1. Carlos Miguel Montagnani (Recorrente) x 2. Ministério Público Do Estado Do Paraná (Recorrido)
ID: 329674672
Tribunal: STJ
Órgão: SPF COORDENADORIA DE PROCESSAMENTO DE FEITOS DE DIREITO PENAL
Classe: RECURSO ESPECIAL
Nº Processo: 0001136-53.2017.8.16.0151
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RODRIGO JOSÉ MENDES ANTUNES
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
REsp 2020527/PR (2022/0255867-8)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
CARLOS MIGUEL MONTAGNANI
ADVOGADO
:
RODRIGO JOSÉ MENDES ANTUNES - PR036897
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTAD…
REsp 2020527/PR (2022/0255867-8)
RELATOR
:
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
RECORRENTE
:
CARLOS MIGUEL MONTAGNANI
ADVOGADO
:
RODRIGO JOSÉ MENDES ANTUNES - PR036897
RECORRIDO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
CORRÉU
:
MARCOS GABRIEL ARAUJO
DECISÃO
Cuida-se de recurso especial interposto por CARLOS MIGUEL MONTAGNANI com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ - TJPR em julgamento da Apelação Criminal n. 0001136-53.2017.8.16.0151.
Consta dos autos que o recorrente foi condenado como incurso no art. 319 (prevaricação), c/c o art. 327, § 2º, ambos do Código Penal - CP, na forma do art. 71, caput, do CP (FATO 2), às penas de 7 meses e 23 dias de detenção e 23 dias-multa; no art. 321, parágrafo único (advocacia administrativa), c/c o art. 327, § 2º, do CP, na forma do art. 71, caput, do CP (FATO 4), às penas de 6 meses e 16 dias de detenção e 19 dias-multa; e no art. 313-A (inserção de dados falsos em sistema de informações), c/c o art. 327, § 2º, do CP, na forma do art. 71, caput, do CP (FATO 7), às penas de 3 anos, 7 meses e 16 dias de reclusão e 16 dias-multa, tendo sido reconhecida a continuidade delitiva entre os crimes previstos nos fatos 2 e 7 (art. 71 do CP) e o concurso material entre os delitos narrados nos fatos 4 e 7 (art. 69 do CP), resultando a pena total de 5 anos, 5 meses e 9 dias de reclusão e 6 meses e 16 dias de detenção, em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 43 dias-multa. Além disso, foi determinada a perda do cargo público, nos termos do art. 92, I, do CP (fls. 17165/17246).
O TJPR "deu provimento parcial às apelações do Ministério Público e do recorrente, mantendo a condenação de Carlos pela suposta prática, em continuidade delitiva (art. 71, CP), de crimes de prevaricação (fatos 01 e 02 – art. 319), advocacia administrativa (fato 04 – art. 321, parágrafo único, CP) e inserção de dados falsos em sistema de informações (fato 07 - art. 313-A, CP), e pela suposta prática, em concurso material, do crime de prevaricação (fato 03 - art. 319, CP), todos combinados com o art. 327, §2º, do Código Penal" (fl. 17763).
Ainda, "após acolhimento dos embargos declaratórios do Parquet, fixou pena definitiva em relação aos fatos 01, 02, 04 e 07, de 04 anos, 04 meses e 15 dias de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime semiaberto (mov. 24.1 – ED2). Quanto ao fato 03, fixou pena de 05 meses de detenção, substituída por uma pena restritiva de direitos (limitação aos finais de semana)" (fl. 17763).
Em sede de recurso especial (fls. 17762/17809), a defesa alega que a sentença não analisou, minimamente, as provas defensivas, violando os arts. 155, 381, III, e 564, V, do Código de Processo Penal, o que resulta em nulidade por falta de fundamentação. Salienta que no édito condenatório não houve qualquer menção e valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas de defesa.
Sustenta, ainda, que houve a violação aos arts. 252, II, e 258, ambos do Código de Processo Penal, devido à oitiva judicial como testemunha do Promotor de Justiça que atuou na fase investigativa, o que seria ilegal.
Defende, ademais, a ofensa ao art. 319 do Código Penal, em razão da atipicidade das condutas descritas nos fatos 1 e 3, sob o fundamento de que as movimentações processuais realizadas para registrar o impedimento do recorrente não configuram crime de prevaricação.
Também aduz a ofensa ao art. 319 do Código Penal ante a atipicidade do fato 2, pois a expedição de intimações às partes é considerada uma atividade cartorária legal e não um ato contra a lei.
Aponta a contrariedade ao art. 321, parágrafo único, do Código Penal, em razão da atipicidade do fato 4, haja vista que movimentações realizadas em feriado não configuram advocacia administrativa, além da mesma conduta já ter sido tipificada como prevaricação no fato 1. Destaca que o voto declarado negou provimento ao apelo ministerial para manter a absolvição do recorrente pelo aludido delito, previsto nos fatos 5 e 6.
Aduz a ofensa ao art. 313-A do Código Penal, diante da atipicidade do fato 7, argumentando que a alteração de dados no sistema PROJUDI não configuram a conduta descrita no referido crime, pois foi realizada conforme determinação judicial.
Indica a violação dos arts. 619 e 620 do CPP, ante o não saneamento da contradição constatada em embargos de declaração, pelo simples motivo de se referir à parte do voto declarado.
Alega, outrossim, a ofensa aos arts. 59 e 319 do Código Penal, pois a valoração negativa dos motivos do crime, por suposto objetivo de obtenção de vantagem, configura bis in idem, haja vista ser elemento do tipo penal.
Argumenta, também, que houve violação ao princípio do juiz natural e aos arts. 564, I, e 618, ambos do Código de Processo Penal, devido à alteração do quórum julgador nos embargos de declaração opostos pelo Ministério Público.
Por fim, indica a existência de divergência jurisprudencial quanto aos arts. 155, 381, III, e 564, V, do CPP, em relação à nulidade da sentença por ausência de fundamentação acerca das provas defensivas, comparando com o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Requer, assim, o provimento do recurso, nos termos expostos.
Contrarrazões do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ (fls. 17815/17824).
Admitido o recurso no TJ (fls. 17827/17833), os autos foram protocolados e distribuídos nesta Corte. Aberta vista ao Ministério Público Federal, este opinou pelo desprovimento do recurso especial (fls. 17979/17985 ).
É o relatório.
Decido.
Sobre a violação aos arts. 155, 381, III, e 564, V, do CPP, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ afastou a alegada ausência de fundamentação da sentença nos seguintes termos do voto do relator (grifos nossos):
"Da nulidade da sentença por violação ao art. 93, inciso IX, da CF e aos arts. 155 e 381, inciso III, ambos do Código de Processo Penal, em razão da flagrante ausência de fundamentação e da inexistência de valoração das provas produzidas durante a instrução processual
Neste ponto, razão não lhe sustenta.
Com efeito, do exame da sentença hostilizada, depreende-se a utilização de fundamentação adequada pela Juíza de Direito de primeiro grau, tendo a mesma motivado de forma clara e coerente a razão das condenações e demais questões.
Como se viu, a nobre julgadora singular justificou sobejamente as condenações das quais se recorre, bem como as demais questões abordadas neste aspecto.
Ademais, as conclusões do juízo a quo foram alicerçadas em raciocínio concatenado, autorizado pelo princípio do livre convencimento motivado, atendendo, desta maneira, ao previsto nos arts. 93, inc. IX, da Carta Magna e 155 e 381, inc. III, ambos do CPP.
Não bastasse, quando se trata de nulidade processual, imprescindível a demonstração dos danos experimentados, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief (artigo 563 do CPP), o que não ocorreu no caso ora tratado.
Na hipótese, não houve comprovação de qualquer lesão supostamente suportada pelo acusado, eis que, como dito, o édito condenatório fora devidamente abalizado.
[...]
Neste interim, como obtemperou a d. Procuradoria Geral de Justiça no mov. 21.1-TJ, 'da leitura da r. sentença, denota-se claramente que a d. Magistrada apreciou todos os elementos dos crimes imputados, em especial, a tipicidade e dolo do agente, a materialidade delitiva e autoria, tudo embasado em depoimentos testemunhais, interrogatórios e provas documentais'.
Assim, tendo a sentença condenatória, ainda que de maneira sucinta, apresentando fundamentação baseada em prova produzida nos autos, observa-se que a r. decisão encontra em conformidade com o artigo 93, inc. IX, da Constituição Federal, motivo pelo qual não se vislumbra o aventado constrangimento ilegal a ensejar a sua nulidade”.
Destarte, imperiosa a rejeição da tese." (fls. 17199/17200).
Extrai-se do trecho acima que o Tribunal de origem afastou a tese de nulidade por ausência de fundamentação e valoração de provas pelo Juízo sentenciante, sob o entendimento de que a sentença de primeiro grau foi adequadamente motivada, com a apresentação de argumentos claros e coerentes. Destacou que a Juíza apreciou os elementos essenciais dos crimes imputados – como tipicidade, dolo, materialidade e autoria – com base em provas documentais, testemunhais e interrogatórios.
Além disso, o acórdão atacado enfatizou o respeito ao princípio do livre convencimento motivado, bem como o cumprimento dos dispositivos constitucionais e processuais pertinentes (art. 93, IX, da CF, e arts. 155 e 381, III do CPP).
Na hipótese, a conclusão do Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, sendo certo que o art. 155 do CPP dispõe sobre o princípio do livre convencimento motivado, o qual estabelece que o julgador tem liberdade para formar sua convicção com base na livre apreciação das provas produzidas em contraditório judicial, desde que fundamente de forma adequada sua decisão, como na hipótese, em que foi concluído que a condenação do recorrente pelos fatos delitivos que lhe foram imputados foi devidamente motivada e amparada nos elementos e provas amealhados aos autos.
Não bastasse, rever a referida conclusão do Tribunal de origem sobre a adequada fundamentação apresentada no édito condenatório demandaria a ampla análise do conjunto fático-probatório do feito criminal, o que encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ.
Nesse sentido, os seguintes precedentes (grifos nossos):
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS AGRAVOS REGIMENTAIS NOS AGRAVOS EM RECURSOS ESPECIAIS. TEMPESTIVIDADE DOS RECURSOS. COMPROVAÇÃO DO RECESSO FORENSE, POR MEIO DE DOCUMENTO IDÔNEO, NO MOMENTO DA INTERPOSIÇÃO DA INSURGÊNCIA. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DELITIVA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIÁVEL. VERBETE 7 DA SÚMULA DO STJ.
1. Os agravos em recursos especiais interpostos por Luccas Augusto Nogueira Adib Antonio e Luís Felipe Viera Rangel são tempestivos, pois, ao contrário daquilo que consta no acórdão embargado, há nos autos documento válido que comprova o recesso forense local. Assim, os embargos devem ser acolhidos em parte, a fim de corrigir a contradição.
2. Conforme o princípio do livre convencimento motivado, o magistrado formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (art. 155 do CPP).
3. O Tribunal de origem entendeu que não era o caso de desclassificação para a figura típica prevista no art. 129, § 1º, III, do Código Penal (lesões corporais graves), em virtude dos laudos técnicos que comprovam a natureza gravíssima das lesões sofridas pela vítima, pois permaneceu incapacitada para as ocupações habituais por mais de 30 dias, assim como passou a apresentar debilidade permanente da função mastigatória e deformidade permanente no rosto.
4. Chegar a um entendimento diverso do Tribunal de Justiça, implicaria o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, providência inviável no julgamento do recurso especial, conforme verbete 7 da Súmula do STJ.
5. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, apenas para conhecer dos agravos em recursos especiais (fls. 1.753-1.763 e 1.765-1.779), mas negar-lhes provimento.
(EDcl no AgRg no AREsp n. 2.114.416/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 7/11/2023, DJe de 10/11/2023.)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PLEITOS DE ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. PLEITO DE RECONHECIMENTO E APLICAÇÃO DO REDUTOR ESPECIAL. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. CONDENAÇÃO POR ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA. PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. INCOMPATIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA SEÇÃO. PRECEDENTES. CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 40, V, DA LEI DE DROGAS. PRETENSO AFASTAMENTO. INTERESTADUALIDADE COMPROVADA PELAS PROVAS DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ.
1. A pretensão relativa ao reexame do mérito da condenação proferida pelo Tribunal a quo, ao argumento de ausência de suporte fático do delito em comento, nos termos expostos no recurso em exame, não encontra amparo na via eleita. Para acolher-se as pretensões de absolvição, seria necessário o reexame aprofundado do conjunto fático-probatório, providência incabível na via estreita do recurso especial, em função do óbice constante na Súmula 7/STJ.
2. As instâncias ordinárias, após toda a análise do conjunto fático-probatório amealhado aos autos, concluíram pela existência de elementos concretos e coesos a ensejar a condenação do acusado pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006). Por essas razões, mostra-se inviável a absolvição do réu, sobretudo em se considerando que, no processo penal, vigora o princípio do livre convencimento motivado, em que é dado ao julgador decidir o mérito da pretensão punitiva, para condenar ou absolver, desde que o faça fundamentadamente, tal como ocorreu no caso. [...] Uma vez que as instâncias ordinárias - dentro do seu livre convencimento motivado - apontaram elementos concretos, constantes dos autos, que efetivamente evidenciam a estabilidade e a permanência exigidas para a configuração de crime autônomo, deve ser mantida inalterada a condenação do réu em relação ao delito de associação para o narcotráfico. [...] Para entender-se de forma diversa e afastar a compreensão das instâncias de origem de que o agravante se associou, com estabilidade e permanência, para o fim de praticar o crime de tráfico de drogas, seria necessário o revolvimento do acervo fático-probatório amealhado aos autos, providência que esbarra no enunciado da Súmula n. 7 do STJ (AgRg no AREsp n. 2.094.319/MG, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 10/6/2022).
[...]
7. Agravo regimental provido, reconsiderando a decisão agravada, para conhecer parcialmente do recurso especial, e, nessa extensão, negar-lhe provimento.
(AgRg no AREsp n. 2.153.883/GO, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 16/2/2023.)
Também foi considerado pelo Tribunal de origem, no ponto, o princípio do pas de nullité sans grief, o qual dispõe sobre a ausência de nulidade sem demonstração de prejuízo, previsto no art. 563 do CPP, ressaltando que o ora recorrente não comprovou qualquer dano processual específico.
De fato, tal entendimento encontra respaldo na jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que não deve ser declarada nulidade processual sem a devida demonstração de prejuízo concreto. Ressalta-se, ainda, que a condenação, por si só, não é geradora de prejuízo, cabendo à defesa demonstrar que, caso não tivesse ocorrido a alegada nulidade – menção aos depoimentos das testemunhas de defesa –, acarretaria a absolvição, hipótese não ocorrida nos autos.
No mesmo sentido, citam-se precedentes (grifos nossos):
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. APELAÇÃO DA DEFESA. CONTRARRAZÕES AO APELO DEFENSIVO. ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. APRESENTAÇÃO TARDIA. MERA IRREGULARIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS. INOCORRÊNCIA. ALEGADA NULIDADE. PREJUÍZO CONCRETO NÃO EVIDENCIADO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. ARTIGO 563 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. É firme a jurisprudência deste Superior Tribunal no sentido de que a apresentação extemporânea das razões ou contrarrazões recursais pela parte, mesmo acusadora, constitui mera irregularidade, que não impõe o desentranhamento da peça processual, tampouco impede o conhecimento do recurso interposto ou das contrarrazões. Precedentes.
2. Inexistem razões para manietar a aplicação do mesmo raciocínio às contrarrazões ao apelo defensivo apresentadas a destempo pelo assistente de acusação, não havendo falar em ofensa ao princípio da paridade de armas.
3. Ademais, esta Corte Superior possui entendimento consolidado no sentido de que o reconhecimento de eventual nulidade, relativa ou absoluta, exige a comprovação de efetivo prejuízo, vigorando o princípio pas de nullité sans grief, previsto no art. 563, do CPP. Precedentes.
4. In casu, a Corte local, no julgamento dos embargos de declaração, consignou que os elementos de convicção que lastrearam o édito condenatório em relação ao ora recorrente "foram exaustivamente enfrentados pela Turma Julgadora que, definitivamente, não se pautou unicamente no contrarrazoado da Procuradoria Geral do Estado, como quer fazer crer a defesa" (e-STJ fl. 1287). O Tribunal a quo destacou, ainda, que os argumentos trazidos pelo assistente de acusação, nas contrarrazões, não eram dotados do ineditismo alegado pela defesa (e-STJ fl. 1286).
5. Da análise do acórdão recorrido se extrai que, ao revés do que afirma a defesa, a condenação foi mantida pelo Tribunal local com fundamento na confissão do próprio recorrente, em Juízo, de que possuía procuração para administrar a empresa Omara Commercial Ltd. [sic], offshore que, por sua vez, administrava a H Sul Empresa Textil Ltda. (e-STJ fl. 1214), bem como na prova oral colhida em ambas as fases da persecução penal (e-STJ fls. 1214/1216), havendo, ainda, prova documental no sentido de que o ora recorrente, mesmo após sua "fraudulenta saída da sociedade", outorgou "procuração a escritório de advocacia para representar a H Sul Empresa Textil Ltda. em autos de execução fiscal (p. ex. execução 1000246-44.2017.8.26.0014)" (e-STJ fl. 1217).
6. Desse modo, no presente caso, não demonstrado efetivo prejuízo em razão da nulidade suscitada, não merece prosperar a pretensão defensiva.
7. Outrossim, oportuno consignar que "a condenação, por si só, não pode ser considerada como prejuízo, pois, para tanto, caberia ao recorrente demonstrar que a nulidade apontada, acaso não tivesse ocorrido, ensejaria sua absolvição, situação que não se verifica os autos" (AgRg no AREsp 1.637.411/RS, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 26/5/2020, DJe 3/6/2020).
8. Agravo conhecido para negar provimento ao recurso especial.
(AREsp n. 2.503.468/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 21/5/2025.)
DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. INVERSÃO DA ORDEM DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. AGRAVO DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial, com fundamento no art. 253, parágrafo único, inciso II, alínea "a", do Regimento Interno do STJ. O agravante foi condenado à pena de 15 anos de reclusão pela prática do crime de estupro de vulnerável em continuidade delitiva (art. 217-A, caput, c/c art. 71, do Código Penal).
2. A defesa alegou violação ao art. 212 do Código de Processo Penal, sustentando que o juízo de primeiro grau teria assumido papel ativo na produção da prova, conduzindo diretamente a inquirição de testemunhas, em violação ao sistema acusatório. Além disso, argumentou violação ao art. 217-A do Código Penal, alegando que a conduta do recorrente não configuraria o delito de estupro de vulnerável, mas sim o crime de importunação sexual, previsto no art. 215-A do Código Penal.
3. A decisão agravada considerou que a tese de nulidade foi devidamente afastada pela instância ordinária, que fundamentou sua decisão na inexistência de prejuízo concreto para a defesa, aplicando o princípio pas de nullité sans grief. Quanto à alegação de insuficiência probatória, o acórdão recorrido baseou a condenação nos depoimentos coerentes e harmônicos da vítima, corroborados por outras provas, como laudos psicológicos e testemunhos colhidos durante a instrução.
II. Questão em discussão
4. A questão em discussão consiste em saber se a inversão da ordem de inquirição de testemunhas pelo juiz, prevista no art. 212 do CPP, constitui nulidade relativa e se houve demonstração de prejuízo ao réu.
5. A questão também envolve a análise da suficiência probatória para a condenação, considerando a alegação de que a vítima não foi ouvida em juízo por meio do depoimento especial, nos termos exigidos pelo art. 11 da Lei nº 13.431/2017.
III. Razões de decidir
6. A jurisprudência do STJ estabelece que a inversão da ordem de perguntas, iniciadas pelo juiz, constitui nulidade relativa, exigindo a demonstração de efetivo prejuízo para ser declarada.
7. No caso concreto, a defesa não suscitou a nulidade em momento oportuno, resultando em preclusão, e ainda não houve a demonstração de prejuízo.
8. A decisão de não realizar o depoimento especial da vítima foi fundamentada na proteção contra a revitimização e no decurso de tempo desde o fato, conforme a Lei n. 13.431/2017.
9. A ausência de demonstração de prejuízo concreto pela defesa inviabiliza a alegação de nulidade processual, conforme o princípio pas de nulité sans grief e o art. 563 do Código de Processo Penal.
IV. Dispositivo e tese
10. Agravo desprovido.
Tese de julgamento: "1. A inversão da ordem de inquirição de testemunhas pelo juiz constitui nulidade relativa, exigindo a demonstração de efetivo prejuízo para ser declarada. 2. A ausência de demonstração de prejuízo concreto inviabiliza a alegação de nulidade processual. 3. A decisão de não realizar o depoimento especial da vítima, fundamentada na proteção contra a revitimização e no decurso de tempo, não configura nulidade processual."
Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 212; CPP, art. 563; Lei n. 13.431/2017, art. 11.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC 539.857/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/04/2020; STJ, AgRg no RHC 173.038/GO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 11/09/2023.
(AgRg no AREsp n. 2.658.690/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/4/2025, DJEN de 30/4/2025.)
Sobre a violação aos arts. 252, II, e 258, ambos do CPP, o TJ não reconheceu a nulidade em razão da alegada oitiva como testemunha do Promotor de Justiça que atuou no inquérito policial, nos seguintes termos do voto do relator (grifos nossos):
"Da nulidade da ação penal, em razão da oitiva do Promotor de Justiça que instaurou inquérito policial, coletou depoimentos, requereu diligências e conduziu o procedimento investigatório que deu origem à denúncia, atuação incompatível com a posição de testemunha e/ou informante.
Mais uma vez, razão não lhe sustenta. Nesse diapasão, vale esclarecer que, tal como a Juíza a quo trouxe em diversos trechos da sentença, a mesma afirmou categoricamente que não o utilizou na formação do seu convencimento judicial.
Vejamos:
'Neste ponto, assim como em todos os outros requerimentos de nulidade consignados nas alegações finais, o réu, ao justificar a ocorrência de prejuízo, é deveras genérico, utilizando-se de frases vazias como ‘não há dificuldade para se verificar o prejuízo causado à defesa’. Na verdade, como já asseverado supra, há sim dificuldade para se verificar o prejuízo, considerando-se que decretação da nulidade processual, ainda que absoluta, depende da demonstração do efetivo prejuízo, não bastando proposições genéricas.
O acusado não destacou quais pontos do depoimento do promotor, inequivocamente, faltam com imparcialidade; quais pontos representam, concretamente, obstáculos a sua defesa.
(...) Considero, assim, que a oitiva do Dr. Marcus Vinícius foi colhida de forma escorreita, não havendo que se falar na exclusão de seu depoimento, o qual, porém, não ostenta a qualidade de depoimento testemunhal, mas de mero informante, e sequer será considerado na formação do convencimento judicial.
(...) Por não estarmos diante de nenhuma das hipóteses consignadas em aludidos dispositivos, descabido excluir-se o depoimento, bastando a valorá-lo como depoimento de informante e friso, não ei de utilizar na formação da convicção judicial.
(...) No caso concreto, a posição do promotor contraditado é exatamente equivalente à do Delegado de Polícia, já que responsáveis por etapa investigativa pré-processual (frisando que o Promotor ouvido como informante não foi o subscritor da denúncia).
Outra circunstância que explicita a ausência de qualquer prejuízo à defesa é que a atuação do promotor informante consistiu, basicamente, em atos ordinatórios da investigação, sem emissão de pareceres. Assim, considerando não apenas a presunção de legalidade e legitimidade dos atos dos agentes públicos, como também o fato de que, em nenhum momento, alegaram-se quaisquer vícios no procedimento investigatório, o qual é plenamente hígido e imparcial, não há que se questionar, sem a necessária e idônea fundamentação específica, a imparcialidade do condutor dos atos ordinatórios da investigação.
Desta feita, entendo que a oitiva do Dr. Marcus Vinícius foi colhida de forma escorreita, não havendo que se falar na exclusão de seu depoimento, o qual, porém, não ostenta a qualidade de depoimento testemunhal, mas de mero informante e sequer será considerado na formação do convencimento judicial. Consequentemente, inexistente qualquer nulidade neste ponto'.
Por tais razões, afasta-se, portanto, tal preliminar" (fls. 17200/17201).
Extrai-se do trecho acima que o Tribunal de origem consignou que o Promotor de Justiça que presidiu o inquérito policial foi ouvido somente como informante, destacando, ainda, que o Magistrado singular foi categórico ao afirmar que o depoimento do Parquet não influenciou na formação do seu convencimento, além de assinalar que foi constatada a imparcialidade do membro ministerial. Além disso, ressaltou que a defesa, novamente, deixou de demonstrar o efetivo prejuízo advindo da oitiva judicial do membro do Ministério Público.
Tal entendimento encontra amparo na jurisprudência desta Corte Superior, pois, de fato, consoante anteriormente explanado, não há se falar em nulidade sem a demonstração de prejuízo – princípio do pas de nullité sans grief –, como na hipótese, em que a defesa não se desincumbiu de comprovar a mácula concreta advinda do depoimento judicial do aludido Promotor de Justiça. Ainda assim, a alteração do entendimento das instâncias ordinárias sobre a imparcialidade e ausência de influência do depoimento do Parquet na condenação do recorrente encontra óbice na Súmula n. 7 do STJ.
No mesmo sentido, cita-se precedente, mutatis mutandis (grifos nossos):
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ART. 400 DO CPP. PEDIDO DE NOVO INTERROGATÓRIO. SÚMULA 7 DO STJ. ART. 402 DO CPP. DOCUMENTO JUNTADO NA FASE DE ALEGAÇÕES FINAIS. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. SÚMULA 7 DO STJ. NULIDADE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL APRESENTADO DE FORMA DEFICIENTE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Art. 400 do CPP. Escuta de testemunha após a oitiva do réu. Alegação de ausência de realização de novo interrogatório. O Tribunal local asseverou que o juízo de primeiro grau concedeu à defesa a oportunidade de requerer nova oitiva do acusado. Contudo, segundo a Corte originária, o patrono do réu não requereu a realização de novo interrogatório.
Acolhimento do inconformismo demanda o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, uma vez que a fundamentação do apelo nobre conflita com as premissas fáticas do aresto impugnado. Incidência da Súmula 7 do STJ.
2. Art. 402 do CPP. Alegação de ausência de apreciação de prova juntada aos autos. Princípio do livre convencimento motivado. Pode o magistrado considerar uma ou outra prova irrelevante. Assim, o simples fato de a versão trazida pela defesa não ter sido acolhida pelo juízo não induz, a toda evidência, à nulidade do decisum. No caso em apreço, o Tribunal local asseverou que a condenação se encontra embasada em vasta prova, não existindo nulidade, pois os documentos juntados aos autos dizem respeito a outros financiamentos que não o analisado nos autos. Portanto, inexoravelmente, o acolhimento do inconformismo, segundo as alegações vertidas nas razões do especial, demanda o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, situação vedada pela Súmula 7 do STJ.
2.1. Ademais, "alegações genéricas de nulidade, desprovidas de demonstração do concreto prejuízo, não podem dar ensejo à invalidação da ação penal. É imprescindível a demonstração de prejuízo, pois o art. 563, do Código de Processo Penal, positivou o dogma fundamental da disciplina das nulidades - pas de nullité sans grief" (HC 207.808/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28/5/2013, DJe 6/6/2013).
[...]
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.706.176/PB, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 24/5/2018, DJe de 30/5/2018.)
De outra parte, sobre a condenação do recorrente pelos FATOS 1 e 3 (prevaricação), o Tribunal de origem apresentou a seguinte fundamentação:
"Dos fatos 01 e 03 da denúncia
Ao interpor recurso de apelação, o Ministério Público do Estado do Paraná se insurge contra a absolvição do réu em relação aos delitos descritos nos fatos 01 e 03, com relação aos quais foram imputados ao réu as condutas descritas nos artigos 319, c/c artigo 327, § 2º, ambos do Código Penal, por 38 (trinta e oito) vezes, na forma do artigo 71, do Código Penal.
Sustenta que o réu, na condição de escrivão da Vara Cível da Comarca de Santa Izabel do Ivaí, praticou atos de ofício, no intuito de satisfazer sentimento pessoal, favorecendo seus filhos e nora, autor e advogados nos processos por ele movimentados, mesmo estando impedido para atuar nos feitos.
Com relação aos fatos ora em discussão, a denúncia foi oferecida os seguintes termos:
[...]
Ao decidir pela absolvição, a magistrada singular entendeu que o acusado somente movimentou os processos nos quais estaria impedido para juntada justamente do aludido impedimento.
É de ser ressaltado que no momento em que existe uma situação de impedimento, qualquer ato de movimentação a partir de então constitui movimentação de forma indevida, inclusive no caso de impulsionamento do feito.
[...]
O crime de prevaricação que tem como objetivo punir funcionários públicos que dificultem, deixem de praticar ou atrasem, indevidamente, atos que são obrigações de seus cargos, os pratica contra a lei, ou apenas para atender interesses pessoais, e determina pena de detenção de três meses a um ano e multa.
Dos fatos ora narrados, observa-se que o réu, além de certificar o seu impedimento, fez juntada da guia de recolhimento de justiça gratuita e conclusão dos autos à magistrada em autos nos quais estava impedido de exercer suas funções, justamente no dia de feriado (dia do Funcionário Público), em 28.10.2014, entre as 21h03min e 23h30min horas, e no dia 29 de outubro de 2014, entre as 15h22min e 16h09min.
Ao se manifestar, o Procurador de Justiça afirma que, 'em que pese o entendimento da ilustre Magistrada, a materialidade se encontra evidenciada pelo Procedimento Investigatório Criminal nº MPPR 0128.15.000041-1 (mov. 7.2); Processo Administrativo Disciplinar instaurado em face do servidor Carlos Miguel (mov. 10.1 – 10.144), as provas produzidas nos autos de Improbidade Administrativa sob nº 1137-38.2017.8.16.0151 e nº 2896-20.2013.8.16.0105, e nos autos de Procedimento Investigatório Criminal nº 0001533-78.2018.8.16.0151, bem como dos depoimentos colhidos'.
Por certo que a autoria recai sobre o acusado no presente caso, uma vez que o crime de prevaricação é cometido por aquele que, para satisfazer interesse e sentimento pessoal, retarda, deixa de praticar ou pratica ato de ofício contra disposição expressa de lei para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
A prevaricação é crime formal, que se consuma sem a produção do resultado naturalístico, consistente na efetiva satisfação de interesse ou sentimento pessoal do agente público.
Conforme mais uma vez esclarece o d. Procurador de Justiça, 'trata-se de um crime funcional, isto é, um dos crimes que o agente público pode praticar contra o funcionamento regular da Administração Pública em geral. O ato de ofício é definido pela lei como o decorrente de trabalho do agente público, isto é, ato que deve ser praticado pela própria natureza do trabalho do agente, mesmo que não seja provocado para isso de forma específica. Seu retardamento, omissão ou a prática desvirtuada/ilegal do ato devem ocorrer para a satisfação de interesse ou sentimento pessoal do agente público.
O elemento subjetivo também restou comprovado porque o único argumento para justificar o seu comportamento altamente irresponsável está apenas na afirmativa de que a juntada de guia de recolhimento de justiça gratuita, assim como a declaração de impedimento com a remessa dos autos conclusos para Magistrada decorrem de determinação legal. Essa linha argumentativa deixa claro o intento do agente, experiente que é na labuta diária de um cartório judicial'.
Ao ser ouvido em juízo, o réu Carlos Miguel Montagnani confirma que fazia movimentações em processos nos quais era impedido, conforme consta das alegações finais apresentadas pelo Promotor de Justiça (mov. 612.1), porque tinha preocupação em fazer esses processos terem andamento: '(...) relacionado aos fatos 01 e 02, dava andamento, antes cumpria as determinações se usando do código de normas, depois lançava seu impedimento, porque tinha preocupação em fazer esses processos andarem, (...); as vezes nem ficava sabendo de Marcos ficar movimentando processos a noite essa questão de processos de seus filhos serem movimentados seria pelo tipo de processo ser igual, independente de houver outros mais antigos, pegava um tipo específico e fazia em bloco, entendia que mesmo estando impedido, era atribuição dele dar aquele andamento inicial, fazer a juntada, fazer concluso e juntar a certidão (...); nunca ninguém fez reclamação de seu serviço (...)'
Neste particular, resta demonstrado que o ora apelante Carlos Miguel, embora tenha declarado seu impedimento nos feitos em que seus filhos e nora eram partes, continuou movimentando os processos normalmente. Percebe-se dos autos que a conduta do acusado em questão se dava sempre da mesma forma: ele se declarava impedido, em razão do parentesco com as partes, no entanto, continuava a dar cumprimento aos feitos, ora juntando guias de recolhimento, fazendo os autos conclusos à juíza, ora expedindo intimações às partes.
É de ser ressaltado que os horários nos quais eram praticadas as condutas também levam a concluir pelo intento delituoso, pois os processos eram movimentados fora do expediente comum, e todos os processos envolviam sua nora Eveline Merino Vignoto, seu filho Saulo Miguel Penteado Montagnani (ambos advogados) e seu outro filho Telpo Henrique Penteado Montagnani.
[...]
Diante do exposto, é de ser provido o recurso do Ministério Público do Estado do Paraná quanto à presente alegação, para o fim de condenar o réu em relação aos delitos descritos nos fatos 01 e 03 da exordial acusatória, nos quais foram imputadas as condutas descritas nos artigos 319, c/c artigo 327, § 2º, ambos do Código Penal, por 38 (trinta e oito) vezes, na forma do artigo 71, do Código Penal." (fls. 17184/17188).
Como se vê, o Tribunal de origem entendeu que restou configurada a prática do delito de prevaricação pelo recorrente quanto aos FATOS 1 e 3. Foi asseverado que o recorrente, após se declarar impedido de atuar nos processos que envolviam sua nora e seus filhos, continuava a dar prosseguimento aos feitos, juntando guias de recolhimento, expedindo intimações às partes e fazendo os autos conclusos ao Juízo processante, geralmente fora do expediente normal, com o nítido fim de terem andamento/impulsionamento, conforme confessado pelo próprio acusado.
Dessa forma, de fato, tais condutas se enquadram no elemento típico do delito de prevaricação, em razão da prática de ato contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Além disso, a reversão do que foi concluído pelo Tribunal de origem demandaria a reanálise do conjunto fático-probatório, o que esbarra no óbice previsto na Súmula n. 7 do STJ.
A propósito (grifos nossos):
[...]
PLEITO ABSOLUTÓRIO. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. INOCORRÊNCIA. PROVA TESTEMUNHAL. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. REEXAME DE PROVAS. NÃO CABIMENTO. INSURGÊNCIA IMPROVIDA.
1. De forma oposta à argumentação apresentada pela defesa, a condenação baseou-se no exame das interceptações telefônicas em conjunto com outras provas, notadamente a prova testemunhal, o que é plenamente aceito pela jurisprudência desta Corte Superior, não havendo que se falar em condenação fundamentada unicamente em diálogos advindos das interceptações.
2. Concluindo as instâncias de origem, a partir da análise do arcabouço probatório existente nos autos, acerca da materialidade e autoria delitiva assestada ao denunciado, a desconstituição do julgado, no intuito de abrigar o pleito defensivo absolutório, não encontra espaço na via eleita, porquanto seria necessário a este Tribunal Superior de Justiça aprofundado revolvimento do contexto fático-probatório, providência incabível em Recurso Especial, tendo em vista o óbice da Súmula 7 desta Corte.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp n. 1.261.994/MS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 21/8/2018, DJe de 31/8/2018.)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL MILITAR. JUNTADA DE DOCUMENTO NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO ACERCA DA INTEGRALIDADE DOS DOCUMENTOS. NULIDADE RELATIVA. PRECLUSÃO. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. CONDENAÇÃO. PREVARICAÇÃO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. REVISÃO DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ.
1. No que toca à falta de intimação da defesa sobre parte dos documentos encartados aos autos, não tendo sido demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo nem alegado o vício no momento oportuno, evidenciando-se a ocorrência de preclusão, deve ser afastada a alegação de nulidade.
2. A reforma do acórdão que condenou o recorrente pelo delito de prevaricação, a fim de verificar se restou devidamente demonstrado nos autos que descumpriu dever funcional para satisfazer sentimento pessoal, exigiria nova análise das provas e fatos do presente feito, o que é vedado nesta instância extraordinária. Incidência da Súmula 7 deste Superior Tribunal de Justiça.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.729.004/SP, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 2/8/2018, DJe de 13/8/2018.)
Quanto ao pleito de reconhecimento da atipicidade das condutas descritas nos FATOS 2 (prevaricação), 4 (advocacia administrativa) e 7 (inserção de dados falsos em sistema de informações), o Tribunal de origem manteve a condenação nos seguintes termos (grifos nossos):
"Absolvição do apelante nos fatos 02, 04 e 07, em razão da atipicidade dos mesmos, bem como ante a inexistência de qualquer prova indicando que teria o réu agido com dolo
Sustenta a defesa a absolvição do acusado em relação aos fatos 02, 04 e 07, em razão da atipicidade dos fatos que lhe foram imputados por se tratarem de meras atividades cartorárias cotidianas, sob a alegação de não poder ser demasiadamente penalizado por trabalhar em final de semana ou feriado, assim como movimentar processos de forma célere, e finalmente, atender comando judicial e pedido das partes para mera atualização de valor da causa.
Afirma que inexistir qualquer prova indicando a presença de dolo nas suas condutas.
Com relação aos fatos 02, 04 e 07, a denúncia foi oferecida nos seguintes termos:
[...]
Como extraído da sentença, o acusado Carlos Miguel Montagnani foi condenado como incurso nos crimes previsto no – arts. 319 c/c 327, § 2º, ambos do CP, na forma no art. 71, , do CP; fato 02 caput fato – arts. 321, parágrafo único c/c art. 327, § 2º, ambos do CP, na forma no artigo 71, , do CP e 04 caput fato – arts. 313-A c/c 327, § 2º, ambos do CP, reunidos na forma do art. 71, caput, do CP, sendo os fatos 04 07 e 07 reunidos entre si na forma do art. 69 do CP. Contudo, ao contrário do alegado, a materialidade e autoria delitivas restam devidamente comprovadas por meio das peças que instruem o presente feito.
[...]
É de ser ressaltado que no momento em que existe uma situação de impedimento, qualquer ato de movimentação a partir de então constitui movimentação de forma indevida, inclusive no caso de impulsionamento do feito.
Resta demonstrado, reitera-se, que o ora apelante Carlos Miguel, embora tenha declarado seu impedimento nos feitos em que seus filhos e nora eram partes, continuou movimentando os processos normalmente. Percebe-se dos autos que a conduta do acusado em questão se dava sempre da mesma forma, ele se declarava impedido, no entanto, continuava a dar cumprimento aos feitos, ora juntando guias de recolhimento, fazendo os autos conclusos ao juiz, ora expedindo intimações às partes.
É de ser ressaltado que os horários nos quais eram praticadas as condutas também levam a concluir pelo intento delituoso, pois os processos eram movimentados fora do expediente comum, e todos os processos envolviam sua nora Eveline Merino Vignoto, seu filho Saulo Miguel Penteado Montagnani (ambos advogados) e seu outro filho Telpo Henrique Penteado Montagnani.
Todas as provas apresentadas demonstram, sem sombra de dúvidas, que o réu cometeu o delito de advocacia administrativa ao patrocinar, diretamente, interesse privado perante a Administração Pública, valendo-se da qualidade de funcionário, uma vez que deu tramitação prioritária nos processos de autoria de seu filho Telpo Henrique Penteado Montagnani, cujos advogados são Saulo Miguel Penteado Montagnani, também filho, e Eveline Merino Vignoto, sua nora, com a manifesta intenção de favorecer o interesses pessoais, profissionais e financeiros de seus filhos e nora, em detrimento dos demais serviços afetos à Vara Cível da Comarca de Santa Isabel do Ivaí.
Assim, não merecem acolhida as alegações ora tratadas" (fls. 17209).
Oportuno também transcrever a fundamentação apresentada na sentença condenatória quando aos aludidos fatos delitivos (grifos nossos):
"Ademais a materialidade delitiva quanto aos fatos 02, 04 e 07 concretiza-se pelos depoimentos prestados no decorrer das investigações preliminares e em contraditório judicial, pelo simples compulsar dos autos enumerados na denúncia se verifica registrado no sistema projudi a prática indevida de atos, em manifesto impedimento legal, visando satisfazer interesse pessoal de forma prioritária em feriado em horário noturno, bem como a alteração de dados sem determinação judicial, quando impedido.
[...]
O mesmo não se diz quanto aos fatos 02, 04 e 07. Posto que de fato em 02 fez movimentação estando impedido legalmente, em 04 atuou em feriado em horário noturno movimentando processos de forma a agilizar o andamento e beneficiar os filhos, e por fim em 07 atuou alterando de oficio o valor das ações sem autorização do juízo.
Oportuno destacar que, após a análise de todos os processos narrados na exordial acusatória, pode-se verificar que a movimentação das respectivas demandas, mesmo após o acolhimento do impedimento por este juízo, é feita pelo acusado, ou por seu funcionário Marcos Gabriel, podendo concluir que o segundo atuava como longa manus, e por ordem do acusado, ficando claro nos autos a estratégia de favorecimento pessoal, de seus filhos.
[...]
Assim, e diante de todas as provas carreadas aos autos, a autoria delitiva quanto aos fatos 02, 04 e 07 é certa e recai sobre o denunciado Carlos Miguel Montagnani.
[...]
Em que pese as declarações do acusado, não se pode olvidar que o mesmo possui o título de bacharel em direito, sem prejuízo como mesmo aduz em diversas manifestações prestou serviço por mais 40 (quarenta) anos perante o Poder Judiciário nesta comarca, sendo, portanto, inescusável a alegação de desconhecimento quanto ao impedimento legal em movimentar os processos que figuravam como parte ou advogado os seus filhos e sua nora, tanto que, certificava nos autos a respectiva situação, como se verifica, por exemplo, nos autos nº 1527-13.2014.8.16.0151 e autos 1513-29.2014.8.16.0151, em evento 6.1.
Assim, é incontestável nos casos que processos foram movimentados pelo acusado, sendo que ele próprio, na oportunidade de seu interrogatório, reconhece que realizava os atos conforme narrado na denúncia, e inclusive declarou que era utilizado o seu login para tanto, ou de seu funcionário, também impedido ainda que tenha sido designado outro serventuário por este juízo.
[...]
Da mesma forma, diante dos elementos de convicção amealhados – sobretudo o depoimento do acusado - demonstra que, malgrado seu impedimento, o acusado realizou, por meio de seu login e senha, a movimentação “prioritária” de processos envolvendo, como partes ou procuradores, seus filhos e nora.
Em seu depoimento Carlos declarou “ tinha preocupação de fazer os processos andarem (...) entendia que mesmo estando impedido era atribuição dele dar aquele andamento inicial fazer a juntada, fazer concluso e juntar a certidão (...) ”.
[...]
Carlos, em seu interrogatório reconhece que os processos narrados na exordial acusatória, os de expurgos inflacionários, que totalizavam valores exorbitantes onde chegariam a aproximadamente R$ 85.057.454,25, ( oitenta e cinco milhões, cinquenta e sete mil, quatrocentos e cinquenta e quatro reais e vinte e cinco centavos) conforme informação de evento 8.28, pag. 501, não possuem prioridade legal a fim de ensejar a movimentação prioritária em relação aos demais, e fora do horário de expediente.
[...]
Resta claro o interesse pessoal em movimentar processos de expurgos inflacionários milionários (chegaram a aproximadamente R$ 85.057.454,25, (oitenta e cinco milhões, cinquenta e sete mil, quatrocentos e cinquenta e quatro reais e vinte e cinco centavos) conforme informação de evento 8.28, pag. 501) de seu filho Telpo como autor, seu filho Saulo como advogado, mesmo sendo impedido por lei.
[...]
Também está configurada a prática da conduta narrada em fato 07. Em que pese as declarações do réu, observados os processos narrados na exordial acusatória, quais sejam, os autos nº 1562-70.2014.8.16.0151 e autos nº 1563- 55.2014.8.16.0151, verifica-se que Sr. Carlos em evento 6.1 certifica o seu impedimento para atuação, em evento 7.1 sobrevém aos autos manifestação da parte exequente quanto a novos valores, e em seguida, em evento 9.1 a Juíza da época então designa novo serventuário para atuação dos feitos, sem autorizar que o fizesse com seu login, sem mencionar a determinação do valor da causa.
Mesmo assim, sem qualquer determinação judicial para alteração quanto ao valor da causa, e sem qualquer autorização para que fossem feitas movimentações, o acusado em evento 10 altera o valor da causa dos autos 1562-70.2014.8.16.0151 de R$ 2.965,44 para R$ 889.158,92, e em evento 12, nos autos 1563-55.2014.8.16.0151 de R$ 4.639,22 para R$ 1.355.895,17.
Se estava impedido legalmente, se não houve determinação de alteração do valor da causa, não poderia tê-lo feito" (fls. 15437/15450).
Como se vê, as instâncias ordinárias reconheceram a prática do crime de prevaricação pelo recorrente, quanto ao FATO 2, considerando que, embora tenha declarado seu impedimento nos feitos em que seus filhos e nora eram partes, continuou movimentando os processos normalmente – não apenas para certificar seu impedimento –, com o objetivo de dar andamento prioritário aos feitos, ou seja, praticou atos contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal – assim como nos FATOS 1 e 3.
Ademais, as instâncias ordinárias entenderam pela condenação do recorrente pelo crime de inserção de dados falsos em sistema de informações, descrito no FATO 7, sob o fundamento de que, "sem qualquer determinação judicial para alteração quanto ao valor da causa, e sem qualquer autorização para que fossem feitas movimentações, o acusado em evento 10 altera o valor da causa dos autos 1562-70.2014.8.16.0151 de R$ 2.965,44 para R$ 889.158,92, e em evento 12, nos autos 1563-55.2014.8.16.0151 de R$ 4.639,22 para R$ 1.355.895,17" (fl. 15450).
De fato, tais condutas delitivas se amoldam, respectivamente, aos delitos previstos nos arts. 319 e 313-A do Código Penal, in verbis:
"Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Inserção de dados falsos em sistema de informações
Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano."
Além disso, reverter a conclusão das instâncias ordinárias pela prática das referidas condutas delitivas pelo recorrente, a qual foi amparada no vasto acervo fático-probatório amealhado aos autos, mostra-se inviável nesta via do recurso especial, nos termos da Súmula n. 7 do STJ.
No mesmo sentido (grifos nossos):
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ART. 313-A DO CP. ART. 288 DO CP. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS NO SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS. CONCESSÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIOS DE AMPARO AO IDOSO. PRESCRIÇÃO CONDICIONADA AO TRÂNSITO EM JULGADO. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1.A tese relativa à ausência de provas da materialidade delitiva e atipicidade da conduta se relaciona diretamente com o mérito da acusação, demandando, para sua análise, revolvimento fático-probatório, providência sabidamente incabível em razão do óbice da Súmula 7/STJ.
2. A inversão do julgado, com vistas à absolvição do ora agravante, exigiria aprofundado reexame fático-probatório, expediente vedado nesta seara recursal, conforme se extrai do óbice da Súmula n. 7/STJ.
[...]
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.249.181/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 1/4/2025, DJEN de 7/4/2025.)
Por outro lado, quanto ao delito de advocacia administrativa, descrito no FATO 4, as instâncias ordinárias entenderam que o recorrente patrocinou, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário, haja vista que, dando falsa prioridade, movimentou, em dias e horários diversos do expediente comum, "processos de expurgos inflacionários milionários chegaram a aproximadamente R$ 85.057.454,25, (oitenta e cinco milhões, cinquenta e sete mil, quatrocentos e cinquenta e quatro reais e vinte e cinco centavos) conforme informação de evento 8.28, pag. 501) de seu filho Telpo como autor, seu filho Saulo como advogado, mesmo sendo impedido por lei" (fl. 15447).
Sobre o referido delito, esta Corte Superior entende que "[o] crime de advocacia administrativa é próprio, formal e de concurso eventual, cuja essência proibitiva recai sobre a defesa de interesses privados perante a Administração Pública por funcionário público. O patrocínio do interesse privado e alheio, legítimo ou não, por funcionário público, perante a Administração Pública, pode ser direto, concretizado pelo ele próprio, ou indireto, valendo-se ele de interposta pessoa, para escamotear a atuação. Fundamental que o funcionário se valha das facilidades que a função pública lhe oferece, em qualquer setor da Administração Pública, mesmo que não seja especificamente o de atuação do agente" (HC n. 376.927/ES, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 17/10/2017, DJe de 25/10/2017).
Como se vê, na hipótese, assiste razão à Desembargadora Relatora do voto declarado, que negou provimento à apelação interposta pelo Ministério Público, para manter a absolvição do recorrente pelo crime de advocacia administrativa, descrito nos FATOS 5 e 6, conclusão esta que se aplica igualmente ao mesmo delito descrito no FATO 4.
Foi consignado pela referida julgadora o seguinte (grifos nossos):
"Com a devida vênia ao entendimento contrário, verifico que não está caracterizada a tipicidade dos delitos descritos nos fatos 05 e 06. A espécie delitiva imputada nesses dois fatos descritos na denúncia – qual seja, advocacia administrativa – trata de hipótese em que o agente público, valendo-se de sua condição, atua – pelas facilidades, pelos contatos e pelo conhecimento – junto à Administração Pública patrocinando algum interesse privado.
Referida conduta típica, no caso em tela, poderia se caracterizar se o réu, por exemplo, tivesse ido conversar com a Magistrada ou com a Assessoria, para agilizar os processos, ou mesmo se buscasse defender, perante quem decidiria a questão, tratar-se mesmo de justiça gratuita ou que a tese era a devida.
Todavia, a conduta imputada ao réu como advocacia administrativa, ou seja, a movimentação processual ou remessa prioritária, quando incabível, ou a juntada das guias, poderia se amoldar ao delito de prevaricação, no qual a execução de atos em desacordo com as normas já está presente e é objeto de enquadramento por outro delito.
[...]
Logo, não se deve dar provimento ao recurso ministerial nesta parte, visto que a prática imputada ao denunciado não se amolda ao tipo penal do crime de advocacia administrativa e, ainda, o delito de prevaricação, por ser mais adequado e específico, prevalece como a norma penal aplicável no caso, razão pela qual já ensejou a condenação de Carlos Miguel Montagnani pelo que se tem nos fatos descritos.
Na linha do que foi exposto, acaso se provesse o recurso ministerial, vênia máxima, para que se tivesse a condenação pelo delito do Art. 321, do CP, incorrer-se-ia em violação ao ne bis in idem, pois se tenta imputar pela mesma conduta (movimentação prioritária de processos) mais de um tipo penal" (fls. 17249/17250).
De fato, a conduta descrita no FATO 4 amolda-se ao delito de prevaricação, pelo qual, inclusive, o recorrente foi condenado pela prática do FATO 1, sendo certo que, na denúncia, em ambos os fatos foi explanado o mesmo ato delitivo cometido "[n]o dia 28 de outubro de 2014 (feriado do dia do funcionário público, com expediente suspenso através do Decreto Judiciário nº 1331/2014do TJPR), entre as 21h03min e 23h30min horas, e no dia 29 de outubro de 2014, entre as 15h22min e 16h09min" (fl. 17173).
Desse modo, assiste razão à defesa quanto à necessidade de absolvição do recorrente pelo crime de advocacia administrativa descrito no FATO 4, sob pena de indevido bis in idem.
Nesse sentido, mutatis mutandis:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE TORTURA. TRANCAMENTO DA PERSECUÇÃO PENAL PERANTE A JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. POSSIBILIDADE. ABSOLVIÇÃO PERANTE A JUSTIÇA MILITAR. MESMOS FATOS E CONTEXTO TEMPORAL. CAPITULAÇÕES JURÍDICAS DISTINTAS. IRRELEVÂNCIA. BIS IN IDEM CONFIGURADO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
- A Corte de origem reconheceu que os fatos imputados nas denúncias, militar e estadual, são os mesmos, não acolhendo, contudo, a tese de exceção de coisa julgada, ao argumento de que, apesar de os fatos terem sido cometidos no mesmo contexto, as condutas imputadas ao impetrante/paciente, ao menos até o que consta, são distintas (e-STJ, fl. 139).
- Todavia, a circunstância de as imputações se referirem a tipos penais diversos - art. 209, § 1º e § 2º, do Código Penal Militar (lesão corporal de natureza grave), e art. 1º, I, "a" e §§ 1º e 4º, ambos da Lei n. 9.455/1997 (crime de tortura) - não afasta a ocorrência de bis in idem quando os fatos atribuídos aos denunciados são rigorosamente os mesmos, pois o réu se defende dos fatos e não da tipificação penal que lhes é atribuída. Precedentes.
- Agravo regimental não provido.
(AgRg no RHC n. 125.997/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 9/6/2020, DJe de 18/6/2020.)
Assinala-se no ponto, ainda, que, estando a tese defensiva suficientemente prequestionada no voto declarado, fica superada a alegada ofensa aos arts. 619 e 620 do CPP.
De outra parte, sobre a ofensa aos arts. 59 e 319 do Código Penal, o Tribunal de origem manteve a valoração negativa dos motivos do crime nos seguintes termos:
"Da fixação das penas-base no mínimo legal, para todos os delitos
Tal insurgência não merece prosperar.
Isto porque, consideradas negativamente as circunstâncias judiciais da “culpabilidade” e “motivos”, além de, em todos os crimes ter sido elevada a reprimenda em razão do reconhecimento da causa especial de aumento descrita no art. 327, § 2º, do Código Penal, considerando que o acusado ocupava cargo de escrivão chefe da Vara Cível, razão pela qual não há para que se acolhido tal pleito defensório, não cabendo serem feitas maiores digressões a respeito do tema.
Diante do exposto, o voto do Relator quanto a fixação das penas-base no mínimo legal, para todos os delitos é pelo desprovimento do recurso da defesa." (fls. 17223/17224).
Oportuno também transcrever a fundamentação apresentada pelo Magistrado sentenciante para considerar os motivos do delito como circunstância judicial desfavorável, in verbis:
"O motivo, são razões subjetivas que estimularam ou impulsionaram o agente à prática da infração penal. Os motivos podem ser conforme ou em contraste com as exigências de uma sociedade. Não há dúvidas de que, de acordo com a motivação que levou o agente delinquir, sua conduta poderá ser bem mais ou bem menos reprovável. O motivo constitui a origem propulsora da vontade criminosa. (SCHMITT, Ricardo. Sentença Penal Condenatória, teoria e prática, 2013, juspodivm, p. 133).
Nesses termos, verifica-se que a respectiva circunstância judicial deverá ser valorada negativamente, considerando que o acusado cometeu o delito de prevaricação visando a obtenção de valor econômico milionário, qual seja segundo os autos, de aproximadamente R$ 85.057.454,25, (oitenta e cinco milhões, cinquenta e sete mil, quatrocentos e cinquenta e quatro reais e vinte e cinco centavos) conforme informação de evento 8.28, pag. 501" (fls. 1570/1571).
Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, "[a] moduladora 'motivos do crime' constitui a razão precípua (o porquê) da causa do crime, como expressão qualitativa da vontade do agente, transcendente à tipicidade ordinária criminógena, mas desde que não integre circunstância qualificadora, agravante ou (eventual) causa de aumento de pena plasmada pelo legislador, sob pena de nefasto bis in idem (AgRg no AREsp n. 2.665.217/SC, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 26/2/2025, DJEN de 6/3/2025.)" (AgRg no AREsp n. 2.879.699/AL, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 21/5/2025).
Como se vê, as instâncias ordinárias entenderam pela valoração negativa dos motivos do crime de prevaricação considerando que o recorrente visava, com a conduta delitiva, a obtenção de valor econômico milionário – R$ 85.057.454,25 –, o que, de fato, demonstra uma maior censurabilidade da prática criminosa e transcende aos elementos do referido tipo penal. Desse modo, a valoração negativa dos motivos do crime merece ser mantida.
Sobre a alegada nulidade advinda da alteração do quórum dos julgadores na ocasião do julgamento dos embargos de declaração opostos pelo Parquet, verifica-se que o Tribunal a quo não se manifestou acerca da tese.
Dessa forma, o recurso carece do adequado e indispensável prequestionamento. Incidentes, por analogia, as Súmulas n. 282 (“[é] inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”) e 356 (“[o] ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”), ambas do STF.
Inviável, pois, o conhecimento do apelo nobre quanto ao ponto.
Nesse sentido:
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N.ºS 282 E 356, AMBAS DO STF. DECISÃO MANTIDA.
I - Como se sabe, o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento firmado anteriormente, sob pena de ser mantida a decisão agravada por seus próprios fundamentos.
II - Com efeito, constato que a matéria, da forma como trazida nas razões recursais, não foi objeto de debate na instância ordinária, o que inviabiliza a discussão da matéria em sede de recurso especial, por ausência de prequestionamento.
III - Nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal, "Incidem as Súmulas n. 282 e 356 do STF quando a questão suscitada no recurso especial não foi apreciada pelo tribunal de origem e não foram opostos embargos de declaração para provocar sua análise" (AgRg nos EDcl nos EDcl no AREsp n. 1.727.976/DF, Quinta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 10/6/2022).
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 1.948.595/PB, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 24/10/2023, DJe de 6/11/2023.)
Por fim, verifica-se ser inviável o conhecimento do recurso especial no tocante à interposição com fundamento na alínea "c" do permissivo constitucional, uma vez que o recorrente não procedeu ao necessário confronto analítico entre os julgados, nos termos dos arts. 1.029, § 1º, do CPC, e 255, § 1º, do RISTJ.
Destarte, o recurso especial não deve ser conhecido nesse ponto, pois não foi feito o cotejo analítico entre os julgados, com a devida demonstração da similitude fática entre eles e da aplicação de distinta solução jurídica. Não se considera comprovado o dissídio jurisprudencial com mera transcrição de ementa ou trecho esparso do acórdão paradigma, que não permite a constatação da alegada semelhança entre os julgados.
Nesse sentido, citam-se precedentes:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA N. 182/STJ. PELITO DE ABSOLVIÇÃO. SÚMULA 7/STJ. TRÁFICO PRIVILEGIADO INCOMPATÍVEL COM A CONDENAÇÃO POR ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. SÚMULA 83/STJ. AUSÊNCIA DO NECESSÁRIO COTEJO ANALÍTICO ENTRE OS ACÓRDÃOS APONTADOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.
[...]
10. Por fim, não obstante a interposição do recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial, o recorrente não realizou o cotejo analítico entre os acórdãos confrontados, limitando-se a transcrever trecho do acórdão recorrido e a ementa do acórdão tido como paradigma. Como é cediço na jurisprudência desta Corte Superior, não se pode conhecer de recurso especial fundado na alínea "c" do permissivo constitucional quando a parte recorrente não realiza o necessário cotejo analítico entre os acórdãos confrontados, a fim de evidenciar a similitude fática e a adoção de teses divergentes, sendo insuficiente a mera transcrição de ementa. Requisitos previstos no art. 255, §1º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e do art. 1.029, § 1º, do CPC. Divergência jurisprudencial não demonstrada.
11. Agravo regimental não conhecido.
(AgRg no AREsp n. 2.458.142/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 14/2/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 383 DO CPP. MUTATIO LIBELLI. NÃO OCORRÊNCIA. CASO DE EMENDATIO LIBELLI. DENÚNCIA QUE DESCREVE MOLDURA FÁTICA COMPATÍVEL COM O DELITO DO ART. 313-A DO CP. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
[...]
5. Conforme disposição dos arts. 1.029, § 1º, do CPC, e 255, § 1º, do RISTJ, quando o recurso interposto estiver fundado em dissídio pretoriano, deve a parte colacionar aos autos cópia dos acórdãos em que se fundamenta a divergência, bem como realizar o devido cotejo analítico, demonstrando de forma clara e objetiva suposta incompatibilidade de entendimentos e similitude fática entre as demandas, o que não ocorreu na hipótese.
6. No caso dos autos, a parte limitou-se a indicar julgado desta Corte Superior relacionado a outra ação penal decorrente da mesma operação deflagrada para investigar fraudes na concessão de benefícios previdenciários sem, no entanto, realizar o devido cotejo analítico para demonstrar a similitude fática entre os julgados e a adoção de teses divergentes.
7. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 1.441.689/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 31/8/2022.)
Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e, nessa extensão, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, dou-lhe parcial provimento, para absolver o recorrente do delito de advocacia administrativa, descrito no FATO 4 da denúncia.
Publique-se.
Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear