi e Tonho e os levara para ajudar no viveiro; que não lembra exatamente o número exato de indivíduos; que estava catando caranguejo, até o tempo da maré descer e catar camarão; que os indivíduos o mandaram se deitar; que ficou com a cabeça perto de uma das vítimas que morreu; que escutou os tiros; que levou uma pancada na cabeça; que não sabe quantos indivíduos estavam armados; que ficou bem próximo de Pi;que sua cabeça ficou próximo da barriga da vítima; que Tonho estava distante de Pi, mais para a beirada do viveiro; que no momento em que os indivíduos chegaram, estava conversando com Pi; que Pi e Tonho não comentaram nada de terem sido roubados na região; que ouviu muitos disparos, não sabe a quantidade exata; que os indivíduos levaram o seu celular Samsung, o do seu patrão Kleber, corrente de prata de José; que Arinaldo e não lembra de mais detalhes; que foi agredido pelos indivíduos, de coronhada na p. 170 cabeça, paulada e facãozada; que ficou com marcas da coronhada; que levou pontos; que levou paulada de facão nas costas; que os indivíduos falaram que depois dos disparos se alguém, se levantasse, morria; que José Arinaldo e um rapaz que trabalhava com ele também foram agredidos; que quando se levantou, percebeu que Pi tinha sido morto;que não lembra das características físicas do indivíduo que alvejou Pi; que não viu o acusado, pois ficou deitado com a cabeça no chão; que na Delegacia foram mostradas fotografias, mas não reconheceu ninguém; que seu celular não foi recuperado e valia cerca de R$ 200,00(duzentos) reais;que foi atendido no João Alves e levou pontos na cabeça e perdeu a audição;que não se recorda de fazer reconhecimento na Delegacia. (...)”
Depoimento da vítima José Arinaldo da Silva Brito:
“(…) que é sobrinho de Kleber; que estava em casa quando foi chamado pelo seu tio para comer um camarão; que ao chegar, depois de 10 minutos, os indivíduos chegaram no local, armados, e mandaram todo mundo ir para o chão; que depois dos tiros, viu uns meninos mortos; que conhecia as vítimas só de vista; que correu e não visualizou nada; que no momento em que os indivíduos chegaram, estava todo mundo reunido conversando; que viu, de um lado, três indivíduos, e do outro lado, viu mais três, que estavam todos cobertos, vestidos de pescadores e não deu para visualizar; que todos os indivíduos estavam com chapéu de palha na cabeça; que os indivíduos mandaram todo mundo para o chão; que tentou se afastar, mas o indivíduo o mandou deitar no chão; que foi agredido pelos indivíduos, junto com o rapaz do viveiro e Vagner; que seu tio levou uns chutes; que ouviu os indivíduos dizendo para catar as coisas das vítimas, pegaram a chave do carro e moto e os pertences; que ouviu os indivíduos dizendo que era uma missão; que os indivíduos somente levaram as chaves da moto e do carro, mas não levaram os veículos; que não ficou com nenhuma sequela; que foi na Delegacia, mas não reconheceu nenhum dos indivíduos. (...)”
Depoimento da vítima Edno Oliveira Ferreira:
“(...) que é conhecido por Dileno; que no dia do fato estava pescando e ia passar para o outro lado dos canos para pegar uma lenha; que viu os indivíduos passando; que levou uma coronhada na cabeça; que chegaram 06 (seis) homens e mandaram todos deitarem; que um deles lhe deu 03 (três) coronhadas e ele ficou “apagado”; que os indivíduos chegaram com um saco e ratoeira; que estava a caminho do viveiro quando os indivíduos o mandaram voltar e não olhar para trás; que Arinaldo lhe disse para se ligar, pois tinha umas pessoas chegando; que os indivíduos mandaram todo mundo se deitar, senão iam morrer; que ficou deitado no chão e não viu nada o que os indivíduos roubaram; que lembra que os indivíduos pediram a chave do carro;que no momento dos disparos já estava deitado no chão com as coronhadas na cabeça; que ouviu muitos tiros e desmaiou logo em seguida; que todos os indivíduos estavam armados; que Vagner e Arinaldo também foram agredidos;que não estava no celular no momento, por isso não levaram; que notou que os indivíduos, antes do fato, mexeram no viveiro e cometeram furtos; que Antônio ficava alguns dias no viveiro para vigiar e disse que percebeu pessoas escondidas em um matagal, o observando; que não lembra das características dos indivíduos; que na Delegacia identificou três indivíduos que tinham características parecidas com os que estavam no local; que chamou a atenção a cor da pele, rosto e estatura dos indivíduos; que não sabe dizer se Antônio estava sofrendo alguma ameaça; que na data do seu depoimento em juízo não tem condições de identificar os indivíduos executores do crime; que na Delegacia teve dúvida no reconhecimento, achou parecido, mas não teve certeza. (...)”
Depoimento da testemunha Juliana Santos Menezes arrolada pela Acusação:
“(…) que é irmã das vítimas falecidas; que estava no trabalho no dia do fato; que a esposa de uma das vítimas ligou perguntando o que tinha acontecido; que saiu do trabalho; que foram ao local e viram toda a situação, mas até então não sabia de nada; que seus irmãos saíram cedo para o viveiro; que Tonho comentava sobre os furtos que ocorriam no viveiro, através de ligações de Gileno, que esses indivíduos cortavam a cerca; e furtavam os camarões; que ouviu comentários que os indivíduos desceram como se fossem pescadores; que falaram para as outras vítimas não reagirem. (...)”
Depoimento da testemunha Raiane Golçalvez Brito arrolada pela Acusação:
“(…) que é companheira da vítima Antônio Carlos; que Antônio falava sobre furtos no viveiro,Que seu esposo não citava nomes de pessoas que furtavam no local; que depois do fato não teve contato com ninguém; que depois dos fatos só esteve no viveiro uma vez. (...)”
Depoimento da testemunha Carlos Victor Santos arrolada pela Acusação:
“(…) que formatou um Samsung A30 azul; que quem repassou o aparelho foi “Torroio”, em 2022; que colocou um chip no celular e depois tirou; que Torroio pediu para testar o celular e o devolveu; que Torroio não disse nada sobre o aparelho, como também não perguntou o motivo da formatação; que conhece Torroio de vista, pois moram no mesmo bairro; que trabalhava com aparelho celular; que não exigia nota fiscal dos aparelhos que faziam os serviços; que o pessoal era do bairro; que inseriu o chip da sua companheira para testar se o aparelho funcionava; que quando foi procurado pela polícia, foi mencionado um duplo homicídio; que conhece Júlio Alexandre de vista, de jogos de futebol; que conhece os demais acusados de vista; que depois de ser procurado pela polícia, não procurou Torroio para tirar satisfações, pois tem cerca de 01 ano que não o vê; que Torroio tem uma conduta perigosa; que Torroio é moreno, escuro, baixo e tem cara de ser jovem. (...).”
Depoimento da testemunha José Wellington Silva dos Santos arrolada pela Defesa:
“(…) que conhecia a vítima Antônio; que deu uma moto no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em troca do terreno onde ocorreu os fatos; que não sabia que o terreno pertencia a Antônio; que o terreno completo pertencia a Adalton. (...)”
Depoimento da testemunha Adalton dos Santos arrolada pela Defesa:
“(…) que fez o viveiro com Antônio, depois de certo tempo passou o viveiro para outra pessoa, pois não tinha condições de mantê-lo e passou para Wellington; que não ouviu falar que Antônio estava sendo furtado, pois não mantinham convivência, como também não tinha contato com quem cuidava do local; que com essa negociação do viveiro não ficou nenhuma pendência; Que conhece Dileno de vista, não comentou nada sobre furtos do viveiro, pois não tem intimidades. (...).”
Depoimento da testemunha Vitor Mateus Pinheiro Gomes arrolado pela Defesa:
“(...) que é agente da polícia judiciária; que participou das investigações; que percebeu que os celulares das vítimas tinham sido subtraídos; que o delegado pediu para interceptar os celulares; que colaboradores na região informaram sobre possíveis suspeitos dos crimes que ocorrem no local; que através dos colaboradores identificaram os acusados; que esses p. 172 indivíduos são investigados por outros crimes de homicídio; que são muito perigosos e ameaçam as pessoas da região; que, por isso tem uma dificuldade enorme de conseguir testemunhas; que estava presente durante o depoimento de Cristian, conhecido por Torroio; que Torroio teve que se ausentar do estado por medo de morrer, pois estava sendo ameaçado por esses indivíduos; que através dos dados celulares roubados, começou a chegar nos autores do crime; que localizou Jairo através de um chip que foi inserido pela mãe dele, no celular de uma das vítimas; que através de Torroio conseguiu chegar em Jairo; que Jairo teria vendido o celular para Torroio; que Torroio também informou que estava com os quatro indivíduos no momento antes do crimes; que os indivíduos estavam fazendo uso de substâncias entorpecentes junto com Torroio; que Torroio informou que esses indivíduos estavam todos armados e desceram para o viveiro e cometeram latrocínio;que Torroio não os acompanhou; que Jussiano é conhecido como “Sianinho”; que Sianinho estava envolvido; Que Sianinho foi preso com uma arma de fogo, uma pistola ;40; que a Autoridade Policial realizou confronto balístico; que retirou o projétil do corpo de uma das vítimas; que o projétil bateu com a arma que foi apreendida;que essa arma teria sido utilizada no crime; que os outros indivíduos foram reconhecidos pelas testemunhas sobreviventes; que os indivíduos aterrorizam a região e por isso há uma dificuldade em achar testemunhas; que os indivíduos estão em guerra com um outro grupo criminoso de um bairro vizinho; que os acusados traficam e são homicidas; que ouviu Torroio na Delegacia; tomou conhecimento das ameaças de Torroio através da genitora dele, que também estava ameaçada de morte; que os acusados tomaram conhecimento que Torroio foi até a Delegacia e o ameaçaram de morte; que não conseguiu realizar esclarecimentos adicionais através de um novo depoimento Torroio, uma vez que não conseguiram encontrá-lo; que chegaram em Torroio, pois fizeram o percurso de um dos celulares roubados, através dos chips que são inseridos nele; que chegaram até uma moça, a qual informou que quem lhe passou o celular foi um rapaz que desbloqueia celular; que esse rapaz disse que foi uma pessoa chamada Torroio que levou o aparelho para formtá-lo;que Torroio confirmou essa conversa; que no dia seguinte ao crime, Torroio ouviu os próprios acusados comentando que tinham assassinado as vítimas; que em determinado momento, Jairo percebeu o celular roubado na mão de Torroio e perguntou onde ele havia conseguido aquele celular; que nesse momento Torroio percebeu que Jairo tinha vendido o celular ao amigo de Torroio; que Torroio percebeu que o celular era de uma das vítimas, preferiu vender em uma feira de trocas;que já esperavam que Torroio fosse se evadir, por tudo o que falou para a polícia; que falou pois tinha medo de também ser acusado de latrocínio; que cogita que Torroio tenha participado do crime; que participou da prisão de David; que encontrou um revólver na mochila de David no momento da busca e apreensão; que Torroio disse que Júlio participou do crime; que Torroio não informou como foi a participação de cada acusado no crime; que Torroio disse que a intenção do crime foi uma briga sobre a propriedade do viveiro, pois Jairo é parente de um dos sócios; que colaboradores do bairroinformaram que Torroio já estava sendo perseguido e ameaçado por David por dívidas de drogas; que que Torroio andava com os indivíduos, mas depois que começou a dever drogas, os acusados se afastaram dele;e isso teria sido posteriormente ao crime (...)”.
Depoimento da testemunha Mário César Santos arrolada pela acusação:
“(…) que é primo das vítimas; que no dia do fato estava em seu estabelecimento de trabalho, quando tomou ciência do fato; que foi informado através de seu irmão, pois o ligaram falando sobre o crime; que se dirigiu até o local e observou que era um local de difícil acesso e já estava o pessoal da criminalística, a mãe das vítimas e alguns entes familiares; que ficou p. 173 sabendo que os indivíduos chegaram e começaram a efetuar vários disparos em seus primos, mas não sabe o motivo; que as pessoas tem medo de falar e ter alguma repressão; que a vítima comentou sobre a situação do viveiro e que acontecia vários furtos; que seu primo Antônio dormiu no local para saber quem estava furtando o viveiro, mas não disse o nome específico da pessoa; que não soube das ameaças que Antônio poderia estar sofrendo por conta do viveiro; que nunca viu os acusados antes; que depois do fato não tomou mais conhecimento de nada. (...).”
Os acusados também foram interrogados em Juízo, consoante trechos dos depoimentos deles a seguir transcritos:
Interrogatório do acusado Jairo Santos:
“(...) que não tem nada a ver com o fato; que nunca roubou na vida, como também nunca matou; que não sabe dizer como o seu celular chegou nas mãos da mãe; que já ouviu falar de Torroio, mas não o conhece bem e nunca teve problema com ele; que não sabe quem são as vítimas; que sabe quem são os outros acusados, pois moram no mesmo bairro; mas nunca teve intimidade com nenhum deles; que não sabe dizer quem foi os autores desse crime. (...).”
Interrogatório do acusado Júlio Alexandre Santos Guimarães:
“(…) que não participou do crime; que nunca ouviu falar das vítimas; que conhece os acusados por morarem no mesmo bairro e não sabe dizer quem está envolvido no crime; que conhece o indivíduo que se chama Torroio e não tem nenhum problema com ele.”
Interrogatório do acusado David Oliveira Bento:
“(…) que não participou do crime e nunca ouviu falar das vítimas que conhece os acusados por morarem no mesmo bairro e não sabe dizer quem está envolvido no crime; que conhece Torroio de vista, nunca teve problema com o mesmo.”
Interrogatório do acusado Jussiano Oliveira Nascimento:
“(...) que é conhecido por “Sianinho”; que não participou do crime e nunca ouviu falar das vítimas; que conhece os acusados por morarem no mesmo bairro e não sabe dizer quem está envolvido no crime; que o revólver de calibre .40 não foi pega na sua casa, que a arma foi plantada; que conhece Torroio de vista, nunca teve problema ele.”
Portanto, não há dúvidas de que os pertences mencionados no feito e de propriedade das vítimas foram subtraídos pelos réus/apelantes, consoante relatado alhures.
Aliás, restou evidente a existência do concurso de agentes, pois, o crime foi praticado por 05 (cinco) pessoas, dentre elas, os 04 (quatro) denunciados e um indivíduo não identificado, conforme depoimentos colhidos.
Em verdade, ficou demonstrado no feito que, naquele momento, os acusados agiram em conjunto, com comunhão de desígnios, na prática dos atos ilícitos, contando com o auxílio de todos, existindo uma união e uma cumplicidade entre eles, na medida em que todos participaram naquele instante do assalto, o que configura o crime de roubo qualificado em apreço.
Outrossim, consoante já dito alhures, verifica-se pelo Auto de Exibição e Apreensão acostado ao feito, a existência de munição calibre .40 e os laudos de perícia criminal de balística forense às fls. 135/136, 605/614, 652/661 e 931/936, onde indicam a existência de pistola semiautomática marca Taurus, calibre .40 e munições de diversos calibres, as quais atingiram as vítimas do crime de latrocínio, bem como atestam o perfeito funcionamento da arma de fogo em análise.
Além disso, aliados às referidas provas, existem os Laudos Periciais Cadavéricos dos ofendidos Antônio Carlos Santos Menezes e Cleberson Santos Menezes de fls. 167/173 e 175/181 e certidões de óbito deles de fls. 99 e 100.
Nesse toar, sabe-se também que a vítima é a pessoa que possui contato direto com o infrator, por isso a importância do seu depoimento para o deslinde da causa. Na realidade, não se pode argumentar aqui a motivação de acusar dos ofendidos por vingança ou qualquer outra razão, já que não houve qualquer manifestação nesse aspecto no feito.
Nesse ponto, insta, desde já, frisar que não há nos autos indícios de que os ofendidos estejam agindo de má-fé, pois o interesse deles é apontar o verdadeiro culpado e não incriminar possíveis inocentes, ou seja, as declarações das vítimas irradiam autenticidade e verossimilhança, além de se encontrarem corroboradas pela prova circunstancial do feito.
Destaque-se, ainda, que nos crimes contra o patrimônio, a palavra da vítima ganha maior relevância, principalmente, quando coerente com os demais elementos probatórios, como ocorreu no presente caso. Nesse sentido, vem se pronunciando esta Câmara Criminal:
[...]
Importante registar, também, que o depoimento da testemunha Christian Correia Santos, conhecido por “Torroio”, conforme termo de fls. 806/807, o qual informou à autoridade policial que estava usando drogas com os réus/apelantes, antes dos fatos criminosos, também demonstra que ele viu os acusados armados, descendo até o viveiro onde estavam as vítimas, para praticarem os atos criminosos.
Além disso, informou que, no dia seguinte, ao encontrar com os réus, chegou a ouvi-los comentando sobre os delitos em questão, o que demonstra a coerência do depoimento dele nos autos, não havendo o que se falar em quebra da cadeia de custódia nesse aspecto, já que houve regularidade na colheita das declarações da referida testemunha.
Logo, restou caracterizada e comprovada neste feito a prática dos crimes de roubo qualificado pelo concurso de agentes e emprego de arma de fogo, além do delito de latrocínio consumado, o que afasta também o pleito de absolvição dos acusados, a alegação de insuficiência de provas, aplicação do princípio do in dubio por reo e a desclassificação, .para o crime de homicídio razão pela qual mantenho a condenação deles no feito." (fls. 1658/1666, grifo nosso)
Extrai-se do trecho acima transcrito, que as instâncias ordinárias reconheceram a autoria do recorrente e a materialidade dos crimes patrimoniais de roubo e latrocínio acima mencionados. E assim o fizeram, embasando-se nos depoimentos prestados nos autos, em especial, as declarações das vítimas e testemunhas, que não foram infirmadas pelos demais elementos de prova, bem como pelas informações decorrentes de interceptação telefônica de linha telefônica de um dos corréus, na apreensão de arma de fogo e nos laudos periciais constantes dos autos.
Nesse complexo contexto probatório dos autos, o acolhimento da pretensão recursal para fins de se afastar a condenação do recorrente pela prática dos crimes a ele imputados, acolhendo os argumentos defensivos de absolvição, seja pela insuficiência probatória, seja pela ausência de prova produzida em juízo que corroborasse a prova produzida na fase pré-processual, demandaria o revolvimento e reexame de todas as provas dos autos, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ART. 619 DO CPP. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. RECONCILIAÇÃO DO CASAL NÃO CONSTITUI ÓBICE À PERSECUÇÃO CRIMINAL. PRINCÍPIO DA BAGATELA. NÃO INCIDÊNCIA. FIXAÇÃO DE VALOR INDENIZATÓRIO A TÍTULO DE DANO MORAL. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA N. 7 e 83 DO STJ.
1. Não se vislumbra violação do art. 619 do CPP, porquanto o Tribunal de origem enfrentou, de forma fundamentada, as irresignações recursais, adotando, contudo, solução jurídica contrária aos interesses do recorrente, não havendo falar, assim, em negativa de prestação jurisdicional.
2. Na espécie, as instâncias ordinárias, ao condenarem o réu pelo crime de lesão corporal no contexto de violência doméstica, concluíram, com base no depoimento da vítima e das testemunhas, além de laudo pericial, os quais estão em consonância com os demais elementos dos autos, pela existência de provas suficientes da autoria e materialidade delitiva, de modo que a alteração do entendimento para absolver o réu demandaria imprescindível revolvimento do acervo fático-probatório, procedimento vedado em recurso especial, a teor do enunciado da Súmula n.º 7 do STJ.
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior "[a] reconciliação do casal e a ausência de vontade da vítima em ver o paciente processado não constituem óbice à persecução criminal, sob pena de desrespeito ao princípio da indisponibilidade da ação penal pública incondicionada, nos termos do enunciado n. 542 da Súmula desta Corte Superior" (AgRg no HC n. 674.738/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 3/8/2021, DJe de 13/8/2021).
4. "De acordo com entendimento pacificado em ambas as Turmas de direito penal do Superior Tribunal de Justiça, não incidem os princípios da insignificância e da bagatela imprópria aos crimes e às contravenções praticados mediante violência ou grave ameaça contra mulher, no âmbito das relações domésticas, dada a relevância penal da conduta" (AgRg no REsp n.º 1.973.072/TO, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 2/3/2022).
5. Nos casos de crimes praticados no contexto de violência doméstica contra mulher, como é o caso dos autos, firmou-se a tese no julgamento do Tema Repetitivo n.º 983, no sentido de ser possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral. Nesse contexto, o pedido de redução do montante fixado a título de danos morais demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência inviável nesta instância especial, nos termos da Súmula n.º 7/STJ.
6. Evidencia-se que as conclusões alcançadas pelas instâncias ordinárias estão em total conformidade com a pacificada jurisprudência desta Corte, de modo que também incide à espécie a Súmula n.º 83/STJ.
7. Agravo regimental provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial.
(AgRg no AREsp n. 2.430.040/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 27/2/2024, DJe de 4/3/2024, grifo nosso)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SUMULA 7 DO STJ. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIA DO DELITO. EMBRIAGUEZ. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
1. Nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte, "a embriaguez voluntária ou culposa do agente não exclui a culpabilidade, sendo ele responsável pelos seus atos mesmo que, ao tempo da ação ou da omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Aplica-se a teoria da actio libera in causa, ou seja, considera-se imputável quem se coloca em estado de inconsciência ou de incapacidade de autocontrole, de forma dolosa ou culposa, e, nessa situação, comete delito" (AgInt no REsp 1548520/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 22/06/2016).
2. A pretensão absolutória por ausência de dolo implica o reexame de fatos e provas, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ. A dosimetria da pena submete-se a juízo de discricionariedade do magistrado, vinculado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por inobservância aos parâmetros legais ou flagrante desproporcionalidade.
3. A prática do delito de lesão corporal mediante violência doméstica, por agente sob o efeito de bebidas alcoólicas, desborda do tipo penal do art. 129, § 9°, do Código Penal, autorizando a exasperação da pena-base.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp n. 1.871.481/TO, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª REGIÃO), Sexta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/11/2021, grifo nosso.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE DESCLASSIFICA A CONDUTA. REMESSA PARA OUTRO ÓRGÃO JUDICIAL. ART. 383, § 2º DO CPP. DECISÃO ATACÁVEL POR RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 581, II, DO CPP. TAXATIVIDADE. FUNGIBILIDADE RECURSAL. DESCABIMENTO. ERRO GROSSEIRO. REFORMATIO IN PEJUS. INOCORRÊNCIA. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do entendimento desta Corte, "a decisão que desclassifica a conduta, declinando da competência para o julgamento do feito, deve ser atacada por recurso em sentido estrito, sendo a utilização de recurso de apelação descabida e não passível de aplicação do princípio da fungibilidade recursal, por se tratar de erro grosseiro" (AgRg no HC n. 618.970/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 5/3/2021).
2. Quanto à alegação de reformatio in pejus, verifica-se que a desclassificação da conduta para o crime de lesão corporal decorreu de emendatio libelli realizada pelo TRF-5, sendo plenamente admissível, sem violação ao princípio da congruência, uma vez que não houve alteração dos fatos narrados na denúncia, mas apenas requalificação jurídica com base no acervo probatório dos autos.
3. Para infirmar os fundamentos do acórdão recorrido e acolher a tese dos agravantes no sentido da ausência de prova concreta do delito ou da desclassificação das condutas para a contravenção penal de vias de fato, seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, providência vedada em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.757.514/SE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/3/2025, DJEN de 19/3/2025, grifo nosso.)
No tocante à violação ao art. 59 do CP, o TJSE assim decidiu a pretensão recursal:
Prosseguindo a análise das razões recursais, verifica-se que as Defesas de todos os réus , subsidiariamente, a revisão da dosimetria no sentido de que sejam reduzidas aspretendem penas-base para o mínimo legal, sob o argumento de que foram fixadas de forma desarrazoada na sentença combatida. Além disso, existe a tese recursal de , sob o argumento de que houve negativação dosbis in idem antecedentes criminais e, ainda sim, também existiu aumento da penalidade intermediária por reincidência. Acontece que as penas estipuladas na sentença encontram-se dentro dos limites previstos em lei e da discricionariedade do Julgador, de forma razoável e proporcional, com fundamentos idôneos, inexistindo razão para modificação das reprimendas impostas na decisão. É que a Juíza de 1º grau exacerbou as penas-base fixadas em desfavor dos réus/apelantes de forma proporcional e razoável, utilizando fundamentos idôneos, consoante circunstâncias judiciais a seguir transcritas, salientando que foram indicados abaixo apenas vetores negativos especificamente de cada apelante, que foram impugnados, evitando-se, assim, repetições:
[...]
“RÉU JÚLIO ALEXANDRE SANTOS GUIMARÃES
(...) Do crime de roubo majorado, art. 157, § 2º, incisos II (concurso de pessoas), § 2º-A, inciso I (arma de fogo) (...) Quanto à culpabilidade, apresenta-se elevada uma vez que o acusado premeditou o ato com os coautores, buscando disfarce a fim de possibilitar sua impunidade, roubando de pessoas humildes e desprotegidas (...) As circunstâncias do crime não lhe são favoráveis, pois os delitos foram praticados com extrema violência, com agressões gratuitas e desnecessárias para a subtração dos bens. As consequências do crime superam a normalidade típica, vez que algumas as vítimas tiveram que testemunhar as agressões gratuitas e mesmo a morte de outras vítimas no mesmo momento, fatores estes que ocasionam abalo emocional prolongado (...)” Com tais considerações, respeitados os critérios de necessidade e suficiência, para prevenção, geral e especial, e reprovação da conduta, segundo as diretrizes do artigo 68 e 59 do Código Penal, considerando a existência de 03 (três) circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena-base em 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, a razão de 1/30 do salário-mínimo (...)” “Do crime disposto no art. 157, § 3º, II do CP (...) As consequências do crime superam a normalidade típica, vez que as vítimas deixaram filhos menores (...)”.
[...]
Sendo assim, não há como afastar a negativação dos vetores aludidos, na 1ª (primeira) fase da , já que existem fundamentações idôneas, baseadas em argumentos concretos, dosimetria suficientes, discricionários para exacerbar as penas basilares.
Igualmente, observa-se que os cálculos estipulados na 2ª (segunda) e 3ª (terceira) fases também apresentaram fundamentações idôneas, especialmente porque restou comprovada a agravante da reincidência para determinados réus que possuem tal condição, além da existência das causas de aumento de pena, devidamente fundamentadas na sentença atacada, razão pela qual mantenho inalteradas as reprimendas fixadas na decisão e afasto o pleito recursal de redução de tais penalidades para o mínimo legal, especialmente porque não ocorreu a figura do bis in idem no caso concreto." (fls. 1666/1668)
Neste contexto de pluralidade de crimes e de circunstâncias judiciais sopesadas pelo Tribunal de origem na dosimetria da pena, cabia ao recorrente indicar de forma específica no recurso especial as circunstâncias utilizadas em seu entender indevidamente pelas instâncias ordinárias na fixação da pena do acusado.
Todavia, pela ausência dessa indicação específica no presente recurso especial, conclui-se que a parte não logrou identificar de forma clara qual teria sido a violação ao mencionado dispositivo do art. 59 do CP, configurando-se a deficiência recursal, que impede o conhecimento do recurso neste ponto pela incidência do óbice da Súmula n. 284 do STF:
“É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.”
A corroborar, precedentes:
"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. VIA INADEQUADA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 619 DO CPP E 1.025 DO CPP. RECURSO QUE NÃO APONTA COMO TERIA HAVIDO AS ALEGADAS VIOLAÇÕES. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284 DO STF. PROGRESSÃO DE REGIME. REINCIDÊNCIA EM CRIME COMUM. HIPÓTESE NÃO ABARCADA PELA NOVATIO LEGIS. LEI N. 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). ANALOGIA IN BONAM PARTEM. CUMPRIMENTO DE 50% DA PENA PARA CONCESSÃO DA BENESSE. ART. 112, INC. VI, DA LEP. VEDAÇÃO AO LIVRAMENTO CONDICIONAL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA EM CONJUNTO COM O ART. 83, V, DO CÓDIGO PENAL NÃO REVOGADO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - É certo que a alegada violação ao dispositivo constitucional não pode ser objeto de recurso especial, porquanto matéria própria de recurso extraordinário, a ser examinado pelo eg. Supremo Tribunal Federal, conforme previsto no art. 102, III, da Constituição Federal.
II- No que concerne a apontada violação ao art. 619 do CPP e ao art. 1.025 do CPC, o Parquet apenas cita os referidos dispositivos tidos por violados, sem, contudo, especificar, de forma clara e específica, como teria havido violação à legislação federal, nada aduzindo ou requerendo acerca de suposta omissão ou qualquer vício no acórdão recorrido. O apelo nobre, portanto, novamente, esbarra na Súmula 284 do STF, ante a deficiência na fundamentação do recurso.
III - No caso, o recorrido foi condenado pela prática de delito equiparado ao hediondo com resultado morte, sendo reincidente em crime comum, situação que não encontra previsão específica na nova lei (art. 112 da LEP, com redação dada pelo Pacote Anticrime - Lei n. 13.964/2019), razão pela qual, diante da omissão legislativa, deverá a situação ser resolvida de maneira mais favorável ao sentenciado, com a aplicação do percentual previsto para o réu primário. Desse modo, pelo uso da analogia in bonam partem, deve ser aplicado o percentual de 50% (cinquenta por cento), previsto no art. 112, inc. VI, da Lei n. 7.210/1984. Precedentes.
IV - Recentes decisões desta Corte afirmam que a aplicação retroativa do art. 112, VI, "a", da LEP aos condenados por crime hediondo ou equiparado com resultado morte, seria admissível e não prejudicial ao executado, tendo em vista que, em uma interpretação sistemática, a vedação de concessão de livramento condicional somente atingiria o período previsto para a progressão de regime, não impedindo posterior pleito com fundamento no art. 83, V, do CP. Agravo regimental desprovido"
(AgRg no REsp n. 1.985.580/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), DJe de 26/4/2022, grifo nosso).
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 317, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. DENÚNCIA. ATIPICIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL NA ORIGEM. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE NÃO PREENCHIDOS. SÚMULA N. 284 DO STF E SÚMULA N. 7 DESTA CORTE.
1. O recurso especial não infirmou de forma adequada o fundamento contido no acórdão recorrido que concluiu pela atipicidade da conduta, atraindo a aplicação da Súmula n. 284 do STF. O recurso especial reclama fundamentação vinculada, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal e do art. 1029 do Código de Processo Civil, sendo indispensável que a parte recorrente demon stre, quando o recurso for interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, porque houve a violação a dispositivo legal. E, no caso, não foram apresentadas razões suficientes acerca da alegada violação ao art. 317 do Código Penal.
2. Ademais, a análise do recurso esbarra também no óbice imposto pela Súmula n. 7 desta Corte, por reclamar o reexame do material fático-probatório.
3. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 1.883.187/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 14/12/2022.)
Ante o exposto, conheço do agravo para, com fundamento no art. 932, III, do Código de Processo Civil - CPC, não conhecer do recurso especial.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. Jairo Santos (Agravante) e outros x 3. Ministério Público Do Estado De Sergipe (Agravado)
ID: 328425264
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0006467-91.2022.8.25.0053
Data de Disponibilização:
18/07/2025
Advogados:
LUCAS ALVES DOS SANTOS
OAB/SE XXXXXX
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CINTIA DE JESUS SANTOS
OAB/SE XXXXXX
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AREsp 2902184/SE (2025/0119892-0)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
AGRAVANTE
:
JAIRO SANTOS
ADVOGADO
:
CINTIA DE JESUS SANTOS - SE015330
AGRAVANTE
:
JULIO ALEXANDRE SANTOS GUIMARAES
ADVOGADO
:
…
AREsp 2902184/SE (2025/0119892-0)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
AGRAVANTE
:
JAIRO SANTOS
ADVOGADO
:
CINTIA DE JESUS SANTOS - SE015330
AGRAVANTE
:
JULIO ALEXANDRE SANTOS GUIMARAES
ADVOGADO
:
LUCAS ALVES DOS SANTOS - SE015516
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE
CORRÉU
:
JUSSIANO OLIVEIRA NASCIMENTO
CORRÉU
:
DAVID OLIVEIRA BENTO
DECISÃO
Cuida-se de agravo de JAIRO SANTOS contra decisão proferida no TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE – TJSE que inadmitiu o recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, alínea “a”, e "c" da Constituição Federal, contra acórdão proferido no julgamento da Apelação Criminal n. 202400336860.
Consta dos autos que o agravante foi condenado pela prática dos crimes tipificados no art. 157, §2º, II e §2º-A, I, (crime de roubo qualificado), c/c art. 70, por 03 (três) vezes e art. 157, §3º, II, (crime de latrocínio), por duas vezes, todos do Código Penal, à pena de 38 (trinta e oito) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial fechado, além de 118 (cento e dezoito) dias-multa, (fl. 1110).
Recurso de apelação interposto pela defesa foi desprovido, mantendo-se a condenação (fls. 1650/1670). O acórdão ficou assim ementado:
“APELAÇÕES CRIMINAIS INTERPOSTAS SOMENTE PELAS DEFESAS – CRIMES DE ROUBO MAJORADO (CONCURSO DE AGENTES E EMPREGO DE ARMA DE FOGO) E LATROCÍNIO – INCIDÊNCIA DO ARTIGO 157, §2º, II, E §2º-A, I E ARTIGO 157, §3º, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL (CP) – PRELIMINAR DE NULIDADE PROCESSUAL – ANÁLISE DOS ELEMENTOS OBTIDOS NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL COM AS DEMAIS PROVAS COLHIDAS JUDICIALMENTE, SENDO SUBMETIDAS, PORTANTO, AO CRIVO DO CONTRADITÓRIO – QUESTÃO PRÉVIA REJEITADA - AUTORIA E MATERIALIDADE DOS DELITOS DEVIDAMENTE COMPROVADAS NOS AUTOS – CONJUNTO PROBATÓRIO COERENTE E SUFICIENTE PARA DEMONSTRAÇÃO DOS CRIMES – PROVA ORAL SUFICIENTE E DOCUMENTOS SATISFATÓRIOS – PALAVRA DAS VÍTIMAS COM ESPECIAL RELEVÂNCIA NOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO – DEMONSTRAÇÃO DAS CAUSAS DE AUMENTO DA PENA PELO USO DE ARMA DE FOGO E PELO CONCURSO DE AGENTES – MORTES DE DOIS OFENDIDOS COMPROVADAS NOS AUTOS POR LAUDOS PERICIAIS E CERTIDÕES DE ÓBITO – PEDIDOS DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE LATROCÍNIO PARA HOMICÍDIO – INCABÍVEL - CONDENAÇÕES MANTIDAS – DOSIMETRIA – PEDIDO DE REDUÇÃO DAS PENAS-BASE PARA O MÍNIMO LEGAL – IMPOSSIBILIDADE – VALORAÇÃO NEGATIVA DE ALGUMAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS – FUNDAMENTAÇÕES IDÔNEAS – DEMAIS FASES DOS CÁLCULOS ESTIPULADAS LEGALMENTE, DE FORMA PROPORCIONAL E RAZOÁVEL – INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM - DOSIMETRIA IRRETORQUÍVEL – PEDIDO DE GRATUIDADE DA JUSTIÇA – MATÉRIA A SER ANALISADA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL – APELO NÃO CONHECIDO NESTE PONTO - PLEITO DE CONCESSÃO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - NÃO ACOLHIDO – RÉU QUE PERMANECEU CUSTODIADO AO LONGO DE TODO O FEITO – CONDENAÇÃO MANTIDA E QUE TORNA O CÁRCERE NECESSÁRIO PARA RESGUARDAR A ORDEM PÚBLICA E ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL – PRECEDENTES DO STJ – RECURSOS CONHECIDOS, SENDO EM PARTE O APELO INTERPOSTO PELO RÉU JAIRO SANTOS PARA, NESSA EXTENSÃO, REJEITAR A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA E, NO MÉRITO, NEGAR-LHES PROVIMENTO.” (fls. 1651/1653)
Em sede de recurso especial (fls. 1671/1687), a defesa apontou violação ao art. 386, incisos IV, V e VII do Código de Processo Penal, sob o argumento de que não há provas suficientes para a condenação, aduzindo neste tema também o dissidio jurisprudencial.
Aduziu, ainda, a violação ao art. 59 do Código Penal, alegando que houve bis in idem na dosimetria da pena, pois foram utilizados os mesmos elementos para valorar negativamente os antecedentes criminais e aplicar a agravante de reincidência.
Requer a anulação da sentença, com absolvição do recorrente por falta de provas, e, subsidiariamente, a revisão da dosimetria da pena.
Contrarrazões do Ministério Público estadual (fls. 1775/1796).
O recurso especial foi inadmitido no TJ em razão da incidência da Súmula nº 7 do STJ (fls. 1799/1808).
Em agravo em recurso especial, a defesa impugnou o referido óbice (fls. 1815/1838).
Contraminuta do Ministério Público estadual (fls. 1841/1847).
Os autos vieram a esta Corte, sendo protocolados e distribuídos. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo não conhecimento do agravo em recurso especial, e, caso conhecidos, pelo não provimento (fls. 1912/1914).
É o relatório.
Decido.
Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo em recurso especial, passo à análise do recurso especial.
Sobre a violação ao art. 386, IV, V e VII do CPP, verifica-se que o Tribunal de origem manteve a condenação do recorrente pelos crimes patrimoniais descritos na denúncia, afastando os argumentos aduzidos pela defesa, nos seguintes termos do voto do relator:
"De início, nota-se que todos os réus/apelantes pleitearam, em suas razões recursais, a absolvição deles sob o argumento de insuficiência de provas, dúvidas quanto às práticas delitivas, p. 167 contradições nos depoimentos prestados no feito e incidência do princípio do . in dubio pro reo
Especificamente em relação à Defesa do réu , JÚLIO ALEXANDRE SANTOS GUIMARÃES observa-se, também, que este pleiteia o acolhimento da , sob o argumento nulidade da sentença de que a condenação dele foi fundamentada única e exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, no qual inexiste o devido processo legal, ou seja, apenas e somente considerando o depoimento de Christian Correia Santos (alcunha “Torroio”), pessoa desconhecida, que sequer foi encontrado para ratificar em Juízo o depoimento dele colhido na fase inquisitorial.
No entanto, não obstante tais argumentos defensivos, observa-se que o édito condenatório teve por supedâneo os depoimentos colhidos na instrução criminal e complementados pelas provas produzidas na fase de inquérito, cujos conteúdos constituem um acervo probatório robusto, convincente e coerente, não deixando dúvidas quanto à autoria e materialidade delitivas.
Na realidade, nota-se que a Juíza de 1º grau confrontou elementos obtidos na fase do inquérito policial com as demais provas colhidas judicialmente, sendo submetidas, portanto, ao crivo do contraditório, de modo que não há que reconhecer qualquer nulidade da sentença condenatória ou a absolvição do apelante nesses aspectos.
Portanto, conclui-se que a condenação dos réus não se baseou única e exclusivamente nas provas produzidas durante na fase do inquérito policial e, por tal, a referida preliminar de nulidade da sentença deve ser rejeitada, inclusive, em virtude do explanado a seguir.
Ora, nesse contexto, tem-se que a autoria e materialidade delitivas encontram-se demonstradas por meio do Boletim de Ocorrência de fls. 07/08, relatório de investigação em local de crime de morte violenta de fls. 09/27, autos de apreensão de fls. 30 e 203, Relatório Médico da vítima José Arinaldo de fl. 63, Termo de Entrega de fl. 98, certidões de óbito das vítimas Antônio Carlos Santos Menezes e Cleberson Santos Menezes de fls. 99 e 100, Laudo Pericial de Balística Forense de fls. 135/136, laudos cadavéricos das vítimas de fls. 167/173 e 175/181, comunicação de serviço de fls. 185/194, certidão de fl. 309, autos de reconhecimento fotográfico de fls. 326 e 327, laudos periciais de fls. 445/449. 496/501. 605/614, além dos depoimentos das vítimas e testemunhas ouvidas em Juízo, complementadas pelas declarações prestadas na fase do inquérito policial.
Acrescente-se, ainda, que foi encontrada uma pistola calibre .40 junto ao acusado JUSSIANO OLIVEIRA NASCIMENTO, arma que coincidiu com projéteis que atingiram as vítimas de latrocínio, conforme se verifica dos laudos periciais de balística às fls. 605/614, 652/661 e 931/936, cujas conclusões indicam que “(...) os estojos questionados foram percutidos pelo percussor da Pistola Taurus com número de série SHM87237. (...) 3. Os projéteis questionados .40 S&W (P. IML 528/2021) foram propelidos pelo mesmo cano de arma de fogo.”
Vale registrar que os referidos laudos atestaram que os projéteis retirados dos corpos das vítimas são oriundos de, pelo menos 04 (quatro) armas de fogo distintas, o que implica dizer que houve a participação dos outros indivíduos no crime de latrocínio em questão.
Como se não bastassem as provas aludidas, existe também o relatório de monitoramento de quebra e interceptação telefônica, inserido nos autos do processo nº 202188600265, onde se constata o IMEI gerado a partir do terminal subtraído da vítima Vagner, que foi atrelado à linha 79 98845-5788 cadastrada em nome de Zilda Santos, genitora do acusado JAIRO SANTOS conforme demonstrado nos autos.
Outrossim, no relatório parcial de monitoramento de interceptação telefônica, encaminhado pela Divisão de Inteligência e Planejamento Policial – DIPOL, no terceiro período, destacaram-se ligações com conteúdo indicativo da prática de crimes, oriundas do terminal 79- 98161-6463, o qual foi atrelado a dois aparelhos daqueles subtraídos dos ofendidos, cujo usuário foi identificado também como JAIRO SANTOS , consoante indicado no processo.
A Magistrada de 1º grau também analisou tal questão probatória, inclusive, fundamentou a sentença combatida também com base nas interceptações telefônicas mencionadas no processo, consoante trechos a seguir: “
(...) Logo em seguida, com a pesquisa dos novos CHIPS, foi observado que, após o fato delituoso, foram inseridos aos IMEIs 351759115456549, 351760115456547, 352690060621160, 352691060621166, 355552091853510 e 355552091853524, o que resultou na descoberta de novos telefones, que foram incluídos na interceptação. Por conta disso, a Autoridade Policial requereu a inclusão dessas linhas telefônicas na interceptação. A partir daí, no terceiro período de monitoramento, destacaram-se ligações com conteúdo indicativo da prática de crimes oriundas do terminal 79-98161-6463, o qual foi atrelado a dois aparelhos das três das vítimas, cujo usuário era o acusado, Jairo Santos; Chama atenção, também, no auto de interceptação, à fl. 721, uma conversa travada o celular de Jairo e um contato intitulado “Galego Doido”, onde este informa que foi intimado para uma oitiva do finado Wel”. Nesse ponto, saliento que “Wel” foi identificado como uma das vítimas fatais na qualificação e interrogatório do réu David Oliveira Bento, à fl. 195. Já a fl. 725, numa conversa também partida do terminal do celular do réu Jairo, com um contato intitulado “Jota”, é possível vislumbrar que este avisa a Jairo que um carro da Polícia está entrando na localidade, recomendando que Jairo tomasse cautela quanto a isso. (...)”
Aliado às referidas provas, encontra-se o auto de reconhecimento fotográfico de fls. 326/327, onde a vítima Edno Oliveira Ferreira reconhece os acusados Júlio Alexandre Santos Guimarães e Jairo Santos como autores do crime.
Igualmente, a vítima Jânio Santos Silva reconhece o acusado Júlio Alexandre Santos Guimarães como autor do crime, consoante demonstrado no feito.
Para melhor compreensão acerca dos fatos narrados no feito, importante destacar trechos dos depoimentos das vítimas e testemunhas ouvidas em Juízo, transcritos na sentença combatida:
Depoimento da vítima Kleber Aparecido Teixeira da Silva:
“(…) que conhece Antônio Carlos; que o apelido de Antônio Carlos é “Tonho”; que Cleberson é conhecido por “Pi”; que eram seus clientes e amigos; que estava trabalhando, quando Tonho e Pi passaram para pegar a peça do viveiroe os camarões; Que quando foi 12h00min ou 12h30min, as duas vítimas ligaram pedindo para o depoente para levar pilhas para utilizar na balança, pois iam pesar os camarões, farinha e água; que comprou e levou para o viveiro; que as vítimas já estavam trabalhando no viveiro com um funcionário deles; que, quando eu cheg uei no local, encontrei Pi e Tonho junto com um funcionário de Antônio, chamado Dileno; que estavam armando a rede e esperando a maré para pescar; que chamei meu sobrinho para ir p. 169 para lá também, Arinaldo, mas ele chegou depois, que estavampegando caranguejos, que Tonho estava tirando camarões antes do tempo porque estavam roubando os camarões, que Tonho disse que sabia quem estava mexendo mas não sabia quem; que tinha um vizinho com quem vivia em pé de guerra, teve umas confusões com uns vizinhos do viveiro, que estavam com a cabeça baixa, menos Antônio e Pi, quando vieram pessoas, com rede nas costas e com saco com ratoeira dentro; que ficou mexendo na panela, quando perguntaram dos caranguejos e depois puxaram a arma e dizendo “quem correr, morre”; que estava com chapéu de palha, se jogou no chão e não viu nada; que somente ouviu os disparos; que uma das pessoas pisou no seu pescoço, perguntando onde estava o celular; que indicou onde estava o celular; que lhe deram um chute e pediram a chave do carro; que ouviu muitos tiros; que fez silêncio e o cara tirou o pé do seu pescoço; que depois de um tempo, levantou a cabeça e viu seu sobrinho agachado; que ele acenou e quando olhou para trás viu as pessoas correndo; que Tonho estava todo ensanguentado, com a cabeça “esbagaçada” de pancada; que olhou para Pi e notou que ele tinha sido alvejado, com tiros, na cabeça também; que o seu funcionário Valter estava com a cabeça toda arrebentada; que todo mundo correu; que queria socorrer Tonho, pois percebeu que ele estava respirando, mas pediram para que corresse e saísse do local; que correu e chegou na estrada do Calumbi; que pediu ajuda; que ficou lesionado com chute e pisão; que seu corpo estava arranhado; que, ao correr pelo manguezal, machucou a perna; que os indivíduos não os mataram porque não quiseram; que o problema era com Tonho e Pi; que quando o primeiro indivíduo apareceu e o mandou deitar no chão, viu cerca de 04 (quatro) ou 05 (cinco) pessoas juntas, com redes nas costas; que os indivíduos levaram o seu celular, como também o de Vagner e Arinaldo; que seu celular foi rastreado e localizado, por um aplicativo, indicando o local onde estava; que ficou mais de 03 (três) meses monitorando e não pegaram de volta; que não sabe quem o agrediu; que seu celular era um Samsung A30s e não foi recuperado; que nunca ouviu nada sobre as demais vítimas estarem envolvidas em alguma confusão; que sempre via as outras vítimas no viveiro; que o indivíduo que estava com chapéu de palha estava armado; que ele era baixo e gordo e negro; que ele aparentava ter 20 e poucos anos; que dava para perceber que tinha outras armas, pois identificou diferença noa barulho dos disparos;que Arinaldo e Dileno também foram agredidos e ficaram bastante feridos;que ouviu Arinaldo falando que teve o celular, corrente e relógio roubados; que não chegou a levar ponto na cabeça; que não consegue reconhecer os indivíduos; que na Delegacia não reconheceu ninguém. (...)”
Depoimento da vítima Vagner Santana Cruz:
“(...) que estava no viveiro pescando camarão de costa com uma das vítimas, quando cerca de 05 (cinco) pessoas perguntaram sobre os Guaiamuns e, logo após, mandaram todos se deitar; que não viu quem eram os indivíduos; que seu patrão, Kleber, que conhecia Pi e Tonho e os levara para ajudar no viveiro; que não lembra exatamente o número exato de indivíduos; que estava catando caranguejo, até o tempo da maré descer e catar camarão; que os indivíduos o mandaram se deitar; que ficou com a cabeça perto de uma das vítimas que morreu; que escutou os tiros; que levou uma pancada na cabeça; que não sabe quantos indivíduos estavam armados; que ficou bem próximo de Pi;que sua cabeça ficou próximo da barriga da vítima; que Tonho estava distante de Pi, mais para a beirada do viveiro; que no momento em que os indivíduos chegaram, estava conversando com Pi; que Pi e Tonho não comentaram nada de terem sido roubados na região; que ouviu muitos disparos, não sabe a quantidade exata; que os indivíduos levaram o seu celular Samsung, o do seu patrão Kleber, corrente de prata de José; que Arinaldo e não lembra de mais detalhes; que foi agredido pelos indivíduos, de coronhada na p. 170 cabeça, paulada e facãozada; que ficou com marcas da coronhada; que levou pontos; que levou paulada de facão nas costas; que os indivíduos falaram que depois dos disparos se alguém, se levantasse, morria; que José Arinaldo e um rapaz que trabalhava com ele também foram agredidos; que quando se levantou, percebeu que Pi tinha sido morto;que não lembra das características físicas do indivíduo que alvejou Pi; que não viu o acusado, pois ficou deitado com a cabeça no chão; que na Delegacia foram mostradas fotografias, mas não reconheceu ninguém; que seu celular não foi recuperado e valia cerca de R$ 200,00(duzentos) reais;que foi atendido no João Alves e levou pontos na cabeça e perdeu a audição;que não se recorda de fazer reconhecimento na Delegacia. (...)”
Depoimento da vítima José Arinaldo da Silva Brito:
“(…) que é sobrinho de Kleber; que estava em casa quando foi chamado pelo seu tio para comer um camarão; que ao chegar, depois de 10 minutos, os indivíduos chegaram no local, armados, e mandaram todo mundo ir para o chão; que depois dos tiros, viu uns meninos mortos; que conhecia as vítimas só de vista; que correu e não visualizou nada; que no momento em que os indivíduos chegaram, estava todo mundo reunido conversando; que viu, de um lado, três indivíduos, e do outro lado, viu mais três, que estavam todos cobertos, vestidos de pescadores e não deu para visualizar; que todos os indivíduos estavam com chapéu de palha na cabeça; que os indivíduos mandaram todo mundo para o chão; que tentou se afastar, mas o indivíduo o mandou deitar no chão; que foi agredido pelos indivíduos, junto com o rapaz do viveiro e Vagner; que seu tio levou uns chutes; que ouviu os indivíduos dizendo para catar as coisas das vítimas, pegaram a chave do carro e moto e os pertences; que ouviu os indivíduos dizendo que era uma missão; que os indivíduos somente levaram as chaves da moto e do carro, mas não levaram os veículos; que não ficou com nenhuma sequela; que foi na Delegacia, mas não reconheceu nenhum dos indivíduos. (...)”
Depoimento da vítima Edno Oliveira Ferreira:
“(...) que é conhecido por Dileno; que no dia do fato estava pescando e ia passar para o outro lado dos canos para pegar uma lenha; que viu os indivíduos passando; que levou uma coronhada na cabeça; que chegaram 06 (seis) homens e mandaram todos deitarem; que um deles lhe deu 03 (três) coronhadas e ele ficou “apagado”; que os indivíduos chegaram com um saco e ratoeira; que estava a caminho do viveiro quando os indivíduos o mandaram voltar e não olhar para trás; que Arinaldo lhe disse para se ligar, pois tinha umas pessoas chegando; que os indivíduos mandaram todo mundo se deitar, senão iam morrer; que ficou deitado no chão e não viu nada o que os indivíduos roubaram; que lembra que os indivíduos pediram a chave do carro;que no momento dos disparos já estava deitado no chão com as coronhadas na cabeça; que ouviu muitos tiros e desmaiou logo em seguida; que todos os indivíduos estavam armados; que Vagner e Arinaldo também foram agredidos;que não estava no celular no momento, por isso não levaram; que notou que os indivíduos, antes do fato, mexeram no viveiro e cometeram furtos; que Antônio ficava alguns dias no viveiro para vigiar e disse que percebeu pessoas escondidas em um matagal, o observando; que não lembra das características dos indivíduos; que na Delegacia identificou três indivíduos que tinham características parecidas com os que estavam no local; que chamou a atenção a cor da pele, rosto e estatura dos indivíduos; que não sabe dizer se Antônio estava sofrendo alguma ameaça; que na data do seu depoimento em juízo não tem condições de identificar os indivíduos executores do crime; que na Delegacia teve dúvida no reconhecimento, achou parecido, mas não teve certeza. (...)”
Depoimento da testemunha Juliana Santos Menezes arrolada pela Acusação:
“(…) que é irmã das vítimas falecidas; que estava no trabalho no dia do fato; que a esposa de uma das vítimas ligou perguntando o que tinha acontecido; que saiu do trabalho; que foram ao local e viram toda a situação, mas até então não sabia de nada; que seus irmãos saíram cedo para o viveiro; que Tonho comentava sobre os furtos que ocorriam no viveiro, através de ligações de Gileno, que esses indivíduos cortavam a cerca; e furtavam os camarões; que ouviu comentários que os indivíduos desceram como se fossem pescadores; que falaram para as outras vítimas não reagirem. (...)”
Depoimento da testemunha Raiane Golçalvez Brito arrolada pela Acusação:
“(…) que é companheira da vítima Antônio Carlos; que Antônio falava sobre furtos no viveiro,Que seu esposo não citava nomes de pessoas que furtavam no local; que depois do fato não teve contato com ninguém; que depois dos fatos só esteve no viveiro uma vez. (...)”
Depoimento da testemunha Carlos Victor Santos arrolada pela Acusação:
“(…) que formatou um Samsung A30 azul; que quem repassou o aparelho foi “Torroio”, em 2022; que colocou um chip no celular e depois tirou; que Torroio pediu para testar o celular e o devolveu; que Torroio não disse nada sobre o aparelho, como também não perguntou o motivo da formatação; que conhece Torroio de vista, pois moram no mesmo bairro; que trabalhava com aparelho celular; que não exigia nota fiscal dos aparelhos que faziam os serviços; que o pessoal era do bairro; que inseriu o chip da sua companheira para testar se o aparelho funcionava; que quando foi procurado pela polícia, foi mencionado um duplo homicídio; que conhece Júlio Alexandre de vista, de jogos de futebol; que conhece os demais acusados de vista; que depois de ser procurado pela polícia, não procurou Torroio para tirar satisfações, pois tem cerca de 01 ano que não o vê; que Torroio tem uma conduta perigosa; que Torroio é moreno, escuro, baixo e tem cara de ser jovem. (...).”
Depoimento da testemunha José Wellington Silva dos Santos arrolada pela Defesa:
“(…) que conhecia a vítima Antônio; que deu uma moto no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em troca do terreno onde ocorreu os fatos; que não sabia que o terreno pertencia a Antônio; que o terreno completo pertencia a Adalton. (...)”
Depoimento da testemunha Adalton dos Santos arrolada pela Defesa:
“(…) que fez o viveiro com Antônio, depois de certo tempo passou o viveiro para outra pessoa, pois não tinha condições de mantê-lo e passou para Wellington; que não ouviu falar que Antônio estava sendo furtado, pois não mantinham convivência, como também não tinha contato com quem cuidava do local; que com essa negociação do viveiro não ficou nenhuma pendência; Que conhece Dileno de vista, não comentou nada sobre furtos do viveiro, pois não tem intimidades. (...).”
Depoimento da testemunha Vitor Mateus Pinheiro Gomes arrolado pela Defesa:
“(...) que é agente da polícia judiciária; que participou das investigações; que percebeu que os celulares das vítimas tinham sido subtraídos; que o delegado pediu para interceptar os celulares; que colaboradores na região informaram sobre possíveis suspeitos dos crimes que ocorrem no local; que através dos colaboradores identificaram os acusados; que esses p. 172 indivíduos são investigados por outros crimes de homicídio; que são muito perigosos e ameaçam as pessoas da região; que, por isso tem uma dificuldade enorme de conseguir testemunhas; que estava presente durante o depoimento de Cristian, conhecido por Torroio; que Torroio teve que se ausentar do estado por medo de morrer, pois estava sendo ameaçado por esses indivíduos; que através dos dados celulares roubados, começou a chegar nos autores do crime; que localizou Jairo através de um chip que foi inserido pela mãe dele, no celular de uma das vítimas; que através de Torroio conseguiu chegar em Jairo; que Jairo teria vendido o celular para Torroio; que Torroio também informou que estava com os quatro indivíduos no momento antes do crimes; que os indivíduos estavam fazendo uso de substâncias entorpecentes junto com Torroio; que Torroio informou que esses indivíduos estavam todos armados e desceram para o viveiro e cometeram latrocínio;que Torroio não os acompanhou; que Jussiano é conhecido como “Sianinho”; que Sianinho estava envolvido; Que Sianinho foi preso com uma arma de fogo, uma pistola ;40; que a Autoridade Policial realizou confronto balístico; que retirou o projétil do corpo de uma das vítimas; que o projétil bateu com a arma que foi apreendida;que essa arma teria sido utilizada no crime; que os outros indivíduos foram reconhecidos pelas testemunhas sobreviventes; que os indivíduos aterrorizam a região e por isso há uma dificuldade em achar testemunhas; que os indivíduos estão em guerra com um outro grupo criminoso de um bairro vizinho; que os acusados traficam e são homicidas; que ouviu Torroio na Delegacia; tomou conhecimento das ameaças de Torroio através da genitora dele, que também estava ameaçada de morte; que os acusados tomaram conhecimento que Torroio foi até a Delegacia e o ameaçaram de morte; que não conseguiu realizar esclarecimentos adicionais através de um novo depoimento Torroio, uma vez que não conseguiram encontrá-lo; que chegaram em Torroio, pois fizeram o percurso de um dos celulares roubados, através dos chips que são inseridos nele; que chegaram até uma moça, a qual informou que quem lhe passou o celular foi um rapaz que desbloqueia celular; que esse rapaz disse que foi uma pessoa chamada Torroio que levou o aparelho para formtá-lo;que Torroio confirmou essa conversa; que no dia seguinte ao crime, Torroio ouviu os próprios acusados comentando que tinham assassinado as vítimas; que em determinado momento, Jairo percebeu o celular roubado na mão de Torroio e perguntou onde ele havia conseguido aquele celular; que nesse momento Torroio percebeu que Jairo tinha vendido o celular ao amigo de Torroio; que Torroio percebeu que o celular era de uma das vítimas, preferiu vender em uma feira de trocas;que já esperavam que Torroio fosse se evadir, por tudo o que falou para a polícia; que falou pois tinha medo de também ser acusado de latrocínio; que cogita que Torroio tenha participado do crime; que participou da prisão de David; que encontrou um revólver na mochila de David no momento da busca e apreensão; que Torroio disse que Júlio participou do crime; que Torroio não informou como foi a participação de cada acusado no crime; que Torroio disse que a intenção do crime foi uma briga sobre a propriedade do viveiro, pois Jairo é parente de um dos sócios; que colaboradores do bairroinformaram que Torroio já estava sendo perseguido e ameaçado por David por dívidas de drogas; que que Torroio andava com os indivíduos, mas depois que começou a dever drogas, os acusados se afastaram dele;e isso teria sido posteriormente ao crime (...)”.
Depoimento da testemunha Mário César Santos arrolada pela acusação:
“(…) que é primo das vítimas; que no dia do fato estava em seu estabelecimento de trabalho, quando tomou ciência do fato; que foi informado através de seu irmão, pois o ligaram falando sobre o crime; que se dirigiu até o local e observou que era um local de difícil acesso e já estava o pessoal da criminalística, a mãe das vítimas e alguns entes familiares; que ficou p. 173 sabendo que os indivíduos chegaram e começaram a efetuar vários disparos em seus primos, mas não sabe o motivo; que as pessoas tem medo de falar e ter alguma repressão; que a vítima comentou sobre a situação do viveiro e que acontecia vários furtos; que seu primo Antônio dormiu no local para saber quem estava furtando o viveiro, mas não disse o nome específico da pessoa; que não soube das ameaças que Antônio poderia estar sofrendo por conta do viveiro; que nunca viu os acusados antes; que depois do fato não tomou mais conhecimento de nada. (...).”
Os acusados também foram interrogados em Juízo, consoante trechos dos depoimentos deles a seguir transcritos:
Interrogatório do acusado Jairo Santos:
“(...) que não tem nada a ver com o fato; que nunca roubou na vida, como também nunca matou; que não sabe dizer como o seu celular chegou nas mãos da mãe; que já ouviu falar de Torroio, mas não o conhece bem e nunca teve problema com ele; que não sabe quem são as vítimas; que sabe quem são os outros acusados, pois moram no mesmo bairro; mas nunca teve intimidade com nenhum deles; que não sabe dizer quem foi os autores desse crime. (...).”
Interrogatório do acusado Júlio Alexandre Santos Guimarães:
“(…) que não participou do crime; que nunca ouviu falar das vítimas; que conhece os acusados por morarem no mesmo bairro e não sabe dizer quem está envolvido no crime; que conhece o indivíduo que se chama Torroio e não tem nenhum problema com ele.”
Interrogatório do acusado David Oliveira Bento:
“(…) que não participou do crime e nunca ouviu falar das vítimas que conhece os acusados por morarem no mesmo bairro e não sabe dizer quem está envolvido no crime; que conhece Torroio de vista, nunca teve problema com o mesmo.”
Interrogatório do acusado Jussiano Oliveira Nascimento:
“(...) que é conhecido por “Sianinho”; que não participou do crime e nunca ouviu falar das vítimas; que conhece os acusados por morarem no mesmo bairro e não sabe dizer quem está envolvido no crime; que o revólver de calibre .40 não foi pega na sua casa, que a arma foi plantada; que conhece Torroio de vista, nunca teve problema ele.”
Portanto, não há dúvidas de que os pertences mencionados no feito e de propriedade das vítimas foram subtraídos pelos réus/apelantes, consoante relatado alhures.
Aliás, restou evidente a existência do concurso de agentes, pois, o crime foi praticado por 05 (cinco) pessoas, dentre elas, os 04 (quatro) denunciados e um indivíduo não identificado, conforme depoimentos colhidos.
Em verdade, ficou demonstrado no feito que, naquele momento, os acusados agiram em conjunto, com comunhão de desígnios, na prática dos atos ilícitos, contando com o auxílio de todos, existindo uma união e uma cumplicidade entre eles, na medida em que todos participaram naquele instante do assalto, o que configura o crime de roubo qualificado em apreço.
Outrossim, consoante já dito alhures, verifica-se pelo Auto de Exibição e Apreensão acostado ao feito, a existência de munição calibre .40 e os laudos de perícia criminal de balística forense às fls. 135/136, 605/614, 652/661 e 931/936, onde indicam a existência de pistola semiautomática marca Taurus, calibre .40 e munições de diversos calibres, as quais atingiram as vítimas do crime de latrocínio, bem como atestam o perfeito funcionamento da arma de fogo em análise.
Além disso, aliados às referidas provas, existem os Laudos Periciais Cadavéricos dos ofendidos Antônio Carlos Santos Menezes e Cleberson Santos Menezes de fls. 167/173 e 175/181 e certidões de óbito deles de fls. 99 e 100.
Nesse toar, sabe-se também que a vítima é a pessoa que possui contato direto com o infrator, por isso a importância do seu depoimento para o deslinde da causa. Na realidade, não se pode argumentar aqui a motivação de acusar dos ofendidos por vingança ou qualquer outra razão, já que não houve qualquer manifestação nesse aspecto no feito.
Nesse ponto, insta, desde já, frisar que não há nos autos indícios de que os ofendidos estejam agindo de má-fé, pois o interesse deles é apontar o verdadeiro culpado e não incriminar possíveis inocentes, ou seja, as declarações das vítimas irradiam autenticidade e verossimilhança, além de se encontrarem corroboradas pela prova circunstancial do feito.
Destaque-se, ainda, que nos crimes contra o patrimônio, a palavra da vítima ganha maior relevância, principalmente, quando coerente com os demais elementos probatórios, como ocorreu no presente caso. Nesse sentido, vem se pronunciando esta Câmara Criminal:
[...]
Importante registar, também, que o depoimento da testemunha Christian Correia Santos, conhecido por “Torroio”, conforme termo de fls. 806/807, o qual informou à autoridade policial que estava usando drogas com os réus/apelantes, antes dos fatos criminosos, também demonstra que ele viu os acusados armados, descendo até o viveiro onde estavam as vítimas, para praticarem os atos criminosos.
Além disso, informou que, no dia seguinte, ao encontrar com os réus, chegou a ouvi-los comentando sobre os delitos em questão, o que demonstra a coerência do depoimento dele nos autos, não havendo o que se falar em quebra da cadeia de custódia nesse aspecto, já que houve regularidade na colheita das declarações da referida testemunha.
Logo, restou caracterizada e comprovada neste feito a prática dos crimes de roubo qualificado pelo concurso de agentes e emprego de arma de fogo, além do delito de latrocínio consumado, o que afasta também o pleito de absolvição dos acusados, a alegação de insuficiência de provas, aplicação do princípio do in dubio por reo e a desclassificação, .para o crime de homicídio razão pela qual mantenho a condenação deles no feito." (fls. 1658/1666, grifo nosso)
Extrai-se do trecho acima transcrito, que as instâncias ordinárias reconheceram a autoria do recorrente e a materialidade dos crimes patrimoniais de roubo e latrocínio acima mencionados. E assim o fizeram, embasando-se nos depoimentos prestados nos autos, em especial, as declarações das vítimas e testemunhas, que não foram infirmadas pelos demais elementos de prova, bem como pelas informações decorrentes de interceptação telefônica de linha telefônica do agravante, na apreensão de arma de fogo e nos laudos periciais constantes dos autos.
Destarte, o acolhimento da pretensão recursal no caso dos autos para se afastar a condenação do recorrente pela prática dos crimes a ele imputados, acolhendo os argumentos defensivos de absolvição, demandaria o revolvimento e reexame de todas as provas dos autos, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. ART. 619 DO CPP. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. RECONCILIAÇÃO DO CASAL NÃO CONSTITUI ÓBICE À PERSECUÇÃO CRIMINAL. PRINCÍPIO DA BAGATELA. NÃO INCIDÊNCIA. FIXAÇÃO DE VALOR INDENIZATÓRIO A TÍTULO DE DANO MORAL. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA N. 7 e 83 DO STJ.
1. Não se vislumbra violação do art. 619 do CPP, porquanto o Tribunal de origem enfrentou, de forma fundamentada, as irresignações recursais, adotando, contudo, solução jurídica contrária aos interesses do recorrente, não havendo falar, assim, em negativa de prestação jurisdicional.
2. Na espécie, as instâncias ordinárias, ao condenarem o réu pelo crime de lesão corporal no contexto de violência doméstica, concluíram, com base no depoimento da vítima e das testemunhas, além de laudo pericial, os quais estão em consonância com os demais elementos dos autos, pela existência de provas suficientes da autoria e materialidade delitiva, de modo que a alteração do entendimento para absolver o réu demandaria imprescindível revolvimento do acervo fático-probatório, procedimento vedado em recurso especial, a teor do enunciado da Súmula n.º 7 do STJ.
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior "[a] reconciliação do casal e a ausência de vontade da vítima em ver o paciente processado não constituem óbice à persecução criminal, sob pena de desrespeito ao princípio da indisponibilidade da ação penal pública incondicionada, nos termos do enunciado n. 542 da Súmula desta Corte Superior" (AgRg no HC n. 674.738/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 3/8/2021, DJe de 13/8/2021).
4. "De acordo com entendimento pacificado em ambas as Turmas de direito penal do Superior Tribunal de Justiça, não incidem os princípios da insignificância e da bagatela imprópria aos crimes e às contravenções praticados mediante violência ou grave ameaça contra mulher, no âmbito das relações domésticas, dada a relevância penal da conduta" (AgRg no REsp n.º 1.973.072/TO, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 2/3/2022).
5. Nos casos de crimes praticados no contexto de violência doméstica contra mulher, como é o caso dos autos, firmou-se a tese no julgamento do Tema Repetitivo n.º 983, no sentido de ser possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral. Nesse contexto, o pedido de redução do montante fixado a título de danos morais demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência inviável nesta instância especial, nos termos da Súmula n.º 7/STJ.
6. Evidencia-se que as conclusões alcançadas pelas instâncias ordinárias estão em total conformidade com a pacificada jurisprudência desta Corte, de modo que também incide à espécie a Súmula n.º 83/STJ.
7. Agravo regimental provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial.
(AgRg no AREsp n. 2.430.040/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 27/2/2024, DJe de 4/3/2024, grifo nosso)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SUMULA 7 DO STJ. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIA DO DELITO. EMBRIAGUEZ. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
1. Nos termos da orientação jurisprudencial desta Corte, "a embriaguez voluntária ou culposa do agente não exclui a culpabilidade, sendo ele responsável pelos seus atos mesmo que, ao tempo da ação ou da omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Aplica-se a teoria da actio libera in causa, ou seja, considera-se imputável quem se coloca em estado de inconsciência ou de incapacidade de autocontrole, de forma dolosa ou culposa, e, nessa situação, comete delito" (AgInt no REsp 1548520/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 22/06/2016).
2. A pretensão absolutória por ausência de dolo implica o reexame de fatos e provas, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ. A dosimetria da pena submete-se a juízo de discricionariedade do magistrado, vinculado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por inobservância aos parâmetros legais ou flagrante desproporcionalidade.
3. A prática do delito de lesão corporal mediante violência doméstica, por agente sob o efeito de bebidas alcoólicas, desborda do tipo penal do art. 129, § 9°, do Código Penal, autorizando a exasperação da pena-base.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp n. 1.871.481/TO, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª REGIÃO), Sexta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/11/2021, grifo nosso.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE DESCLASSIFICA A CONDUTA. REMESSA PARA OUTRO ÓRGÃO JUDICIAL. ART. 383, § 2º DO CPP. DECISÃO ATACÁVEL POR RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 581, II, DO CPP. TAXATIVIDADE. FUNGIBILIDADE RECURSAL. DESCABIMENTO. ERRO GROSSEIRO. REFORMATIO IN PEJUS. INOCORRÊNCIA. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do entendimento desta Corte, "a decisão que desclassifica a conduta, declinando da competência para o julgamento do feito, deve ser atacada por recurso em sentido estrito, sendo a utilização de recurso de apelação descabida e não passível de aplicação do princípio da fungibilidade recursal, por se tratar de erro grosseiro" (AgRg no HC n. 618.970/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 5/3/2021).
2. Quanto à alegação de reformatio in pejus, verifica-se que a desclassificação da conduta para o crime de lesão corporal decorreu de emendatio libelli realizada pelo TRF-5, sendo plenamente admissível, sem violação ao princípio da congruência, uma vez que não houve alteração dos fatos narrados na denúncia, mas apenas requalificação jurídica com base no acervo probatório dos autos.
3. Para infirmar os fundamentos do acórdão recorrido e acolher a tese dos agravantes no sentido da ausência de prova concreta do delito ou da desclassificação das condutas para a contravenção penal de vias de fato, seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, providência vedada em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.757.514/SE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/3/2025, DJEN de 19/3/2025, grifo nosso.)
E tendo em vista que a interposição do recurso especial pelo dissidio jurisprudencial está relacionada aos mesmos dispositivos legais acima analisados, tem-se que o recurso está prejudicado neste ponto, pois: "Segundo entendimento desta Corte, a inadmissão ou o não provimento do especial interposto com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal prejudica o exame do recurso no ponto em que suscita divergência jurisprudencial se o dissídio alegado diz respeito ao mesmo dispositivo legal ou à mesma tese jurídica, como na espécie."(AgRg no AREsp n. 2.698.096/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 7/11/2024)
No tocante à violação ao art. 59 do CP, o TJSE assim decidiu a pretensão recursal:
Prosseguindo a análise das razões recursais, verifica-se que as Defesas de todos os réus , subsidiariamente, a revisão da dosimetria no sentido de que sejam reduzidas aspretendem penas-base para o mínimo legal, sob o argumento de que foram fixadas de forma desarrazoada na sentença combatida. Além disso, existe a tese recursal de , sob o argumento de que houve negativação dosbis in idem antecedentes criminais e, ainda sim, também existiu aumento da penalidade intermediária por reincidência. Acontece que as penas estipuladas na sentença encontram-se dentro dos limites previstos em lei e da discricionariedade do Julgador, de forma razoável e proporcional, com fundamentos idôneos, inexistindo razão para modificação das reprimendas impostas na decisão. É que a Juíza de 1º grau exacerbou as penas-base fixadas em desfavor dos réus/apelantes de forma proporcional e razoável, utilizando fundamentos idôneos, consoante circunstâncias judiciais a seguir transcritas, salientando que foram indicados abaixo apenas vetores negativos especificamente de cada apelante, que foram impugnados, evitando-se, assim, repetições:
[...]
“RÉU JAIRO SANTOS
“(...) Do crime de roubo majorado, art. 157, § 2º, incisos II (concurso de pessoas), § 2º-A, inciso I (arma de fogo) (...) Quanto aos antecedentes criminais, devem ser reputados desfavoráveis, servindo a condenação nos autos nº 202288600494, com trânsito em julgado em 08/03/2024 e com SEEU de nº 0000781-24.2019.8.25.0086, em andamento, como maus antecedentes e a condenação dos autos nº 201888600744, com trânsito em 13/02/2019, a título de reincidência, devendo ser sopesada na 2ª fase da dosimetria a fim de se vedar o bis in idem (...)As consequências do crime superam a normalidade típica, vez que algumas as vítimas tiveram que testemunhar as agressões gratuitas e mesmo a morte de outras vítimas no mesmo momento, fatores estes que ocasionam abalo emocional prolongado; (...) (...) Do crime disposto no art. 157, § 3º, II do CP (...) As consequências do crime superam a normalidade típica, vez que as vítimas deixaram filhos menores (...)”
[...]
Sendo assim, não há como afastar a negativação dos vetores aludidos, na 1ª (primeira) fase da , já que existem fundamentações idôneas, baseadas em argumentos concretos, dosimetria suficientes, discricionários para exacerbar as penas basilares.
Igualmente, observa-se que os cálculos estipulados na 2ª (segunda) e 3ª (terceira) fases também apresentaram fundamentações idôneas, especialmente porque restou comprovada a agravante da reincidência para determinados réus que possuem tal condição, além da existência das causas de aumento de pena, devidamente fundamentadas na sentença atacada, razão pela qual mantenho inalteradas as reprimendas fixadas na decisão e afasto o pleito recursal de redução de tais penalidades para o mínimo legal, especialmente porque não ocorreu a figura do bis in idem no caso concreto." (fls. 1666/1668)
Por sua vez, a pretensão recursal foi posta sob o tema da seguinte forma:
"De início cumpre destacar que o acordão recorrido não se refere aos questionamentos levantados pelo recorrente na apelação de forma correta. Há de se destacar que a alegação de bis in idem se refere a utilização do mesmo processo como circunstância agravante e circunstância judicial, sendo contrário a sumula 241 do STJ.
Além disso, foi utilizado fatores que não foram comprovados durante a instrução processual para exasperação da pena base, violando o art.59 do código penal, o que não deve prevalecer.
Além da insegurança jurídica que isto representa, tal entendimento representa uma grave afronta aos princípios fundamentais contidos na constituição federal, além de que representa entendimento diferente dos precedentes dos tribunais Superiores, vejamos:[...]"(fl. 1683)
Neste contexto, em que se depreende do acórdão que o acusado possuía mais de uma condenação criminal utilizada na fixação da pena, caberia ao recorrente indicar de forma específica as condenações que teriam sido indevidamente utilizadas de forma concomitante como reincidência e maus antecedente, o que não ocorreu. Por outro giro, não houve também a indicação específica no recurso sobre quais seriam os outros fatores aludidos no recurso utilizados indevidamente pelas instâncias ordinárias na fixação da pena do acusado.
Dessa maneira, conclui-se que a parte não logrou identificar de forma clara qual teria sido a violação ao mencionado dispositivo do art. 59 do CP, configurando-se a deficiência recursal que impede o conhecimento do recurso neste ponto pela incidência do óbice da Súmula n. 284 do STF:
“É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.”
A corroborar, precedentes:
"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. VIA INADEQUADA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 619 DO CPP E 1.025 DO CPP. RECURSO QUE NÃO APONTA COMO TERIA HAVIDO AS ALEGADAS VIOLAÇÕES. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284 DO STF. PROGRESSÃO DE REGIME. REINCIDÊNCIA EM CRIME COMUM. HIPÓTESE NÃO ABARCADA PELA NOVATIO LEGIS. LEI N. 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). ANALOGIA IN BONAM PARTEM. CUMPRIMENTO DE 50% DA PENA PARA CONCESSÃO DA BENESSE. ART. 112, INC. VI, DA LEP. VEDAÇÃO AO LIVRAMENTO CONDICIONAL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA EM CONJUNTO COM O ART. 83, V, DO CÓDIGO PENAL NÃO REVOGADO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - É certo que a alegada violação ao dispositivo constitucional não pode ser objeto de recurso especial, porquanto matéria própria de recurso extraordinário, a ser examinado pelo eg. Supremo Tribunal Federal, conforme previsto no art. 102, III, da Constituição Federal.
II- No que concerne a apontada violação ao art. 619 do CPP e ao art. 1.025 do CPC, o Parquet apenas cita os referidos dispositivos tidos por violados, sem, contudo, especificar, de forma clara e específica, como teria havido violação à legislação federal, nada aduzindo ou requerendo acerca de suposta omissão ou qualquer vício no acórdão recorrido. O apelo nobre, portanto, novamente, esbarra na Súmula 284 do STF, ante a deficiência na fundamentação do recurso.
III - No caso, o recorrido foi condenado pela prática de delito equiparado ao hediondo com resultado morte, sendo reincidente em crime comum, situação que não encontra previsão específica na nova lei (art. 112 da LEP, com redação dada pelo Pacote Anticrime - Lei n. 13.964/2019), razão pela qual, diante da omissão legislativa, deverá a situação ser resolvida de maneira mais favorável ao sentenciado, com a aplicação do percentual previsto para o réu primário. Desse modo, pelo uso da analogia in bonam partem, deve ser aplicado o percentual de 50% (cinquenta por cento), previsto no art. 112, inc. VI, da Lei n. 7.210/1984. Precedentes.
IV - Recentes decisões desta Corte afirmam que a aplicação retroativa do art. 112, VI, "a", da LEP aos condenados por crime hediondo ou equiparado com resultado morte, seria admissível e não prejudicial ao executado, tendo em vista que, em uma interpretação sistemática, a vedação de concessão de livramento condicional somente atingiria o período previsto para a progressão de regime, não impedindo posterior pleito com fundamento no art. 83, V, do CP. Agravo regimental desprovido"
(AgRg no REsp n. 1.985.580/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), DJe de 26/4/2022, grifo nosso).
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 317, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. DENÚNCIA. ATIPICIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL NA ORIGEM. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE NÃO PREENCHIDOS. SÚMULA N. 284 DO STF E SÚMULA N. 7 DESTA CORTE.
1. O recurso especial não infirmou de forma adequada o fundamento contido no acórdão recorrido que concluiu pela atipicidade da conduta, atraindo a aplicação da Súmula n. 284 do STF. O recurso especial reclama fundamentação vinculada, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal e do art. 1029 do Código de Processo Civil, sendo indispensável que a parte recorrente demon stre, quando o recurso for interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, porque houve a violação a dispositivo legal. E, no caso, não foram apresentadas razões suficientes acerca da alegada violação ao art. 317 do Código Penal.
2. Ademais, a análise do recurso esbarra também no óbice imposto pela Súmula n. 7 desta Corte, por reclamar o reexame do material fático-probatório.
3. Recurso especial não conhecido.
(REsp n. 1.883.187/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 6/12/2022, DJe de 14/12/2022.)
Ante o exposto, conheço do agravo para, com fundamento no art. 932, III, do Código de Processo Civil - CPC, não conhecer do recurso especial.
Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. Marcelo Marcante Flores (Impetrante) x 2. Tribunal De Justiça Do Estado Do Rio Grande Do Sul (Impetrado)
ID: 333976228
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: HABEAS CORPUS
Nº Processo: 0202991-34.2025.3.00.0000
Data de Disponibilização:
24/07/2025
Polo Ativo:
Advogados:
GUILHERME GAZAVE
OAB/RS XXXXXX
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JERRI ADRIANO MACHADO DE MEDEIROS
OAB/RS XXXXXX
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STÉFANI AMORIM DA SILVA
OAB/RS XXXXXX
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MARCELO MARCANTE FLORES
OAB/RS XXXXXX
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HC 1008856/RS (2025/0202991-5)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
IMPETRANTE
:
MARCELO MARCANTE FLORES
ADVOGADOS
:
MARCELO MARCANTE FLORES - RS072813
STÉFANI AMORIM DA SILVA - RS119436
JERRI ADRI…
HC 1008856/RS (2025/0202991-5)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
IMPETRANTE
:
MARCELO MARCANTE FLORES
ADVOGADOS
:
MARCELO MARCANTE FLORES - RS072813
STÉFANI AMORIM DA SILVA - RS119436
JERRI ADRIANO MACHADO DE MEDEIROS - RS115619
GUILHERME GAZAVE - RS125261
IMPETRADO
:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PACIENTE
:
DAVID GUILHERME TOVO
INTERESSADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de DAVID GUILHERME TOVO, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL no julgamento da revisão criminal n. 5027108-35.2025.8.21.7000.
Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 3 anos e 9 meses de reclusão, no regime inicial semiaberto, além do pagamento de 20 dias-multa, pela prática do delito previsto no art. 16, caput, da Lei n. 10.826/03, combinado com o artigo 61, inciso I, do Código Penal.
A revisão criminal foi julgada improcedente, com base no acórdão abaixo ementado:
“REVISÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ART. 16, CAPUT, DA LEI Nº 10.826/03. BUSCA DOMICILIAR. INEXISTÊNCIA DE MUDANÇA DE POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL. TEMA 280 DO STF. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO. DOSIMETRIA DA PENA. QUESTÃO JÁ DISCUTIDA, QUE NÃO AUTORIZA A REVISÃO. ART. 621 DO CPP. NULIDADE DO ACÓRDÃO. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. TÉCNICA ADMITIDA PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES. INEXISTÊNCIA DE MÁCULA. IMPROCEDÊNCIA NO PONTO. AÇÃO CONHECIDA EM PARTE E JULGADA IMPROCEDENTE.1. O entendimento a respeito da violação de domicílio é regido pelo Tema 280 do STF, já decidido ao tempo do julgamento do apelo, de modo que não se verifica a alegada modificação de entendimento jurisprudencial que, de todo modo, não autoriza a revisão de decisão transitada em julgado, com base no art. 621, I, do CPP. Precedentes.2. O pedido de neutralização do vetor culpabilidade não encontra amparo nas hipóteses previstas no art. 621 do CPP, vez que se trata de questão já debatida no julgamento que se pretende revisar e decidida à luz do entendimento acerca da questão abordada.3. A técnica de fundamentação per relationem, utilizada no acórdão discutido, é admitida por esta Corte e pelos Tribunais Superiores. Precedentes. Caso, ademais, em que não demonstrado prejuízo e ausente oportuno protesto da defesa, tratando-se de nulidade relativa. Improcedência da ação no ponto. REVISÃO CRIMINAL PARCIALMENTE CONHECIDA E JULGADA IMPROCEDENTE.” (fl. 22)
No presente writ, a defesa sustenta ilegalidade da busca domiciliar, pela ausência de prévia investigação ou mandado judicial. Ainda, argumenta nulidade do acórdão da apelação, haja vista ter havido fundamentação per relationem. Por fim, requer o afastamento da exasperação da pena pelo vetor culpabilidade.
Requer a concessão da ordem para que o paciente seja absolvido ou haja a redução do aumento da pena base.
Parecer do MPF opinando pelo não conhecimento do habeas corpus às fls. 735/739.
É o relatório.
Decido.
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ.
Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Inicialmente, busca-se, no presente writ, a declaração de nulidade da busca domiciliar, com absolvição do paciente. Por oportuno, segue trecho do acórdão, pelo qual o Tribunal de origem afastou a alegada nulidade, nos seguintes termos:
“O julgamento de mérito se deu em estrita consonância com o entendimento existente à época. A pretendida revisão da ocorrência de violação de domicílio foi exaustivamente analisada no processo originário. Na ocasião, tanto na sentença de primeiro grau como no julgamento da apelação, cujos argumentos parcialmente transcrevo, houve o enfrentamento da questão, ficando consignado que:
"[...] O parecer ministerial, de lavra do ilustrado Procurador de Justiça, Dr. Ubaldo Alexandre Licks Flores (fls. 288/296), se reportou aos argumentos expendidos quanto às preliminares, e respondeu corretamente às alegações postas. Porque concordo com dita fundamentação, é que dele transcrevo, como forma de evitação de despicienda tautologia, a fim de integrar o voto, com vênia do seu prolator, o que segue, in verbis:'Nulidades suscitadas pela defesa: ‘Conforme se verá a seguir, de acordo com a análise das provas carreadas aos autos, os policiais civis que adentraram a residência do réu-apelante não violaram o domicílio tão somente com base em uma “denúncia anônima”.’‘Em realidade, tem-se que os agentes policiais receberam, via “denúncia anônima”, a informação de que no endereço do acusado havia tráfico de drogas e de armas. Então, para lá se dirigiram, realizando monitoramento no local, até que, em determinado momento, visualizaram David pela janela, com um colete balístico.’‘Ou seja, a partir do recebimento da aludida “denúncia anônima”, os agentes policiais obtiveram novas informações, que confirmaram, a princípio, a prática delituosa.’‘E, como as informações até então obtidas confirmavam a prática de crimes de natureza permanente, os policiais se acharam autorizados a adentrar a residência do acusado, diante da situação de flagrante delito.’‘Portanto, inocorre a ilegalidade aventada no recurso defensivo, pois a ação policial seguiu o entendimento consolidado no âmbito da Suprema Corte, no sentido de que “A jurisprudência do STF é unânime em repudiar a notícia-crime veiculada por meio de denúncia anônima, considerando que ela não é meio hábil para sustentar, por si só, a instauração de inquérito policial. No entanto, a informação apócrifa não inibe e nem prejudica a prévia coleta de elementos de informação dos fatos delituosos (STF, Inquérito 1.957-PR) com vistas a apurar a veracidade dos dados nela contidos.” (HC 107362, Relator: Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, julgado em 10/02/2015).’No mesmo sentido, a jurisprudência deste egrégio Tribunal:APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS E POSSE ILEGAL DE ARMA COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. PRELIMINARES REFUTADAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS COERENTES. DESNECESSÁRIO FLAGRANTE DE MERCANCIA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA E MINORANTE DA LEI DE DROGAS. DESCABIDAS. MULTA HÍGIDA. PRELIMINARES: (...) Em relação à alegada violação de domicílio, importa salientar que a vedação comporta exceções, tal qual na hipótese de flagrante delito, prevista no art.5º, inciso XI da CF, que dispensa mandado judicial para ingresso na residência. Na mesma toada, compreendo que a denúncia anônima não gera eventual nulidade, uma vez que a atuação dos policiais, que ficaram de campana no local indicado na denúncia anônima, em nada interfere quanto à legalidade da apreensão e da prisão, visto que evidenciada a prática do crime em estado de latente flagrante. Evidente, por certo, que um policial que recebe denúncia da existência de crime deve, por dever de ofício, atuar ostensivamente para impedir aquela permanência. (...) (Apelação Crime Nº 70070703863, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em 16/03/2017). APELAÇÃO. ART. 16, § ÚNICO, INC. IV, DA LEI Nº 10.826/03. PRELIMINAR. NULIDADE DA BUSCA E APREENSÃO. MÉRITO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. ARMA E MUNIÇÕES NÃO TESTADAS. MATERIALIDADE DUVIDOSA. PROCLAMADA A ABSOLVIÇÃO. I - O mandado de busca e apreensão não foi expedido tão somente com base em denúncia anônima, uma vez que a partir desta, passaram a realizar investigações, constatando a veracidade dos fatos narrados na delegacia por pessoa que não quis se identificar. (...) (Apelação Crime Nº 70069595924, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mauro Evely Vieira de Borba, Julgado em 04/08/2016).”Portanto, inocorre a nulidade suscitada no recurso.‘Acerca da alegada ilegalidade do flagrante, é necessário frisar que a apreensão da arma de fogo e a consequente prisão em flagrante do réu-recorrente não violou qualquer preceito constitucional.’‘Na medida em que a posse irregular de arma de fogo configura crime permanente, o ingresso de policiais civis na residência do apelante, in casu, estava autorizado pela própria Constituição Federal, que excepciona, nessa hipótese, a regra que assegura a inviolabilidade dos domicílios (art. 5º, XI).’Nesse sentido, julgado da Suprema Corte:RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. POSSE DE ACESSÓRIO DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. ART. 16 DA LEI 10.826/2003. BUSCA E APREENSÃO. ILICITUDE DA PROVA. INOCORRÊNCIA. CRIME PERMANENTE. FLAGRANTE DELITO. CRIME DE MERA CONDUTA E DE PERIGO ABSTRATO. IRRELEVÂNCIA DA POTENCIALIDADE LESIVA DO ARTEFATO. DESCRIMINALIZAÇÃO TEMPORÁRIA PREVISTA NOS ARTIGOS 30 E 32 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. PRORROGAÇÃO DO PRAZO CONFERIDO PELAS LEIS 11.706/2008 E 11.922/2009. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Busca e apreensão autorizada judicialmente em propriedade rural, compreendida por seus vários imóveis. Inocorrência de ilicitude da prova por ofensa ao princípio da inviolabilidade do domicílio. 2. Ademais, havendo fundada suspeita, a busca domiciliar nos crimes permanentes se justifica em decorrência do flagrante delito. Inexistência de ingresso abusivo e constatação posterior de crime permanente. (...) (RHC 128281, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO . ELETRÔNICO D Je-167 DIVULG 25-08-2015 PUBLIC 26-08-2015). Na mesma linha, cabe mencionar recentes precedentes desta Colenda 4ª Câmara Criminal:POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO NÃO VERIFICADA. Tratando-se de delito permanente, o ingresso no domicílio deu-se conforme os ditames do art. 5º, XI, da Constituição Federal, eis que o réu colocou-se em flagrante delito desde o momento em que adquiriu a arma de fogo e a manteve sob seu poder. Impositiva a condenação. Apelo improvido, por maioria. (Apelação Crime Nº 70071231088, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mauro Evely Vieira de Borba, Redator: Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Julgado em 23/02/2017). APELAÇÃO CRIMINAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV, DA LEI Nº 10.826/03. PRELIMINAR. VIOLAÇÃO DOMICILIAR. REJEIÇÃO. PROVAS DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA INALTERADA. 1. Conforme a jurisprudência dos Tribunais Superiores, que interpretam o conteúdo do art. 5º, XI, da CF, não há nulidade ou imprestabilidade da prova obtida durante prisão em flagrante por porte e posse de arma, por alegada violação de domicílio, presente fundadas razões a autorizar o ingresso. Tratam-se de crimes permanentes, mostrando-se desnecessária a existência de mandado de busca e apreensão. (...) PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Crime Nº 70070690714, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Julio Cesar Finger, Julgado em 09/02/2017).’Assim, a suposta invalidade da apreensão da arma de fogo e consequente ilegalidade da prisão em flagrante, com a contaminação das demais provas produzidas, deve ser rechaçada. [...]”
Não verifico, no caso discutido, modificação substancial de entendimento jurisprudencial acerca da inviolabilidade de domicílio, que segue pautada na necessidade da existência de fundadas razões, ainda que justificadas a posteriori, para o ingresso no domicílio, cuja proteção está disposta no art. 5º, XI, da CF. Nesse respeito, paradigmático julgamento do Tema 280 do STF, que já estava consolidado ao tempo do acórdão que se pretende revisar:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso.(RE 603616, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO D Je-093 DIVULG 09-05- 2016 PUBLIC 10-05-2016)
O STJ permanece fundamentando suas decisões nas diretrizes do STF, como exemplifica o seguinte julgado, que é recente:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. FLAGRANTE DELITO. ILICITUDE DAS PROVAS. NÃO OCORRÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REITERAÇÃO DELITIVA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. INSUFICIÊNCIA. DECISÃO FUNDAMENTADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.1. A entrada em domicílio sem mandado judicial encontra amparo constitucional quando há fundadas razões que indiquem a ocorrência de flagrante delito, nos termos do artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal e da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 603.616/RO (Tema 280 da repercussão geral). 2. No caso concreto, a ação policial foi precedida de informações repassadas ao setor de inteligência, indicando que o agravante portava arma de fogo. A guarnição policial, ao chegar ao local, visualizou o réu na sacada de sua quitinete com volume na cintura, confirmando que estava armado. A apreensão da arma e munições de uso restrito, em situação de flagrância, justifica a legalidade da diligência e afasta a alegação de ilicitude das provas.3. A prisão preventiva encontra-se devidamente fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, destacando-se a apreensão de uma arma de fogo e munições de uso restrito, além do fato de ser o réu múltiplo reincidente, ostentar maus antecedentes e ter cometido o crime durante o cumprimento de pena, consoante se verificou do registro de execução penal.4. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão; o contexto fático e a reiteração delitiva indicam que as providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar a ordem pública. Precedentes.5. Ausente qualquer ilegalidade na decisão impugnada, mantém-se a denegação da ordem.6. Agravo regimental não provido.(AgRg no RHC n. 211.773/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/3/2025, DJEN de 19/3/2025.)
E foi também com esses parâmetros que decidiu a Quarta Câmara Criminal na época, descabendo a rediscussão do mérito sem que tenham vindo novas provas ou mesmo modificação de jurisprudência.
Ainda que assim não fosse, a mudança de jurisprudência, por si só, não autoriza a revisão do julgado, quando ocorrida posteriormente ao trânsito em julgado da decisão que se pretende ver modificada.” (fls. 24/27)
Quanto ao ponto, extrai-se do acórdão impugnado justa causa para ingresso dos policiais no domicílio do paciente, tendo em vista que os policiais tinham recebido informes prévios sobre a prática de crime naquele local, sendo que, em diligências investigativas, fizeram monitoramento da residência, oportunidade que verificaram o paciente na janela vestido com colete balístico.
Assim, haja vista as fundadas suspeitas, houve legítimo ingresso dos policiais na residência, quando então houve apreensão de fuzil, munições e artefatos explosivos, em respeito ao Tema n. 280 do STF. Como se vê, após fundadas suspeitas, foi constatada a existência de indícios prévios da prática da prática de crime no local, o que autoriza o ingresso dos agentes da lei na residência, não havendo falar em nulidade decorrente das provas obtidas em razão de alegada violação de domicílio.
Nesse sentido:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. INGRESSO DOMICILIAR SEM MANDADO. MANDADO DE PRISÃO EM ABERTO. CRIME PERMANENTE. JUSTA CAUSA. FUNDADAS RAZÕES QUE AUTORIZAM A AÇÃO POLICIAL. UTILIZAÇÃO DE HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO PRÓPRIO. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME
1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que não conheceu de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, mantendo a prisão preventiva de paciente acusado de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16, caput, da Lei nº 10.826/2003). A defesa alega nulidade da prisão e das provas obtidas, sustentando a ilegalidade do ingresso policial no domicílio sem mandado judicial. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) definir se o habeas corpus pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio para impugnar a prisão preventiva e a validade das provas obtidas; e (ii) examinar se houve flagrante ilegalidade no ingresso da autoridade policial no domicílio sem mandado judicial. III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, exceto em casos de flagrante ilegalidade, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
4. O ingresso policial em domicílio sem mandado é permitido quando há fundadas razões de que o local abriga situação de flagrante delito, nos termos do art. 5º, XI, da Constituição Federal.
5. No caso, a polícia recebeu informações de que o paciente, que possuía mandado de prisão em aberto por homicídio, estava escondido no local, o que justificou o ingresso no domicílio. Durante a ação, o paciente colaborou, informando a localização de armas e munições, que foram apreendidas.
6. A alegação de tortura e violência policial, além de não ter sido suscitada no juízo de origem, não encontra respaldo suficiente nos autos, sendo matéria que demanda análise probatória aprofundada, inviável no âmbito do habeas corpus.
7. Não há flagrante ilegalidade na atuação policial ou na manutenção da prisão preventiva que justifique a concessão da ordem de ofício.
IV. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no HC 914837 / SC, rel. Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, DJe 30/10/2024.)(grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. NULIDADE POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. CRIME PERMANENTE. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. ILEGALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. No julgamento do RE n. 603.616, o Pleno do Supremo Tribunal Federal afirmou que, para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial, faz-se necessária a caracterização de justa causa, consubstanciada em razões as quais indiquem a situação de flagrante delito.
2. Não se verifica ilegalidade quando o contexto do flagrante (denúncia anônima sobre o paradeiro de acusado foragido do sistema com mandados de prisão em aberto empunhando arma de fogo contra policiais militares) legitima a entrada forçada na casa que era utilizado como refúgio.
3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 855358 / SP, rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 3/11/2023.)(grifei)
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. ILEGALIDADE DAS DILIGÊNCIAS DE BUSCA E APREENSÃO. INOCORRÊNCIA. DENÚNCIA ANÔNIMA ESPECIFICADA. FUNDADAS RAZÕES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 280 da sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE n. 603.616/RO, decidiu que, para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial, faz-se necessária a presença de justa causa, consubstanciada em razões as quais indiquem a situação de flagrante delito.
2. No caso, verifica-se que as diligências de busca e apreensão foram precedidas de denúncia anônima especificada e de prévias diligências para confirmação das informações recebidas pela polícia.
Não há, portanto, indícios de arbitrariedade na ação policial, a qual decorreu da coleta progressiva de elementos que levaram, de forma válida, à conclusão segura da ocorrência de crime permanente nos locais, justificando as incursões para a realização das prisões em flagrante. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC 937172 / CE, rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 14/10/2024.)(grifei)
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
ILICITUDE DAS PROVAS. PROTEÇÃO DO DOMICÍLIO (ART. 5º, XI, DA CF).
FUNDADAS SUSPEITAS. LICITUDE DAS PROVAS. PRISÃO PREVENTIVA.
FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. REINCIDÊNCIA DO PACIENTE QUE NÃO BASTA PARA AUTORIZAR A SUA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. GRAVIDADE ABSTRATA. POUCA QUANTIDADE DE DROGA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA E SUBSTITUIÇÃO POR CAUTELARES PESSOAIS ALTERNATIVAS. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
- O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
- O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.
- "O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010).
(REsp 1574681/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 20/4/2017, DJe 30/5/2017).
- Na hipótese, o ingresso no domicílio foi motivado pela constatação da presença de elementos indicativos de que o comércio espúrio estaria sendo realizado no interior do imóvel, notadamente, pelo fato de que, em abordagem pessoal feita em via pública, fora localizada quantidade de material entorpecente com o paciente, que, na sequência, admitiu haver mais drogas no interior da residência.
Isto legitimou o ingresso dos policiais no interior do imóvel, ocasião em que foram encontradas mais porções de droga, não havendo que se falar em violação de domicílio no caso em comento, dadas as circunstâncias que subsidiavam a fundada suspeita da ocorrência de situação de flagrante delito, autorizadora do ingresso urgente.
- Uma vez que o ingresso no domicílio do paciente foi medida legítima, não há nulidade na apreensão de entorpecentes, de modo que não há se falar em trancamento da ação penal por ausência de justa causa (prova da materialidade e indícios suficientes de autoria).
- A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico, e a medida deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art.
93, inciso IX, da CF) que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312, do Código de Processo Penal.
- Embora o decreto mencione que o paciente é reincidente, dado indicativo de aparente reiteração, somente isso não é suficiente para justificar a prisão. A propósito, cumpre lembrar que "[...] a reincidência, por si só, não é fundamento válido para justificar a segregação cautelar." (PExt no HC 270.158/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 3/2/2015, DJe 23/2/2015).
- No caso, o fato imputado não se reveste de maior gravidade:
apreensão de 39 porções de maconha pesando 53 g e outra pesando 1,2 g, quantidade que não autoriza o total cerceamento da liberdade do paciente. Em outras palavras, a conduta imputada não revela qualquer excepcionalidade que justifique a medida extrema.
- Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para revogar a prisão preventiva do paciente mediante a aplicação de medidas cautelares previstas no art. 319, do CPP, a serem estabelecidas pelo Juiz de primeiro grau, salvo se por outro motivo estiver preso.
(HC 651.015/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 14/05/2021.)(grifei)
Ademais, alterar a compreensão das instâncias ordinárias sobre a dinâmica dos fatos atinentes ao ingresso dos policiais no imóvel do paciente demandaria o reexame de matéria fática, o que é inviável na via estreita do habeas corpus, como entende esta Corte. Confiram-se:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE
DROGAS. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. DENÚNCIA ANÔNIMA E OBSERVAÇÃO EXTERNA. FUNDADA SUSPEITA. JUSTA CAUSA PARA BUSCA DOMICILIAR. FLAGRANTE DELITO. AUTORIZAÇÃO DE INGRESSO PELO RESPONSÁVEL DO
DOMICÍLIO. LEGALIDADE DA PROVA. REANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. I. CASO EM EXAME
1. Agravo em recurso especial interposto contra acórdão que reconheceu a validade de prova obtida mediante busca domiciliar, no contexto de flagrante delito por tráfico de drogas. A defesa alega violação ao art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, apontando ilicitude da prova em razão de invasão de domicílio sem mandado judicial. Argumenta, ainda, pela desnecessidade da medida diante da ausência de flagrante delito. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) a legitimidade da entrada em domicílio sem mandado judicial, à luz do art. 5º, inciso XI, da CF/88, em razão de fundada suspeita de tráfico de drogas e flagrante delito; (ii) a possibilidade de reexame de matéria fática pelo Superior Tribunal de Justiça para revisão da decisão de origem. III. RAZÕES DE DECIDIR
3. O ingresso de policiais em domicílio, sem mandado judicial, é permitido em situações de flagrante delito, conforme estabelece o art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal. A atuação policial se fundamentou em denúncias anônimas e na observação de movimentação suspeita de usuários de drogas na residência, configurando justa causa para a abordagem e posterior busca domiciliar.
4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que a observação de movimentação típica de tráfico de drogas em flagrante delito justifica a entrada em domicílio, mesmo sem autorização judicial, desde que existam elementos prévios que indiquem a prática ilícita.
5. No caso concreto, a busca domiciliar foi precedida de abordagem pessoal, na qual foram apreendidas drogas e uma arma de fogo com numeração suprimida, reforçando a caracterização de flagrante delito.
6. Além disso, constou do acórdão que o genitor do acusado autorizou a entrada dos policiais na residência, o que também corrobora a legalidade da busca.
7. A pretensão de rediscutir os fatos e provas para questionar a legalidade da diligência policial encontra óbice na Súmula 7 do STJ, que veda o reexame de matéria fático-probatória em sede de recurso especial.
IV. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. (AREsp 2218067 / RS, rel. Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, DJEN 04/12/2024.)(grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. CRIME TIPIFICADO NO ART. 217-A, §1º, DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. REVISÃO CRIMINAL INDEFERIDA NA ORIGEM.
ALEGADA NULIDADE POR VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. NÃO OCORRÊNCIA. PRESENÇA DE FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO POLICIAL NO IMÓVEL. REEXAME DA MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. PROVIDÊNCIA INIVÁVEL NA VIA ELEITA. PROVAS INDEPENTENTES ACERCA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 280 da sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE n. 603.616/RO, decidiu que, para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial, faz-se necessária a presença da caracterização de justa causa, consubstanciada em fundadas razões as quais indiquem a situação de flagrante delito.
2. Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
3. Na hipótese, diante do quadro fático narrado pelas instâncias ordinárias, constata-se a existência de fundadas razões a autorizar o ingresso na residência do paciente, que indicavam estar ocorrendo, no interior do imóvel, situação de flagrante delito, inexistindo mácula alguma na ação dos policiais, os quais foram acionados, pouco tempo após os fatos, para prestar atendimento ao hediondo crime de estupro de vulnerável em situação de flagrante delito, sendo certo que a prisão do réu, com a lavratura APF, apenas não foi efetivada no mesmo dia, visto que, ao chegarem no imóvel, os agentes estatais verificaram, antes de adentrarem no local, que ele havia empreendido fuga e, portanto, não estava na casa onde a vítima foi violentada sexualmente, após a ingestão involuntária de medicamento sedativo contido na bebida oferecida pelo réu.
4. Ademais, conforme pacífica jurisprudência desta Corte Superior, não é possível afastar as premissas fáticas delineadas pelas instâncias ordinárias, pois tal providência demandaria aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, o que não se mostra possível no âmbito estreito do habeas corpus.
5. Ainda que assim não fosse, eventual reconhecimento da ilicitude das provas colhidas dentro do domicílio do paciente não tem o condão de macular todo o processo (já transitado em julgado e mantido em sede de revisão criminal), a fim de que o paciente seja absolvido do crime de estupro de vulnerável, porquanto há provas independentes daquelas relacionadas à entrada dos policiais na sua residência.
6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC 945455 / SP, rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 06/11/2024.)(grifei)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM MANDADO. FUNDADAS RAZÕES COMPROVADAS. CORRÉU FORAGIDO DO SISTEMA PRISIONAL. FUGA PARA O INTERIOR DA RESIDÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83 DO STJ.
IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. I. CASO EM EXAME
1. Agravo em recurso especial interposto contra decisão que inadmitiu recurso especial da agravante, que alegava nulidade processual, em razão de suposta violação de domicílio e pleiteava a exclusão das provas obtidas durante a busca domiciliar realizada sem mandado judicial. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões centrais em discussão: (i) determinar se o ingresso em domicílio sem mandado judicial foi justificado por fundadas razões, capazes de mitigar o princípio da inviolabilidade de domicílio; e (ii) verificar se as provas obtidas devem ser consideradas ilícitas em razão da alegada violação. III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Agravo conhecido por atender aos requisitos de admissibilidade, como tempestividade e impugnação dos fundamentos da decisão recorrida.
4. A alegação de violação de domicílio não procede, uma vez que a busca domiciliar foi justificada por fundadas razões, conforme a jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. O ingresso realizado pelos policiais no interior do imóvel foi precedido de fuga do corréu, que se encontrava foragido do sistema prisional, para o interior da casa, situações fáticas suficientes para legitimar o ingresso dos policiais no domicílio.
5. A entrada forçada em domicílio sem mandado é lícita quando amparada em fundadas razões, posteriormente comprovadas, que indiquem flagrante delito, nos termos do entendimento consolidado no RE n. 603.616/RO, julgado pelo STF, em regime de repercussão geral.
6. As circunstâncias do caso - comportamento suspeito do agravante ao avistar a polícia e a fuga do corréu foragido para o interior da casa - configuram justa causa para a busca domiciliar sem prévia expedição de mandado, sendo desnecessária a autorização judicial, conforme jurisprudência pacificada no STJ.
7. A análise do acervo fático-probatório indica que as fundadas razões para o ingresso no domicílio foram devidamente comprovadas, afastando a ilicitude das provas obtidas durante a diligência policial.
8. A pretensão de reexaminar o acervo fático-probatório para questionar as justificativas da busca domiciliar encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ, que impede a rediscussão de matéria de prova na via de recurso especial.
IV. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. (AREsp 2297941 / RS, rel. Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, DJEN 03/12/2024.)(grifei)
Em relação ao questionamento de que haveria nulidade no feito, pela fundamentação per relationem no acórdão da apelação, o Tribunal de origem rechaçou referido argumento, como se verifica abaixo:
“Por outro lado, conheço do pedido relacionado à alegada nulidade no acórdão, com suporte no art. 626 do CPP, verbis:
Art. 626. Julgando procedente a revisão, o tribunal poderá alterar a classificação da infração, absolver o réu, modificar a pena ou anular o processo.
Neste ponto, porém, não vislumbro hipótese passível de anulação do acórdão. Isso porque, a fundamentação per relationem é admitida pelos Tribunais Superiores, sem ressalvas de acréscimo de fundamentação própria, como demonstra julgado do STJ que ora colaciono:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO COM FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. TÉCNICA DE JULGAMENTO ADMITIDA PELO STJ À ÉPOCA. ANTERIOR HABEAS CORPUS CONCEDIDO, PARA NOVA DOSIMETRIA - HC 254232. SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL.1. Conforme destacado na decisão impugnada, quando do julgamento HC 254.232/RJ, a ordem foi concedida de ofício para determinar que, diante do trânsito em julgado da condenação, o magistrado das execuções procedesse à nova dosimetria penal, considerando, para tanto, os referenciais dispostos no art. 8º da Lei 8.072/1990.2. O presente habeas corpus apresenta-se como sucedâneo de revisão criminal, pois não há neste Tribunal nenhum julgamento de mérito passível de revisão em relação à condenação sofrida pelo recorrente, tornando o STJ incompetente para o julgamento do feito.3. Por fim, à época da condenação prevalecia o entendimento de que "Não há nulidade no acórdão de apelação que, apesar de sucinto, apresenta fundamentação suficiente para dar provimento ao apelo da acusação, aderindo aos fundamentos da sentença condenatória ou do parecer ministerial, que, devidamente motivados, examinam todas as teses apresentadas. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal" (HC n. 270.521/MT, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 3/12/2013, D Je de 19/12/2013).4. Agravo regimental improvido.(AgRg no HC n. 743.830/RJ, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª REGIÃO), Sexta Turma, julgado em 6/12/2022, D Je de 15/12/2022.)
Também o STF:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. INTEMPESTIVIDADE. PRAZO PROCESSUAL PENAL. CONTAGEM. RECESSO E FÉRIAS FORENSE. INTELIGÊNCIA DO ART. 798 C/C ART. 798-A DO CPP. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DE MEDIDA CAUTELAR DE AFASTAMENTO DO SIGILO BANCÁRIO. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE. DETERMINAÇÃO DE CERTIFICAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. I - CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto em face de decisão que negou seguimento ao habeas corpus em razão da inexistência de ilegalidade a ser sanada neste writ. II – QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se o agravo regimental foi interposto tempestivamente e verificar, se superada a questão da tempestividade, haveria nulidade flagrante a ensejar a concessão da ordem. III - RAZÕES DE DECIDIR 3. É intempestivo o agravo, em matéria criminal, interposto após o prazo de 05 (cinco) dias corridos. 4. A contagem dos prazos no processo penal está prevista em regra específica e se dá de forma contínua e peremptória, nos termos do art. 798 do CPP. Precedentes. 5. A retomada do prazo processual penal, após a suspensão compreendida entre 20 de dezembro e 20 de janeiro (art. 798-A do CPP), se dá de forma contínua, nos termos da regra geral prevista no art. 798 do Código de Processo Penal. 6. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite a chamada motivação per relationem como técnica de fundamentação das decisões judiciais. Precedentes. 7. Não configura ofensa ao disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal a decisão que, ao deferir afastamento de sigilo bancário e fiscal, de forma expressa, se reporta à representação do Ministério Público, que apontou a necessidade da diligência para a investigação. 8. Ausência de configuração de excesso quanto à amplitude do lapso temporal em que incidiu o afastamento do sigilo bancário, uma vez que coincide com o período em que teriam ocorrido os fatos supostamente delituosos descritos na manifestação do Ministério Público Federal e que embasaram a subsequente denúncia. IV - DISPOSITIVO 9. Agravo regimental não conhecido. Determinação de certificação do trânsito em julgado.(HC 233258 AgR, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 03-03-2025, PROCESSO ELETRÔNICO D Je-s/n DIVULG 12-03-2025 PUBLIC 13-03-2025)
[...]
Para além disso, o Relator da apelação consignou que coadunava integralmente com os argumentos expendidos pelo Procurador de Justiça, bem como analisou com seus próprios fundamentos o restante da prova dos autos, de modo que, ainda que de forma sucinta, expôs seus motivos.
Não se olvida também que, em se tratando de nulidade relativa, ausente oportuno protesto e demonstração de prejuízo, não se declara nulidade - pas de nullité sans grief -.
Inexiste, portanto, a alegada nulidade, motivo por que é improcedente a demanda no aspecto.” (fls. 29/31)
Como se nota, inexiste nulidade a ser reconhecida, haja vista que a pertinência da fundamentação per relationem, não sendo demais destacar que a remissão feita no voto traz todos os elementos atinentes ao caso concreto para fundamentar a decisão prolatada. Como se vê, inexiste nulidade, tendo havido no voto conhecimento de todo o conteúdo da preliminar suscitada e seu afastamento. Note-se o entendimento desta Corte:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. PRISÃO PREVENTIVA. NULIDADE DA DECISÃO MONOCRÁTICA AFASTADA. REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA PRESENTES. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME
1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que indeferiu liminarmente habeas corpus impetrado em favor de réu preso preventivamente. A parte agravante alega nulidade da decisão por suposta ausência de fundamentação própria, sob o argumento de que o indeferimento liminar teria se limitado a reproduzir trechos do decreto de prisão preventiva, sem enfrentar os argumentos da defesa quanto à ausência de contemporaneidade dos fatos, à fragilidade das provas e à possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a decisão monocrática que indeferiu liminarmente o habeas corpus incorreu em nulidade por adotar fundamentação per relationem; (ii) estabelecer se estão presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva do paciente, inclusive sob a ótica da contemporaneidade dos fundamentos e da adequação de medidas cautelares diversas. III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores admite a validade de decisões que se utilizam de fundamentação per relationem, desde que haja referência expressa a elementos constantes dos autos, adotados como razões de decidir.
4. A decisão agravada apresentou fundamentação idônea, destacando os elementos concretos que justificaram, na origem, a prisão preventiva, como o risco de reiteração delitiva, a gravidade dos fatos apurados, e a atuação do paciente para ocultar bens e influenciar depoimentos de testemunhas e codenunciados.
5. A contemporaneidade dos fundamentos da prisão preventiva não se limita à data dos fatos delitivos, devendo considerar a persistência do risco atual à ordem pública e à aplicação da lei penal, o que foi demonstrado na hipótese.
6. A gravidade concreta da conduta atribuída ao paciente, aliada ao histórico de antecedentes e ao descumprimento de decisão judicial, evidencia a insuficiência de medidas cautelares diversas da prisão. IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: "1. É válida a decisão que indefere liminarmente habeas corpus com fundamentação per relationem, desde que referencie expressamente elementos dos autos adotados como razão de decidir. 2. A prisão preventiva pode ser mantida quando presentes elementos concretos que indiquem risco atual à ordem pública, à instrução criminal e à aplicação da lei penal. 3. A contemporaneidade da prisão preventiva deve ser aferida com base na atualidade dos riscos processuais, e não apenas na data dos fatos investigados." (AgRg no HC 997862 / RO, rel. Ministro Carlos Cini Marchionatti, Quinta Turma, DJEN 18/06/2025.)(grifei)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. MANIFESTAÇÃO PROCESSUAL REFERENCIADA, FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE E ACESSÍVEL ÀS PARTES. VALIDADE. AGRAVO PROVIDO.
I. Caso em exame1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que concedeu habeas corpus, reconhecendo a ilicitude das provas obtidas em busca e apreensão domiciliar, alegadamente sem fundamentação adequada.
2. A decisão de primeiro grau utilizou fundamentação per relationem, referindo-se à representação da autoridade policial que indicava suspeitas de tráfico de drogas.
3. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo denegou a ordem no habeas corpus originário, reconhecendo a validade da fundamentação per relationem.
II. Questão em discussão4. A questão em discussão consiste em saber se a fundamentação per relationem na decisão de busca e apreensão é válida e suficiente para justificar a medida cautelar.
III. Razões de decidir5. A fundamentação per relationem é válida, desde que a manifestação processual referenciada contenha fundamentação suficiente e seja acessível às partes.
6. No requerimento de busca e apreensão, a autoridade policial apresentou elementos fáticos claros e consistentes, demonstrando a necessidade da medida para a investigação.
7. A técnica de fundamentação adotada foi compatível com os parâmetros jurisprudenciais estabelecidos pelo STJ.
IV. Dispositivo e tese8. Agravo regimental provido para denegar a ordem de habeas corpus, mantendo válidas as provas obtidas na busca e apreensão.
Tese de julgamento: "A fundamentação per relationem é válida quando a manifestação processual referenciada contém fundamentação suficiente e acessível às partes".
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 93, IX.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AgRg no HC 892.219/PR, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 26/8/2024; STJ, AgRg no HC 904.653/SP, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 11/6/2024. (AgRg no HC 876612 / SP, rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 11/11/2024.)(grifei)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. OBEDIÊNCIA À LEI N. 9.296/1996. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I. Caso em exame1. Agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento a recurso especial, mantendo a validade de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente em investigação de corrupção e exploração de jogos de azar. A parte recorrente alega falta de fundamentação idônea nas decisões que autorizaram e prorrogaram as interceptações.
II. Questão em discussão2. A questão em discussão consiste em verificar a validade das interceptações telefônicas e suas prorrogações, considerando a fundamentação das decisões judiciais e a demonstração da imprescindibilidade da medida.
III. Razões de decidir3. As decisões que autorizaram as interceptações telefônicas foram consideradas suficientemente fundamentadas, atendendo aos requisitos previstos na Lei n. Lei n. 9.296/96.
4. A prorrogação das interceptações foi justificada pela complexidade das investigações e pela necessidade de continuidade da medida. A jurisprudência do STJ permite a fundamentação per relationem, utilizada adequadamente no caso em questão.
IV. Dispositivo e tese7. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: "1. A validade das interceptações telefônicas depende de fundamentação idônea e demonstração da imprescindibilidade da medida. 2. Prorrogações sucessivas são permitidas em investigações complexas, desde que justificadas. 3. A fundamentação per relationem é válida quando referenciada a decisões anteriores fundamentadas".
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XII; CF/1988, art. 93, IX; Lei 9.296/1996, art. 2º; Lei 9.296/1996, art. 5º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no RHC 119.429/MS, Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 18/2/2020; STJ, RHC 179.211/MG, Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 12/9/2023; STJ, AgRg no REsp 1.946.048/MG, Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 5/9/2023. (AgRg no AREsp 2512284 / SP, rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, DJe 18/10/2024.)(grifei)
Por fim, em relação à dosimetria, não há reparos a fazer quanto ao grau de elevação da pena base do paciente, haja vista que a exasperação foi fixada de acordo com os princípios da discricionariedade regrada e do livre convencimento motivado, tendo sido considerada para a culpabilidade a expressiva quantidade de artefatos apreendidos em local conhecido como de prática de tráfico de drogas. Confiram-se trechos do acórdão:
"Com relação à dosimetria da pena, a revisão igualmente não comporta conhecimento, pois já foi explicitamente enfrentada a questão no acórdão. A negativação do vetor culpabilidade resultou de provimento de recurso do Ministério Público em Segundo Grau, nos seguintes termos:
"[...] 3. Quanto ao recurso ministerial. Da pena carcerária Quanto à fixação da pena corporal, analisando os vetores do artigo 59, do Código Penal, verifico desfavorece o réu a culpabilidade. Quanto à análise da culpabilidade, ensina Cezar Roberto Bitencourt, na mesma obra, que“impõe-se que se examine a maior ou menor censurabilidade do comportamento do agente, a maior ou menor reprovabilidade do comportamento praticado, não se esquecendo, porém, a realidade concreta em que ocorreu, especialmente a maior ou menor exigibilidade de outra conduta”. David foi flagrado em sua residência com expressiva quantidade de artefatos, em local conhecido como ponto ilegal de comércio de drogas e armas de fogo, o que evidencia maior censurabilidade da conduta. Portanto, considerando dita vetorial negativa, aumento em 3 meses a pena-base, que vai definitizada, com o acréscimo de 06 meses pela reincidência, em 03 anos e 09 meses de reclusão. Na mesma linha, a pena de multa vai estabelecida em 20 dias-multa, a razão de 1/30 do salário mínimo vigente na data do crime cada dia-multa. [...]." Como visto, trata-se de discussão já enfrentada por ocasião do julgamento de mérito. Na oportunidade, entendeu o juízo colegiado de segundo grau que a culpabilidade do réu era acentuada, pelos motivos ali expostos e esgotados.” (fls. 28/29)
Inexiste, portanto, cabal demonstração de ilegalidade ou desproporcionalidade, razão pela qual deve ser prestigiada a interpretação do Tribunal de origem. A decisão impugnada está inserida na margem de liberdade interpretativa inerente ao exercício da jurisdição. Sem razão a defesa quanto ao ponto. Precedente:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PENA-BASE.
QUANTIDADE E NATUREZA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência dominante nesta Corte Superior é firme no sentido de que não há critério matemático balizador de aumento da pena-base por cada circunstância judicial considerada negativa, e sim um controle de legalidade para averiguar se houve fundamentação concreta para o incremento.
2. No caso, encontra-se justificado o aumento em 1/6 da pena-base, não se constatando ilegalidade na dosimetria então fixada, tendo em vista a quantidade/natureza das drogas apreendidas - 69g de crack e 5g de cocaína -, em observância ao disposto no art. 42 da Lei n. 11.343/2006, o qual prevê a preponderância de tais circunstâncias em relação às demais previstas no art. 59, do CP.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC n. 911.614/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/4/2025, DJEN de 14/4/2025.)
Como se observa, escorreita a dosimetria da pena pelas instâncias ordinárias em toda sua extensão, não sendo demais salientar que, alterar o entendimento do acórdão impugnado quanto à dosimetria da pena do paciente, demandaria reexame de provas, o que é incompatível com a via estreita do habeas corpus. Vejamos:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INVIABILIDADE. LATROCÍNIO. ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
I. Caso em exame1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus, sob o fundamento de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto, salvo em caso de flagrante ilegalidade.
2. O acusado confessou extrajudicialmente a prática de latrocínio, mas negou em juízo. A prova testemunhal e indiciária foi considerada robusta pelas instâncias ordinárias, que concluíram pela autoria e materialidade do crime.
3. A decisão monocrática não conheceu do habeas corpus, e o agravo regimental busca a reforma dessa decisão, alegando ausência de provas para a condenação.
II. Questão em discussão4. A questão em discussão consiste em saber se é possível o conhecimento do habeas corpus substitutivo de recurso próprio, diante da alegação de ausência de provas para a condenação.
5. A questão também envolve a análise da suficiência das provas testemunhais e indiciárias para a condenação do acusado pelo crime de latrocínio.
III. Razões de decidir 6. O habeas corpus não é a via adequada para reexame de provas, sendo inviável sua utilização para discutir a suficiência do conjunto probatório que embasou a condenação.
7. As instâncias ordinárias valoraram adequadamente o acervo probatório, incluindo a confissão extrajudicial e as provas testemunhais, para concluir pela autoria e materialidade do crime de latrocínio.
8. Não se constatou flagrante ilegalidade que justificasse a concessão do habeas corpus de ofício.
IV. Dispositivo e tese9. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: "1. O habeas corpus não é substitutivo de recurso próprio e não se presta para reexame de provas. 2. A confissão extrajudicial e a prova testemunhal são suficientes para embasar a condenação, desde que devidamente valoradas pelas instâncias ordinárias".
Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 647; CPP, art. 648.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no REsp 1804625/RO, Relª.
Minª. Laurita Vaz, DJe 05/06/2019; STJ, HC 502.868/MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 20/05/2019.
(AgRg no HC n. 951.977/ES, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10/12/2024, DJe de 17/12/2024.)(grifei)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. FURTO QUALIFICADO. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. USO DE CHAVE FALSA. AUSÊNCIA DE PERÍCIA. ORDEM NÃO CONHECIDA.
I. Caso em exame 1. Habeas corpus substitutivo de recurso próprio impetrado contra decisão que manteve a qualificadora de furto mediante uso de chave falsa, sem realização de perícia no local do crime.
2. A defesa alega a desclassificação para furto simples e a revogação da prisão preventiva, argumentando que a ausência de perícia inviabiliza a qualificadora.
II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se a ausência de perícia no local do crime impede a manutenção da qualificadora de furto mediante uso de chave falsa.
4. A questão também envolve a análise da possibilidade de concessão de habeas corpus em substituição a recurso próprio, em casos de flagrante ilegalidade.
III. Razões de decidir 5. O habeas corpus não é a via adequada para reexame de provas ou desclassificação de condutas, sendo necessário procedimento probatório aprofundado.
6. A jurisprudência admite a qualificadora de furto mediante uso de chave falsa com base em outros meios de prova, dispensando a perícia quando não há vestígios no local.
7. Não se verifica flagrante ilegalidade que justifique a concessão de habeas corpus de ofício.
IV. Dispositivo 8. Habeas corpus não conhecido.
(HC n. 931.858/RJ, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 10/12/2024, DJe de 17/12/2024.)(grifei)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E POSSE ILEGAL DE MUNIÇÕES. NÃO CABIMENTO DO HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO PRÓPRIO OU REVISÃO CRIMINAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO PESSOAL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM NÃO CONHECIDA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado com o objetivo de desclassificar a conduta do paciente de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/06) para uso pessoal (art. 28 da Lei nº 11.343/06), bem como de afastar a condenação pela posse ilegal de munições (art. 12 da Lei nº 10.826/03). A defesa sustenta que a droga apreendida destinava-se exclusivamente para consumo pessoal e que a munição encontrada não se enquadra no delito de posse ilegal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é possível o conhecimento do habeas corpus como substitutivo de recurso próprio para revisar o acórdão condenatório; e (ii) estabelecer se a desclassificação do crime de tráfico para uso pessoal poderia ser acolhida sem revolvimento fático-probatório. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O habeas corp us não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio ou de revisão criminal, ex ceto em casos de flagrante ilegalidade ou abuso de poder que gerem constrangimento ilegal.
4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal estabelece que a reavaliação de provas para fins de desclassificação de crimes exige amplo revolvimento fático-probatório, procedimento inviável na via estreita do habeas corpus.
5. As instâncias ordinárias analisaram as provas coligidas e concluíram que a quantidade de droga apreendida (112,08g de maconha), juntamente com a balança de precisão encontrada, além de munições, indicam o tráfico de entorpecentes, afastando a possibilidade de desclassificação para uso pessoal.
IV. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO (HC n. 866.719/DF, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 12/11/2024, DJe de 19/11/2024.)
Ausente, portanto, qualquer constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem, de ofício.
Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. Joao Leonello Pavin (Agravante) e outros x 4. Ministério Público Do Estado De Santa Catarina (Agravado)
ID: 339718158
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0000606-10.2016.8.24.0071
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Advogados:
NOEL ANTONIO BARATIERI
OAB/SC XXXXXX
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RICARDO ANGELO PAVIN
OAB/SC XXXXXX
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IRIO BETTONI GROLLI
OAB/SC XXXXXX
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AREsp 2543245/SC (2023/0459296-3)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
AGRAVANTE
:
JOAO LEONELLO PAVIN
AGRAVANTE
:
HILARIO HENRIQUE GOLDBECK
ADVOGADOS
:
IRIO BET…
AREsp 2543245/SC (2023/0459296-3)
RELATOR
:
MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
AGRAVANTE
:
JOAO LEONELLO PAVIN
AGRAVANTE
:
HILARIO HENRIQUE GOLDBECK
ADVOGADOS
:
IRIO BETTONI GROLLI - SC018656
RICARDO ANGELO PAVIN - SC025261
AGRAVANTE
:
JANERSON JOSE DELFES FURTADO
ADVOGADO
:
NOEL ANTONIO BARATIERI - SC016462
AGRAVADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
DECISÃO
Trata-se de agravos interpostos por JOÃO LEONELLO PAVIN, HILÁRIO HENRIQUE GOLDBECK (fls. 5199-5206) e JANERSON JOSÉ DELFES FURTADO (fls. 5493-5503) contra decisões do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA (fls. 5159-5160, 5163-5168 e 5171-5176), que inadmitiram os respectivos recursos especiais. As decisões foram fundamentadas: (i) na aplicação do princípio da unirrecorribilidade, diante da interposição de dois recursos especiais pelo agravante Janerson; (ii) nas Súmulas 7 e 83 do Superior Tribunal de Justiça; (iii) nas Súmulas 282, 284 e 356 do Supremo Tribunal Federal; e (iv) na prejudicialidade do alegado dissenso pretoriano, que, ademais, não observou os requisitos legais e regimentais exigidos para a demonstração da divergência jurisprudencial nos recursos especiais interpostos por João e Hilário.
Consta dos autos que os agravantes foram condenados pelo juízo de primeiro grau como incursos nos arts. 90 da Lei n. 8666/1993, 333 e 317, ambos do CP, em concurso material, na forma do art. 69 do CP, às penas de 2 anos, 2 meses e 20 dias de detenção e 2 anos e 8 meses de reclusão, em regime aberto, além de 13 dias-multa e multa de 2% do valor do contrato, quanto aos acusados João Leonello e Hilário Henrique; e 3 anos, 1 mês e 10 dias de detenção e 3 anos e 4 meses de reclusão, em regime aberto, além de 16 dias-multa e 2% do valor do contrato do contrato, quanto ao acusado Janderson (fls. 2492-2534).
Opostos embargos de declaração pelas defesas, foram rejeitados (fls. 3089-3093 e 5107-5109)
As partes interpuseram apelações perante o Tribunal de origem, que negou provimento aos recursos defensivos, por unanimidade, e da acusação, por maioria, vencido o relator, em acórdão assim ementado (fl. 2960):
APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME PREVISTO NA LEI PARA LICITAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 90 DA LEI N. 8.666/1993), ALÉM DE CORRUÇÃO ATIVA E PASSIVA (ARTS. 333 E 317 DO CÓDIGO PENAL). RECURSOS DOS RÉUS E DA ACUSAÇÃO. APELOS DEFENSIVOS. PEDIDO ABSOLUTÓRIO FORMULADO POR JANERSON. NEGATIVA DE AUTORIA E INSUFICIÊNCIA DE PROVAS A RESPEITO DOS FATOS QUE LHE FORAM IMPUTADOS. TESES DEFENSIVAS AFASTADAS. CADERNO PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA COMPROVAR AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS. DECLARAÇÃO DE COLABORADOR PREMIADO, QUE OUVIDO EM JUÍZO DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL RATIFICOU OS TERMOS DA COLABORAÇÃO PREMIADA E APONTOU O RÉU COMO AUTOR DOS DELITOS. DIRECIONAMENTO DE LICITAÇÃO E OPORTUNO RECEBIMENTO DE PAGAMENTO (PROPINA) AMPLAMENTE DEMONSTRADOS. OPERAÇÃO ENVOLVENDO VÁRIOS MUNICÍPIOS EM FRAUDE À LICITAÇÃO E PAGAMENTO DE VERBA ESPÚRIA A AGENTES PÚBLICOS ("OPERAÇÃO PATROLA"). RÉU QUE FIGURAVA COMO PREFEITO DO MUNICÍPIO DE CERRO NEGRO. COMPRA DE MÁQUINA SUPERFATURA MEDIANTE DIRECIONAMENTO DE LICITAÇÃO PARA A EMPRESA PAVIMÁQUINAS. CONDENAÇÃO AMPARADA EM PROVA JUDICIALIZADA E IDÔNEA. ÔNUS DA ACUSAÇÃO DEVIDAMENTE SATISFEITO. ÉDITO CONDENATÓRIO MANTIDO INCÓLUME. INSURGÊNCIA INTERPOSTA PELOS RÉUS JOÃO E HILÁRIO, QUE FORMALIZARAM ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 387, INC. IV, DO CPP. CLÁUSULA DE PAGAMENTO DE MULTA A TÍTULO DE REPARAÇÃO CIVIL INCLUÍDA NO ACORDO DE COLABORAÇÃO. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. PEDIDO EXPRESSO NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. COLABORAÇÃO QUE TRATA DE VALOR MÍNIMO DE INDENIZAÇÃO CIVIL E NÃO IMPEDE A FIXAÇÃO NO TÍTULO JUDICIAL A TÍTULO DE COMPLEMENTAÇÃO. REJEIÇÃO. DECOTE DA MULTA EM 2% DO VALOR DO CONTRATO LICITADO. PREVISÃO NO PRECEITO SECUNDÁRIO (ART. 90 DA LEI N. 8.666/1993). MULTA EX VI LEGIS. CARÁTER IMPOSITIVO, SEM A POSSIBILIDADE DE AFASTAMENTO PELA AUTORIDADE JUDICIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA NÃO DETECTADO NESSE PONTO. APLICAÇÃO DO PERDÃO JUDICIAL. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ACORDO DE COLABORAÇÃO. COLABORADORES QUE CONCORDARAM COM A PENA PREVIAMENTE ESTABELECIDA, EM 10 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME ABERTO. SUSPENSÃO DAS DEMAIS AÇÕES PENAIS, POR JÁ TEREM SUPERADO A PENA ACORDADA EM TERMO DE COLABORAÇÃO. TESE NÃO ACOLHIDA. EXIGÊNCIA DO TRÂNSITO EM JULGADO DAS CONDENAÇÕES. EVENTO AINDA NÃO VERIFICADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PLEITO OBJETIVANDO A CONDENAÇÃO DE CLÁUDIO PELO CRIME DE FRAUDE À LICITAÇÃO. INVIABILIDADE. INSUFICIÊNCIA DE PROVA NO SENTIDO DE QUE O ACUSADO CONCORREU PARA O CRIME. ABSOLVIÇÃO MANTIDA POR SEUS FUNDAMENTOS. DOSIMETRIA DA PENA. PEDIDO DE SOMA DAS PENAS DE RECLUSÃO E DETENÇÃO PARA FIXAÇÃO DE REGIME MAIS GRAVOSO AO RÉU JANERSON. POSSIBILIDADE. PENAS DE RECLUSÃO E DETENÇÃO QUE DEVEM SER SOMADAS NA FORMA DO ART. 111 DA LEP. REPRIMENDAS QUE SÃO MODALIDADES DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. QUANTUM DA PENA QUE EXIGE O CUMPRIMENTO EM REGIME SEMIABERTO. DECISÃO REFORMADA. RECURSOS DOS RÉUS DESPROVIDOS E APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARCIALMENTE PROVIDO.
Opostos embargos de declaração pela defesa de Janerson, foram rejeitados (fls. 3098-3093).
No recurso especial interposto pela defesa de Hilário e João, às fls. 3110-3164, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, além de divergência jurisprudencial, sustenta-se violação dos arts. 99 da Lei n. 8666/1993, ao argumento de que o valor fixado a título multa é diverso daquele observado pelos Tribunais, colacionando como paradigma o acórdão prolatado no Recurso extraordinário com Agravo n. 839.766/BA, além de colacionar diversas outras ementas que supostamente militam em favor da tese defensiva.
Prossegue nas razões do especial aduzindo a carência de fundamentação insuficiente da sentença ao fixar o valor mínimo para reparação de danos.
Sustenta que, por força do acordo de colaboração premiada firmado pelos acusados, deveria haver a suspensão de outras ações penais em curso contra os recorrentes João e Hilário, conforme previsão do art. 5º, inc. I, do Termo de colaboração premiada, apontando como paradigma o acórdão prolatado no HC n. 127.483/PR, julgado pelo STF.
Alega a violação ao art. 4º, incisos I, II, III, IV, V, e §§ 1º e 2º, da Lei n. 12.850/2013, afirmando que o acórdão recorrido carece de fundamentação idônea para não deferir o perdão judicial, uma vez que "[o]s recorrentes através suas colaborações premiadas permitiram que órgão acusador alcançassem a investigação de outras empresas e agentes públicos por serem os primeiros no ramo de venda máquinas pesadas (proprietários da empesa) a prestar esclarecimentos de forma efetiva e judicial em 95% (noventa cinco) por cento dos processos" (fls. 3157-3158).
Sustentam fazerem jus à concessão do indulto previsto no Decreto n. 11.302/2022, em relação à condenação pelo delito previsto no art. 90 da Lei n. 8666/1993, pugnando, de forma subsidiária, pela revisão da dosimetria da pena aplicada.
Por fim, pugnam pelo provimento do recurso especial, para que (fls. 3163-3164):
a) reforme o r. acórdão isentando os recorrentes do pagamento de 2% (dois por cento) da multa penal sobre o valor do contrato em razão da divergência de julgados de outros tribunais, e do próprio Supremo Tribunal Federal que isentou a aplicação da multa do Art. 99 da Lei 8.666/93, em casos semelhantes;
b) reforme do r. acórdão pela divergência de julgados de outros tribunais, e do próprio Superior Tribunal de Justiça que isentou a aplicação do pagamento da reparação civil prevista no art. 387, IV Código Processo Penal, em casos semelhantes em razão do cerceamento da defesa e contraditório sem a possibilidade da instrução processual específica para apuração dos valores, infringindo o Art. 5 , LV da Constituição Federal, e também pela previsão no acordo de colaboração premiada dos recorrentes tal pagamento e debate final de valores na Ação Civil Púbica respectiva, não se tornando um confisco BIS IN IDEN;
c) reforme do r. acórdão para determinar a suspensão de inquéritos e ações penais em curso (operação patrola II) em desfavor dos colaboradores conforme previsão da Clausula 5º, Inciso I, do Contrato de Colaboração Premiada em razão da divergência de julgados do próprio Supremo Tribunal Federal, que prevê a bonificação de todos os prêmios em caso de efetividade da colaboração, como no caso, dos recorrentes;
d) reconheça o perdão judicial, nos termos do artigo 4º, da Lei n° 12.850/2013 aos Colaboradores João Leonello Pavin e Hilario Henrique Goldbeck, em razão da efetividade da abrangência referente operação patrola, extinguindo a pena em conformidade ao Art. 107, inciso IX do Código Penal16.
e) que seja concedido o indulto com base no decreto lei 11. 302/2022, art. 5º e extinta punibilidade do art. 90 da Lei n. 8.666/93, dos recorrentes.
f) requer a reforma do acordão em razão da similitude fático-processual, é de rigor a extensão dos efeitos da decisão que beneficiou os embargantes daquele processo 0000611.32.2016.8.24.0071, conforme expresso no art. 580 do Código de Processo Penal, considerando o art.59, caput, do Código Penal aumento a reprimenda em 1/6 na pena base e depois a diminuição em razão da confissão, aplicando-se a pena de 2 anos (art. 90 da lei 8666/93/337-F) ao crime de licitação e 2 anos ao crime de corrupção (art. 333 CP);
Por sua vez, no recurso especial interposto pela defesa de Janderson (fls. 5027-5041), com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, alega-se que o Tribunal de origem teria incorrido em negativa de prestação jurisdicional, pois, a despeito da oposição de embargos de declaração, não se manifestou sobre tese relevante que poderia resultar em julgamento diverso, com violação aos arts. 381, inc. III, 564, inc. V, 619 e 654, § 2º, todos do CPP.
Sustenta que o acórdão recorrido teria violado o art. 4º, §§ 11 e 16. inc. II, da Lei n. 12.850/2013, argumentando que "os delatores não possuem provas quanto às acusações feitas contra o recorrente Janerson. São apenas declarações isoladas, sem comprovação. A fundamentação do acórdão também não aponta prova acerca da consumação dos crimes de corrupção e fraude à licitação" (fl. 5035), o que obstaria a prolação de um édito condenatório com base apenas nas declarações dos agentes colaboradores.
Acrescenta, ainda, que o acórdão recorrido violou aos arts. 69 e 76, ambos do CP, ao argumento de que "o acórdão recorrido, embora tenha decidido, por maioria, que as penas de reclusão e detenção não podem ser somadas para fins de estabelecimento do regime inicial de cumprimento de pena, na ementa do acórdão e no voto vencido nesta parte ficou fixado o regime semiaberto de início do cumprimento de pena" (fl. 5030).
Pondera que os "eminentes Desembargadores que prolataram a decisão recorrida, se recusaram a enfrentar questões fundamentais que, se acolhidas, influenciariam o resultado do julgamento do processo. Todas as teses defensivas da recorrente foram afastadas de forma genérica tanto no julgamento da apelação como nos embargos, sem que fossem objeto de pronunciamento específico" (fls. 5039-5040), mormente diante da condenação ter sido lastreada unicamente na palavra dos delatores, configurando negativa de prestação jurisdicional.
Por fim, pugna pelo provimento do recurso especial, para (fl. 5041):
[...]
b) o provimento do recurso, para reformar o acórdão recorrido, absolvendo o recorrente das imputações que lhe foram feitas, uma vez que foram amparadas exclusivamente nas declarações de agentes colaboradores, o que constitui afronta ao art. 4º, §§ 11 e 16, II da Lei Federal n. 12.850, de 2013;
c) na hipótese remota de ser negado o pedido acima, requer, conforme fundamentação já exposta, seja determinada a realização de novo julgamento dos embargos declaratórios, a fim de serem apreciadas e julgadas as teses defensivas apresentadas pelo recorrente;
[...]
No agravo em recurso especial interposto pela defesa de João e Hilário (fls. 5199-5206), a parte sustenta que não há necessidade de reexame probatório, mas sim revaloração dos meios de prova produzidos pela acusação, além de repisar os fundamentos do apelo raro não admitido.
Requer, pois, o provimento do recurso a fim de reformar o acórdão recorrido nos termos da fundamentação deste recurso.
Por sua vez, nas razões do agravo em recurso especial interposto pela defesa de Janderson (fls. 5493-5503), a defesa repisa os argumentos do especial.
Requer, pois, o provimento do recurso a fim de reformar o acórdão recorrido nos termos da fundamentação deste recurso.
A contraminuta foi apresentada pelo Ministério Público do Estado dado o não conhecimento dos agravos ou, se conhecido, pelo seu desprovimento (fls. 5479-5483).
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do agravo em recurso especial, nos termos da seguinte ementa (fl. 5570):
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO E FRAUDE À LICITAÇÃO. SÚMULA 182 DO STJ. NÃO CONHECIMENTO.
É o relatório.
Decido.
Sistematizo esta decisão conforme as respectivas defesas.
I. Agravo de João e Hilário
Os agravantes deixaram de rebater, especificamente, todos os óbices apontados pelo Tribunal para inadmitir o recurso especial, quais sejam, as Súmulas 7 e 83 do STJ; e as Súmulas 282, 284 e 356 do STF, além da prejudicialidade do suposto dissenso pretoriano que, ademais, não atendeu aos comandos legais e regimentais para a demonstração da divergência jurisprudencial.
Como bem observado pelo Ministério Público Federal em sua manifestação, "na espécie, ao interpor o Agravo em Recurso Especial, os Agravantes não impugnaram de forma específica os fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso, em especial os óbices da Súmula n. 83 do STJ, das Súmulas nº 282, nº 284 e nº 356 do STF e do descumprimento dos requisitos previstos no art. 1.029, § 1º, do CPC e no art. 255, § 1º, do RISTJ" (fl. 5571).
Nos termos da jurisprudência deste colendo Superior Tribunal, "para afastar o óbice da Súmula n. 7 do STJ, a parte recorrente deve demonstrar, de forma clara e objetiva, mediante o desenvolvimento de argumentação hábil, a desnecessidade de reexame de fatos e provas para a aferição de violação de dispositivo de lei federal" (AgRg no AREsp n. 1.823.881/PR, relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 20/4/2021, DJe de 26/4/2021).
Nesse sentido:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. SÚMULA 182/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu do agravo em recurso especial, em razão da ausência de impugnação específica dos fundamentos da decisão agravada, notadamente a incidência das Súmulas 7 e 518 do STJ e a não comprovação de dissídio jurisprudencial.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se o agravante apresentou impugnação específica e suficiente para afastar os fundamentos da decisão agravada, especialmente no que tange à incidência das Súmulas 7 e 518 do STJ.
3. Outra questão em discussão é a alegação de violação à Súmula Vinculante 11 do STF, em razão do uso de algemas sem justificativa, e a nulidade da busca veicular por ausência de justa causa e fundada suspeita.
III. Razões de decidir
4. O agravante não apresentou argumentos novos ou específicos capazes de infirmar a decisão agravada, mantendo-se incólumes os fundamentos relativos à incidência das Súmulas 7 e 518 do STJ.
5. A impugnação genérica apresentada pelo agravante não atende ao requisito de dialeticidade recursal, conforme exigido pelo art. 932 do CPC/2015 e pela Súmula 182 do STJ.
6. A ausência de cotejo analítico para demonstrar a similitude fática entre os julgados confrontados inviabiliza a análise do dissídio jurisprudencial alegado.
7. O recurso especial não é via adequada para análise de eventual ofensa a enunciado sumular, conforme a Súmula 518 do STJ.
IV. Dispositivo e tese
8. Agravo regimental improvido.
Tese de julgamento: "1. A impugnação genérica não atende ao requisito de dialeticidade recursal exigido pelo art. 932 do CPC/2015. 2. O recurso especial não é via adequada para análise de eventual ofensa a enunciado sumular, conforme a Súmula 518 do STJ."
Dispositivos relevantes citados: CPC/2015, art. 932; CR/1988, art. 105, III, a.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 1789363/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 02/02/2021; STJ, AgRg no AREsp n. 1.900.135/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 22/2/2022; STJ, AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.996.126/SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Quinta Turma, julgado em 8/3/2022.
(AgRg no AREsp n. 2.814.725/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 20/5/2025, DJEN de 28/5/2025.)
Com efeito, os agravantes não infirmaram, de maneira adequada e suficiente, as razões apresentadas pelo Tribunal de origem para negar trânsito ao recurso especial, não bastando, para tanto, dizer que o que se busca é a revaloração dos meios de prova.
Progredindo nos argumentos utilizados pelos agravantes, tem-se que se limitaram a repisar os mesmos argumentos deduzidos no especial não conhecido sem, contudo, impugnar de forma específica os óbices da decisão negativa de admissibilidade.
Faço constar a fundamentação utilizada pelo Tribunal de origem para inadmitir o recurso (fls. 5171-5176-grifei):
1. Alínea "a' do inciso III do art. 105 da Constituição da República
1.1. Da alegada violação ao art. 4º, I, II, III, IV, V, e §§ 1º e 2º, da Lei n. 12.850/13
Os recorrentes alegam que: "[...] tiveram os pedidos de perdão judicial negados no Juízo monocrático e no Colegiado da Camara do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Os recorrentes através suas colaborações premiadas permitiram que órgão acusador alcançassem a investigação de outras empresas14 e agentes públicos por serem os primeiros no ramo de venda maquinas pesadas (proprietários da empesa) a prestar esclarecimentos de forma efetiva e judicial em 95% (noventa cinco) por cento dos processos. Portanto os recorrentes enquadram-se conforme dispõe o artigo 4, da Lei n° 12.850/2013, não observados pelo juízo monocrático e câmara julgadora, que assim transcrevo" (Evento 86, fl. 49).
Do acórdão infere-se (Evento 48):
[...]
Como se nota, o Colegiado adotou entendimento espelhado no arcabouço-fático probatório dos autos, afirmando que: "a colaboração dos apelantes JOÃO LEONELLO PAVIN e HILARIO HENRIQUE GOLDBECK veio em meio a outras colaborações e apreensões de documentos, em investigação já em andamento. Quer dizer, não partiu dos réus a iniciativa primeira de esclarecer os fatos ilícitos e confessar a prática, embora não se está dizendo que tal acordo de colaboração não foi importante para a interrupção de crimes contra a administração pública e responsabilização de diversos agentes públicos[...] Logo, seja pela ausência de previsão expressa no acordo de colaboração preminada acerca da possibilidade de aplicação do perdão judicial, seja pela adequação e proporcionalidade da pena máxima estabelecida no pacto, que será cumprida em regime aberto, incogitável acolher-se a apelação nesse ponto".
Assim, a insurgência recursal transborda as funções do Superior Tribunal de Justiça de primar pela correta interpretação do direito federal infraconstitucional e uniformizar a jurisprudência pátria, porquanto a alteração do entendimento citado demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no aresto combatido - o que é vedado nesta via, conforme preconizado na Súmula 7 do STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
Nesse sentido, por amostragem:
[...]
Dessa forma, o recurso não merece ascender, portanto, por óbice da súmula 7 do STJ.
1.2. Do pleito de concessão de indulto
Os recorrentes pleiteiam a concessão de indulto, de acordo com o Decreto 11.302/22.
Cumpre observar, primeiro, que o pleito recursal não veio acompanhado da indicação clara e objetiva do(s) dispositivo(s) de lei federal que o acórdão recorrido teria violado, de modo que não é possível extrair, com a exatidão necessária, quais as teses jurídicas veiculadas.
Como se sabe, a admissão do Recurso Especial exige em relação a todas as alíneas do permissivo constitucional (CF, art. 105, III), além da indicação dos dispositivos de lei federal contrariados ou objetos de interpretação divergente por outra Corte, a impugnação dos fundamentos da decisão combatida ao interpretá-los, requisito imprescindível para a compreensão da controvérsia jurídica.
Daí porque a admissão do Recurso Especial, nesse particular, esbarra no enunciado da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, aplicável ao apelo especial por similitude: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia."
Por oportuno:
[...]
De qualquer modo, não fosse o óbice da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal, vislumbra-se que o recurso igualmente não superaria este juízo primário de admissibilidade, como se verá a seguir.
Do acórdão extrai-se (Evento 72): "Quanto ao pleito para concessão do indulto previsto no Decreto n. 11.302/22, registro que o pedido não deve ser conhecido por se tratar de matéria afeta ao juízo da execução penal, nos termos dos arts. 66, inc. III, "f", 70, inc. I, 112, § 2°, e 188 a 194, todos da Lei n. 7.210/84. (Evento 72)
Ao assim, ao assentar que o pleito de concessão de indulto trata-se de matéria afeta ao juízo da execução, o decisum combatido vai ao encontro da jurisprudência da Corte destinatária, o que, mais uma vez, atrai a incidência da Súmula 83 do STJ: "Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".
Veja-se:
[...]
Frisa-se que o teor da Súmula 83 do STJ "é aplicável aos recursos interpostos com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional" (STJ, AgRg no AR Esp 2091731/TO, Relatora Ministra Laurita Vaz, j. em 9.8.2022).
1.3. Do pleito de redução da pena imposta
Os recorrentes pugnam pela revisão do cálculo dosimétrico.
Aqui, novamente, os acusados deixaram de indicar o dispositivo federal violado, de modo que repiso que, a admissão do Recurso Especial exige em relação a todas as alíneas do permissivo constitucional (CF, art. 105, III), além da indicação dos dispositivos de lei federal contrariados ou objetos de interpretação divergente por outra Corte, a impugnação dos fundamentos da decisão combatida ao interpretá-los, requisito imprescindível para a compreensão da controvérsia jurídica.
Daí porque a admissão do Recurso Especial, nesse particular, esbarra no enunciado da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, aplicável ao apelo especial por similitude: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia."
Não fosse a deficiência das razões recursais, veja-se que o recurso também não seria admitido em razão da ausência de prequestionamento da matéria.
Isso porque, a questão relativa à redução da pena imposta não foi objeto de discussão, nem na apelação, nem nos aclaratórios para provocar o debate a respeito da matéria, de modo que sua invocação neste momento processual mostra-se prejudicada em razão da ausência de prequestionamento.
Portanto, incidem na hipótese os óbices preconizados pelas Súmulas 282 e 356 do STF, aplicáveis a apelo especial por similitude: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida a questão federal suscitada"; e "O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento".
Nesse sentido:
[...]
2. Alínea "c" do art. 105, III, da Constituição da República
No tocante à alegada divergência, o Superior Tribunal de Justiça consolidou orientação no sentido de que "Segundo entendimento desta Corte a inadmissão do recurso especial interposto com fundamento no artigo 105, III, "a", da Constituição Federal, em razão da incidência de enunciado sumular, prejudica o exame do recurso no ponto em que suscita divergência jurisprudencial se o dissídio alegado diz respeito ao mesmo dispositivo legal ou tese jurídica, o que ocorreu na hipótese. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.590.388/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, D Je 24/3/2017; AgInt no REsp 1.343.351/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, D Je 23/3/2017 " (AgInt no REsp 1957194 / SP. Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. 14.02.2022, D Je 16.02.2022).
Logo, fica prejudicado o exame da alegada divergência jurisprudencial, ante a inadmissão do recurso com fundamento nas Súmulas 7 e 83 do STJ, porque veiculada sob idêntica tese apontada quanto à violação à lei federal.
Se não bastasse, os recorrentes deixaram de realizar, a título de cotejo analítico, a demonstração das circunstâncias fático-jurídicas que configurariam a similitude entre o acórdão objurgado e as decisões supostamente consideradas dissonantes.
O denominado cotejo analítico, requisito essencial e inexistente na espécie, pressupõe satisfatória ilustração do dissenso, nos exatos termos do art. 1.029, § 1º, do Código de Processo Civil, reproduzido integralmente pelo art. 255, §1º, do RISTJ, segundo o qual deve-se "em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados", requisito este não adimplido com a mera transcrição de ementas e/ou trechos de julgados.
Nesse sentido:
[...]
Além disso, o paradigma mencionado (Habeas Corpus n. 127.483/PR) não serve para comprovar o alegado dissídio jurisprudencial, porquanto proferido em sede de Habeas Corpus.
Nesse sentido:
[...]
Por todas essas razões, o recurso não preenche os requisitos de admissibilidade. 3. Conclusão
À vista do exposto, não se admite o Recurso Especial, com fundamento no art. 1.030, V, primeira parte, do Código de Processo Civil.
Demonstra-se acertada o julgado do Tribunal, visto que a parte agravante não demonstrou a similitude fática suficiente para configurar divergência jurisprudencial, usando argumentos que necessitam de reexame de provas para análise, havendo a incidência da Súmula n. 7/STJ.
É ônus da parte agravante impugnar todas as causas específicas de inadmissão do recurso especial, sob pena de não conhecimento do agravo.
O insurgente deixou de impugnar a Súmula n. 282, 284 e 356, todas do STF e 83/STJ, colacionando precedentes deste Tribunal que teoricamente infirmam as conclusões do aresto combatido, não rebatendo todos os argumentos utilizados pelo Tribunal a quo para inadmitir o recurso especial.
Desse modo, a ausência de impugnação adequada dos fundamentos empregados pela Corte de origem para impedir o trânsito do recurso especial obsta o conhecimento do agravo, cujo único propósito é demonstrar a inaplicabilidade dos motivos indicados na decisão de inadmissibilidade do recurso por meio de impugnação específica de cada um deles.
Assim, incide, por analogia, a Súmula 182 do STJ, segundo a qual: "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada".
II- Agravo de Janerson José
O agravo é tempestivo e impugnou os fundamentos da decisão agravada pelo que, desde já, passo a analisar o recurso especial.
Para melhor delimitação da controvérsia, colaciono os fundamentos do acórdão que julgou a apelação (fls. 2942-2954-grifei):
[...]
2 Do recurso de Janerson José Delfes Furtado. Pleito absolutório
O apelante Janerson não se conformou com a condenação pelos crimes de frustração do caráter competitivo da licitação em razão do direcionamento do certame em benefício de um proponente específico e de corrupção passiva, pois sustenta, no tocante ao crime de corrupção passiva, que a prova resume-se apenas as palavras do delator João Pavin, porém "não conseguiram provar o fato alegado em suas delações. O delator João não tem nada que comprove que teve encontro com o réu Janerson para tratar de ilicitudes. Não há, nesses autos, fotos, áudios, filmagens ou testemunhas oculares acerca da ocorrência desse encontro", além disso, o delator Cláudio, em seu depoimento, deixou claro "que nunca tratou com Janerson sobre a referida fraude à licitação nem sobre o pagamento de vantagem ilícita. O outro delator, Hilário, também jamais conversou com o apelante sobre esse tema", aduzindo, também, que a acusação não conseguiu comprovar a entrega do valor de R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais) ao apelante, desta feita, aduz que "inexiste prova de que ocorreu qualquer encontro para que fosse combinada a fraude à licitação indicada na denúncia.
Também não há qualquer prova de solicitação ou de promessa de vantagem ilícita por parte do réu Janerson". Já, no que diz respeito ao crime de fraude à licitação, alega que o processo licitatório para a aquisição de uma retroescavadeira foi elaborado por servidores Municipais de Cerro Negro, os quais colheram informações sobre o produto em informe publicitários de várias empresas que comercializavam o produto a ser licitado, assim como buscaram informações em editais de outros municípios, sendo que o apelante, Prefeito à época no município, nunca interferiu no processo licitatório, assim como não solicitou e nem recebeu vantagem ilícita em razão do resultado do certame.
Por fim, discorre que a sentença, baseou-se unicamente nas declarações dos delatores, sem qualquer prova da prática dos tipos penais.
A defesa nega com veemência qualquer participação nos fatos apurados na ação penal, entretanto, a prova encartada aos autos demonstra com muita segurança a prática delitiva perpetrada por Janerson, à época dos fatos Prefeito do Município de Cerro Negro.
Ao examinar os elementos informativos e a prova produzida sob o crivo do contraditório, o Juízo a quo muito bem fundamentou na sentença, motivo pelo qual a fim de evitar tautologia e em prestígio ao empenho demonstrado, transcrevo parte da peça como razões de decidir, ipsis verbis (Evento 255 - SENT1):
Conforme se observa da autorização no evento 6, a. 941, em 10/1/2012, o então Prefeito JANERSON autorizou a abertura de processo licitatório para aquisição de uma retroescavadeira, cuja descrição fora feita por FRANCISCO ERADI RODRIGUES, então secretário de administração do Município, com as seguintes características (a. 942):
[...]
Conforme relatou o Dr. Promotor na sua peça acusatória, em cumprimento à decisão de busca e apreensão deferida nos autos n. 000205-11.2016.8.24.0071, foram apreendidos inúmeros documentos junto à empresa PAVIMÁQUINAS, dentre eles o modelo de memorial descritivo da retroescavadeira cabine aberta, anexo 83, com a mesma sequência de requisitos:
[...]
No mesmo dia foi lançado o edital de licitação (a. 918-926), tendo o objeto sido descrito nos exatos termos acima expostos (a. 918):
[...]
Por sua vez, a ata de sessão pública de pregão no a. 866, datada de 25/1/2012, comprova que compareceu à licitação apenas a empresa PAVIMÁQUINAS COM. DE PEÇAS E SERVIÇOS LTDA, que comercializada as máquinas da Randon S. A. na região, representada pelo réu CLAUDIO.
Sem qualquer disputa, do valor original de R$ 240.000,00, a PAVIMÁQUINAS vendeu com o valor de R$ 239.000,00.
O Prefeito JANERSON homologou o certame em 27/1/2012, por meio do termo no a. 862.
Referido certame foi concretizado com a assinatura do contrato administrativo, também datado de 27/1/2012 (a. 854-857), subscrito pelo réu JOÃO PAVIN.
Resta evidente, portanto, a prova da materialidade delitiva, devidamente configurada nos documentos acima apontados.
Interrogado, disse o réu JANERSON JOSÉ DELFES FURTADO (arquivo audiovisual no e. 144):
[...]
MÁRIO GRASSI, testemunha de Defesa, declarou (arquivo audiovisual no e. 88):
[...]
PAULO ROBERTO RIBEIRO, ouvido como informante (arquivo audiovisual no e. 88):
[...]
A despeito da narrativa que tenta estabelecer o acusado JANERSON, no sentido de que não influenciou no setor de licitações do Município, podemos destacar os seguintes itens que, pelas suas peculiaridades, tem o condão de direcionar o certame:
[...]
Vejamos, então, as fichas técnicas das principais marcas comercializadas no mercado brasileiro na época dos fatos, a saber: RANDON, HYUNDAI, CASE, JCB, NEW HOLLAND e CATERPILLAR, ressaltando que as comparações feitas pela Defesa do réu JANERSON na resposta à acusação não estão amparadas por documentos e desprezam a necessidade de fabricação nacional do equipamento, bem como compatibilidade de preços.
A retroescavadeira RANDON, modelo RD 406 ADVANCED, conforme se evidencia pela descrição no e. 6, a. 893-900, apresenta as seguintes características:
[...]
Comparando, então, as características de cada uma dessas máquinas com aqueles requisitos exigidos no edital, é fácil concluir que, em um primeiro momento, as marcas HYUNDAI, CASE, NEW HOLLAND e JCB já seriam desclassificadas por possuírem 2 (dois) cilindros de basculamento da carregadeira, quando o edital foi taxativo ao exigir: "com basculamento através de cilindro hidráulico", ou seja, um único cilindro.
No quesito "capacidade mínima da caçamba frontal", igualmente seriam desclassificadas as marcas HYUNDAI (800 L), NEW HOLLAND LB90 (0,88m³) e CATERPILLAR (0,76m³), pois o edital exigiu o mínimo de 0,95 m³.
No item "força de desagregação mínima de 8.800 KGF", também seriam desclassificadas as marcas HYUNDAI (5.800 Kgf), CASE (5.800 Kgf), JCB (5.322 Kgf), NEW HOLLAND (6.484 Kgf) e CATERPILLAR (44,6 KN), de forma que somente a marca RANDON atenderia o exigido, por possuir 8.922 Kgf.
Já no quesito "capacidade do tanque de combustível", com exceção da RANDON (160L) e CATERPILLAR (170L), todas as demais seriam reprovadas, haja vista que fora exigido o "mínimo de 155 litros", enquanto as marcas HYUNDAI, CASE, JCB e NEW HOLLAND possuem capacidade de 127L, 151L, 135L e 130L, respectivamente.
[...]
A propósito, sobre esse acerto prévio, colhem-se dos interrogatórios dos codenunciados e ora colaboradores:
[...]
Já na segunda parte do seu depoimento, ao tratar especificamente sobre o caso dos autos, relatou o colaborador e ora réu JOÃO LEONELLO PAVIN (e. 133):
[...]
HILÁRIO HENRIQUE GOLDBECK, quando interrogado sobre a parte geral (e. 137), respondeu:
[...]
Como se pode perceber, os sócios JOÃO e HILÁRIO e o vendedor CLÁUDIO foram certeiros na afirmação de que o direcionamento do certame para a compra da máquina RANDON foi concretizado com o réu JANERSON.
Inclusive, em um relatório de visitas elaborado pelo réu CLAUDIO, extraído dos computadores da PAVIMÁQUINAS pelo IGP, consta anotação do dia 27/12/2011 com a observação de que "PREVISAO DE COMPRA PARA DIA 23/01/2012", além de indicar "TEBA" (apelido do Prefeito) como contato, e já constar o modelo e o valor da máquina a ser vendida, sendo que a licitação só foi lançada em 10/1/2012.
Evidenciado, portanto, que a PAVIMÁQUINAS já sabia que a licitação lhe seria direcionada. Sobre os procedimentos de venda de máquina para órgãos públicos, relatam as testemunhas e também colaboradores em outros processos, abaixo: ALVARO HENRIQUE REGINATTO (arquivo audiovisual no e. 115):
[...]
Restou comprovado, portanto, que o Prefeito do Município de Cerro Negro simplesmente lançou um edital de licitação com base no descritivo fornecido pela empresa Pavimáquinas, ignorando a necessidade de se elaborar o Termo de Referência, essencial para definir as características da máquina que melhor se adequaria às necessidades do Município.
[...]
A partir da leitura dos dispositivos citados, pode-se concluir que o Termo de Referência é a especificação técnica do objeto que será licitado por meio da modalidade de licitação Pregão, modalidade de licitação utilizada para contratação de bens e serviços comuns.
Portanto, todas as compras de máquinas licitadas por meio do Pregão (eletrônico ou presencial) deveriam se valer do Termo de Referência para a especificação do objeto, pois é através dele que o Município avaliaria as máquinas disponíveis no mercado que atendessem às suas finalidades, o preço médio de mercado, estabelecendo a conexão entre a compra do maquinário e o planejamento existente, de forma a garantir a proposta mais vantajosa ao ente público, escopo maior do procedimento licitatório.
Entretanto, não foi isso que aconteceu, o que se justifica pelo evidente direcionamento para a máquina RANDON, vendida por intermédio da empresa Pavimáquinas.
Assim, resta evidente que essa licitação foi direcionada para adquirir a máquina da Randon, pois, do contrário, caso o Município quisesse realmente abranger um número maior de participantes, o edital seria bem menos restritivo, não uma cópia fiel do descritivo fornecido pela referida empresa.
Em suma, após a instrução processual, ficou evidente o conluio na especificação das características da máquina a ser adquirida, impedindo que o próprio processo de licitação, pela sua natureza, se encarregasse da obtenção da melhor proposta para o Município, de acordo com aquilo que deveria ter sido estabelecido no Termo de Referência, de modo a impedir a competição e a isonomia, tão necessárias à regularidade desse tipo de procedimento.
[...]
Como bem se verifica, o Juízo a quo fez a correta leitura da prova e, assim, reconheceu a responsabilidade criminal do apelante Janerson José Delfes Furtado, por ter frustrado o caráter competitivo da licitação, em razão do direcionamento do certame em benefício de um proponente específico, além de ter recebido vantagem indevida pela atuação criminosa.
Evidentemente, nessa espécie de delito, no mais das vezes, não há a digital do criminoso. Quer dizer, a prova dificilmente contará com a assinatura ou com a imagem do corrupto no momento da consumação do crime contra a administração pública.
As tratativas e a consumação, em geral, são feitas às escondidas, no interior de gabinetes ou de escritórios. É, sem dúvida, uma modalidade criminosa de difícil comprovação.
Porém, no caso dos autos, há sim elementos informativos corroborados por prova judicializada que apontam o apelante Janerson como autor dos crimes previstos no art. 90 da Lei n. 8.666/1992 e no art. 317 do Código Penal.
Isso somente ocorreu porque o Ministério Público com o auxílio do GAECO desarticulou organização criminosa que atuava perante Municípios do Estado de Santa Catarina (e até mesmo dos Estados vizinhos) direcionando licitações para a compra de máquinas e peças com sobrepreço e mediante o pagamento de verba espúria a agentes públicos ("propina", diga-se em bom português!).
Com efeito, os ilícitos narrados na incoativa e comprovados na instrução probatória estão relacionados à segunda fase da denominada "Operação Patrola", deflagrada no intento de investigar atividades de representantes, funcionários ou sócios administradores da empresa Pavimáquinas Peças e Serviços Ltda. que, em relação a diversos municípios, procuravam gestores públicos locais para, mediante o pagamento de vantagem ilícita, fraudar a competitividade de certames licitatórios.
No caso do apelante Janerson, a responsabilização criminal recaiu nos seus ombros sobretudo a partir da colaboração premiada firmada pelos corréus JOÃO LEONELLO PAVIN e HILÁRIO HENRIQUE GOLDBECK, que são sócios da empresa PAVIMÁQUINAS, responsável por fornecer máquina da marca RANDON ao Município de Cerro Negro/SC em valor acima do praticado no mercado e mediante o pagamento de propina.
Nesse sentido, os colaboradores JOÃO LEONELLO PAVIN e HILÁRIO HENRIQUE GOLDBECK, seja no acordo firmado com o Ministério Público, seja em juízo, declararam que o apelante Janerson concorreu para os crimes que lhes são imputados (art. 90 da Lei n. 8.666/1992 e no art. 317 do Código Penal) na medida em que, na condição à época de Chefe do Poder Executivo, encaminhou a abertura de processo licitatório para compra de máquina com características que apenas a RANDON (vendida pela PAVIMÁQUINAS na região) possuía. E oportunamente recebeu R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais), os quais, segundo declaração dos colaboradores, foram depositados em uma conta de terceiro a mando do Acaide.
Nesse aspecto, os colaboradores JOÃO LEONELLO PAVIN e HILÁRIO HENRIQUE GOLDBECK afirmaram sob o crivo do contraditório que, no Município de Cerro Negro/SC, as tratativas iniciais, a entrega do descritivo do equipamento a ser licitado fraudulentamente, pois direcionada a PAVIMÁQUINAS, e o pagamento ilícito foram todas pessoalmente entre JOÃO LEONELLO PAVIN e o apelante Janerson, então Prefeito Municipal do referido município.
No caso do Município de Cerro Negro/SC, de acordo com extratos internos da PAVIMÁQUINAS, apreendidos durante a fase de investigação e oportunamente fornecidos pelos colaboradores, o pagamento de R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais) a título de "caçamba", assim denominada a verba ilícita paga a agentes públicos [propina] (Evento 4 - ANEXO50).
Ademais, repousam nos autos a nota fiscal da máquina adquirida no processo licitatório direcionado emitida em 31.1.2012, o contrato administrativo n. 03/2012, o termo de homologação e adjudicação do processo licitatório e o cheque referente ao pagamento da proprina, dando respaldo às declarações dos colaboradores.
Importante salientar que os colaboradores prestaram informações sobre crimes nos mais diversos Municípios Catarinenses e, em diversos dos casos, citaram a participação direta de prefeitos e seus secretários municipais. Então, no caso do pequeno Município de Cerro Negro/SC, não haveria motivo para os colaboradores envolverem criminosamente o apelante Janerson, sem que realmente ele tivesse concorrido para os crimes.
A prova produzida, especialmente a partir dos depoimentos de funcionários da PAVIMÁQUINAS e de seus sócios, então colaboradores premiados, foi unânime ao apontar o corréu JOÃO LEONELLO PAVIN como único responsável pelo pagamento de proprina com o "êxito" da alienação fraudulenta ao Município.
Nesse sentido, destaque-se o depoimento da testemunha e colaborador JEAN KARLO FRANCESCHI, que em juízo afirmou que no tempo em que trabalhou na PAVIMÁQUINAS, na área financeira, era um dos responsáveis por repassar quantias em dinheiro, que eram colocadas na gaveta da sala do corréu JOÃO LEONELLO PAVIN para pagamento de propina referente à venda de máquinas superfaturadas a Prefeituras Catarinenses.
Nesse contexto, a palavra do colaborador deve ser valorada com especial relevo, sobretudo porque era quem, na maioria dos casos, negociava diretamente com prefeitos e/ou secretários municipais e pagava as propinas em momento oportuno, sempre em espécie, conforme declarado e lançado em planilhas de custos administrativos. Logo, diante das declarações do colaborador JOÃO LEONELLO PAVIN de que negociou diretamente com o Prefeito Municipal de Cerro Negro, o réu Janerson Furtado, vulgo "Teba", sendo o responsável por articular a fraude à licitação e receber a propina de R$ 23.000,00 (vinte e três mil reais) em espécie, incogitável a absolvição por negativa de autoria ou insuficiência de provas.
Ademais, como bem ponderou o sentenciante "na época dos fatos JANERSON JOSÉ DELFES FURTADO era Prefeito do Município de Cerro Negro e, como tal, tinha o dever legal e moral de zelar pela correta aplicação do dinheiro público. No entanto, aceitou a proposta do réu JOÃO para fraudarem uma licitação para a compra de máquina retroescavadeira e, valendo-se, de sua posição como chefe do Poder Executivo Municipal, encaminhou a abertura do procedimento licitatório, garantindo que a descrição da máquina fornecida por seu Secretário de Administração correspondesse à da RANDON, o que bastou para viciar o procedimento, sem que fosse necessária qualquer interferência no setor de licitações" (Evento 255 - SENT1).
Desse apanhado, inviável afastar-se a responsabilização criminal de Janerson José Delfes Furtado pelos crimes previstos no art. 90 da Lei n. 8.666/1992 e no art. 317 do Código Penal, porque satisfatoriamente comprovada a autoria delitiva para ambos os delitos.
-Por sua vez, ao rejeitar os embargos opostos pela defesa, esclareceu-se no acórdão (fls. 5108-5109):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, os embargos de declaração devem ser conhecidos.
É cediço que o cabimento dos embargos de declaração está condicionado à presença, na decisão, de ambiguidade, obscuridade, contradição e/ou omissão, consoante dispõe o art. 619 do Código de Processo Penal, in verbis:
[...]
A ambiguidade ocorre quando a decisão, em qualquer ponto, possui uma multiplicidade de interpretações; a obscuridade, quando não há clareza na redação do acórdão; a contradição, quando as afirmações constantes na decisão se colidem; a omissão, por sua vez, caracteriza-se quando não se abarcou, no acórdão, tudo aquilo que foi submetido à apreciação do Julgador.
In casu, o embargante opôs os aclaratórios tecendo dilações acerca dos elementos probatórios.
Em que pesem os argumentos articulados pelo embargante, antecipo, razão não lhe assiste, uma vez que os fundamentos apresentados não se amoldam a nenhuma das hipóteses acima mencionadas.
Registra-se que restou devidamente consignado no acórdão reclamado os motivos para o desprovimento do apelo, sendo pertinente consignar que "[...] se a parte embargante não concorda com a interpretação jurídica dada, não são os embargos de declaração via hábil para a demonstração do seu inconformismo" (STJ – EDRESP n. 147833/DF, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
O Superior Tribunal de Justiça já afirmou que "o cabimento dos embargos de declaração está vinculado à demonstração de que a decisão embargada apresenta um dos vícios previstos no art. 619 do Código de Processo Penal, quais sejam, ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão, o que não se verifica no caso dos autos. [...] A mera irresignação com o resultado do julgamento, visando, assim, à reversão do que já foi regularmente decidido, não tem o condão de viabilizar a oposição dos aclaratórios" (E Dcl no AgRg no AR Esp n. 625.568/PR, rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j. em 26/2/2019, DJ Ue de 15/3/2019).
Portanto, “em outras palavras, servem os aclaratórios tão somente para integrar o julgado, e não para substituir aquilo que já fora deliberado pelo órgão colegiado” (TJSC, Apelação Criminal n. 0100218-49.2013.8.24.0030, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sidney Eloy Dalabrida, Quarta Câmara Criminal, j. 10-02-2022).
Percebe-se claramente que, ao contrário do que pretende fazer crer a defesa, o embargante não se conformou com o desprovimento do recurso e pretende unicamente rediscutir a matéria, o que não é admitido por meio dos embargos declaratórios.
Nesse diapasão tem decidido esta Corte:
[...]
Assim, os apontamentos não merecem maiores digressões, pois na decisão guerreada inexistem omissões. A bem da verdade, a irresignação tem nítido propósito de rediscussão da matéria, uma vez que a decisão lhe foi desfavorável.
Registro, apenas a título de esclarecimento, que não se faz necessário que a decisão rebata ponto por ponto as alegações defensivas, bastando que de sua leitura seja possível concluir os motivos que fundamentaram a convicção do Órgão Fracionário.
Por fim, diante da rejeição dos embargos, não há se falar em efeitos infringentes, na medida em que nenhuma modificação há de ser feita ao acórdão embargado.
Assim, diante da ausência de qualquer elemento do art. 619 do Código de Processo Penal no acórdão, não passando de mero descontentamento com a posição adotada por esta Corte, voto por rejeitar os embargos declaratórios.
Em ordem jurídica, descaracteriza-se a alegação de negativa de prestação jurisdicional, porque a Corte de origem, de forma contrária à pretensão defensiva, expôs de forma fundamentada as razões do seu convencimento para manter o édito condenatório do recorrente. Ao contrário do alegado neste recurso especial, a condenação não se lastreou exclusivamente na palavra dos delatores colaboradores, mas também em robusto material probatório examinado de forma exauriente pelas instâncias ordinárias.
Como afirmado, descaracteriza-se a alegação de violação ao art. 619 do CPP, uma vez que o Tribunal de origem, de forma contrária à pretensão do acusado, expôs de forma fundamentada as razões de fato e de direito para manter a condenação pelos delitos previstos nos arts. 90 da Lei n. 8666/1993 e 317 do CP.
Ademais, mesmo os argumentos postos pela defesa, é pacífico o entendimento de que o juiz não está obrigado a se manifestar sobre todas as alegações defensivas desde que, de forma fundamentada, exponha as razões de fato e de direito para manter a condenação do acusado no presente caso inexistindo, por conseguinte, negativa de prestação jurisdicional.
A esse respeito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. MASSACRE NO COMPAJ. PRONÚNCIA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. TESTEMUNHAS PROTEGIDAS. RESTRIÇÃO DE ACESSO A DADOS PESSOAIS. PREVISÃO LEGAL. AMPLA DEFESA ASSEGURADA. QUALIFICADORAS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. INOVAÇÃO EM SUSTENTAÇÃO ORAL. PRECLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS 7 E 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional quando o acórdão recorrido aprecia suficientemente as questões devolvidas, não estando o julgador obrigado a se manifestar sobre alegações apresentadas unicamente em sustentação oral, ausentes das razões recursais deduzidas no momento oportuno. Precedentes.
2. A restrição de acesso aos dados pessoais das testemunhas protegidas encontra respaldo no art. 7º, IV, da Lei n. 9.807/1999, sendo legítima diante da gravidade do caso concreto, especialmente quando não demonstrado efetivo prejuízo à defesa técnica.
3. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não há nulidade sem a efetiva demonstração de prejuízo, conforme dispõe o artigo 563 do Código de Processo Penal (pas de nullité sans grief). No caso concreto, o recorrente não evidenciou em que medida a ausência de acesso aos dados pessoais das testemunhas comprometeu sua capacidade de defesa.
4. Conforme art. 413 do CPP, a sentença de pronúncia exige apenas indícios suficientes de autoria e prova da materialidade, sendo desnecessária exaustiva motivação, bastando a exposição sucinta dos fundamentos.
5. A Corte estadual reconheceu a comprovação da materialidade, assim como a existência de indícios suficientes de autoria/participação, concluindo pela confirmação da sentença de pronúncia por entender presentes os elementos indicativos do crime de competência do Tribunal do Júri, juiz natural da causa dirimir eventual dúvida acerca da dinâmica dos fatos.
6. Incidência das Súmulas 7 e 83 do STJ, diante da necessidade de revolvimento fático-probatório e da consonância do acórdão recorrido com a jurisprudência desta Corte.
7. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.546.666/AM, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 30/4/2025, grifei)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. INDEVIDA INOVAÇÃO RECURSAL EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. BUSCA PESSOAL. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que "os embargos declaratórios não se prestam para forçar o ingresso na instância extraordinária se não houver omissão a ser suprida no acórdão, nem fica o juiz obrigado a responder a todas as alegações das partes quando já encontrou motivo suficiente para fundar a decisão (AgRg no Ag n. 372.041/SC, Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 4/2/2002), de forma que não há falar em negativa de prestação jurisdicional apenas porque o Tribunal local não acatou a pretensão deduzida pela parte (AgRg no REsp n. 1.220.895/SP, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 10/9/2013.)" (REsp n. 2.069.465/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024).
2. No caso concreto, a abordagem se deu com base em informações a respeito do acusado, mencionada em ambas as fases, e numa tentativa de se esconder no interior do próprio veículo que não foi narrada em sede extrajudicial, mas apenas em Juízo. Esses elementos, a par da fragilidade ínsita à mudança de versões entre a fase inquisitiva e jurisdicional, são insuficientes, pelos parâmetros jurisprudenciais fixados por este Colegiado, para legitimar a busca veicular. Tentar se esconder não é algo aferível nem foi descrito objetivamente, o que, combinado com a reiterada menção à cooperatividade do abordado, denota ausência de elementos claros que pudessem indicar a tentativa de evasão.
3. As diligências irregulares contaminam todo o conjunto probatório (art. 157 e seu §1º, do CPP) e ensejam a completa ausência de prova da materialidade do delito de tráfico de drogas, redundando em necessária absolvição.
4. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl no AgRg no HC n. 918.739/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 24/10/2024, grifei)
Logo, a desconstituição de tais conclusões alcançadas pelas instâncias ordinárias para acolher a pretensão absolutória demandaria aprofundado revolvimento fático-probatório, providência que esbarra no óbice da Súmula 7/STTJ, conforme iterativa jurisprudência deste Tribunal. A esse respeito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA EM CONTINUIDADE DELITIVA; QUADRILHA; EXPLORAÇÃO SEXUAL; RUFIANISMO, LAVAGEM DE CAPITAIS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. OBEDIÊNCIA À LEI N. 9.296/1996. EVIDENCIADA PARTICIPAÇÃO NOS DELITOS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA PROLATADA. COGNIÇÃO EXAURIENTE. PREJUDICIALIDADE. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRETENSÃO DE REEXAME PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.DOSIMETRIA DA
PENA. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE DO ARTIGO 317, PARÁGRAFO 1º. do CP. CONTINUIDADE DELITIVA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. As decisões que autorizaram as interceptações telefônicas foram consideradas suficientemente fundamentadas, atendendo aos requisitos previstos na Lei n. 9.296/96.
2. A prorrogação das interceptações foi justificada pela complexidade das investigações e pela necessidade de continuidade da medida. A jurisprudência do STJ permite a fundamentação per relationem, utilizada adequadamente no caso em questão.
3. Após a prolação de sentença condenatória, em que é realizado um juízo de cognição mais amplo, perde força a discussão acerca de eventual inépcia da denúncia.
4. Da análise dos autos, observa-se que o colegiado local fundamentou em elementos de informação concretos dos autos a sua conclusão acerca da existência de provas suficientes a justificar a condenação dos réus pelos crimes previstos nos artigos 317, parágrafo 1º c/c o artigo 71, e artigo 288, na forma do artigo 69, todos do Código Penal.
5. Diante desse cenário, inviável a inversão das premissas fáticas estabelecidas pelas instâncias de origem, uma vez que, na via do recurso especial, não é autorizado o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, conforme estabelece o enunciado 7 da Súmula desta Corte Superior.
6. A jurisprudência do STJ exige que, para superar o óbice da Súmula 7, o recorrente demonstre de forma clara e objetiva que não é necessário o reexame de fatos e provas, o que não foi feito pelo agravante.
7. O Tribunal a quo, em decisão devidamente motivada, entendeu que, do caderno instrutório, emergem elementos suficientemente idôneos de prova a se concluir pela incidência da agravante do parágrafo 1º, do artigo 317, do Código Penal, uma vez que o réu se omitiu na prática de dever funcional de apurar e prender os responsáveis pelas pelo cometimento dos delitos. Assim, rever os fundamentos utilizados pela Corte Estadual, para decidir pelo afastamento da agravante, como requer a defesa, importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, segundo óbice da Súmula 7/STJ.
[...]
10. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 1.923.900/SP, relator Ministro Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 28/4/2025, grifei)
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. OPERAÇÃO "CAIXA DE PANDORA". AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL. ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Não se pode falar na competência da Justiça eleitoral, uma vez que os crimes eleitorais são aquelas condutas praticadas durante o processo eleitoral, o que não é o caso dos autos, em que a acusada, na função de parlamentar distrital, recebeu suposta vantagem indevida em troca de apoio político (corrupção passiva).
2. O Tribunal a quo, em decisão devidamente motivada, entendeu que, do caderno instrutório, emergiram elementos suficientemente idôneos de prova, colhidos nas fases inquisitorial e judicial, aptos a manter a condenação da acusada pelo crime do artigo 317 do CP. Assim, rever os fundamentos utilizados pela Corte de origem, para concluir pela absolvição da acusada, tendo em vista a ausência de prova concreta para a condenação, uma vez que o único elemento existente nos autos são as declarações prestadas pelo colaborador premiado, como requer a defesa, importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, segundo óbice da Súmula n. 7/STJ.
3. Ademais, conforme consignado pelo juízo sentenciante "haverá corrupção sempre que parlamentares fizerem mercancia com o mandato, vendendo seu apoio político, por exemplo, a determinada candidatura e/ou agremiação partidária, mormente quando o partido que integra estava coligado à outra candidatura ao cargo majoritário", conforme já decidiu a Suprema Corte ao apreciar a Ação Penal 470 (e-STJ fls. 2654/2655), o que restou confirmado pelo Tribunal de Justiça.
4. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação.
5. Quanto ao desvalor da culpabilidade, para fins de individualização da pena, tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu, não se tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que se possa concluir pela prática ou não de delito (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.322.083/MT, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023). No presente caso, as instâncias de origem decidiram pela sua reprovabilidade, em razão do fato da acusada ser parlamentar e ter traído a confiança do eleitorado, o que justifica a consideração desfavorável da aludida circunstância.
6. A circunstância judicial relativa aos motivos do crime foi considerada desfavorável, haja vista que o recebimento das vantagens indevidas tinha o objetivo de prestar apoio político ao então governador, com propósito de inspiração "antirrepublicana", pelo que reputo plenamente justificada a exasperação da basilar a esse título, uma vez que tal circunstância desborda da reprovabilidade ínsita ao delito, devendo, desse modo, permanecer o incremento operado.
7. Em relação às consequências do delito, que devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. No presente caso, as instâncias de origem decidiram pela sua reprovabilidade, tendo em vista que a conduta da ré causou consequências graves à imagem da Câmara Legislativa do Distrito Federal e a confiança dos eleitores, ofendendo, como descrito pela Corte de origem, "a essência do regime político-eleitoral brasileiro", aumentando a reprovabilidade da conduta, em razão dos resultados que transbordam o tipo penal.
8. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.874.253/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/11/2024, DJe de 19/11/2024, grifei)
Por fim, em relação a alegação de violação aos arts. 69 e 76, ambos do CP, verifica-se que houve parcial divergência no âmbito do Tribunal de origem. Contudo, a defesa não interpôs embargos infringentes com escopo de obter a prevalência do voto minoritário, o que atrai a incidência da Súmula n. 207/STJ, pela qual "é inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem".
Nesse sentido:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. SÚMULA N. 207 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. RECURSO ESPECIAL INADMISSÍVEL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 211/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento ao recurso especial, mantendo a dosimetria da pena aplicada em condenação por crime de responsabilidade de prefeito, tipificado no art. 1º, I, do Decreto-Lei n. 201/67.
2. O Tribunal de origem considerou a valoração negativa das consequências do crime, devido ao desvio de recursos destinados à educação e incentivo ao magistério, afetando a integridade do FUNDEB.
II. Questão em discussão
3. A questão em discussão consiste em saber se foi apresentada fundamentação suficiente para exasperação da pena-base e se a ausência de interposição de embargos infringentes impede o conhecimento do recurso especial, conforme a Súmula n. 207 do STJ.
4. Outra questão em discussão é a falta de prequestionamento sobre a atenuante da confissão espontânea, conforme a Súmula n. 211 do STJ.
III. Razões de decidir
5. A ausência de interposição de embargos infringentes impede o conhecimento do recurso especial, conforme a Súmula n. 207 do STJ.
6. A falta de prequestionamento sobre a atenuante da confissão espontânea impede o conhecimento do recurso especial, conforme a Súmula n. 211 do STJ.
7. A fundamentação utilizada para a valoração negativa das consequências do crime foi considerada idônea, pois o desvio de recursos afetou gravemente a integridade do FUNDEB.
IV. Dispositivo e tese
8. Agravo regimental desprovido.
Tese de julgamento: "1. A ausência de interposição de embargos infringentes impede o conhecimento do recurso especial, conforme a Súmula n. 207 do STJ. 2. A falta de prequestionamento sobre a atenuante da confissão espontânea impede o conhecimento do recurso especial, conforme a Súmula n. 211 do STJ. 3. A valoração negativa das consequências do crime é idônea quando o desvio de recursos públicos afeta gravemente a integridade de fundos destinados a áreas essenciais em municípios pequenos".
Dispositivos relevantes citados: Decreto-Lei n. 201/67, art. 1º, I.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp n. 2.040.798/PR, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j.
04.02.2025; STJ, AgRg no AREsp n. 2.809.414/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. 20.03.2025; STJ, AgRg no RHC n. 152.275/MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 26.10.2021;
STJ, AgRg no HC n. 559.171/PE, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 04.08.2020.
(AgRg no AgRg no REsp n. 2.091.973/PB, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 30/4/2025, DJEN de 7/5/2025.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO PENAL MILITAR. CONCUSSÃO. PEDIDO DE NULIDADE DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO
TRIBUNAL DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 83 e 207/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. No caso dos autos, o Tribunal local entendeu estarem devidamente comprovadas tanto a autoria quanto a materialidade do delito de concussão, nos termos do Código Penal Militar.
2. Incide, à hipótese, a Súmula 83 do Superior Tribunal de Justiça, não merecendo qualquer reparo a decisão que não admitiu o recurso especial interposto.
3. Ademais, a decisão do Tribunal de origem foi dada por maioria de votos, não tendo a defesa interposto o recurso cabível (embargos infringentes) incidindo, em decorrência, a jurisprudência consolidada na Súmula 207 que afirma: "É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem".
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 1.932.219/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 8/4/2025, DJEN de 15/4/2025.)
Ante o exposto, não conheço do agravo em recurso especial interposto por JOAO LEONELLO PAVIN e HILARIO HENRIQUE GOLDBECK e conheço do agravo para conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar provimento ao recurso especial interposto por JANERSON JOSE DELFES FURTADO.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)
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1. O L J (Recorrente) x 2. Ministério Público Do Estado Do Paraná (Recorrido)
ID: 325307105
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0005960-83.2018.8.16.0098
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUILHERME DELSASSO LAVORATO
OAB/PR XXXXXX
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CAIO FELIPE BENEDETE DE MOURA
OAB/PR XXXXXX
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FERNANDO BOBERG
OAB/PR XXXXXX
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REsp 2143548/PR (2024/0169660-6)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
O L J
ADVOGADOS
:
FERNANDO BOBERG - PR028212
CAIO FELIPE BENEDETE DE MOURA - PR096133
GUILHERME DELSASSO LAVORATO …
REsp 2143548/PR (2024/0169660-6)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
O L J
ADVOGADOS
:
FERNANDO BOBERG - PR028212
CAIO FELIPE BENEDETE DE MOURA - PR096133
GUILHERME DELSASSO LAVORATO - PR113730
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
DECISÃO
Cuida-se de recurso especial interposto por O L J com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ – TJPR em julgamento dos Embargos de Declaração na Apelação Criminal n. 005960-83.2018.8.16.0098.
Consta dos autos que o recorrente foi condenado pela prática dos delitos tipificados nos arts. 213, caput, e 147, caput, ambos do Código Penal - CP (estupro e ameaça), à pena total de 12 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicial fechado (fl. 322).
Recurso de apelação interposto pela defesa foi desprovido (fl. 562). O acórdão ficou assim ementado:
"PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. CRIMES DE E AMEAÇA, EM CONCURSO MATERIAL. ESTUPRO PRELIMINAR - PEDIDO DE NULIDADE DO PROCESSO, DIANTE DA AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA, UMA VEZ QUE O FATO OCORREU ANTERIORMENTE AO ADVENTO DA LEI 13.718/2018. TESE REJEITADA. NOSNº CRIMES SEXUAIS, PRATICADOS COM VIOLÊNCIA REAL, A AÇÃO PENAL É PÚBLICA INCONDICIONADA, SENDO DISPENSÁVEL LAUDO PERICIAL PARA DEMONSTRAR A VIOLÊNCIA. PALAVRAS DA VITIMA QUE SÃO SUFICIENTES PARA DEMONSTRAR A MATERIALIDADE - APLICAÇÃO DA SÚMULA 608 DO STF. MÉRITO –Nº PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO. TESE REJEITADA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA COM ESPECIAL RELEVÂNCIA EM CRIMES SEXUAIS, CORROBORADA PELO DEPOIMENTO DE SUA GENITORA E DA GINECOLOGISTA QUE ATENDEU A VÍTIMA. APELANTE QUE POSSUI ANTECEDENTES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, SENDO A VÍTIMA AMPARADA POR MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI MARIA DA PENHA. PEDIDO DE AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTO NO ART. 234-A, III DO CÓDIGO PENAL. TESE REJEITADA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE CONFIRMA A GRAVIDEZ RESULTANTE DO ABUSO SEXUAL. AMEAÇAS CONFIRMADAS PELA PROVA TESTEMUNHAS E DOCUMENTAL. SENTENÇA CONFIRMADA. DOSIMETRIA ESCORREITA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO." (fls. 539/540)
Embargos de declaração opostos pela defesa foram rejeitados (fl. 619). O acórdão ficou assim ementado:
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM FACE DE ACÓRDÃO PROFERIDO EM APELAÇÃO CRIMINAL. ALEGADA OMISSÃO E CONTRADIÇÃO NA DECISÃO RECURSAL. MERO INCONFORMISMO DO EMBARGANTE COM A SOLUÇÃO ADOTADA. REDISCUSSÃO DE QUESTÕES JÁ DECIDIDAS. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. ENFRENTAMENTO DAS TESES AVENTADAS. ACORDÃO QUE FUNDAMENTOU EXAUSTIVAMENTE O CRIME DE ESTUPRO PERPETRADO, DESTACANDO A PROVA ORAL E DOCUMENTAL PRODUZIDAS. IMPRESCINDIBILIDADE DA OCORRÊNCIA DE AO MENOS UMA DAS HIPÓTESES CONTEMPLADAS PELO ARTIGO 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. EMBARGOS REJEITADOS." (fl. 611)
Em sede de recurso especial (fls. 630/648), a defesa aponta a violação aos arts. 261, 616 e 619, todos do Código de Processo Penal – CPP, porquanto o TJPR não se pronunciou no acórdão recorrido, mesmo com a oposição de embargos pela defesa, sobre a tese defensiva de ausência de defesa técnica do recorrente nos autos de origem. Alega que os advogados que o representaram deixaram de juntar um boletim de ocorrência, feito pelo recorrente anteriormente à data do estupro a que foi condenado, que seria determinante para demonstrar a falsidade das acusações contra ele constantes da denúncia e, portanto, inocentá-lo. Afirma que a omissão em relação à análise de tal elemento probatório causa nulidade processual absoluta, com impactos na condenação do recorrente.
Aduz que houve violação aos arts. 155, 159, 160, 381, III, 616, 619, todos do CPP, pois o acórdão condenatório se embasa unicamente no depoimento da vítima, cuja versão dos fatos está contraditória, além de meros testemunhos indiretos. Afirma que o TJPR deixou de proceder a alguns pedidos de esclarecimentos feitos pela defesa, no sentido de permitir a participação de seus advogados nas perguntas a vítima e de determinar se um documento médico juntado aos autos de origem pela acusação pode ser considerado um laudo pericial, já que este é imprescindível para atestar a materialidade delitiva. Afirma que tal documento não segue as orientações legais para que funcione como um exame de corpo de delito ou outro tipo de prova pericial, considerando que não apresentou relações entre o suposto evento traumático experimentado pela vítima e o agravamento de sua saúde mental.
Defende que no acórdão recorrido é declarado falsamente que os fatos criminosos foram confirmados pelas testemunhas arroladas pela acusação. Porém, o acórdão restou omisso em relação ao fato de que a mãe da suposta vítima não é testemunha de acusação, mas, em verdade, uma informante que promoveu um mero testemunho indireto sobre os fatos. Afirma, também, que o testemunho da ginecologista que atendeu a suposta vítima deve ser considerado indireto. Somado a isso, o TJPR se recusou a aclarar por qual razão o depoimento do irmão do recorrente, por ser informante, tem valor reduzido em relação ao da genitora da vítima, que tampouco presenciou o crime de estupro imputado ao recorrente.
Por fim, aponta a violação aos arts. 147 e 213, caput, c/c o art. 234-A, III, todos do CP, pois não há, nos autos de origem, prova pericial capaz de comprovar as lesões físicas e que o depoimento da ginecologista não comprova a suposta violência sexual sofrida pela ofendida. Reforça que existem apenas testemunhos indiretos, já que ninguém presenciou os fatos imputados ao recorrente, baseados em informações contadas pela suposta vítima, com várias inconsistências entre si.
Requer a absolvição do recorrente.
Contrarrazões (fls. 651/659).
Admitido o recurso no TJPR (fls. 664/667), os autos foram protocolados e distribuídos nesta Corte. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo desprovimento do recurso especial (fls. 790/794).
É o relatório.
Decido.
Primeiramente, quanto à tese de violação do art. 619 do CPP, o TJPR registrou o seguinte no julgamento dos embargos de declaração (grifos nossos):
"Inicialmente, insta pontuar, que alinhando-me à sedimentada e iterativa jurisprudência da Corte Superior, que o órgão julgador não está compelido a se manifestar sobre todos os argumentos colacionados pelas partes para expressar sua convicção, notadamente quando, pela motivação apresentada na decisão – desde que suficiente ao deslinde da causa, ainda que diversa – seja possível aferir as razões por que acolheu ou rejeitou as pretensõesda pretendida pelas partes deduzidas, como ocorreu in casu.
[...]
Na espécie, ao contrário da insurgência do embargante, a decisão recursal não foi omissa ou contraditória, pois, esclareceu por diversas vezes que o arcabouço probatório era suficiente para comprovação do delito, indicando as provas orais e documentais produzidas no processo, mormente pelo depoimento da vítima acompanhada pelos outros elementos de prova, ao qual indicou sem sombras de dúvidas que o embargante foi autor do crime de estupro descrito no artigo 213 do Código Penal.
Ressaltando que os testemunhos apresentados em juízo confirmam a conduta do réu, conforme depoimento da vítima, genitora e ginecologista, e do constrangimento efetuado resultou em gravidez.
Destacou, inclusive o fato do relacionamento amoroso, sendo que a ofendida terminou diante da violência doméstica. Esclareceu que o réu a tratava como posse exclusiva, não a respeitando, ameaçando, perseguindo e chegando ao limite de tê-la estuprado, com a consequente gravidez, advinda de tal ato.
Portanto, os argumentos levantados pelo embargante revelam-se mero inconformismo da Defesa que pretende a rediscussão de matéria já apreciada expressa e exaustivamente por ocasião do julgamento do apelo, senão vejamos:
“(...)
A prova produzida demonstrou que a vítima manteve com o apelante um relacionamento, por pelo menos seis meses, no ano de 2009, sendo que a vítima terminou, diante da violência doméstica que sofreu.
No ano de 2010, na festa conhecida como “Baile do Texas”, o casal já estava separado, tendo o apelante ido até a residência da vítima, dizendo que estava machucado – havia brigado na rua -, pedindo para utilizar o telefone.
Após entrar na casa, usando desse artifício, imobilizou a vítima, segurando-a pelo pescoço e fazendo-a cair no chão, vindo a praticar conjunção carnal por três vezes, mediante violência real.
Desse estupro, resultou a gravidez.
A palavra da vítima foi bastante clara a respeito do evento narrado na denúncia e confirmada pelos depoimentos das testemunhas de acusação ouvidas – a mãe da vítima e a ginecologista -, que de forma uníssona relataram o mesmo evento ilícito praticado pelo apelante. (...)
Pelo depoimento da vítima e de sua mãe percebe-se que o apelante a tratava como se fosse sua posse exclusiva, não a respeitando, ameaçando, perseguindo e chegando ao limite de tê-la estuprado, com a consequente gravidez, advinda de tal ato.
A mãe da vítima, Sra. [M A R A], deixou claro que sua filha pediu à médica que não deixasse o réu ficar no hospital, relatando, ainda, a mudança de comportamento dela, de uma moça radiante, para uma pessoa nervosa, medrosa e apática.
Inclusive, relatou que a vítima demorou muito tempo para conseguir pegar a filha no colo, após o nascimento.
A defesa alega algumas inconsistências nos depoimentos da vítima, contudo, se trata de situação normal, até porque os fatos ocorreram há muito tempo (2010), todavia, o que vale é a essência do relato, que deixa certa a violência empregada para o intento sexual e ainda as constantes ameaças feitas pelo apelante.
Os depoimentos das testemunhas de defesa não infirmam os relatos da vítima, até porque sabemos que os fatos narrados ocorrem de forma clandestina, sem a presença de testemunhas, somado ao medo da vítima de mostrar as pessoas a real face do agressor doméstico.
A defesa afirmou que as fotografias juntadas comprovam a tese de que não ocorreram os fatos, ao contrário, elas revelam que a vítima efetivamente falou a verdade, pois informou que mesmo após o estupro, recebeu o réu e este pediu perdão, sendo que ela aceitou, contudo, o apelante voltou a ser agressivo e dissimulado.
De outro lado, fotografias podem até eternizar um momento, mas não contam a história por trás de todos os eventos, ate porque as pessoas não registram suas mazelas.
Como bem consignado pelo Magistrado, e derrubando a tese de que não fazia nada de errado, consta dos autos o registro das ligações telefônicas acostados no mov. 6.7, demonstrando a conduta delitiva do acusado, no caso as ameaças que fazia e relatadas pela vítima.
Portanto, as provas colacionadas acima são seguras e aptas a conferir a segurança necessária da prática dos crimes narrados na denúncia, sendo de rigor a manutenção do decreto condenatório” (mov. 35.1).
Com efeito, o recorrente busca tão somente rediscutir aspectos já analisados por ocasião do julgamento do Recurso de Apelação, revolvendo posicionamento adotado por esta E. Corte, trazendo argumentos que não se mostram passíveis de reanálise por meio do presente recurso, já que não houve a propalada omissão ou qualquer outro vício no aresto, pois as questões trazidas nas razões de apelação foram abordadas expressa e claramente no acórdão, tópico a tópico, em cotejo com todo o acervo probatório." (fls. 614/616)
No caso, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná expressamente consignou que o conjunto probatório produzido nos autos foi suficiente para comprovar a autoria e a materialidade dos delitos imputados ao recorrente, razão pela qual foi mantida sua condenação. Destacaram-se, nesse sentido, as provas orais – especialmente o depoimento da vítima – e os documentos juntados ao longo da instrução processual. Ademais, não foi reconhecida qualquer omissão quanto às teses defensivas que pudesse configurar nulidade absoluta apta a ensejar a absolvição.
Com efeito, ao examinar as demais alegações da defesa, o TJPR procedeu à análise integral das provas constantes dos autos de origem, ratificando o entendimento firmado na sentença, para concluir pela comprovação dos crimes de estupro e ameaça praticados pelo recorrente contra sua ex-companheira. Ressaltou-se, ainda, que os elementos apresentados pela defesa não foram considerados seguros, suficientes ou coerentes a ponto de infirmar a conclusão condenatória.
Dessa forma, não se vislumbra violação ao art. 619 do Código de Processo Penal, uma vez que o Tribunal de origem enfrentou adequadamente as teses defensivas, especialmente ao manter a condenação com base no acervo probatório dos autos. As fundamentações lançadas foram suficientes para afastar os argumentos voltados à absolvição, revelando-se, portanto, legítima a conclusão adotada.
Para corroborar, precedentes:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO MINISTERIAL. TRÁFICO DE DROGAS. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. MERO INCONFORMISMO. REDISCUSSÃO DE ENTENDIMENTO. INADMISSIBILIDADE. TRÁFICO PRIVILEGIADO. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006 PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AÇÕES PENAIS EM CURSO, SEM CERTIFICAÇÃO DE TRÂNSITO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. VERIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS SUFICIENTES. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. PARECER DESFAVORÁVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME
[...]
3. O acórdão recorrido não apresenta omissão, contradição ou obscuridade, tendo enfrentado todas as questões relevantes e imprescindíveis à resolução da controvérsia, motivo pelo qual não há violação ao art. 619 do CPP. Embargos declaratórios não são meio hábil para reexame do mérito.
[...]
IV. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(REsp n. 2.049.263/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 25/2/2025.)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO (ARTIGO 129, §9º, DO CÓDIGO PENAL). AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 619 DO CPP. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Ao contrário do que sustenta a parte recorrente, não há falar em omissão, uma vez que o acórdão recorrido apreciou as teses defensivas com base nos fundamentos de fato e de direito que entendeu relevantes e suficientes à compreensão e à solução da controvérsia, o que, na hipótese, revelou-se suficiente ao exercício do direito de defesa.
2. Não está o magistrado obrigado a rebater, pormenorizadamente, todas as questões trazidas pelas partes, configurando-se a negativa de prestação jurisdicional somente nos casos em que o Tribunal de origem deixa de emitir posicionamento acerca de matéria essencial [...] (AgRg no AREsp n. 1.965.518/RS, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 24/6/2022) (AgRg no REsp n. 2.115.686/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 23/9/2024, DJe de 25/9/2024), o que não ocorreu na hipótese em epígrafe.
3. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e o juízo sentenciante examinaram em detalhe todos os argumentos defensivos, apresentando fundamentos suficientes e claros para refutar as alegações deduzida. O fato de não ter sido acolhida a tese defensiva não significa ausência de fundamentação, mas apenas decisão desfavorável aos interesses da defesa
4. O Tribunal a quo, em decisão devidamente motivada, entendeu que, do caderno instrutório, emergiram elementos suficientemente idôneos de prova, colhidos nas fases inquisitorial e judicial, aptos a manter a condenação do acusado pelo crime de lesão corporal no âmbito doméstico. Assim, rever os fundamentos utilizados pela Corte de origem, para concluir pela absolvição do envolvido, em razão da ausência de prova para a condenação, como requer a defesa, importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, segundo óbice da Súmula n. 7/STJ.
[...]
7. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.755.541/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 17/12/2024.)
Vale ressaltar que o entendimento adotado pelo Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência consolidada desta Corte Superior, segundo a qual o magistrado não está obrigado a responder a todas as alegações das partes, tampouco a rebater, uma a uma, todos os seus argumentos, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
Assim, considerando que a controvérsia foi solucionada com base nas provas produzidas em juízo e em fundamentação idônea e suficiente, não se verifica qualquer omissão quanto à análise das teses defensivas.
Nesse contexto, é evidente a ausência de prequestionamento quanto às supostas violações aos arts. 261 e 616 do Código de Processo Penal, razão pela qual incide a Súmula n. 211 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “é inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos de declaração, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.
Importa destacar, ainda, que, embora tenham sido opostos embargos de declaração com a finalidade de provocar manifestação do Tribunal de origem sobre alegações de ausência de defesa técnica e cerceamento de defesa — relacionadas à inquirição da vítima e das testemunhas, bem como ao teor de documento médico juntado aos autos —, a jurisprudência deste Sodalício reconhece a possibilidade de afastamento da alegação de violação ao art. 619 do CPP (ou ao art. 1.022 do CPC), mesmo diante da ausência de manifestação expressa sobre todos os dispositivos suscitados, desde que o acórdão esteja suficientemente fundamentado, como ocorre na espécie.
Nesse sentido, colhem-se precedentes em casos análogos (grifos acrescidos):
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489, § 1º, INCISO IV E 1.022, INCISO II, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. TESE DE JULGAMENTO EXTRA PETITA NÃO PREQUESTIONADA. SÚMULA N. 211 DO STJ. CONCLUSÕES DA CORTE DE ORIGEM ACERCA DO ÔNUS DA PROVA, DA INEXISTÊNCIA DA FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO E DO DEVER DE INDENIZAR. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À RESOLUÇÃO N. 414/2010 DA ANEEL. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. O Julgador não está obrigado a rebater, individualmente, todos os argumentos suscitados pelas partes, sendo suficiente que demonstre, fundamentadamente, as razões do seu convencimento. No caso, o acórdão recorrido não possui as eivas suscitadas pela parte recorrente, tendo apresentado, concretamente, os fundamentos que justificaram a sua conclusão, de modo que existe mero inconformismo da parte recorrente com o resultado do julgado, que lhe foi desfavorável. Inexiste, portanto, ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015.
2. A Corte a quo, apesar da oposição de embargos de declaração, não apreciou a tese de julgamento extra petita, motivo pelo qual está ausente o necessário prequestionamento, nos termos da Súmula n. 211/STJ. Consigna-se que, nos termos do entendimento desta Corte Superior, inexiste contradição quando se afasta a ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 e, ao mesmo tempo, se reconhece a falta de prequestionamento da matéria. Destarte, é plenamente possível que o acórdão combatido esteja fundamentado e não tenha incorrido em omissão e, ao mesmo tempo, não tenha decidido a questão sob o enfoque dos preceitos jurídicos suscitados pela parte recorrente.
[...]
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.759.027/PR, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, julgado em 28/5/2025, DJEN de 4/6/2025.)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA RECURSAL QUANTO À APLICAÇÃO DO ÓBICE DA SÚMULA 211/STJ PELA DECISÃO MONOCRÁTICA RECORRIDA. PREQUESTIONAMENTO FICTO NÃO CONFIGURADO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Decisão monocrática recorrida que, entendendo pela ausência de violação ao art. 1.022 do CPC/2015, aplicou o óbice trazido pelo verbete sumular n. 211/STJ em decorrência da falta de prequestionamento dos dispositivos normativos apontados como malferidos no recurso especial.
2. Insurgência da parte recorrente quanto à incidência do óbice acima referido, sob a alegação de que teria havido o prequestionamento ficto da matéria em virtude da oposição dos embargos de declaração.
3. Acerca do prequestionamento ficto, esta Superior Corte de Justiça tem firme entendimento no sentido de que "o art. 1025 do CPC/2015 condiciona o prequestionamento ficto ao reconhecimento por esta Corte de omissão, erro, omissão, contradição ou obscuridade, ou seja, pressupõe o provimento do recurso especial por ofensa ao art. 1022 do CPC/2015, com o reconhecimento da negativa de prestação jurisdicional sobre a matéria" (AgInt no AREsp n. 2.528.396/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 4/9/2024).
4. Além disso, não configura contradição considerar a ausência de prequestionamento da matéria mediante o afastamento da alegação de afronta ao art. 1.022 do CPC/2015, "uma vez que é perfeitamente possível que a decisão se encontre devidamente fundamentada sem, no entanto, ter sido decidida a causa à luz dos preceitos jurídicos desejados pelo postulante, pois a tal não está obrigado o julgador" (REsp n. 1.820.164/ES, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 19/11/2019, DJe de 19/12/2019).
5. Na hipótese, o Tribunal de origem exauriu a prestação jurisdicional provocada, sem, contudo, debruçar-se sobre os preceitos jurídicos suscitados pela parte insurgente em seus embargos de declaração.
6. Diante da ausência de violação ao art. 1.022 do CPC/2015 pelo acórdão recorrido, evidencia-se que a matéria, apesar de suscitada no recurso integrativo, não foi alvo de debate pela instância ordinária, atraindo a incidência do óbice da Súmula n. 211/STJ.
7. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.820.090/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025.)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS. CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS). REGIME NÃO CUMULATIVO. VALORES REFERENTES AO IPI RECUPERÁVEL. NÃO CONFIGURADA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 489 E 1.022 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. NORMAS INFRALEGAIS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE EM RECURSO ESPECIAL.
1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015.
2. Quanto aos artigos 96, 97 e 99 do CTN, observo que não foi emitido juízo de valor sobre as questões jurídicas levantadas em torno dos dispositivos mencionados. É inviável o conhecimento do Recurso Especial quando os artigos tidos por contrariados não foram apreciados na origem, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios, haja vista a ausência do requisito do prequestionamento. Incide na espécie a Súmula 211/STJ.
3. Ressalte-se que inexiste contradição no caso de ser afastada a ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 ou de não se conhecer do Apelo Nobre por ausência de prequestionamento. É perfeitamente possível que o aresto recorrido encontre-se devidamente fundamentado sem, no entanto, ter sido decidido à luz dos preceitos jurídicos invocados pela parte postulante.
[...]
5. Agravo Interno não provido.
(AgInt nos EDcl no REsp n. 2.052.450/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 21/9/2023.)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO COMBATIDO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. REQUISITOS. AUSÊNCIA.
[...]
4. A tese vinculada ao disposto nos arts. 1.015 e 1.016 do Código Civil não foi prequestionada, não obstante a oposição de embargos de declaração, o que atrai a incidência do óbice da Súmula 211 do STJ na espécie, não havendo que falar em prequestionamento implícito.
5. "Não há incompatibilidade entre a inexistência de ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 e a ausência de prequestionamento, com a incidência do enunciado n. 211 da Súmula do STJ quanto às teses invocadas pela parte recorrente, que, entretanto, não são debatidas pelo Tribunal local, por entender suficientes para a solução da controvérsia outros argumentos utilizados pelo colegiado" (AgInt no REsp 1.795.385/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 12/04/2021, DJe 15/04/2021).
6. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp n. 1.520.767/CE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 8/9/2021, DJe de 14/9/2021.)
Sobre a violação ao art. 155, 159, 160 e 381, III, do CPP, e arts. 147 e 213, caput, c/c o art. 234-A, III, todos do CP, o TJPR manteve a condenação do recorrente, nos seguintes termos do voto do relator (grifos nossos):
"Vejamos as provas produzidas.
A materialidade encontra-se demonstrada através da portaria que instaurou o Inquérito Policial de mov. 6.2, Boletim de Ocorrência de mov. 6.3, pelopelo Auto de Constatação de Mensagens e Ligações Telefônicas de mov. 6.7, pelo Laudo Médico de mov. 6.10, bem como pelas declarações da vítima e testemunhas em Juízo.
A autoria é indiscutível, recaindo sobre o apelante.
Vejamos as provas orais produzidas, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
A vítima F A R, ouvida em Juízo, disse:
“Sou vítima dos fatos. Iniciei meu relacionamento com o réu em dezembro de 2008. Não durou nem seis meses. Foram três meses. Ele foi fazer um tratamento para recuperação de usuário de entorpecentes. Nesse tratamento, ele ficou uns 6 meses. Eu fiquei aguardando. Começaram as agressões físicas e psicológicas. Apanhava dele, com fio de telefone. Ele me deixava amarrada na casa dele. Ele saía ele deixava arma de fogo, facas. Um negócio que colocava no punho. Era para entender que se eu não obedecesse, ia apanhar. Se falasse alguma coisa em contrário eu apanhava. Eu morava na minha casa e ele na dele. Se ele me visse na rua me pegava, colocava no carro e me levava para a casa dele. Se estivesse na rua sem a permissão dele, ele me batia. Eu tinha muito medo porque ele ameaçava matar meus pais. Estávamos separados e ele dizia que se não ficasse com ele, não ficaria com mais ninguém. Na época dos fatos eu estava separada dele. Foi em meados dessa festa. Nessa época essa festa demorava umas duas semanas. Me recordo do fato em si. Ele tocou a campainha. Eu estava sozinha, pois minha mãe foi para Portugal. Ele pediu para abrir a porta para usar o telefone. Depois que eu abri a porta, ele fechou. Na entrada tinha duas salas. Mudei o lugar para não ter lembrança. Na hora que ele entrou, me pegou pelo pescoço. Colocou no chão de bruços. Rasgou minha roupa. Lembro do cheiro do perfume que ele usava. Ele me sufocou até eu perder o sentido. Ele continuou. Ele me estuprou de todos os jeitos e em todos os lugares. O jeito que ele pode, ele me violentou. Não sei se durou mais de uma hora. Eu pedia para aquilo acabar. Ficava com o cheiro do perfume no nariz. Meu rosto ficou ralado no tapete. Ele me segurava por uma mão e outra no meu pescoço. Ele ficou até onde não quis mais. Saia muito sangue das partes íntimas. Ele e o irmão, na época, davam aula de muai thai. Dava aula no batalhão. Conhecia os policiais da região. Eu não tinha para quem pedir ajuda. Ele deixou claro que se alguém soubesse, eu não ia sobreviver. Depois de três meses descobri que estava grávida. Eu senti uma culpa muito grande. Achei que a culpa era minha. Sabia que ia ter uma criança que me lembraria do que tinha acontecido. Ele soube que eu estava grávida. Ele me procurou. Pediu perdão. Falou que encontrou Deus. Falou que não ia fazer mais. Pediu perdão. Eu desculpei. Perdoei ele. Ele me disse que aceitou Jesus. Três dias depois ele me chamou para ir na casa dele. Eu fui. Eu estava grávida e ele me bateu na minha barriga, com intenção de me abortar. Ele tinha um cachorro. Maltratava bastante para ficar agressivo. Ele me deixava presa na casa dele e soltava o cachorro para não ter como sair. Como tenho muita facilidade com animal, fui criada na fazenda. Eu dava comida, fui amansando. Ele percebeu porque eu fugi duas vezes. Ele espancou o cachorro até morrer. Me disse que seria pouco do que ele faria isso. Falou que ia me matar com 15 facadas. Falou que ia me matar. Falou que ia se matar depois. Falou que não tinha medo da lei. Daí para frente, eu nunca relatei isso porque ele ameaçava matar meu pai, minha mãe e minha filha. Preferia apanhar do que ver eles num caixão. Vim implorar ajuda aqui. Eu não comia, não dormia. Da primeira vez o Dr. Renato me atendeu bem. Ele forneceu medida protetiva. Quando estava na medida protetiva, ele não procurou. Ele ficava na esquina olhando quem entrava e saia. Ele não chegou perto de mim, nem me agrediu. Depois da medida protetiva não continuou. Eu levei a última surra dele em 2017. Errei de não ter procurado ajuda no mesmo momento. Ele conhecia muita gente do rol de amizade dele. Não tinha como pedir ajuda. Encontrei os advogados Dr. Thomas e Dr. Roberto. Eles foram comigo na delegacia e relatei o que aconteceu. Eu coloquei o nome da médica, pois tinha hematomas no corpo. Só contei para minha mãe depois que fiz o relato na delegacia. Ele já estava conversando com minha mãe e pedia perdão. Quando minha mãe descobriu, ele ficou muito bravo. Ele veio para cima de mim e minha mãe não deixava ele chegar perto. Tenho crise de pânico. Faço tratamento psiquiátrico há 7 anos. Hoje esta sendo uma tortura lembrar tudo de novo. Ele consumou o ato sexual. Ele me segurou por três vezes. Foi anal e na vagina. Na época eu confidenciei ao meu psiquiatra. Quando comecei a fazer o tratamento com ele. Meu psiquiatra me orientou a falar com minha mãe. Não comentei com ninguém. Se falasse alguma coisa eu apanhava. Eu tenho crises de pânico e ansiedade. Não fui para o hospital. Fiquei na minha casa. Fiquei sangrando um bom tempo. Relatei que precisava fazer uma consulta numa ginecologista. A consulta com a ginecologista foi mais ou menos nessa época. Logo em seguida descobriu que eu estava grávida. Eu tinha mensagens de texto dele. Tinha feito perícia no meu celular. Foi feita perícia na polícia civil. Foi aceita na primeira audiência. Relatei as agressões físicas e psicológicas. Nas mensagens ele não colocava a palavra. Ele me dizia se eu falasse alguma coisa ia me matar com 15 facadas. O promotor não aceitou. Falou que não tinha provas suficientes. Quanto ao fato 02, ele me ameaçava por telefone. Ele falou que ia embora para Argentina, para estudar. Em 2018, sempre fazia as ameaças por telefone. Em 2018, fazia 3 meses que tinha ido embora. Fazia ameaças por telefone. Chamei a polícia. Ele ligava por volta das 20h. Eu relatava e não aconteceu nada. Ele ameaçava nas ligações. Ele ameaçava minha filha. Falava que ia matar minha filha na minha frente. Depois ia me matar. Dizia que ia me matar com 15 facadas por desobedece-lo. Sempre deixava uma faca de boi por perto, falando que ia usar aquilo. Quando ele pediu perdão, foi porque sabia o que tinha feito. Eu não voltei com ele. Ele pediu perdão e tentava retomar o relacionamento. Eu falava que não. Ele me falava que se não fosse com ele, não ficaria com mais ninguém. Ele falava que se me visse com macho na rua iria me bater e em mim. Fiquei esse período todo sem ninguém. Ele registrou a filha também no nome dele. Eu fui registrar minha filha. Ele me seguia. Quando parei em frente ao cartório, ele desceu junto. Eu pedi para ele ir embora. Ele me pediu para abortar, me batido, falei que não precisava ele estar ali. Falava que ia ser um vínculo para o resto da vida. Entrei em contato com minha ginecologista.”.
A mãe da vítima, [M], afirmou em Juízo que:
“Sou mãe de F A R. Sobre os fatos, em 2010 eu estava em Portugal. F A R estava em casa sozinha. Quando eu voltei, ela não comentou nada comigo. Só soube depois quando minha filha relatou o Dr. Thomas e o Dr. Disseram que iriam ajuda-la. Eu até recebi o casa. Não sabia que tinha acontecido isso. O L J em relacionamento deles foi muito perturbado. F A R mudou o comportamento. Estava muito triste e nervosa. Eu achava que o relacionamento não era bom para ela insistiu. Sempre fui contra o relacionamento dos dois. O nosso santo não batia. Eu achava que ele não era uma boa pessoa. O L J era lutador. Disseram que ele lutava na academia junto com o irmão dele. Não sei o que ele fazia. F A R tinha muito medo dele. Eu percebia que ela tinha medo dele. Quando nasceu a J, ela não quis que ele ficasse perto. Não o queria no hospital. Depois em casa, ela falava para mim não o deixar entrar. F A R estava muito assustada. Eles tinham terminado um relacionamento conturbado. Eu sabia que alguma coisa errada, que não estava certo entre eles existia. Eu percebi desde o começo do namoro dele. Ela tinha terminado um relacionamento com o Dr. F. Era amigo dos meus filhos. Ia ficar noiva do F. Conheceu esse rapaz. Eu achei que ela estava se envolvendo com algo que não era bom. Não sabia nada dele, nem quem era. O L J era controlador. Depois que eles separaram, eu a trouxe para casa. Ele queria ver a menina. Ela não deixava ele nem chegar perto. Ele falava que ia bater nela. Que ia fazer. Muitas pessoas viram isso. Onde ela trabalhava no hotel, teve uma menina que presenciou. Ele ameaçava. Eu sei que ela apanhava dele várias vezes. Eu nunca bati na minha filha. Ela sempre foi criada com carinho e amor. Ela era meio rebelde. Mas não fazia coisas atrapalhadas. Quando eu soube que ele batia nela, puxava o cabelo dela. Ela apanhava dele antes da menina nascer e depois também. Ela não queria que ele entrasse em casa. O L J é dissimulado Ele conquista a gente. Não sabia de nada. Só via as coisas dele, mas não sabia os detalhes. Eu deixei ele entrar na minha casa. Houve uma situação em que F A R estava em relacionamento com outra pessoa. Ele viu uma olheira no olho da J. Ela me disse que tinha caído perto do tio V. O L J ficou louco. F A R estava entrando em casa e O L J foi para bater na minha filha. Ele falava que não queria que ninguém ficasse perto dela. Ele me disse na varanda da minha casa, que se F A R arrumar alguém, disse que matava ela e matava a J. Ele me disse que também se mataria. O L J é pessoa completamente descontrolada. Isso foi na Rua Antonio Gentil. Não lembro o ano, mas foi antes dele ir para Argentina. Não lembro a data. Isso foi na varanda da minha casa. Ele falou isso para mim. Falei para ele ir viver a vida dela. Ele ligava lá em casa. Eu ficava assustada. Ele falava com J no telefone. Ele a ameaçava no telefone. Ele colocou o número dele sem identificação. Quando eu atendia, ele não falava nada. Não sei se era ele, mas não falava nada. Pouco depois, ligava de novo e era ele. As ameaças eram se ela arrumasse outra pessoa, ou se ficasse falando as coisas se contasse as coisas dele, dizia que ia matá-la. Pediu medidas protetivas. Quando ela não tinha medida protetiva. Ele ia lá ia no portão e fazia escândalo. Ele falava que ia pegar a filha e não ia. O negócio dele era a F A R. Usava a J para pegar a F A R. Soube do estupro quando ela foi na delegacia depor com os advogados. Ela chegou em casa em crise eu levei para o hospital com crise. Ela tinha as crises e não contava. Ela relatou para mim o que tinha acontecido. (Testemunha se emociona). Eu falava que era o preço da escolha dela. Eu não sabia desses detalhes. Só sabia das agressões dele com ela. Minha filha sempre foi uma pessoa alegre. Sempre tiveram o maior carinho com ela. Tenho dois filhos que moram em Portugal. Meus filhos pediram para eu não desamparar a F A R. Depois que fiquei sabendo do estupro. Quando ela foi ganhar a J, nasceu de 34 semanas. Ela pediu para a M A J DE O F que não o queria junto. Eu não sabia de nada. F A R dizia que não queria a presença dele. Achei estranho, pois demorou para F A R pegar a J. Eu a achava estranho. Ele chegou no quarto com um ramalhete de flores. Depois que ele saiu, ela pedia para jogar fora o ramalhete. Quando se tem um bebê se quer ficar com o filho, com o marido. Só fui entender quando ela me contou a história. Meu chão caiu. Minha filha jamais faria uma acusação falsa. Eu presenciei as loucuras dele em casa. Ele é uma pessoa que tem problema. Precisa de um tratamento. Tem umas atitudes estranhas. Ele pede perdão, chora. É dissimulado. Hoje eu vejo isso. Ela não tem razão nenhuma para ataca-lo. Minha neta não o quer como pai. Minha neta viu o O L J agredindo minha filha. Minha neta não quer o sobrenome dele. Ele só se aproxima da menina para perturbar ele. O Dr. Davi não queria que ela viesse na audiência hoje. Dr. Davi é o psiquiatra da minha filha. Eu a levei para fazer tratamento. Agora ela vai sozinha no tratamento. Eu que a acompanhei nas primeiras consultas. Ele é de SAP. Quando ela tem crise, eu a levei várias vezes com crises para o hospital. Antes dos fatos, de 2010, minha filha nunca teve nada. O Dr. Davi disse que ela tem um trauma. Não sei o nome completo dele. Quero pedir para . Quando tem a medida protetiva, ele nãomanter a medida protetiva chegou mais perto. Estou mais tranquila com a medida.”
A testemunha M A J DE O F, disse em Juízo que:
“Sobre os fatos, em relação ao estupro e violência sexual eu não sabia. Nunca F A R falou nada. Ela começou a fazer o pré-natal em setembro de 2010. Ela chegou grávida de quase 2 meses. Foi a primeira consulta que ela passou depois do ocorrido. Ela nunca referiu nada a isso. Ela estava muito triste. Foi um pré-natal muito difícil. Ele não apresentava interesse ou ânimo. As gestantes se tornam mais felizes. Eu nunca vi o rapaz. Eu perguntava quem era o pai e ela dizia que era um ex-namorado. No dia do parto, ela me pediu em situação de pavor, para não deixar ele entrar no quarto e não assistir o parto. Ela não me contou sobre o estupro em si. Não presenciei tipos de lesões. Quando surgiu a situação de estupro, fui ver os prontuários. Ela foi minha paciente de 1999 a 2010. Quando ela me procurou já chegou grávida. Ela já sabia da gravidez. Eu a atendi em situação de puerpério. Ela só voltou em 2017. Ela estava desconectada. Tomando medicamentos fortes. Tomava medicamentos por síndrome do pânico. Não conheci o réu. No dia do parto eu não vi o acusado lá. O que posso dizer o que me chamou atenção foi a indiferença e a tristeza dela no pré-natal. Isso me chamou a atenção. Não existe padrão em situação de estupro. Depois de duas semanas já descaracteriza bem. Na primeira consulta de pré-natal, ela não apresentava lesão. Dias antes de eu ir para delegacia, F A R me ligou. Me chamou a atenção. Ela estava bem desorientada, por medicamentos. Ela me disse que eu seria notificada porque ela tinha sido vítima de estupro e tinha feito o pré-natal com ela. . Ela só me procurou depois de quase dois meses de gravidez. Essa apatia e tristeza ela não tinha nas consultas anteriores. Ela foi de uma mudança de comportamento muito notória. Me chamou a atenção”.
O informante G F L, em juízo declarou que:
“o relacionamento do réu com a vítima era muito bom, que depois do seu irmão O L J e de F A R se separarem começaram as perseguições, que a família sempre esteve muito presente da vida da filha do réu e da vítima, que foi uma grande surpresa as denúncias de F A R. Disse que em um dia das crianças, foi até a casa da vítima para ver a sua sobrinha, que havia levado doces e chocolates para ela. Disse que ficou sabendo da gravidez através da vítima, que o réu cuidava muito bem da vítima. Disse que o cachorro do réu morreu de infarto. Disse que acredita que tudo é uma invenção de F A R por não ter aceitado o término do relacionamento dela com O L J e que ela é uma pessoa ruim.
A testemunha G S DE O, em juízo (mov. 175.1), declarou:
“que já conhecia O L J e F A R no ano de 2010; que namoraram no ano em questão; que aparentavam ter um relacionamento normal, de “marido e mulher”; que não ficou sabendo de eventual crime de estupro na época do Baile do Texas de 2010; que não ouviu falar sobre qualquer ameaça do réu para a vítima; que desconhece brigas entre o casal, tampouco o motivo do término da relação”
A testemunha de defesa M F V DE C P, ouvida em juízo disse:
“Sou policial militar. Sobre os fatos, 2008, O L J e F A R sempre os presenciei em pública. Um casal normal. Comum. Como outros casais de jovens. Isso durou por alguns anos. Não sei precisar. Lembro J grávida. Tenho a lembrança mais viva da criança. A criança sempre estava lá e o O L J cuidando. Os pais ajudavam também. J eu a via na loja Frequentava a academia do irmão do O L J. Estava acompanhado pela filha. Era uma relação de pai e filha. Nunca ouvi falar sobre estupro da J (F A R). Quando J estava grávida, eu não lembro. Frequentava mais a academia. Lembro de vê-los juntos. Eu sei que era um casal com desavenças Particularidade de casa casal. Não procuro saber. A namorada chama-se F A R”
O réu , em juízo, O L J negou os fatos, dizendo:
“Sobre o primeiro fato, é mentira. Tenho um celular. Não entrei na casa dela. Não fiz qualquer agressão contra ela, de forma alguma. De forma alguma. Fomos casados, ela foi morar comigo na minha casa. Trabalhávamos juntos numa loja na rua Padre Melo. Nossa filha foi gerada com muito amor. Na época que ela foi morar comigo na minha casa, eu já fui casado. Ela queria engravidar. Eu achava que não era o momento. Não estávamos bem financeiramente. Ela deixou de tomar remédios. Eu não sabia. O dia que ela chegou com o papel dentro da loja, meus pais moravam em Londrina. Para nós foi motivo de muita alegria. Ela engravidou. Ficamos contentes. Foi motivo de muita alegria e muita festa. Depois não deu mais certo. Nego o segundo fato. Meu relacionamento com a F A R durou até minha filha ter 3 anos. Foram cinco ou seis anos de relação. Ela morava comigo na minha casa. Ela saiu da casa da mãe dela e foi morar em casa. Ela tinha amizade com meu irmão. Ela treinava artes marciais. Sempre fomos um casal unido. Quando ela ficou grávida, estávamos juntos. Ela passou a gestação dela em casa comigo. Nosso relacionamento era público. Mudei para a Argentina em janeiro de 2018. Não tive arma de fogo em casa, jamais. Isso é mentira dela. Ela trabalhou no fórum de Jacarezinho. Ela foi estudante de direito. Não tem OAB. Não sei dizer quanto tempo, quanto tempo ela trabalhou em Jacarezinho. Ela é pessoa inteligência e estudada. Se tivesse acontecido, ela teria tomado providências. F A R é minha ex-convivente e J é minha filha ”.
A prova oral produzida durante a instrução processual e consignada acima, comprovou de forma absoluta, os fatos narrados na inicial acusatória, não se podendo imaginar eventual absolvição, por insuficiência probatória.
A prova produzida demonstrou que a vítima manteve com o apelante um relacionamento, por pelo menos seis meses, no ano de 2009, sendo que a vítima terminou, diante da violência doméstica que sofreu.
No ano de 2010, na festa conhecida como “Baile do Texas”, o casal já estava separado, tendo o apelante ido até a residência da vítima, dizendo que estava machucado – havia brigado na rua -, pedindo para utilizar o telefone.
Após entrar na casa, usando desse artifício, imobilizoua vítima, segurando-a pelo pescoço e fazendo-a cair no chão, vindo a praticar conjunção carnal por três vezes, mediante violência real.
Desse estupro, resultou a gravidez.
A palavra da vítima foi bastante clara a respeito do evento narrado na denúncia e confirmada pelos depoimentos das testemunhas de acusação ouvidas – a mãe -, que de forma uníssona relataram o mesmo evento ilícito da vítima e a ginecologista praticado pelo apelante.
Sabe-se que, em relação à autoria, a jurisprudência há muito tempo é firme no sentido de que, nos crimes contra a dignidade sexual, a palavra da vítima assume papel preponderante e goza de presunção de veracidade, pois estes delitos costumam ser praticados às ocultas e não deixam vestígios.
[...]
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça atesta reiteradamente que “não há qualquer ilegalidade no fato de a acusação referente aos crimes contra a dignidade sexual estar lastreada no depoimento prestado pela ofendida, já que tais ilícitos geralmente são cometidos fora da vista de testemunhas, e muitas vezes sem deixar rastros materiais, motivo pelo qual a palavra da vítima possui especial relevância”, e inclusive que “a ausência de constatação de vestígios de violência sexual na perícia realizada na vítima é insuficiente para afastar a comprovação da materialidade delitiva, uma vez que, consoante a narrativa contida na denúncia, o réu não chegou a com ela praticar conjunção carnal, o que, frise-se, sequer é necessário para a consumação do (STJ, AgRg no RHC 109.966/MT, Rel. Ministro JORG Edelito pelo qual foi acusado” MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 11/04/2019, D Je 22/04/2019).
Neste caso, a palavra da vítima possui especial importância, até porque “tem sido dado maior valor probatório à palavra da vítima no caso de crimes cometidos na clandestinidade, por ocorrerem longe dos olhos de terceiras pessoas que poderiam . intervir como testemunhas, como nos crimes sexuais”
Portanto, para formar o conjunto probatório, o depoimento da ofendida assume relevância ainda maior no que se refere aos chamados crimes contra a dignidade sexual, quando a palavra da vítima é sempre de capital importância, para fins de condenação.
[...]
O depoimento do irmão do acusado tem valor judicial reduzido, principalmente porque foi ouvido na qualidade de informante, ficando claro que não gostaria de ver seu irmão condenado. As demais testemunhas de defesa não infirmam o relato da vítima, sendo que o policial militar ouvido deixou claro que sabia das desavenças do casal.
A negativa do apelante restou isolada nos autos, denotando, inclusive a dissimulação afirmada pela mãe da vítima.
Pelas provas produzidas ficou evidente o estupro, suas circunstâncias e o modus operandi do acusado, o qual inclusive ameaçava a vítima, gerando a necessidade de medidas protetivas, previstas na Lei Maria da Penha.
Importante citar, como o fez também o nobre Procurador de Justiça, a impecável fundamentação trazida pelo Dr. Renato Garcia, em sua sentença. Veja-se:
“inegável que o réu praticou os delitos que lhe são imputados. Isso porque os fatos foram confirmados pela vítima e sua mãe, além do que, as peculiaridades do crime também foram apontadas e retratadas de forma técnica pela médica que acompanhou o pré-natal. Embora as lesões não tenham permanecido até o primeiro atendimento da médica, é certo que o crime imputado pode ser reconhecido pelo relato detalhado da vítima e os outros sinais presenciados e vividos tanto pela genitora, como também pela médica que acompanhou a gestação. A alegação do acusado de que ele e a vítima moravam juntos, não procede, já que tal circunstância não foi confirmada, nem pelas testemunhas de defesa. Aliás, o próprio irmão do acusado, em sua oitiva, relata de forma bastante superficial, uma suposta convivência entre o casal, mas ressalta, inclusive, os intensos conflitos entre eles. Aliás, afirmava que o casal frequentava a sua casa, mas não aponta qualquer detalhe sobre a suposta convivência, o suposto local onde moravam e o tempo de convivência. Observo ainda que a médica que atendeu a vítima em seu pré-natal foi contundente em afirmar que o casal não estava junto durante a gestação, tanto que o réu em momento algum a acompanhou nas consultas. Inclusive no dia do parto, a médica ainda faz referência de que a vítima não queria que o réu visse a filha e demonstrava pânico com a simples hipótese de que fosse até o local. Ora, o crime de estupro não se dá às claras, aos olhos de testemunhas. As próprias testemunhas de defesa e o irmão do acusado apontam que réu e vítima tinham um relacionamento conturbado e cheio de conflitos e brigas. Tanto é conturbado, que o réu já foi condenado, neste juízo por situações que envolvem violência contra a mulher, feito 0008955-74.2015.8.16.0098, dentre outros, inclusive com a própria vítima”.
As provas produzidas nos autos denotam o comportamento de um homem violento e dissimulado – que praticava a violência doméstica, aliás já condenado por tais crimes – contra a sua namorada, agindo de forma dissimulada para conseguir a confiança da vítima e de seus familiares, no entanto, demonstrando com o passar do tempo, todo o seu comportamento doentio no relacionamento amoroso.
Consta dos autos que a vítima fez Boletim de Ocorrência em desfavor do apelante O L J, requerendo as Medidas Protetivas de Urgência (movs. 6.3 e 6.6), sendo que estas Medidas Protetivas foram deferidas para proteger a vítima do réu, mov. 6.16.
Pelo depoimento da vítima e de sua mãe percebe-se que o apelante a tratava como se fosse sua posse exclusiva, não a respeitando, ameaçando, perseguindo e chegando ao limite de tê-la estuprado, com a consequente gravidez, advinda de tal ato.
A mãe da vítima, Sra. [M], deixou claro que sua filha pediu à médica que não deixasse o réu ficar no hospital, relatando, ainda, a mudança de comportamento dela, de uma moça radiante, para uma pessoa nervosa, medrosa e apatica.
Inclusive, relatou que a vítima demorou muito tempo para conseguir pegar a filha no colo, após o nascimento.
A defesa alega algumas inconsistências nos depoimentos da vítima, contudo, se trata de situação normal, até porque os fatos ocorreram há muito tempo (2010), todavia, o que vale é a essência do relato, que deixa certa a violência empregada para o intento sexual e ainda as constantes ameaças feitas pelo apelante.
Os depoimentos das testemunhas de defesa não infirmam os relatos da vítima, até porque sabemos que os fatos narrados ocorrem de forma clandestina, sem a presença de testemunhas, somado ao medo da vítima de mostrar as pessoas a real face do agressor doméstico.
A defesa afirmou que as fotografias juntadas comprovam a tese de que não ocorreram os fatos, ao contrário, elas revelam que a vítima efetivamente falou a verdade, pois informou que mesmo após o estupro, recebeu o réu e este pediu perdão, sendo que ela aceitou, contudo, o apelante voltou a ser agressivo e dissimulado.
De outro lado, fotografias podem até eternizar um momento, mas não contam a história por trás de todos os eventos, ate porque as pessoas não registram suas mazelas.
Como bem consignado pelo Magistrado, e derrubando a tese de que não fazia nada de errado, consta dos autos o registro das ligações telefônicas acostados no mov. 6.7, demonstrando a conduta delitiva do acusado, no caso as ameaças que fazia e relatadas pela vítima.
Portanto, as provas colacionadas acima são seguras e aptas a conferir a segurança necessária da prática dos crimes narrados na denúncia, sendo de rigor a manutenção do decreto condenatório.” (fls. 544/559)
No caso, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná decidiu pela manutenção da condenação do recorrente, com fundamento no robusto conjunto probatório colhido sob o crivo do contraditório, especialmente no depoimento pormenorizado da vítima, corroborado pelos relatos de sua genitora e da ginecologista que a acompanhou durante as consultas de pré-natal.
Conforme se depreende do detalhado depoimento da vítima, ela manteve relacionamento amoroso com o recorrente entre os anos de 2008 e 2009, período em que era submetida a constantes agressões físicas e psicológicas, inclusive nos meses subsequentes ao término da relação. Relatou ameaças reiteradas, com exibição de armas e soltura de cão bravo, para impedi-la de sair de casa ou denunciar as agressões. A vítima afirmou viver sob constante temor, uma vez que o recorrente ameaçava matar não apenas a ela, mas também seus pais.
Em relação ao crime de estupro, a vítima descreveu com riqueza de detalhes o episódio em que, já separada do recorrente, permitiu sua entrada na residência e foi, em seguida, imobilizada, sufocada e abusada sexualmente, mediante conjunção carnal pela via anal e vaginal, apesar de seus insistentes pedidos para que cessasse a violência. Após o ato, o recorrente a ameaçou, afirmando que, se alguém soubesse do ocorrido, ela não sobreviveria.
Meses após o estupro, a vítima descobriu-se grávida e passou a sofrer novas agressões, inclusive com socos na região abdominal, com o intuito de provocar o aborto. Declarou, ainda, que era continuamente ameaçada de morte — sua e de seus familiares, inclusive da filha em comum —, caso fosse vista com outro homem.
A vítima afirmou que demorou a procurar as autoridades por medo de represálias, chegando a dizer que “preferia apanhar do que ver eles num caixão” (fl. 546). Após algum tempo, obteve medida protetiva, embora as agressões tenham persistido. Sua genitora, inclusive, precisou intervir em um episódio em que o recorrente a ameaçou fisicamente.
A vítima também relatou que faz tratamento psiquiátrico contínuo, em razão das consequências psicológicas dos abusos, como crises de pânico e ansiedade. Relatou que começou a se consultar com ginecologista pouco antes de descobrir a gestação.
A mãe da ofendida, [M], confirmou os episódios de violência e ameaças. Relatou que presenciou uma tentativa de agressão física, bem como que o recorrente ameaçava a filha constantemente, inclusive por telefone, e chegou a dizer que mataria mãe e filha se a vítima se relacionasse com outro homem. Confirmou, ainda, que só tomou conhecimento do estupro quando sua filha procurou a delegacia e revelou os fatos.
Por sua vez, a médica que acompanhou a ofendida durante o pré-natal e o parto confirmou que a primeira consulta ocorreu cerca de dois meses após o estupro, já com gestação avançada. Declarou que, apesar da ausência de lesões aparentes — o que é compatível com o tempo decorrido —, a paciente demonstrava tristeza e apatia. Relatou também que, no dia do parto, a vítima pediu, em situação de pavor, que o recorrente fosse impedido de assistir ao nascimento da filha. No puerpério, a paciente apresentava sintomas de pânico e fazia uso de medicação controlada.
Cumpre destacar que, em delitos contra a dignidade sexual, normalmente praticados sem testemunhas presenciais e sem deixar vestígios, esta Corte Superior possui jurisprudência consolidada no sentido de que a palavra da vítima possui especial relevância, sobretudo quando encontra amparo em outros elementos probatórios.
É exatamente o que ocorre na espécie: o depoimento da vítima, prestado sob contraditório, foi corroborado por testemunhos consistentes e coerentes de sua mãe e da ginecologista, formando um conjunto probatório suficiente para sustentar a condenação, devendo prevalecer sobre a mera negativa genérica apresentada pelo recorrente. Ademais, conforme consignado no acórdão recorrido, as testemunhas de defesa não foram capazes de infirmar os relatos da vítima, sendo que um policial militar ouvido em juízo confirmou a existência de desavenças entre as partes, o que confere verossimilhança à narrativa da ofendida.
A ausência de exame pericial também não compromete a materialidade delitiva, uma vez que, conforme registrado, a vítima apenas procurou atendimento médico meses após o estupro, sendo natural que não houvesse vestígios físicos detectáveis. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a materialidade dos crimes sexuais pode ser demonstrada por outros meios de prova, não se exigindo exame de corpo de delito quando este se torna inviável.
Portanto, estando a condenação embasada em prova oral consistente, oriunda de três testemunhos colhidos em juízo sob o contraditório, a revisão do julgado exigiria reexame do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido, colhem-se precedentes desta Corte (grifos nossos):
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. EXAME DE CORPO DE DELITO. PROVA TESTEMUNHAL. AGRAVO DESPROVIDO.
[...]
4. A jurisprudência do STJ admite a condenação sem exame de corpo de delito quando há outros meios de prova, especialmente em crimes contra a dignidade sexual, onde a palavra da vítima é considerada suficiente se corroborada por outros elementos.
5. O Tribunal de origem fundamentou a decisão com base na coerência da palavra da vítima e em depoimentos de testemunhas, considerando que a ausência de exame de corpo de delito não invalida os demais elementos probatórios.
6. A ausência de lesões descritas no boletim médico não impede a condenação, pois o crime de estupro pode ocorrer sem vestígios físicos aparentes, bastando a grave ameaça.
7. O reexame do acervo fático-probatório é vedado em recurso especial, conforme a Súmula 7 do STJ, e a decisão está em consonância com a jurisprudência consolidada, atraindo a incidência da Súmula 83 do STJ.
IV. Dispositivo e tese
8. Agravo desprovido.
Tese de julgamento: "1. A condenação por crimes de natureza sexual pode ocorrer sem exame de corpo de delito quando há outros elementos probatórios que confirmam a materialidade e autoria do delito. 2. A palavra da vítima, quando coerente e corroborada por outros elementos, é suficiente para a condenação em crimes sexuais. 3. A ausência de exame de corpo de delito não invalida a condenação se há outros meios de prova que demonstram a prática delitiva".
[...]
(AgRg no AREsp n. 2.692.108/RS, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 30/4/2025.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO STJ. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVÂNCIA EM DELITOS SEXUAIS. CONFIRMAÇÃO PELA PROVA TESTEMUNHAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Com base nas provas dos autos, o Tribunal local concluiu pela condenação do réu. A vítima descreveu os atos libidinosos com riqueza de detalhes, o que foi confirmado pelos depoimentos da professora e da orientadora da escola em que a agredida estudava. Embora as testemunhas não hajam presenciado os fatos, o que quase sempre ocorre em crimes contra a dignidade sexual, elas apontaram importantes características no comportamento da criança indicativas de abusos sexuais, como uma gravidez psicológica.
2. Para alterar a conclusão da Corte de origem, com o intuito de absolver o recorrido, seria necessário o reexame de fatos e provas, procedimento vedado segundo o teor da Súmula n. 7 do STJ.
3. Em delitos contra a dignidade sexual, normalmente praticados na clandestinidade, a palavra da vítima, reforçada pelos demais elementos de prova - no caso, a prova testemunhal -, assume especial relevância.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.458.176/TO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 23/5/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VUNERÁVEL. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM DEMAIS PROVAS. SÚMULA N.7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, em delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, a palavra da vítima tem especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas acostadas aos autos. Precedentes.
2. A Corte de origem motivadamente concluiu pela presença de provas suficientes a comprovar a autoria e a materialidade do delito - palavra da vítima, em consonância com as demais provas dos autos. Assim, para se verificar elementos aptos a ensejar a absolvição do agravante seria necessário, invariavelmente, o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.467.901/SC, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 7/5/2024, DJe de 10/5/2024.)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE. MANUTENÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
[...]
2. A defesa pretende a absolvição do réu por insuficiência probatória quanto à autoria e à materialidade da prática dos delitos tipificados nos arts. 147 e 213, ambos do Código Penal - CP (ameaça e estupro), ao fundamento de que apenas a palavra da vítima teria lastreado a condenação, já que as testemunhas ouvidas em juízo não presenciaram os fatos e não houve laudo pericial que pudesse demonstrar vestígios da infração.
3. A Corte estadual destacou o especial valor da palavra da vítima nos crimes sexuais e assinalou que, na hipótese dos autos, tal prova foi devidamente corroborada pelos depoimentos das testemunhas, todos colhidos em juízo. Ainda, ressaltou que não foram evidenciados quaisquer motivos que levassem a mãe (vítima) a incriminar falsamente seu próprio filho (réu).
4. Com efeito, em crimes de natureza sexual, a palavra da vítima possui relevante valor probatório, uma vez que nem sempre deixam vestígios e geralmente são praticados sem a presença de testemunhas (AgRg no AREsp n. 2.030.511/SP, nossa relatoria, Quinta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 3/5/2 022).
5. No caso, o acórdão recorrido concluiu que a palavra da vítima estava em consonância com as demais provas dos autos, de maneira que, para concluir de modo diverso, pela absolvição por insuficiência probatória, seria necessário rever as circunstâncias fáticas e as provas constantes nos autos, providência vedada pela Súmula n. 7 do STJ.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.274.084/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 15/8/2023, DJe de 18/8/2023.)
Ante o exposto, conheço, em parte, do recurso especial e, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, nego-lhe provimento.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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1. O L J (Recorrente) x 2. Ministério Público Do Estado Do Paraná (Recorrido)
ID: 325307393
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0005960-83.2018.8.16.0098
Data de Disponibilização:
15/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
GUILHERME DELSASSO LAVORATO
OAB/PR XXXXXX
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CAIO FELIPE BENEDETE DE MOURA
OAB/PR XXXXXX
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FERNANDO BOBERG
OAB/PR XXXXXX
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REsp 2143548/PR (2024/0169660-6)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
O L J
ADVOGADOS
:
FERNANDO BOBERG - PR028212
CAIO FELIPE BENEDETE DE MOURA - PR096133
GUILHERME DELSASSO LAVORATO …
REsp 2143548/PR (2024/0169660-6)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
O L J
ADVOGADOS
:
FERNANDO BOBERG - PR028212
CAIO FELIPE BENEDETE DE MOURA - PR096133
GUILHERME DELSASSO LAVORATO - PR113730
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
DECISÃO
Cuida-se de recurso especial interposto por O L J com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ – TJPR em julgamento dos Embargos de Declaração na Apelação Criminal n. 005960-83.2018.8.16.0098.
Consta dos autos que o recorrente foi condenado pela prática dos delitos tipificados nos arts. 213, caput, e 147, caput, ambos do Código Penal - CP (estupro e ameaça), à pena total de 12 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicial fechado (fl. 322).
Recurso de apelação interposto pela defesa foi desprovido (fl. 562). O acórdão ficou assim ementado:
"PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. CRIMES DE E AMEAÇA, EM CONCURSO MATERIAL. ESTUPRO PRELIMINAR - PEDIDO DE NULIDADE DO PROCESSO, DIANTE DA AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA, UMA VEZ QUE O FATO OCORREU ANTERIORMENTE AO ADVENTO DA LEI 13.718/2018. TESE REJEITADA. NOSNº CRIMES SEXUAIS, PRATICADOS COM VIOLÊNCIA REAL, A AÇÃO PENAL É PÚBLICA INCONDICIONADA, SENDO DISPENSÁVEL LAUDO PERICIAL PARA DEMONSTRAR A VIOLÊNCIA. PALAVRAS DA VITIMA QUE SÃO SUFICIENTES PARA DEMONSTRAR A MATERIALIDADE - APLICAÇÃO DA SÚMULA 608 DO STF. MÉRITO –Nº PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO. TESE REJEITADA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA COM ESPECIAL RELEVÂNCIA EM CRIMES SEXUAIS, CORROBORADA PELO DEPOIMENTO DE SUA GENITORA E DA GINECOLOGISTA QUE ATENDEU A VÍTIMA. APELANTE QUE POSSUI ANTECEDENTES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, SENDO A VÍTIMA AMPARADA POR MEDIDAS PROTETIVAS PREVISTAS NA LEI MARIA DA PENHA. PEDIDO DE AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTO NO ART. 234-A, III DO CÓDIGO PENAL. TESE REJEITADA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE CONFIRMA A GRAVIDEZ RESULTANTE DO ABUSO SEXUAL. AMEAÇAS CONFIRMADAS PELA PROVA TESTEMUNHAS E DOCUMENTAL. SENTENÇA CONFIRMADA. DOSIMETRIA ESCORREITA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO." (fls. 539/540)
Embargos de declaração opostos pela defesa foram rejeitados (fl. 619). O acórdão ficou assim ementado:
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM FACE DE ACÓRDÃO PROFERIDO EM APELAÇÃO CRIMINAL. ALEGADA OMISSÃO E CONTRADIÇÃO NA DECISÃO RECURSAL. MERO INCONFORMISMO DO EMBARGANTE COM A SOLUÇÃO ADOTADA. REDISCUSSÃO DE QUESTÕES JÁ DECIDIDAS. AUSÊNCIA DE OMISSÃO. ENFRENTAMENTO DAS TESES AVENTADAS. ACORDÃO QUE FUNDAMENTOU EXAUSTIVAMENTE O CRIME DE ESTUPRO PERPETRADO, DESTACANDO A PROVA ORAL E DOCUMENTAL PRODUZIDAS. IMPRESCINDIBILIDADE DA OCORRÊNCIA DE AO MENOS UMA DAS HIPÓTESES CONTEMPLADAS PELO ARTIGO 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. EMBARGOS REJEITADOS." (fl. 611)
Em sede de recurso especial (fls. 630/648), a defesa aponta a violação aos arts. 261, 616 e 619, todos do Código de Processo Penal – CPP, porquanto o TJPR não se pronunciou no acórdão recorrido, mesmo com a oposição de embargos pela defesa, sobre a tese defensiva de ausência de defesa técnica do recorrente nos autos de origem. Alega que os advogados que o representaram deixaram de juntar um boletim de ocorrência, feito pelo recorrente anteriormente à data do estupro a que foi condenado, que seria determinante para demonstrar a falsidade das acusações contra ele constantes da denúncia e, portanto, inocentá-lo. Afirma que a omissão em relação à análise de tal elemento probatório causa nulidade processual absoluta, com impactos na condenação do recorrente.
Aduz que houve violação aos arts. 155, 159, 160, 381, III, 616, 619, todos do CPP, pois o acórdão condenatório se embasa unicamente no depoimento da vítima, cuja versão dos fatos está contraditória, além de meros testemunhos indiretos. Afirma que o TJPR deixou de proceder a alguns pedidos de esclarecimentos feitos pela defesa, no sentido de permitir a participação de seus advogados nas perguntas a vítima e de determinar se um documento médico juntado aos autos de origem pela acusação pode ser considerado um laudo pericial, já que este é imprescindível para atestar a materialidade delitiva. Afirma que tal documento não segue as orientações legais para que funcione como um exame de corpo de delito ou outro tipo de prova pericial, considerando que não apresentou relações entre o suposto evento traumático experimentado pela vítima e o agravamento de sua saúde mental.
Defende que no acórdão recorrido é declarado falsamente que os fatos criminosos foram confirmados pelas testemunhas arroladas pela acusação. Porém, o acórdão restou omisso em relação ao fato de que a mãe da suposta vítima não é testemunha de acusação, mas, em verdade, uma informante que promoveu um mero testemunho indireto sobre os fatos. Afirma, também, que o testemunho da ginecologista que atendeu a suposta vítima deve ser considerado indireto. Somado a isso, o TJPR se recusou a aclarar por qual razão o depoimento do irmão do recorrente, por ser informante, tem valor reduzido em relação ao da genitora da vítima, que tampouco presenciou o crime de estupro imputado ao recorrente.
Por fim, aponta a violação aos arts. 147 e 213, caput, c/c o art. 234-A, III, todos do CP, pois não há, nos autos de origem, prova pericial capaz de comprovar as lesões físicas e que o depoimento da ginecologista não comprova a suposta violência sexual sofrida pela ofendida. Reforça que existem apenas testemunhos indiretos, já que ninguém presenciou os fatos imputados ao recorrente, baseados em informações contadas pela suposta vítima, com várias inconsistências entre si.
Requer a absolvição do recorrente.
Contrarrazões (fls. 651/659).
Admitido o recurso no TJPR (fls. 664/667), os autos foram protocolados e distribuídos nesta Corte. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo desprovimento do recurso especial (fls. 790/794).
É o relatório.
Decido.
Primeiramente, quanto à tese de violação do art. 619 do CPP, o TJPR registrou o seguinte no julgamento dos embargos de declaração (grifos nossos):
"Inicialmente, insta pontuar, que alinhando-me à sedimentada e iterativa jurisprudência da Corte Superior, que o órgão julgador não está compelido a se manifestar sobre todos os argumentos colacionados pelas partes para expressar sua convicção, notadamente quando, pela motivação apresentada na decisão – desde que suficiente ao deslinde da causa, ainda que diversa – seja possível aferir as razões por que acolheu ou rejeitou as pretensõesda pretendida pelas partes deduzidas, como ocorreu in casu.
[...]
Na espécie, ao contrário da insurgência do embargante, a decisão recursal não foi omissa ou contraditória, pois, esclareceu por diversas vezes que o arcabouço probatório era suficiente para comprovação do delito, indicando as provas orais e documentais produzidas no processo, mormente pelo depoimento da vítima acompanhada pelos outros elementos de prova, ao qual indicou sem sombras de dúvidas que o embargante foi autor do crime de estupro descrito no artigo 213 do Código Penal.
Ressaltando que os testemunhos apresentados em juízo confirmam a conduta do réu, conforme depoimento da vítima, genitora e ginecologista, e do constrangimento efetuado resultou em gravidez.
Destacou, inclusive o fato do relacionamento amoroso, sendo que a ofendida terminou diante da violência doméstica. Esclareceu que o réu a tratava como posse exclusiva, não a respeitando, ameaçando, perseguindo e chegando ao limite de tê-la estuprado, com a consequente gravidez, advinda de tal ato.
Portanto, os argumentos levantados pelo embargante revelam-se mero inconformismo da Defesa que pretende a rediscussão de matéria já apreciada expressa e exaustivamente por ocasião do julgamento do apelo, senão vejamos:
“(...)
A prova produzida demonstrou que a vítima manteve com o apelante um relacionamento, por pelo menos seis meses, no ano de 2009, sendo que a vítima terminou, diante da violência doméstica que sofreu.
No ano de 2010, na festa conhecida como “Baile do Texas”, o casal já estava separado, tendo o apelante ido até a residência da vítima, dizendo que estava machucado – havia brigado na rua -, pedindo para utilizar o telefone.
Após entrar na casa, usando desse artifício, imobilizou a vítima, segurando-a pelo pescoço e fazendo-a cair no chão, vindo a praticar conjunção carnal por três vezes, mediante violência real.
Desse estupro, resultou a gravidez.
A palavra da vítima foi bastante clara a respeito do evento narrado na denúncia e confirmada pelos depoimentos das testemunhas de acusação ouvidas – a mãe da vítima e a ginecologista -, que de forma uníssona relataram o mesmo evento ilícito praticado pelo apelante. (...)
Pelo depoimento da vítima e de sua mãe percebe-se que o apelante a tratava como se fosse sua posse exclusiva, não a respeitando, ameaçando, perseguindo e chegando ao limite de tê-la estuprado, com a consequente gravidez, advinda de tal ato.
A mãe da vítima, Sra. [M A R A], deixou claro que sua filha pediu à médica que não deixasse o réu ficar no hospital, relatando, ainda, a mudança de comportamento dela, de uma moça radiante, para uma pessoa nervosa, medrosa e apática.
Inclusive, relatou que a vítima demorou muito tempo para conseguir pegar a filha no colo, após o nascimento.
A defesa alega algumas inconsistências nos depoimentos da vítima, contudo, se trata de situação normal, até porque os fatos ocorreram há muito tempo (2010), todavia, o que vale é a essência do relato, que deixa certa a violência empregada para o intento sexual e ainda as constantes ameaças feitas pelo apelante.
Os depoimentos das testemunhas de defesa não infirmam os relatos da vítima, até porque sabemos que os fatos narrados ocorrem de forma clandestina, sem a presença de testemunhas, somado ao medo da vítima de mostrar as pessoas a real face do agressor doméstico.
A defesa afirmou que as fotografias juntadas comprovam a tese de que não ocorreram os fatos, ao contrário, elas revelam que a vítima efetivamente falou a verdade, pois informou que mesmo após o estupro, recebeu o réu e este pediu perdão, sendo que ela aceitou, contudo, o apelante voltou a ser agressivo e dissimulado.
De outro lado, fotografias podem até eternizar um momento, mas não contam a história por trás de todos os eventos, ate porque as pessoas não registram suas mazelas.
Como bem consignado pelo Magistrado, e derrubando a tese de que não fazia nada de errado, consta dos autos o registro das ligações telefônicas acostados no mov. 6.7, demonstrando a conduta delitiva do acusado, no caso as ameaças que fazia e relatadas pela vítima.
Portanto, as provas colacionadas acima são seguras e aptas a conferir a segurança necessária da prática dos crimes narrados na denúncia, sendo de rigor a manutenção do decreto condenatório” (mov. 35.1).
Com efeito, o recorrente busca tão somente rediscutir aspectos já analisados por ocasião do julgamento do Recurso de Apelação, revolvendo posicionamento adotado por esta E. Corte, trazendo argumentos que não se mostram passíveis de reanálise por meio do presente recurso, já que não houve a propalada omissão ou qualquer outro vício no aresto, pois as questões trazidas nas razões de apelação foram abordadas expressa e claramente no acórdão, tópico a tópico, em cotejo com todo o acervo probatório." (fls. 614/616)
No caso, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná expressamente consignou que o conjunto probatório produzido nos autos foi suficiente para comprovar a autoria e a materialidade dos delitos imputados ao recorrente, razão pela qual foi mantida sua condenação. Destacaram-se, nesse sentido, as provas orais – especialmente o depoimento da vítima – e os documentos juntados ao longo da instrução processual. Ademais, não foi reconhecida qualquer omissão quanto às teses defensivas que pudesse configurar nulidade absoluta apta a ensejar a absolvição.
Com efeito, ao examinar as demais alegações da defesa, o TJPR procedeu à análise integral das provas constantes dos autos de origem, ratificando o entendimento firmado na sentença, para concluir pela comprovação dos crimes de estupro e ameaça praticados pelo recorrente contra sua ex-companheira. Ressaltou-se, ainda, que os elementos apresentados pela defesa não foram considerados seguros, suficientes ou coerentes a ponto de infirmar a conclusão condenatória.
Dessa forma, não se vislumbra violação ao art. 619 do Código de Processo Penal, uma vez que o Tribunal de origem enfrentou adequadamente as teses defensivas, especialmente ao manter a condenação com base no acervo probatório dos autos. As fundamentações lançadas foram suficientes para afastar os argumentos voltados à absolvição, revelando-se, portanto, legítima a conclusão adotada.
Para corroborar, precedentes:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO MINISTERIAL. TRÁFICO DE DROGAS. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. MERO INCONFORMISMO. REDISCUSSÃO DE ENTENDIMENTO. INADMISSIBILIDADE. TRÁFICO PRIVILEGIADO. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006 PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AÇÕES PENAIS EM CURSO, SEM CERTIFICAÇÃO DE TRÂNSITO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. VERIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS SUFICIENTES. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. PARECER DESFAVORÁVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME
[...]
3. O acórdão recorrido não apresenta omissão, contradição ou obscuridade, tendo enfrentado todas as questões relevantes e imprescindíveis à resolução da controvérsia, motivo pelo qual não há violação ao art. 619 do CPP. Embargos declaratórios não são meio hábil para reexame do mérito.
[...]
IV. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(REsp n. 2.049.263/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 25/2/2025.)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL NO ÂMBITO DOMÉSTICO (ARTIGO 129, §9º, DO CÓDIGO PENAL). AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 619 DO CPP. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Ao contrário do que sustenta a parte recorrente, não há falar em omissão, uma vez que o acórdão recorrido apreciou as teses defensivas com base nos fundamentos de fato e de direito que entendeu relevantes e suficientes à compreensão e à solução da controvérsia, o que, na hipótese, revelou-se suficiente ao exercício do direito de defesa.
2. Não está o magistrado obrigado a rebater, pormenorizadamente, todas as questões trazidas pelas partes, configurando-se a negativa de prestação jurisdicional somente nos casos em que o Tribunal de origem deixa de emitir posicionamento acerca de matéria essencial [...] (AgRg no AREsp n. 1.965.518/RS, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 24/6/2022) (AgRg no REsp n. 2.115.686/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 23/9/2024, DJe de 25/9/2024), o que não ocorreu na hipótese em epígrafe.
3. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e o juízo sentenciante examinaram em detalhe todos os argumentos defensivos, apresentando fundamentos suficientes e claros para refutar as alegações deduzida. O fato de não ter sido acolhida a tese defensiva não significa ausência de fundamentação, mas apenas decisão desfavorável aos interesses da defesa
4. O Tribunal a quo, em decisão devidamente motivada, entendeu que, do caderno instrutório, emergiram elementos suficientemente idôneos de prova, colhidos nas fases inquisitorial e judicial, aptos a manter a condenação do acusado pelo crime de lesão corporal no âmbito doméstico. Assim, rever os fundamentos utilizados pela Corte de origem, para concluir pela absolvição do envolvido, em razão da ausência de prova para a condenação, como requer a defesa, importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, segundo óbice da Súmula n. 7/STJ.
[...]
7. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.755.541/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 17/12/2024.)
Vale ressaltar que o entendimento adotado pelo Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência consolidada desta Corte Superior, segundo a qual o magistrado não está obrigado a responder a todas as alegações das partes, tampouco a rebater, uma a uma, todos os seus argumentos, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
Assim, considerando que a controvérsia foi solucionada com base nas provas produzidas em juízo e em fundamentação idônea e suficiente, não se verifica qualquer omissão quanto à análise das teses defensivas.
Nesse contexto, é evidente a ausência de prequestionamento quanto às supostas violações aos arts. 261 e 616 do Código de Processo Penal, razão pela qual incide a Súmula n. 211 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “é inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos de declaração, não foi apreciada pelo Tribunal a quo”.
Importa destacar, ainda, que, embora tenham sido opostos embargos de declaração com a finalidade de provocar manifestação do Tribunal de origem sobre alegações de ausência de defesa técnica e cerceamento de defesa — relacionadas à inquirição da vítima e das testemunhas, bem como ao teor de documento médico juntado aos autos —, a jurisprudência deste Sodalício reconhece a possibilidade de afastamento da alegação de violação ao art. 619 do CPP (ou ao art. 1.022 do CPC), mesmo diante da ausência de manifestação expressa sobre todos os dispositivos suscitados, desde que o acórdão esteja suficientemente fundamentado, como ocorre na espécie.
Nesse sentido, colhem-se precedentes em casos análogos (grifos acrescidos):
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489, § 1º, INCISO IV E 1.022, INCISO II, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA. TESE DE JULGAMENTO EXTRA PETITA NÃO PREQUESTIONADA. SÚMULA N. 211 DO STJ. CONCLUSÕES DA CORTE DE ORIGEM ACERCA DO ÔNUS DA PROVA, DA INEXISTÊNCIA DA FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO E DO DEVER DE INDENIZAR. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À RESOLUÇÃO N. 414/2010 DA ANEEL. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. O Julgador não está obrigado a rebater, individualmente, todos os argumentos suscitados pelas partes, sendo suficiente que demonstre, fundamentadamente, as razões do seu convencimento. No caso, o acórdão recorrido não possui as eivas suscitadas pela parte recorrente, tendo apresentado, concretamente, os fundamentos que justificaram a sua conclusão, de modo que existe mero inconformismo da parte recorrente com o resultado do julgado, que lhe foi desfavorável. Inexiste, portanto, ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015.
2. A Corte a quo, apesar da oposição de embargos de declaração, não apreciou a tese de julgamento extra petita, motivo pelo qual está ausente o necessário prequestionamento, nos termos da Súmula n. 211/STJ. Consigna-se que, nos termos do entendimento desta Corte Superior, inexiste contradição quando se afasta a ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 e, ao mesmo tempo, se reconhece a falta de prequestionamento da matéria. Destarte, é plenamente possível que o acórdão combatido esteja fundamentado e não tenha incorrido em omissão e, ao mesmo tempo, não tenha decidido a questão sob o enfoque dos preceitos jurídicos suscitados pela parte recorrente.
[...]
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.759.027/PR, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, julgado em 28/5/2025, DJEN de 4/6/2025.)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA RECURSAL QUANTO À APLICAÇÃO DO ÓBICE DA SÚMULA 211/STJ PELA DECISÃO MONOCRÁTICA RECORRIDA. PREQUESTIONAMENTO FICTO NÃO CONFIGURADO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Decisão monocrática recorrida que, entendendo pela ausência de violação ao art. 1.022 do CPC/2015, aplicou o óbice trazido pelo verbete sumular n. 211/STJ em decorrência da falta de prequestionamento dos dispositivos normativos apontados como malferidos no recurso especial.
2. Insurgência da parte recorrente quanto à incidência do óbice acima referido, sob a alegação de que teria havido o prequestionamento ficto da matéria em virtude da oposição dos embargos de declaração.
3. Acerca do prequestionamento ficto, esta Superior Corte de Justiça tem firme entendimento no sentido de que "o art. 1025 do CPC/2015 condiciona o prequestionamento ficto ao reconhecimento por esta Corte de omissão, erro, omissão, contradição ou obscuridade, ou seja, pressupõe o provimento do recurso especial por ofensa ao art. 1022 do CPC/2015, com o reconhecimento da negativa de prestação jurisdicional sobre a matéria" (AgInt no AREsp n. 2.528.396/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 4/9/2024).
4. Além disso, não configura contradição considerar a ausência de prequestionamento da matéria mediante o afastamento da alegação de afronta ao art. 1.022 do CPC/2015, "uma vez que é perfeitamente possível que a decisão se encontre devidamente fundamentada sem, no entanto, ter sido decidida a causa à luz dos preceitos jurídicos desejados pelo postulante, pois a tal não está obrigado o julgador" (REsp n. 1.820.164/ES, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 19/11/2019, DJe de 19/12/2019).
5. Na hipótese, o Tribunal de origem exauriu a prestação jurisdicional provocada, sem, contudo, debruçar-se sobre os preceitos jurídicos suscitados pela parte insurgente em seus embargos de declaração.
6. Diante da ausência de violação ao art. 1.022 do CPC/2015 pelo acórdão recorrido, evidencia-se que a matéria, apesar de suscitada no recurso integrativo, não foi alvo de debate pela instância ordinária, atraindo a incidência do óbice da Súmula n. 211/STJ.
7. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp n. 2.820.090/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Turma, julgado em 14/5/2025, DJEN de 20/5/2025.)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS. CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS). REGIME NÃO CUMULATIVO. VALORES REFERENTES AO IPI RECUPERÁVEL. NÃO CONFIGURADA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 489 E 1.022 DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. NORMAS INFRALEGAIS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE EM RECURSO ESPECIAL.
1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015.
2. Quanto aos artigos 96, 97 e 99 do CTN, observo que não foi emitido juízo de valor sobre as questões jurídicas levantadas em torno dos dispositivos mencionados. É inviável o conhecimento do Recurso Especial quando os artigos tidos por contrariados não foram apreciados na origem, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios, haja vista a ausência do requisito do prequestionamento. Incide na espécie a Súmula 211/STJ.
3. Ressalte-se que inexiste contradição no caso de ser afastada a ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 ou de não se conhecer do Apelo Nobre por ausência de prequestionamento. É perfeitamente possível que o aresto recorrido encontre-se devidamente fundamentado sem, no entanto, ter sido decidido à luz dos preceitos jurídicos invocados pela parte postulante.
[...]
5. Agravo Interno não provido.
(AgInt nos EDcl no REsp n. 2.052.450/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 21/9/2023.)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO COMBATIDO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. REQUISITOS. AUSÊNCIA.
[...]
4. A tese vinculada ao disposto nos arts. 1.015 e 1.016 do Código Civil não foi prequestionada, não obstante a oposição de embargos de declaração, o que atrai a incidência do óbice da Súmula 211 do STJ na espécie, não havendo que falar em prequestionamento implícito.
5. "Não há incompatibilidade entre a inexistência de ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 e a ausência de prequestionamento, com a incidência do enunciado n. 211 da Súmula do STJ quanto às teses invocadas pela parte recorrente, que, entretanto, não são debatidas pelo Tribunal local, por entender suficientes para a solução da controvérsia outros argumentos utilizados pelo colegiado" (AgInt no REsp 1.795.385/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 12/04/2021, DJe 15/04/2021).
6. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp n. 1.520.767/CE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 8/9/2021, DJe de 14/9/2021.)
Sobre a violação ao art. 155, 159, 160 e 381, III, do CPP, e arts. 147 e 213, caput, c/c o art. 234-A, III, todos do CP, o TJPR manteve a condenação do recorrente, nos seguintes termos do voto do relator (grifos nossos):
"Vejamos as provas produzidas.
A materialidade encontra-se demonstrada através da portaria que instaurou o Inquérito Policial de mov. 6.2, Boletim de Ocorrência de mov. 6.3, pelopelo Auto de Constatação de Mensagens e Ligações Telefônicas de mov. 6.7, pelo Laudo Médico de mov. 6.10, bem como pelas declarações da vítima e testemunhas em Juízo.
A autoria é indiscutível, recaindo sobre o apelante.
Vejamos as provas orais produzidas, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
A vítima F A R, ouvida em Juízo, disse:
“Sou vítima dos fatos. Iniciei meu relacionamento com o réu em dezembro de 2008. Não durou nem seis meses. Foram três meses. Ele foi fazer um tratamento para recuperação de usuário de entorpecentes. Nesse tratamento, ele ficou uns 6 meses. Eu fiquei aguardando. Começaram as agressões físicas e psicológicas. Apanhava dele, com fio de telefone. Ele me deixava amarrada na casa dele. Ele saía ele deixava arma de fogo, facas. Um negócio que colocava no punho. Era para entender que se eu não obedecesse, ia apanhar. Se falasse alguma coisa em contrário eu apanhava. Eu morava na minha casa e ele na dele. Se ele me visse na rua me pegava, colocava no carro e me levava para a casa dele. Se estivesse na rua sem a permissão dele, ele me batia. Eu tinha muito medo porque ele ameaçava matar meus pais. Estávamos separados e ele dizia que se não ficasse com ele, não ficaria com mais ninguém. Na época dos fatos eu estava separada dele. Foi em meados dessa festa. Nessa época essa festa demorava umas duas semanas. Me recordo do fato em si. Ele tocou a campainha. Eu estava sozinha, pois minha mãe foi para Portugal. Ele pediu para abrir a porta para usar o telefone. Depois que eu abri a porta, ele fechou. Na entrada tinha duas salas. Mudei o lugar para não ter lembrança. Na hora que ele entrou, me pegou pelo pescoço. Colocou no chão de bruços. Rasgou minha roupa. Lembro do cheiro do perfume que ele usava. Ele me sufocou até eu perder o sentido. Ele continuou. Ele me estuprou de todos os jeitos e em todos os lugares. O jeito que ele pode, ele me violentou. Não sei se durou mais de uma hora. Eu pedia para aquilo acabar. Ficava com o cheiro do perfume no nariz. Meu rosto ficou ralado no tapete. Ele me segurava por uma mão e outra no meu pescoço. Ele ficou até onde não quis mais. Saia muito sangue das partes íntimas. Ele e o irmão, na época, davam aula de muai thai. Dava aula no batalhão. Conhecia os policiais da região. Eu não tinha para quem pedir ajuda. Ele deixou claro que se alguém soubesse, eu não ia sobreviver. Depois de três meses descobri que estava grávida. Eu senti uma culpa muito grande. Achei que a culpa era minha. Sabia que ia ter uma criança que me lembraria do que tinha acontecido. Ele soube que eu estava grávida. Ele me procurou. Pediu perdão. Falou que encontrou Deus. Falou que não ia fazer mais. Pediu perdão. Eu desculpei. Perdoei ele. Ele me disse que aceitou Jesus. Três dias depois ele me chamou para ir na casa dele. Eu fui. Eu estava grávida e ele me bateu na minha barriga, com intenção de me abortar. Ele tinha um cachorro. Maltratava bastante para ficar agressivo. Ele me deixava presa na casa dele e soltava o cachorro para não ter como sair. Como tenho muita facilidade com animal, fui criada na fazenda. Eu dava comida, fui amansando. Ele percebeu porque eu fugi duas vezes. Ele espancou o cachorro até morrer. Me disse que seria pouco do que ele faria isso. Falou que ia me matar com 15 facadas. Falou que ia me matar. Falou que ia se matar depois. Falou que não tinha medo da lei. Daí para frente, eu nunca relatei isso porque ele ameaçava matar meu pai, minha mãe e minha filha. Preferia apanhar do que ver eles num caixão. Vim implorar ajuda aqui. Eu não comia, não dormia. Da primeira vez o Dr. Renato me atendeu bem. Ele forneceu medida protetiva. Quando estava na medida protetiva, ele não procurou. Ele ficava na esquina olhando quem entrava e saia. Ele não chegou perto de mim, nem me agrediu. Depois da medida protetiva não continuou. Eu levei a última surra dele em 2017. Errei de não ter procurado ajuda no mesmo momento. Ele conhecia muita gente do rol de amizade dele. Não tinha como pedir ajuda. Encontrei os advogados Dr. Thomas e Dr. Roberto. Eles foram comigo na delegacia e relatei o que aconteceu. Eu coloquei o nome da médica, pois tinha hematomas no corpo. Só contei para minha mãe depois que fiz o relato na delegacia. Ele já estava conversando com minha mãe e pedia perdão. Quando minha mãe descobriu, ele ficou muito bravo. Ele veio para cima de mim e minha mãe não deixava ele chegar perto. Tenho crise de pânico. Faço tratamento psiquiátrico há 7 anos. Hoje esta sendo uma tortura lembrar tudo de novo. Ele consumou o ato sexual. Ele me segurou por três vezes. Foi anal e na vagina. Na época eu confidenciei ao meu psiquiatra. Quando comecei a fazer o tratamento com ele. Meu psiquiatra me orientou a falar com minha mãe. Não comentei com ninguém. Se falasse alguma coisa eu apanhava. Eu tenho crises de pânico e ansiedade. Não fui para o hospital. Fiquei na minha casa. Fiquei sangrando um bom tempo. Relatei que precisava fazer uma consulta numa ginecologista. A consulta com a ginecologista foi mais ou menos nessa época. Logo em seguida descobriu que eu estava grávida. Eu tinha mensagens de texto dele. Tinha feito perícia no meu celular. Foi feita perícia na polícia civil. Foi aceita na primeira audiência. Relatei as agressões físicas e psicológicas. Nas mensagens ele não colocava a palavra. Ele me dizia se eu falasse alguma coisa ia me matar com 15 facadas. O promotor não aceitou. Falou que não tinha provas suficientes. Quanto ao fato 02, ele me ameaçava por telefone. Ele falou que ia embora para Argentina, para estudar. Em 2018, sempre fazia as ameaças por telefone. Em 2018, fazia 3 meses que tinha ido embora. Fazia ameaças por telefone. Chamei a polícia. Ele ligava por volta das 20h. Eu relatava e não aconteceu nada. Ele ameaçava nas ligações. Ele ameaçava minha filha. Falava que ia matar minha filha na minha frente. Depois ia me matar. Dizia que ia me matar com 15 facadas por desobedece-lo. Sempre deixava uma faca de boi por perto, falando que ia usar aquilo. Quando ele pediu perdão, foi porque sabia o que tinha feito. Eu não voltei com ele. Ele pediu perdão e tentava retomar o relacionamento. Eu falava que não. Ele me falava que se não fosse com ele, não ficaria com mais ninguém. Ele falava que se me visse com macho na rua iria me bater e em mim. Fiquei esse período todo sem ninguém. Ele registrou a filha também no nome dele. Eu fui registrar minha filha. Ele me seguia. Quando parei em frente ao cartório, ele desceu junto. Eu pedi para ele ir embora. Ele me pediu para abortar, me batido, falei que não precisava ele estar ali. Falava que ia ser um vínculo para o resto da vida. Entrei em contato com minha ginecologista.”.
A mãe da vítima, [M], afirmou em Juízo que:
“Sou mãe de F A R. Sobre os fatos, em 2010 eu estava em Portugal. F A R estava em casa sozinha. Quando eu voltei, ela não comentou nada comigo. Só soube depois quando minha filha relatou o Dr. Thomas e o Dr. Disseram que iriam ajuda-la. Eu até recebi o casa. Não sabia que tinha acontecido isso. O L J em relacionamento deles foi muito perturbado. F A R mudou o comportamento. Estava muito triste e nervosa. Eu achava que o relacionamento não era bom para ela insistiu. Sempre fui contra o relacionamento dos dois. O nosso santo não batia. Eu achava que ele não era uma boa pessoa. O L J era lutador. Disseram que ele lutava na academia junto com o irmão dele. Não sei o que ele fazia. F A R tinha muito medo dele. Eu percebia que ela tinha medo dele. Quando nasceu a J, ela não quis que ele ficasse perto. Não o queria no hospital. Depois em casa, ela falava para mim não o deixar entrar. F A R estava muito assustada. Eles tinham terminado um relacionamento conturbado. Eu sabia que alguma coisa errada, que não estava certo entre eles existia. Eu percebi desde o começo do namoro dele. Ela tinha terminado um relacionamento com o Dr. F. Era amigo dos meus filhos. Ia ficar noiva do F. Conheceu esse rapaz. Eu achei que ela estava se envolvendo com algo que não era bom. Não sabia nada dele, nem quem era. O L J era controlador. Depois que eles separaram, eu a trouxe para casa. Ele queria ver a menina. Ela não deixava ele nem chegar perto. Ele falava que ia bater nela. Que ia fazer. Muitas pessoas viram isso. Onde ela trabalhava no hotel, teve uma menina que presenciou. Ele ameaçava. Eu sei que ela apanhava dele várias vezes. Eu nunca bati na minha filha. Ela sempre foi criada com carinho e amor. Ela era meio rebelde. Mas não fazia coisas atrapalhadas. Quando eu soube que ele batia nela, puxava o cabelo dela. Ela apanhava dele antes da menina nascer e depois também. Ela não queria que ele entrasse em casa. O L J é dissimulado Ele conquista a gente. Não sabia de nada. Só via as coisas dele, mas não sabia os detalhes. Eu deixei ele entrar na minha casa. Houve uma situação em que F A R estava em relacionamento com outra pessoa. Ele viu uma olheira no olho da J. Ela me disse que tinha caído perto do tio V. O L J ficou louco. F A R estava entrando em casa e O L J foi para bater na minha filha. Ele falava que não queria que ninguém ficasse perto dela. Ele me disse na varanda da minha casa, que se F A R arrumar alguém, disse que matava ela e matava a J. Ele me disse que também se mataria. O L J é pessoa completamente descontrolada. Isso foi na Rua Antonio Gentil. Não lembro o ano, mas foi antes dele ir para Argentina. Não lembro a data. Isso foi na varanda da minha casa. Ele falou isso para mim. Falei para ele ir viver a vida dela. Ele ligava lá em casa. Eu ficava assustada. Ele falava com J no telefone. Ele a ameaçava no telefone. Ele colocou o número dele sem identificação. Quando eu atendia, ele não falava nada. Não sei se era ele, mas não falava nada. Pouco depois, ligava de novo e era ele. As ameaças eram se ela arrumasse outra pessoa, ou se ficasse falando as coisas se contasse as coisas dele, dizia que ia matá-la. Pediu medidas protetivas. Quando ela não tinha medida protetiva. Ele ia lá ia no portão e fazia escândalo. Ele falava que ia pegar a filha e não ia. O negócio dele era a F A R. Usava a J para pegar a F A R. Soube do estupro quando ela foi na delegacia depor com os advogados. Ela chegou em casa em crise eu levei para o hospital com crise. Ela tinha as crises e não contava. Ela relatou para mim o que tinha acontecido. (Testemunha se emociona). Eu falava que era o preço da escolha dela. Eu não sabia desses detalhes. Só sabia das agressões dele com ela. Minha filha sempre foi uma pessoa alegre. Sempre tiveram o maior carinho com ela. Tenho dois filhos que moram em Portugal. Meus filhos pediram para eu não desamparar a F A R. Depois que fiquei sabendo do estupro. Quando ela foi ganhar a J, nasceu de 34 semanas. Ela pediu para a M A J DE O F que não o queria junto. Eu não sabia de nada. F A R dizia que não queria a presença dele. Achei estranho, pois demorou para F A R pegar a J. Eu a achava estranho. Ele chegou no quarto com um ramalhete de flores. Depois que ele saiu, ela pedia para jogar fora o ramalhete. Quando se tem um bebê se quer ficar com o filho, com o marido. Só fui entender quando ela me contou a história. Meu chão caiu. Minha filha jamais faria uma acusação falsa. Eu presenciei as loucuras dele em casa. Ele é uma pessoa que tem problema. Precisa de um tratamento. Tem umas atitudes estranhas. Ele pede perdão, chora. É dissimulado. Hoje eu vejo isso. Ela não tem razão nenhuma para ataca-lo. Minha neta não o quer como pai. Minha neta viu o O L J agredindo minha filha. Minha neta não quer o sobrenome dele. Ele só se aproxima da menina para perturbar ele. O Dr. Davi não queria que ela viesse na audiência hoje. Dr. Davi é o psiquiatra da minha filha. Eu a levei para fazer tratamento. Agora ela vai sozinha no tratamento. Eu que a acompanhei nas primeiras consultas. Ele é de SAP. Quando ela tem crise, eu a levei várias vezes com crises para o hospital. Antes dos fatos, de 2010, minha filha nunca teve nada. O Dr. Davi disse que ela tem um trauma. Não sei o nome completo dele. Quero pedir para . Quando tem a medida protetiva, ele nãomanter a medida protetiva chegou mais perto. Estou mais tranquila com a medida.”
A testemunha M A J DE O F, disse em Juízo que:
“Sobre os fatos, em relação ao estupro e violência sexual eu não sabia. Nunca F A R falou nada. Ela começou a fazer o pré-natal em setembro de 2010. Ela chegou grávida de quase 2 meses. Foi a primeira consulta que ela passou depois do ocorrido. Ela nunca referiu nada a isso. Ela estava muito triste. Foi um pré-natal muito difícil. Ele não apresentava interesse ou ânimo. As gestantes se tornam mais felizes. Eu nunca vi o rapaz. Eu perguntava quem era o pai e ela dizia que era um ex-namorado. No dia do parto, ela me pediu em situação de pavor, para não deixar ele entrar no quarto e não assistir o parto. Ela não me contou sobre o estupro em si. Não presenciei tipos de lesões. Quando surgiu a situação de estupro, fui ver os prontuários. Ela foi minha paciente de 1999 a 2010. Quando ela me procurou já chegou grávida. Ela já sabia da gravidez. Eu a atendi em situação de puerpério. Ela só voltou em 2017. Ela estava desconectada. Tomando medicamentos fortes. Tomava medicamentos por síndrome do pânico. Não conheci o réu. No dia do parto eu não vi o acusado lá. O que posso dizer o que me chamou atenção foi a indiferença e a tristeza dela no pré-natal. Isso me chamou a atenção. Não existe padrão em situação de estupro. Depois de duas semanas já descaracteriza bem. Na primeira consulta de pré-natal, ela não apresentava lesão. Dias antes de eu ir para delegacia, F A R me ligou. Me chamou a atenção. Ela estava bem desorientada, por medicamentos. Ela me disse que eu seria notificada porque ela tinha sido vítima de estupro e tinha feito o pré-natal com ela. . Ela só me procurou depois de quase dois meses de gravidez. Essa apatia e tristeza ela não tinha nas consultas anteriores. Ela foi de uma mudança de comportamento muito notória. Me chamou a atenção”.
O informante G F L, em juízo declarou que:
“o relacionamento do réu com a vítima era muito bom, que depois do seu irmão O L J e de F A R se separarem começaram as perseguições, que a família sempre esteve muito presente da vida da filha do réu e da vítima, que foi uma grande surpresa as denúncias de F A R. Disse que em um dia das crianças, foi até a casa da vítima para ver a sua sobrinha, que havia levado doces e chocolates para ela. Disse que ficou sabendo da gravidez através da vítima, que o réu cuidava muito bem da vítima. Disse que o cachorro do réu morreu de infarto. Disse que acredita que tudo é uma invenção de F A R por não ter aceitado o término do relacionamento dela com O L J e que ela é uma pessoa ruim.
A testemunha G S DE O, em juízo (mov. 175.1), declarou:
“que já conhecia O L J e F A R no ano de 2010; que namoraram no ano em questão; que aparentavam ter um relacionamento normal, de “marido e mulher”; que não ficou sabendo de eventual crime de estupro na época do Baile do Texas de 2010; que não ouviu falar sobre qualquer ameaça do réu para a vítima; que desconhece brigas entre o casal, tampouco o motivo do término da relação”
A testemunha de defesa M F V DE C P, ouvida em juízo disse:
“Sou policial militar. Sobre os fatos, 2008, O L J e F A R sempre os presenciei em pública. Um casal normal. Comum. Como outros casais de jovens. Isso durou por alguns anos. Não sei precisar. Lembro J grávida. Tenho a lembrança mais viva da criança. A criança sempre estava lá e o O L J cuidando. Os pais ajudavam também. J eu a via na loja Frequentava a academia do irmão do O L J. Estava acompanhado pela filha. Era uma relação de pai e filha. Nunca ouvi falar sobre estupro da J (F A R). Quando J estava grávida, eu não lembro. Frequentava mais a academia. Lembro de vê-los juntos. Eu sei que era um casal com desavenças Particularidade de casa casal. Não procuro saber. A namorada chama-se F A R”
O réu , em juízo, O L J negou os fatos, dizendo:
“Sobre o primeiro fato, é mentira. Tenho um celular. Não entrei na casa dela. Não fiz qualquer agressão contra ela, de forma alguma. De forma alguma. Fomos casados, ela foi morar comigo na minha casa. Trabalhávamos juntos numa loja na rua Padre Melo. Nossa filha foi gerada com muito amor. Na época que ela foi morar comigo na minha casa, eu já fui casado. Ela queria engravidar. Eu achava que não era o momento. Não estávamos bem financeiramente. Ela deixou de tomar remédios. Eu não sabia. O dia que ela chegou com o papel dentro da loja, meus pais moravam em Londrina. Para nós foi motivo de muita alegria. Ela engravidou. Ficamos contentes. Foi motivo de muita alegria e muita festa. Depois não deu mais certo. Nego o segundo fato. Meu relacionamento com a F A R durou até minha filha ter 3 anos. Foram cinco ou seis anos de relação. Ela morava comigo na minha casa. Ela saiu da casa da mãe dela e foi morar em casa. Ela tinha amizade com meu irmão. Ela treinava artes marciais. Sempre fomos um casal unido. Quando ela ficou grávida, estávamos juntos. Ela passou a gestação dela em casa comigo. Nosso relacionamento era público. Mudei para a Argentina em janeiro de 2018. Não tive arma de fogo em casa, jamais. Isso é mentira dela. Ela trabalhou no fórum de Jacarezinho. Ela foi estudante de direito. Não tem OAB. Não sei dizer quanto tempo, quanto tempo ela trabalhou em Jacarezinho. Ela é pessoa inteligência e estudada. Se tivesse acontecido, ela teria tomado providências. F A R é minha ex-convivente e J é minha filha ”.
A prova oral produzida durante a instrução processual e consignada acima, comprovou de forma absoluta, os fatos narrados na inicial acusatória, não se podendo imaginar eventual absolvição, por insuficiência probatória.
A prova produzida demonstrou que a vítima manteve com o apelante um relacionamento, por pelo menos seis meses, no ano de 2009, sendo que a vítima terminou, diante da violência doméstica que sofreu.
No ano de 2010, na festa conhecida como “Baile do Texas”, o casal já estava separado, tendo o apelante ido até a residência da vítima, dizendo que estava machucado – havia brigado na rua -, pedindo para utilizar o telefone.
Após entrar na casa, usando desse artifício, imobilizoua vítima, segurando-a pelo pescoço e fazendo-a cair no chão, vindo a praticar conjunção carnal por três vezes, mediante violência real.
Desse estupro, resultou a gravidez.
A palavra da vítima foi bastante clara a respeito do evento narrado na denúncia e confirmada pelos depoimentos das testemunhas de acusação ouvidas – a mãe -, que de forma uníssona relataram o mesmo evento ilícito da vítima e a ginecologista praticado pelo apelante.
Sabe-se que, em relação à autoria, a jurisprudência há muito tempo é firme no sentido de que, nos crimes contra a dignidade sexual, a palavra da vítima assume papel preponderante e goza de presunção de veracidade, pois estes delitos costumam ser praticados às ocultas e não deixam vestígios.
[...]
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça atesta reiteradamente que “não há qualquer ilegalidade no fato de a acusação referente aos crimes contra a dignidade sexual estar lastreada no depoimento prestado pela ofendida, já que tais ilícitos geralmente são cometidos fora da vista de testemunhas, e muitas vezes sem deixar rastros materiais, motivo pelo qual a palavra da vítima possui especial relevância”, e inclusive que “a ausência de constatação de vestígios de violência sexual na perícia realizada na vítima é insuficiente para afastar a comprovação da materialidade delitiva, uma vez que, consoante a narrativa contida na denúncia, o réu não chegou a com ela praticar conjunção carnal, o que, frise-se, sequer é necessário para a consumação do (STJ, AgRg no RHC 109.966/MT, Rel. Ministro JORG Edelito pelo qual foi acusado” MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 11/04/2019, D Je 22/04/2019).
Neste caso, a palavra da vítima possui especial importância, até porque “tem sido dado maior valor probatório à palavra da vítima no caso de crimes cometidos na clandestinidade, por ocorrerem longe dos olhos de terceiras pessoas que poderiam . intervir como testemunhas, como nos crimes sexuais”
Portanto, para formar o conjunto probatório, o depoimento da ofendida assume relevância ainda maior no que se refere aos chamados crimes contra a dignidade sexual, quando a palavra da vítima é sempre de capital importância, para fins de condenação.
[...]
O depoimento do irmão do acusado tem valor judicial reduzido, principalmente porque foi ouvido na qualidade de informante, ficando claro que não gostaria de ver seu irmão condenado. As demais testemunhas de defesa não infirmam o relato da vítima, sendo que o policial militar ouvido deixou claro que sabia das desavenças do casal.
A negativa do apelante restou isolada nos autos, denotando, inclusive a dissimulação afirmada pela mãe da vítima.
Pelas provas produzidas ficou evidente o estupro, suas circunstâncias e o modus operandi do acusado, o qual inclusive ameaçava a vítima, gerando a necessidade de medidas protetivas, previstas na Lei Maria da Penha.
Importante citar, como o fez também o nobre Procurador de Justiça, a impecável fundamentação trazida pelo Dr. Renato Garcia, em sua sentença. Veja-se:
“inegável que o réu praticou os delitos que lhe são imputados. Isso porque os fatos foram confirmados pela vítima e sua mãe, além do que, as peculiaridades do crime também foram apontadas e retratadas de forma técnica pela médica que acompanhou o pré-natal. Embora as lesões não tenham permanecido até o primeiro atendimento da médica, é certo que o crime imputado pode ser reconhecido pelo relato detalhado da vítima e os outros sinais presenciados e vividos tanto pela genitora, como também pela médica que acompanhou a gestação. A alegação do acusado de que ele e a vítima moravam juntos, não procede, já que tal circunstância não foi confirmada, nem pelas testemunhas de defesa. Aliás, o próprio irmão do acusado, em sua oitiva, relata de forma bastante superficial, uma suposta convivência entre o casal, mas ressalta, inclusive, os intensos conflitos entre eles. Aliás, afirmava que o casal frequentava a sua casa, mas não aponta qualquer detalhe sobre a suposta convivência, o suposto local onde moravam e o tempo de convivência. Observo ainda que a médica que atendeu a vítima em seu pré-natal foi contundente em afirmar que o casal não estava junto durante a gestação, tanto que o réu em momento algum a acompanhou nas consultas. Inclusive no dia do parto, a médica ainda faz referência de que a vítima não queria que o réu visse a filha e demonstrava pânico com a simples hipótese de que fosse até o local. Ora, o crime de estupro não se dá às claras, aos olhos de testemunhas. As próprias testemunhas de defesa e o irmão do acusado apontam que réu e vítima tinham um relacionamento conturbado e cheio de conflitos e brigas. Tanto é conturbado, que o réu já foi condenado, neste juízo por situações que envolvem violência contra a mulher, feito 0008955-74.2015.8.16.0098, dentre outros, inclusive com a própria vítima”.
As provas produzidas nos autos denotam o comportamento de um homem violento e dissimulado – que praticava a violência doméstica, aliás já condenado por tais crimes – contra a sua namorada, agindo de forma dissimulada para conseguir a confiança da vítima e de seus familiares, no entanto, demonstrando com o passar do tempo, todo o seu comportamento doentio no relacionamento amoroso.
Consta dos autos que a vítima fez Boletim de Ocorrência em desfavor do apelante O L J, requerendo as Medidas Protetivas de Urgência (movs. 6.3 e 6.6), sendo que estas Medidas Protetivas foram deferidas para proteger a vítima do réu, mov. 6.16.
Pelo depoimento da vítima e de sua mãe percebe-se que o apelante a tratava como se fosse sua posse exclusiva, não a respeitando, ameaçando, perseguindo e chegando ao limite de tê-la estuprado, com a consequente gravidez, advinda de tal ato.
A mãe da vítima, Sra. [M], deixou claro que sua filha pediu à médica que não deixasse o réu ficar no hospital, relatando, ainda, a mudança de comportamento dela, de uma moça radiante, para uma pessoa nervosa, medrosa e apatica.
Inclusive, relatou que a vítima demorou muito tempo para conseguir pegar a filha no colo, após o nascimento.
A defesa alega algumas inconsistências nos depoimentos da vítima, contudo, se trata de situação normal, até porque os fatos ocorreram há muito tempo (2010), todavia, o que vale é a essência do relato, que deixa certa a violência empregada para o intento sexual e ainda as constantes ameaças feitas pelo apelante.
Os depoimentos das testemunhas de defesa não infirmam os relatos da vítima, até porque sabemos que os fatos narrados ocorrem de forma clandestina, sem a presença de testemunhas, somado ao medo da vítima de mostrar as pessoas a real face do agressor doméstico.
A defesa afirmou que as fotografias juntadas comprovam a tese de que não ocorreram os fatos, ao contrário, elas revelam que a vítima efetivamente falou a verdade, pois informou que mesmo após o estupro, recebeu o réu e este pediu perdão, sendo que ela aceitou, contudo, o apelante voltou a ser agressivo e dissimulado.
De outro lado, fotografias podem até eternizar um momento, mas não contam a história por trás de todos os eventos, ate porque as pessoas não registram suas mazelas.
Como bem consignado pelo Magistrado, e derrubando a tese de que não fazia nada de errado, consta dos autos o registro das ligações telefônicas acostados no mov. 6.7, demonstrando a conduta delitiva do acusado, no caso as ameaças que fazia e relatadas pela vítima.
Portanto, as provas colacionadas acima são seguras e aptas a conferir a segurança necessária da prática dos crimes narrados na denúncia, sendo de rigor a manutenção do decreto condenatório.” (fls. 544/559)
No caso, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná decidiu pela manutenção da condenação do recorrente, com fundamento no robusto conjunto probatório colhido sob o crivo do contraditório, especialmente no depoimento pormenorizado da vítima, corroborado pelos relatos de sua genitora e da ginecologista que a acompanhou durante as consultas de pré-natal.
Conforme se depreende do detalhado depoimento da vítima, ela manteve relacionamento amoroso com o recorrente entre os anos de 2008 e 2009, período em que era submetida a constantes agressões físicas e psicológicas, inclusive nos meses subsequentes ao término da relação. Relatou ameaças reiteradas, com exibição de armas e soltura de cão bravo, para impedi-la de sair de casa ou denunciar as agressões. A vítima afirmou viver sob constante temor, uma vez que o recorrente ameaçava matar não apenas a ela, mas também seus pais.
Em relação ao crime de estupro, a vítima descreveu com riqueza de detalhes o episódio em que, já separada do recorrente, permitiu sua entrada na residência e foi, em seguida, imobilizada, sufocada e abusada sexualmente, mediante conjunção carnal pela via anal e vaginal, apesar de seus insistentes pedidos para que cessasse a violência. Após o ato, o recorrente a ameaçou, afirmando que, se alguém soubesse do ocorrido, ela não sobreviveria.
Meses após o estupro, a vítima descobriu-se grávida e passou a sofrer novas agressões, inclusive com socos na região abdominal, com o intuito de provocar o aborto. Declarou, ainda, que era continuamente ameaçada de morte — sua e de seus familiares, inclusive da filha em comum —, caso fosse vista com outro homem.
A vítima afirmou que demorou a procurar as autoridades por medo de represálias, chegando a dizer que “preferia apanhar do que ver eles num caixão” (fl. 546). Após algum tempo, obteve medida protetiva, embora as agressões tenham persistido. Sua genitora, inclusive, precisou intervir em um episódio em que o recorrente a ameaçou fisicamente.
A vítima também relatou que faz tratamento psiquiátrico contínuo, em razão das consequências psicológicas dos abusos, como crises de pânico e ansiedade. Relatou que começou a se consultar com ginecologista pouco antes de descobrir a gestação.
A mãe da ofendida, [M], confirmou os episódios de violência e ameaças. Relatou que presenciou uma tentativa de agressão física, bem como que o recorrente ameaçava a filha constantemente, inclusive por telefone, e chegou a dizer que mataria mãe e filha se a vítima se relacionasse com outro homem. Confirmou, ainda, que só tomou conhecimento do estupro quando sua filha procurou a delegacia e revelou os fatos.
Por sua vez, a médica que acompanhou a ofendida durante o pré-natal e o parto confirmou que a primeira consulta ocorreu cerca de dois meses após o estupro, já com gestação avançada. Declarou que, apesar da ausência de lesões aparentes — o que é compatível com o tempo decorrido —, a paciente demonstrava tristeza e apatia. Relatou também que, no dia do parto, a vítima pediu, em situação de pavor, que o recorrente fosse impedido de assistir ao nascimento da filha. No puerpério, a paciente apresentava sintomas de pânico e fazia uso de medicação controlada.
Cumpre destacar que, em delitos contra a dignidade sexual, normalmente praticados sem testemunhas presenciais e sem deixar vestígios, esta Corte Superior possui jurisprudência consolidada no sentido de que a palavra da vítima possui especial relevância, sobretudo quando encontra amparo em outros elementos probatórios.
É exatamente o que ocorre na espécie: o depoimento da vítima, prestado sob contraditório, foi corroborado por testemunhos consistentes e coerentes de sua mãe e da ginecologista, formando um conjunto probatório suficiente para sustentar a condenação, devendo prevalecer sobre a mera negativa genérica apresentada pelo recorrente. Ademais, conforme consignado no acórdão recorrido, as testemunhas de defesa não foram capazes de infirmar os relatos da vítima, sendo que um policial militar ouvido em juízo confirmou a existência de desavenças entre as partes, o que confere verossimilhança à narrativa da ofendida.
A ausência de exame pericial também não compromete a materialidade delitiva, uma vez que, conforme registrado, a vítima apenas procurou atendimento médico meses após o estupro, sendo natural que não houvesse vestígios físicos detectáveis. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a materialidade dos crimes sexuais pode ser demonstrada por outros meios de prova, não se exigindo exame de corpo de delito quando este se torna inviável.
Portanto, estando a condenação embasada em prova oral consistente, oriunda de três testemunhos colhidos em juízo sob o contraditório, a revisão do julgado exigiria reexame do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça.
Nesse sentido, colhem-se precedentes desta Corte (grifos nossos):
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. EXAME DE CORPO DE DELITO. PROVA TESTEMUNHAL. AGRAVO DESPROVIDO.
[...]
4. A jurisprudência do STJ admite a condenação sem exame de corpo de delito quando há outros meios de prova, especialmente em crimes contra a dignidade sexual, onde a palavra da vítima é considerada suficiente se corroborada por outros elementos.
5. O Tribunal de origem fundamentou a decisão com base na coerência da palavra da vítima e em depoimentos de testemunhas, considerando que a ausência de exame de corpo de delito não invalida os demais elementos probatórios.
6. A ausência de lesões descritas no boletim médico não impede a condenação, pois o crime de estupro pode ocorrer sem vestígios físicos aparentes, bastando a grave ameaça.
7. O reexame do acervo fático-probatório é vedado em recurso especial, conforme a Súmula 7 do STJ, e a decisão está em consonância com a jurisprudência consolidada, atraindo a incidência da Súmula 83 do STJ.
IV. Dispositivo e tese
8. Agravo desprovido.
Tese de julgamento: "1. A condenação por crimes de natureza sexual pode ocorrer sem exame de corpo de delito quando há outros elementos probatórios que confirmam a materialidade e autoria do delito. 2. A palavra da vítima, quando coerente e corroborada por outros elementos, é suficiente para a condenação em crimes sexuais. 3. A ausência de exame de corpo de delito não invalida a condenação se há outros meios de prova que demonstram a prática delitiva".
[...]
(AgRg no AREsp n. 2.692.108/RS, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 30/4/2025.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO STJ. PALAVRA DA VÍTIMA. ESPECIAL RELEVÂNCIA EM DELITOS SEXUAIS. CONFIRMAÇÃO PELA PROVA TESTEMUNHAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Com base nas provas dos autos, o Tribunal local concluiu pela condenação do réu. A vítima descreveu os atos libidinosos com riqueza de detalhes, o que foi confirmado pelos depoimentos da professora e da orientadora da escola em que a agredida estudava. Embora as testemunhas não hajam presenciado os fatos, o que quase sempre ocorre em crimes contra a dignidade sexual, elas apontaram importantes características no comportamento da criança indicativas de abusos sexuais, como uma gravidez psicológica.
2. Para alterar a conclusão da Corte de origem, com o intuito de absolver o recorrido, seria necessário o reexame de fatos e provas, procedimento vedado segundo o teor da Súmula n. 7 do STJ.
3. Em delitos contra a dignidade sexual, normalmente praticados na clandestinidade, a palavra da vítima, reforçada pelos demais elementos de prova - no caso, a prova testemunhal -, assume especial relevância.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.458.176/TO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 23/5/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VUNERÁVEL. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM DEMAIS PROVAS. SÚMULA N.7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, em delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, a palavra da vítima tem especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas acostadas aos autos. Precedentes.
2. A Corte de origem motivadamente concluiu pela presença de provas suficientes a comprovar a autoria e a materialidade do delito - palavra da vítima, em consonância com as demais provas dos autos. Assim, para se verificar elementos aptos a ensejar a absolvição do agravante seria necessário, invariavelmente, o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.467.901/SC, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 7/5/2024, DJe de 10/5/2024.)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE. MANUTENÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
[...]
2. A defesa pretende a absolvição do réu por insuficiência probatória quanto à autoria e à materialidade da prática dos delitos tipificados nos arts. 147 e 213, ambos do Código Penal - CP (ameaça e estupro), ao fundamento de que apenas a palavra da vítima teria lastreado a condenação, já que as testemunhas ouvidas em juízo não presenciaram os fatos e não houve laudo pericial que pudesse demonstrar vestígios da infração.
3. A Corte estadual destacou o especial valor da palavra da vítima nos crimes sexuais e assinalou que, na hipótese dos autos, tal prova foi devidamente corroborada pelos depoimentos das testemunhas, todos colhidos em juízo. Ainda, ressaltou que não foram evidenciados quaisquer motivos que levassem a mãe (vítima) a incriminar falsamente seu próprio filho (réu).
4. Com efeito, em crimes de natureza sexual, a palavra da vítima possui relevante valor probatório, uma vez que nem sempre deixam vestígios e geralmente são praticados sem a presença de testemunhas (AgRg no AREsp n. 2.030.511/SP, nossa relatoria, Quinta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 3/5/2 022).
5. No caso, o acórdão recorrido concluiu que a palavra da vítima estava em consonância com as demais provas dos autos, de maneira que, para concluir de modo diverso, pela absolvição por insuficiência probatória, seria necessário rever as circunstâncias fáticas e as provas constantes nos autos, providência vedada pela Súmula n. 7 do STJ.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.274.084/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 15/8/2023, DJe de 18/8/2023.)
Ante o exposto, conheço, em parte, do recurso especial e, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, nego-lhe provimento.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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